Cafezal

A ciência por trás dos canéforas de qualidade

Propagação clonal e cuidado no manejo ajudaram a transformar as características sensoriais da espécie no Brasil

Durante décadas, os cafés canéforas, considerados de qualidade inferior, não pertenciam ao círculo exclusivo de grãos especiais – arábicas. Mais uma reviravolta feita pela ciência está mostrando ao mundo que o patinho feio dos grãos é, na verdade, um belo (e ainda jovem) cisne.

Em 2018, um dos primeiros canéforas de qualidade botou as asas de fora e meteu-se na prateleira da cafeteria paulistana Santo Grão com o sugestivo nome de “0% arábica”. Seu produtor, o capixaba Lucas Venturim, é atualmente referência nacional em qualidade da espécie. Antes, porém, robustas amazônicos e conilons capixabas ganhavam visibilidade em concursos de qualidade. A Semana Internacional do Café incluiu, em 2016, a categoria canéforas finos no concurso Coffee of the Year (COY). Em 2023, o conilon vencedor foi arrematado em leilão por R$ 10 mil a saca (60 kg).

Lucas Venturim (à esquerda) e seu irmão Isaac: quinta geração

Para alcançar esse marco, foi preciso muita pesquisa em laboratório e centenas de experimentos em campo para que outros cisnes nascessem – o desenvolvimento de um novo café pode levar quinze anos.

O sul do Espírito Santo, que produz conilons, e as Matas de Rondônia, origem dos robustas amazônicos, são as duas regiões que protagonizam essas transformações. A primeira é a segunda maior produtora de canéforas do mundo e, desde 1970, cultiva o conilon em larga escala. A segunda região produz o robusta amazônico – um híbrido de conilon e robusta – que surgiu na natureza ao longo do século XX.

Investimentos em ciência e tecnologia garantiram a entrada de ambas, em 2021, no rol das 15 Indicações Geográficas (IGs) do café – um registro que comprova, a partir de densos estudos, que os grãos de um delimitado território têm excelência na produção daquele produto. “Selos de origem ajudam a educar o consumidor”, ensina Georgia Franco, proprietária do Lucca Cafés Especiais, de Curitiba, que comercializa grãos de todas as origens brasileiras.

A transformação sensorial dos canéforas quebrou paradigmas, como o de que a genética da espécie era inferior, e concedeu-lhes prêmios. O caminho dos canéforas especiais, porém, é longo e está no início. “Falta divulgação e conhecimento sobre esses cafés”, analisa a barista e ex-campeã brasileira Silvia Magalhães, da torrefação SM Cafés, de São Paulo. “Precisamos aproximar as pessoas dos canéforas”, reforça Venturim.

Mas afinal, qual o papel dos cientistas nessa revolução de sabor? Eles atuam, basicamente, em duas frentes: no desenvolvimento de novos materiais genéticos e na aplicação de tecnologias de ponta no pós-colheita que, reservadas até então aos arábicas especiais, passaram a ser pensadas para os canéforas. E, em parceria com os cientistas, estão cooperativas, produtores e entidades representativas e técnicas. Com a crise climática ameaçando o futuro dos arábicas, robustas e conilons surgem como alternativas promissoras na produção de bebidas de alta qualidade.

Seca dos conilons em terreiro suspenso – Fazenda Venturim

Clonagem: um complexo quebra-cabeça

A tecnologia de melhoramento genético por clonagem em cafés não é nova. O primeiro programa brasileiro de propagação clonal em cafés foi lançado em 1970 pelo IAC (Instituto Agronômico de Campinas), e em 1985 para conilons pelo Incaper (Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural).

A virada de chave foi incluir parâmetros sensoriais e químicos na genética dos novos canéforas. “Hoje, o olhar não é só para a produtividade, mas também para uma boa bebida”, diz o agroecólogo e classificador de canéforas finos Tássio de Souza, do Incaper. A produtividade sempre guiou a seleção de materiais genéticos de café, ao lado de características como resistência a pragas e doenças, arquitetura das plantas e tolerância à seca, todas ainda fundamentais no desenvolvimento de novas cultivares – nome técnico para variedades cultivadas. “Para lançarmos um novo clone, ele deve atