Mercado

Principal fator para a tarifa de 50% é a presença da China na América do Sul, afirma Marcos Jank

Por Gabriela Kaneto

A decisão do governo dos Estados Unidos de aplicar uma tarifa de 50% sobre o café brasileiro representou um duro golpe para o setor, reduzindo a competitividade do produto nacional em seu principal mercado consumidor. Nos primeiros sete meses de 2025, o país foi o principal destino dos grãos brasileiros, com a importação de 3,713 milhões de sacas. Mas, desde 6 de agosto, data em que a medida entrou em vigor, produtores brasileiros e importadores estadunidenses têm sentido seus impactos.

“Ficou um clima bem desconfortável entre a nossa exportadora e o comprador. Tivemos que remarcar três vezes o booking”, relata Daniele Alkmin, da Agrorigem – The Coffee Id, na Mantiqueira de Minas. Em entrevista à Espresso, a produtora conta que, depois de tentar remarcar três vezes o envio, achou melhor cancelar o pedido. “Ele [o importador] tentou renegociar comigo para eu pagar 25% da tarifa, só que é completamente inviável para nós absorvermos isso. E ele também não conseguiu repassar para os seus clientes”. 

Na ponta final, os Estados Unidos também sentem os impactos da taxação. O café brasileiro representa cerca de 30% do consumo no país e sua ausência pode gerar instabilidade e aumento de preços nas gôndolas. “76% da população americana toma café. A participação nos lares é superior a qualquer outro tipo de bebida, como água engarrafada, sucos, refrigerantes. O café reina com uma liderança absoluta na população norte-americana”, explica Marcos Matos, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). 

“Essa tarifa de 50% é, sem dúvida, uma tarifa política. Político-ideológica, até podemos dizer”, opina Marcos Jank, coordenador do Centro Insper Agro Global. Para ele, pelo lado comercial, não há razões para a implementação da medida, uma vez que os Estados Unidos têm um superávit com o Brasil. Além disso, segundo ele, sempre houve uma boa relação comercial entre os dois países, com a presença de empresas e investimentos cruzados.

Jank acredita que o principal fator para a implementação da tarifa é a presença da China na América do Sul. “Essa presença ficou muito clara depois da reunião do BRICS, onde se falou sobre desdolarização, moeda única, cooperação técnica, aquisição de equipamentos. Essas coisas acabaram levando a colocação do Brasil na lista, com 50%”, justifica o especialista, que lembra que, além do Brasil, outro país atingido pelas tarifas, por razões semelhantes, é a Índia.

“Nosso importador está passando aperto, porque os cafés das outras origens estão caríssimos e não está tendo o café do Brasil para continuar colocando dentro do padrão que ele costumava atender os clientes. Muito triste esse cenário”, lamenta Daniele. “Ainda estamos conseguindo lidar melhor porque a gente consegue reposicionar esse café. Agora para ele, como importador americano, está um desafio violento”, comenta.

Sobre este desafio, o diretor-geral do Cecafé comenta que o mercado estadunidense já está acostumado com as características de corpo, acidez e doçura do café brasileiro, além do alto volume entregue para a produção de blends de marcas tradicionais e de pequenas torrefações. “A penetração do café nos lares vem crescendo ano a ano, conforme detecta a National Coffee Association. Nós passamos de 66% dos lares, há cinco anos, para 76% atualmente. Então há um trabalho de prosperidade econômica”, destaca Matos.

Se o Brasil é insubstituível do ponto de vista de produção e exportação, os Estados Unidos são insubstituíveis do ponto de vista do consumo. “É o maior consumidor global, com 25.5 milhões de sacas”, alerta Matos, que também menciona que, há duas semanas, o café estava cotado entre 2,70 e 2,80 nas bolsas internacionais e agora já ultrapassa os 3,60. “Nós tivemos uma alta abrupta por várias razões: pelas dificuldades de produção, principalmente de arábica, por conta de questões climáticas, e pelo tarifaço dos Estados Unidos, que desequilibra todo esse mercado”.

Além dos problemas contratuais, as exportações brasileiras podem sofrer impactos a longo prazo devido à concorrência de outros países produtores, como o Vietnã. “Na Ásia, de uma maneira geral, praticamente todos os países que são produtores têm acordos comerciais com tarifa zero. Então, se você tem um acordo de negócio de tarifa zero com a China, com países consumidores como Filipinas, Malásia e Singapura, você tem uma capacidade de competição muito grande”, destaca Aguinaldo Lima, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics). 

Segundo maior produtor de café do mundo, o Vietnã já vem apresentando um papel significativo nas importações da União Europeia, com quem tem um acordo de tarifa zero há dois anos. “Não são nem brechas deixadas pelo Brasil, na verdade são espaços que o Brasil deixa de ocupar. E o Vietnã, numa política bastante agressiva de acordos comerciais, para não perder venda, compra cafés de outros países que são concorrentes, como o Brasil, para completar e ganhar espaço no mercado internacional”, comenta Lima.

Os dados econômicos de impacto ao consumidor norte-americano têm sido um dos principais argumentos do Cecafé nas tentativas de reverter a medida governamental. No Brasil, a entidade tem trabalhado com o governo brasileiro no comitê interministerial de negociação, liderado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin. Nos Estados Unidos, tem atuado ao lado da National Coffee Association, de empresas torrefadoras e de redes de cafeterias locais na construção de narrativas e na circulação de dados corretos. “Estamos mostrando que o Brasil é fundamental para manter os preços sob controle, resultando em um maior consumo da bebida e mais empregos nos Estados Unidos”, afirma Matos.

Jank acredita que, através da pressão em conjunto com empresários norte-americanos, assim como fez o setor brasileiro da laranja – que conseguiu excluir o suco de laranja da lista no final de julho –,  é possível também retirar o café do tarifaço. “Essa chance existe no café porque ele não é produzido nos Estados Unidos”, explica. “Esse argumento de que o tarifaço serve para reindustrializar os Estados Unidos com setores que perderam espaço não vale para o café, porque eles nunca serão produtores e dependem de café importado, que precisa também vir do Brasil. Não dá para vir só da América Central, da Colômbia, da África ou de outros lugares”, argumenta.

Na tentativa de driblar a situação, Daniele está reposicionando suas vendas para outros mercados consumidores. “Como é café especial, de 85 pontos, eu estou direcionando principalmente para Dubai e Austrália, que são mercados abertos pra gente. A Noruega também tem potencial para dar certo”, aponta.

A situação, de acordo com o especialista do Insper, pode ser encarada como uma oportunidade para construção de relacionamento com empresários americanos que dependem do café, além da abertura de mercados em países que ainda são emergentes. “Países em geral que estão reduzindo o espaço do chá, por exemplo na Ásia, e estão entrando mais no café. Eu acho que essa é uma estratégia muito importante para o setor neste momento”. 

Já para Lima, o Brasil precisa ser mais agressivo nos acordos comerciais, investindo em tradeoff, onde as duas partes se completam. “O Brasil precisa ter uma postura diplomática muito mais agressiva. A gente tem fechado alguns acordos, mas nós poderíamos estar fechando muito mais”, afirma. “O Brasil, de uma maneira geral, e aí não é só o solúvel, só conseguirá conquistar mais mercados se realmente houver acordos internacionais de redução de tarifa. Porque o Brasil é um país que aplica muitas tarifas de importação, e isso tira a nossa competitividade”.

Na prática, a tarifa do governo de Donald Trump não penaliza apenas o exportador brasileiro, mas também encarece a xícara do consumidor norte-americano. Ao buscar alternativas em outros países, os importadores estadunidenses podem se deparar com limitações de oferta, o que evidencia o peso estratégico do Brasil no abastecimento global de café.

TEXTO Gabriela Kaneto

Café & Preparos

Nestlé demite CEO após investigação

Laurent Freixe (à esquerda) será substituído interinamente por Philipp Navratil (à direita)

A Nestlé anunciou, na última segunda (1º), a saída de Laurent Freixe do comando global da empresa após investigação interna concluir que ele manteve um relacionamento romântico não declarado com uma subordinada, em violação ao código de conduta da companhia, informou o The Guardian.

O executivo, no cargo desde 2024, será substituído interinamente por Philipp Navratil (na foto), presidente da Nespresso

TEXTO Redação

Mercado

Baratza apresenta novo modelo do moedor Encore

Referência mundial em moedores de café, a Baratza anunciou, durante a SCA Expo, em Houston (EUA), o Encore ESP Pro, evolução do clássico modelo de entrada da marca.

Compacto e com visual renovado em metal preto fosco, o equipamento traz lâminas cônicas em aço, ajuste contínuo de moagem com controle micrométrico, dois modos de operação (dose única e temporizado) e nova interface digital com display e botão giratório. Destaque para a tecnologia de geração de íons, que reduz a retenção de pó e a sujeira, e luzes LED para melhor visualização durante o uso.

O Encore ESP Pro está disponível no site da Baratza por US$ 299,95.

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

Mercado

Dinamarca quer eliminar impostos sobre café e chocolate

Na tentativa de aliviar o aumento dos custos para o consumidor final, a Dinamarca anunciou, no último dia 22, que pretende eliminar o imposto sobre uma série de itens alimentícios e bebidas, incluindo o café.

A medida do governo da primeira-ministra Mette Frederiksen pretende fazer essa redução gradualmente – metade em 2026 e por completo em 2027. Além do café, a medida pretende eliminar também a taxa sobre o chocolate, que está em vigor há mais de cem anos.

O imposto sobre o café foi criado em 1930 como parte de uma taxa sobre bens de luxo. Hoje, acrescenta cerca de 25% ao custo do produto – cerca de US$ 1,21 por quilo de café torrado. 

O vice-primeiro-ministro, Troels Lund Poulsen, diz implementar a medida para “impactar de imediato a vida das pessoas”, informa a plataforma Global Coffee Report. Estima-se que os cortes custarão ao tesouro dinamarquês cerca de US$ 370 milhões.

TEXTO Redação / Fonte: Global Coffee Report

Mercado

Keurig Dr Pepper anuncia compra da empresa JDE Peet’s

Com valor de € 16 bi, acordo até 2026 resultará em duas empresas independentes — uma de café e outra de bebidas

A Keurig Dr Pepper, empresa estadunidense líder no setor de bebidas e dona de um portfólio de mais de 125 marcas, anunciou na segunda (25) que irá adquirir a JDE Peet’s, maior companhia global dedicada ao café, com sede em Amsterdã, na Holanda. 

As ações da JDE Peet’s – dona de marcas como L’OR, Pilão, Caboclo,  Café do Ponto e Café Pelé – subiram 18% nas primeiras negociações do dia. O acordo, fechado em € 16 bilhões (aproximadamente R$ 101 bilhões), ainda depende da aprovação de acionistas e reguladores, mas deve ser concluído no primeiro semestre de 2026. 

A Keurig Dr Pepper pagará aos acionistas da JDE Peet’s um valor de € 31,85 (R$ 201) por ação, avaliando o patrimônio líquido da empresa em € 15,7 bilhões (R$ 99 bilhões). De acordo com o comunicado divulgado pelas companhias, a transação deve gerar um aumento significativo no lucro por ação já no primeiro ano da aquisição. 

Após a compra, o grupo combinado deve ser dividido em duas empresas, a Beverage Co., com foco em bebidas, e a Global Coffee Co., dedicada ao café, que serão listadas nos Estados Unidos e lideradas, respectivamente, pelo CEO da Keurig, Tim Cofer, e pelo CFO, Sudhanshu Priyadarshi.

TEXTO Redação / Fontes: Comunicaffe International e Folha de S.Paulo • FOTO Divulgação

Cafeteria & Afins

Sarta Coffee – São Paulo (SP)

A 350 metros do metrô Vila Madalena encontra-se a Sarta Coffee, nova cafeteria na cena de cafés especiais da capital paulista. A equipe da Espresso visitou a casa em uma manhã ensolarada de sexta-feira. O espaço pequeno e acolhedor, de decoração moderna e minimalista, dispõe de bancos do lado de fora e poucas mesas na parte de dentro.

Assim que chegamos, o atendente Vitor nos mostrou o cardápio e sinalizou que os pedidos eram tirados no caixa. Todos os grãos da Sarta são cultivados pela Daterra Coffee, fazenda referência em qualidade localizada em Patrocínio (MG), no Cerrado Mineiro, e são apresentados nas categorias da própria marca – Collection (R$ 15), Reserve (R$ 22) e Masterpiece (R$ 29). 

Coado, espresso, ristretto e bebidas com leite, quentes e geladas compõem o menu de café. De primeira, escolhemos um grão Collection e um Reserve, ambos no coado. O Collection do dia era um blend de bourbon vermelho e catiguá, de processamento natural, com descritivo de ameixa, frutas de caroço, blueberry, chocolate ao leite e caramelo. O Reserve escolhido era da variedade guarani, de processamento despolpado e natural, com sensorial de manga, frutas vermelhas, jasmim, amêndoas e mel. A torra dos grãos foi feita pela Abigail Coffee Co.

Servidos em uma jarrinha delicada de vidro, acompanhada de uma xícara branca da Loveramics (que chegou quentinha, ponto positivo), os cafés foram bem extraídos em uma Hario Switch, na proporção de 1 g para 15 ml. O Collection apresentou corpo cremoso, acidez alta e agradável, e sensorial de frutas roxas e maduras. Já o Reserve tinha corpo leve, acidez média, aroma de jasmim e sabor de frutas vermelhas e mel. Duas bebidas bem suaves para qualquer hora do dia.

O espresso escolhido por nós foi o stardust, de processamento natural, descrito sensorialmente como ameixa amarela, pêssego, damasco, frutas vermelhas e acidez láctica. Na xícara, a bebida, extraída em uma La Marzocco, estava bastante aromática, com corpo sedoso e finalização limpa. Deu para sentir o damasco e as frutas vermelhas, com destaque para a acidez láctica de iogurte.

Em relação às comidinhas, algumas opções não estavam disponíveis no dia – ponto de atenção quando se tem um cardápio enxuto. Nossas escolhas salgadas foram os ovos da casa (três ovos mexidos com queijo e tomate no pão petrópolis, um pão que lembra brioche) e o queijo quente (pão petrópolis com queijo padrão, finalizado com tomate cereja e cebolinha). Ambos estavam gostosos e bem executados. Nos doces, optamos pelo bolo de cenoura com chocolate 70%, que estava úmido e doce na medida certa, e o pain au chocolat, gostoso porém esfarelava em excesso.

Segundo Victor, a ideia da Sarta Coffee é que os cafés sejam o ponto principal da experiência – eles realmente se destacaram em comparação às comidas. Em geral, nossa experiência foi positiva, tanto em relação aos itens consumidos quanto ao atendimento e ao ambiente.

Nossa conta: R$ 138
Coado Collective – R$ 15
Coado Reserve – R$ 22
Espresso simples – R$ 11
Ovos da casa – R$ 28
Queijo quente – R$ 24
Bolo de cenoura com chocolate 70% – R$ 19
Pain au chocolat – R$ 19

Informações sobre a Cafeteria

Endereço Rua Luminárias, 105
Bairro Vila Madalena
Cidade São Paulo
Estado São Paulo
Website http://www.instagram.com/sartacoffee
TEXTO Equipe Espresso • FOTO Equipe Espresso

Mercado

Torrefação mineira lança solúvel com grãos da Mantiqueira de Minas

Por Gabriela Kaneto

De olho no crescente mercado de cafés solúveis, a torrefação mineira Tocaya lançou na quarta (20) seu primeiro solúvel liofilizado. Feito com catuaí amarelo do produtor José Wagner Junqueira, em Carmo de Minas, na Mantiqueira de Minas, e torrado na casa, a novidade é vendida no e-commerce da marca (R$ 38, caixa com quatro unidades). 

A ideia surgiu depois que Juliana Ganan, fundadora e mestre de torras, provou solúveis com diversos cafés de qualidade em viagens ao exterior. De volta ao Brasil e com referências afetivas (de parentes que consumiam solúvel com água ou leite) resgatadas, resolveu apostar no produto.

“O processo do nosso liofilizado envolve encontrar uma receita ideal para cada batelada de café, extraindo somente os atributos desejáveis daquele lote. Em seguida, passa para o congelamento e só depois para o liofilizador, que opera também em temperaturas extremamente baixas”, explicou à Espresso em fevereiro, enquanto finalizava testes (confira reportagem sobre o tema aqui). 

A liofilização, diz ela, preserva aromas e sabores originais da bebida, resultando em um perfil mais complexo. “Demoramos muito para chegar em um perfil que gostássemos, além do investimento em maquinário adequado. Apesar disso, escolhemos o liofilizado porque queríamos apresentar um produto de alta qualidade, desde a matéria-prima até o processo, mesmo que o custo fosse maior que os outros processos disponíveis”, conta.

Para Juliana, o produto atrai consumidores de cafés especiais que não dispõem de boas cafeterias por perto ou que estão em viagens, sem equipamentos para o preparo  da bebida. A ideia é fazer mais testes daqui pra frente, com novos grãos. “Por enquanto, vamos observar a aceitação deste”, comenta.

TEXTO Gabriela Kaneto • FOTO Divulgação

Mercado

Aceita beber um café sem grãos?

Por Cristiana Couto

Com as mudanças climáticas prestes a transformar o mapa do cultivo de café, a demanda crescente pelos grãos nos países asiáticos e a instabilidade do mercado, alternativas ao café estão estimulando pesquisas no mundo e a emergência de startups.

Novas opções à bebida vêm ganhando espaço por meio da agricultura celular, uma tecnologia emergente que envolve o cultivo de células animais ou vegetais em laboratório para produzir alimentos e biomateriais sem a necessidade de criação ou cultivo tradicionais. A tecnologia é utilizada em várias outras áreas – farmacêutica e têxtil, por exemplo – e adota duas abordagens principais: a fermentação de precisão e o cultivo celular.

Empresas e cientistas que investem nestas inovações defendem que elas são uma alternativa sustentável à produção tradicional do grão, já que eliminam o uso extensivo de terra e reduzem a pegada de carbono associada ao seu plantio. Além disso, consideram, abordagens como estas permitem uma produção estável durante o ano, pois não depende de fatores climáticos.

Um bom exemplo da aplicação da agricultura celular são os cafés sem grãos lançados pela Atomo Coffee. A empresa usa a tecnologia de fermentação de precisão – em que açúcares extraídos de vegetais são fermentados com leveduras ou bactérias, resultando num produto que busca reproduzir o sabor do café – para transformar alimentos reaproveitados de fazendas e superalimentos e criar seu “beanless coffee”. São, ao todo, 28 compostos, como caroços de tâmaras, sementes de girassol e farinha de banana que, reunidos, prometem imitar o perfil sensorial da bebida.

Fundada em 2019 em Seattle (EUA), a startup lançou em 2021 um cold brew sem grãos e, dois anos depois, um espresso. Em 2024, inaugurou uma fábrica com capacidade para produzir até 90 milhões de xícaras por ano, segundo o site GeekWire, e iniciou uma parceria com a rede Bluestone Lane, que disponibiliza seu espresso para mais de cinquenta estabelecimentos nos EUA. No mesmo ano, a Atomo Coffee apareceu na lista America’s Top GreenTech Companies 2024 e expandiu seu comércio para o Japão. Em janeiro, entrou no Reino Unido.

Ilustra: Rica Ramos

As possibilidades de bebidas beanless (ou bean-free ou, ainda, cafés sintéticos) por esse método se expandem. Em 2024, depois de lançar pasta sem amendoim e chocolate sem cacau, a norteamericana Voyage Foods gastou US$ 52 milhões e colocou no mercado um café sem grãos feito de grão-de-bico torrado e cascas de arroz, contendo níveis de cafeína semelhantes aos de cafés convencionais.

Desde 2023, a Prefer, startup criada em Singapura, comercializa seu café sem grãos feito com pão amanhecido, polpa de soja e grãos de cevada reciclados. Em fevereiro de 2024, a Prefer anunciou a captação de US$ 2 milhões em financiamento para ampliar a produção e expandir sua presença no mercado asiático.

Já no cultivo celular, os cientistas utilizam células do café e aplicam técnicas avançadas para desenvolver aroma e sabor próximos ao grão convencional.

O processo começa com a extração dessas células – geralmente, das folhas. Estas são cultivadas em um biorreator, equipamento que simula as condições ideais para o crescimento da biomassa em meio líquido. À medida que elas se multiplicam, são filtradas, secas e moídas, transformando-se em um pó semelhante ao café moído. Para chegar ao perfil sensorial da bebida, aplicam-se técnicas como liofilização e torrefação, ajustando tempo e temperatura para desenvolver os aromas e sabores característicos do café.

Diferentemente dos substitutos da bebida, o café cultivado em células mantém a estrutura molecular dos grãos, ou seja, conserva compostos essenciais como cafeína e precursores de aroma. Apesar de ausentes no Brasil, pesquisas do gênero vêm sendo feitas em países como Finlândia e Suíça.

Se os cafés substitutos já alcançaram consumidores, o desafio é maior para os produtos oriundos do cultivo celular. No início da divulgação das pesquisas, há quatro anos, ele residia na calibragem da qualidade sensorial e do nível de cafeína. Outra barreira inicial, que ainda persiste, é a regulamentação para entrada em mercados, por representar uma nova categoria de alimentos. Até o momento, os “cafés celulares” não estão comercialmente disponíveis em nenhum país, mas já existem startups desenvolvendo a tecnologia, como a norteamericana California Cultured e a finlandesa VTT.

“A fermentação de precisão não vai dar, realmente, um sabor de café”, explica Paulo Mazzafera, especialista em fisiologia vegetal e professor-sênior do Instituto de Biologia da Unicamp. “Mas no cultivo celular, há várias outras substâncias para torrar, e reações entre células que fazem com que se chegue mais próximo das nuances de qualidade da bebida”, completa.

Por fim, um alerta recente sobre o assunto foi levantado por Anne Charlotte Bunge e Rachel Mazac, em artigo produzido com outros pesquisadores e publicado em janeiro na Nature Foods. Os autores alertam que os benefícios ambientais da agricultura celular em culturas como café e cacau “ainda não foram validados por estudos científicos revisados por pares”. Por outro lado, eles sugerem que pesquisas futuras investiguem o perfil nutricional e a aceitabilidade dessas alternativas pelos consumidores.

Texto originalmente publicado na edição #87 (março, abril e maio de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto

Barista

Inscrições para Campeonato Brasileiro Blends de Café ABIC 2025 vão até terça (19)

Estão abertas até amanhã (19), às 18h, as inscrições para a segunda etapa estadual do Campeonato Brasileiro Blends de Café ABIC 2025, realizado pela Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic). A segunda etapa estadual da competição (a primeira, em São Paulo, foi em abril) acontece em 29 e 30 de agosto, no Centro de Excelência em Cafeicultura (Senar), em Varginha (MG). As inscrições podem ser feitas aqui. O campeonato, que busca promover e fomentar o conhecimento em torno da criação de blends de café, tem a etapa final programada para o segundo semestre, com data e local a serem definidos.

Do total de inscritos para esta segunda etapa, 20 são sorteados. Os 15 primeiros são classificados para a etapa, enquanto os 5 restantes ficam na fila de espera em caso de desistência. Este sorteio é feito em 20 de agosto, às 10h, com transmissão pelo Instagram @abiccafe.

Sobre a competição

Neste ano, o campeonato terá três etapas – duas estaduais e a final. Da etapa estadual de Varginha, com as fases classificatória, quartas de final e semifinal, saem os 3 finalistas que participam da fase nacional (confira o regulamento aqui).

Como nas edições anteriores, os competidores precisam frequentar um workshop sobre o Protocolo Brasileiro de Avaliação de Cafés Torrados, que acontece no primeiro dia de campeonato. Nas duas primeiras fases, os competidores criam blends com grãos arábica e canéfora, conforme o estilo de bebida definido para cada grupo. Já na final do campeonato, além da criação do blend, os seis participantes selecionados precisam torrar o café oferecido pela organização. 

A etapa de São Paulo aconteceu em Campinas e classificou três finalistas para a etapa final: Elder Caetano Oliveira Júnior (Nuance Araguari), Larissa Emanoela Rinco (Horlando Agro Coffee) e Luiz Henrique Araújo Oliveira (Café Forte de Minas).

Campeonato Brasileiro Blends de Café ABIC 2025 – Etapa Varginha
Quando: 29 e 30 de agosto
Onde: Centro de Excelência em Cafeicultura (Senar), em Varginha (MG)
Mais informações: www.instagram.com/abiccafe 

TEXTO Redação

Café Nice e a “bolsa do samba”

“O fazedor de sambas precisa resolver o problema da média e do pão com manteiga. E a fome inspira-o. Ele, então, faz um samba. E conta no samba que a cabrocha fugiu… e aparece-lhe para seu tormento, como uma visão nas notas de lua… É mentira do fazedor de sambas.

Cabrocha quer dinheiro, e ele não o tem. Quem não tem dinheiro, não tem cabrocha, que é objeto de luxo. A visão que o persegue não é da cabrocha e, sim, a visão de um tal são Manuel, que é o dono do cortiço onde mora o fazedor de sambas e que quer receber uns atrasados”.

Este é o trecho inicial de uma matéria assinada pelo compositor e maestro brasileiro Custódio Mesquita, em 6 de janeiro de 1940, no Dom Casmurro. Na página 8 do periódico carioca, a história que queremos contar já está expressa no título: “Fazedores e compradores de sambas”. Mesquita segue:

“E dessa miséria é que nasce a inspiração, que ele vai vender ao comprador de sambas, condenada em alguns versos banais, chulos e quebrados. A propriedade do comprador logo se faz notar. A anemia do fazedor também. E assim vão vivendo, fazedores e compradores.”

Segundo Mesquita, um “inteligente” cronista de época apelidou o Café Nice de “bolsa do samba”. O Café Nice, apesar de atualmente quase esquecido, foi um dos locais mais importantes para a música brasileira, principalmente o samba e a bossa nova. Mas, antes de penetrarmos nos meandros dessa história, vejamos mais um pouco da narrativa de Mesquita:

“Em algumas mesas do elegante café da avenida [saberemos em breve qual é], fazedores, com os dedos, tamborilam no chapéu de palha e cantarolam baixinho. Estão ‘fazendo’. Em outras mesas, os compradores, geralmente bem vestidos, tudo observam, fingindo despreocupação. De repente, o fazedor dirige-se ao comprador, segreda-lhe no ouvido e senta-se junto ao ‘capitalista’. Confabulam misteriosamente por algum tempo. O comprador mete a mão no bolso com superioridade e, abrindo a carteira, retira vinte mil réis (notas grandes!), que dá, arrogantemente enfadado, ao fazedor.”

O fazedor do samba, conta nosso autor, volta ao seu lugar, enquanto o comprador pede ao garçom um café pequeno e saboreia-o calmamente. Tinham dito a ele, continua Mesquita, que o café é um ótimo estimulante, e um homem de negócios precisa sempre de “estímulo e estimulantes”. Já o fazedor pede uma média com pão e manteiga, pois lhe disseram que quem “trabalha com a cabeça” precisa alimentar-se bem.

Aberto em 1922, o Café Nice, com suas mesinhas de mármore e cadeiras de palhinha, tornou-se icônico entre as décadas de 1930 e 1940 por ser frequentado por grandes compositores. Entre eles figuravam nomes como Ary Barroso, Noel Rosa, Silvio Caldas, Aracy de Almeida, Francisco Alves, Benedito Lacerda, Orlando Silva, Carlos Galhardo, João Petra de Barros, Paulo Apaché, Luis Barbosa, Mario Reis, Carmen Miranda – esta, só ocasionalmente)… Enfim, a lista é longa. Como também é a matéria de Mesquita, mas que já está no fim. Vejamos:

“As estações de rádio lançam aos quatro pontos cardeais o samba [do fazedor de que falávamos], que faz um grande sucesso. O comprador tem um lucro esplêndido, e o fazedor continua no miserê… Toda a vez que o speaker anuncia o nome do autor do samba de sucesso (que não é o nome do fazedor e, sim, do comprador), uma punhalada forte e segura, vibrada pelas mãos do ódio e da fome, atravessa o estômago do infeliz fazedor de sambas. E, então, ele jura que nunca mais venderá a sua produção. Mas, no dia seguinte, lá está, humildemente, na mesa do comprador, o fazedor procurando negociar a sua última produção, que se intitula ‘Quebrei a jura’…”

Mas, embora fosse um clássico carioca, o Nice não nasceu para a fama. Pelo menos, não logo de cara. Quando o Nice já não era mais o quartel general do samba, uma matéria do Correio da Manhã de 1950 contava um pouco da sua história até os tempos áureos dos anos 1930 e 1940.

Em 1922 e com o nome de Casa Nice, o café era administrado pela firma Silva Pedreira & Cia e localizado em área nobre – em plena avenida Rio Branco, 174, no Largo da Carioca, onde hoje está o edifício da Caixa Econômica Federal. Segundo o gerente do café na época, entrevistado na reportagem, a Casa Nice, no início, era “empafiada”, uma “autêntica representante da casaca e cartola.”

Era lá que as mocinhas da alta sociedade, trajando vestidos de seda japonesa confeccionados em Paris, iam acompanhadas de suas “babás” (pessoas que iam vigiá-las por questões de decência). Sentadas no Nice, tomavam seus cafés e sorriam disfarçadamente por trás de leques para os bonitões grã-finos e faziam a social.

Mas o ambiente do café começou a mudar no fim da década de 1920, numa dinâmica bastante comum aos cafés e botequins chiques da cidade. Aos poucos, esses locais iam se tornando ponto de boêmios. No caso do Nice, uma boemia artística. A partir da década seguinte (e por uns bons quinze anos), ele foi o grande ponto de encontro daqueles que buscavam emplacar um novo sucesso no rádio ou, apenas, ganhar o dinheiro da semana, vendendo uma ideia de um samba novo para algum engravatado da rádio.

Da mesma maneira que o Café Papagaio, que também abrigava músicos da boemia carioca, o Nice passou a ser ponto de encontro de compositores e sambistas. Alguns diziam que isso se devia à busca por um ambiente menos intelectual, já que o Café Papagaio, seu concorrente, era também frequentado por escritores e cronistas.

O lugar rapidamente se tornou conhecido como “bolsa do samba”. Um novo sucesso podia estar sendo gestado em meio a um batuque numa caixinha de fósforos, num pires de xícara de café ou num copo d’água. Frequentador assíduo, compositor e também caricaturista e ilustrador, Antônio Nassara fez uma das representações imagéticas mais icônicas do Café Nice ao retratar figurinhas carimbadas do lugar como Lamartine Babo, Ary Barroso, Wilson Batista e Rubens Soares.

Por fim, o Nice sofreu do mesmo mal que todos os cafés brasileiros no período do pós-guerra. A maioria dos donos desses estabelecimentos começou a reclamar dos que faziam o sucesso do próprio estabelecimento. As longas palestras e o processo criativo de horas a fio nas mesinhas ao preço de um café acompanhado de um copo d’água atravancava a rotatividade do negócio que, segundo diziam, já vinha dando prejuízo por conta do tabelamento do preço do café pelo governo Vargas.

Nos anos 1940, o Nice tirou as mesas e instalou um balcão, transformando-se no que passou a se chamar, à época, de “café em pé”. Os antigos frequentadores começaram a rarear, dizendo que era impossível compor um samba tomando café apressadamente no balcão e aos encontrões com pessoas que queriam, também, pegar sua xícara. Mesmo com espaço rotativo, o local acumulou dívidas e sofreu despejo judicial em 1954. O edifício foi a leilão, depois, demolido, e um arranha-céu foi construído no local.

O apego dos frequentadores às mesinhas do Nice era tanto que ao menos dois de seus assíduos frequentadores resolveram adquiri-las para seu acervo particular. Aracy de Almeida e Henrique Foréis Domingues, também conhecido como Almirante, garantiram que um pedacinho da memória do antológico café não se perderia após o despejo. Essa última, por sorte, ainda pode ser apreciada, pois hoje faz parte do Museu da Imagem do Som do Rio de Janeiro.

Bruno Bortoloto do Carmo é doutor em História Social pela PUC-SP, com passagem pela École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris. Pesquisador do Museu do Café de Santos por 13 anos, atualmente trabalha no Museu da Imigração em São Paulo.

TEXTO Bruno Bortoloto do Carmo • FOTO Eduardo Nunes
Popup Plugin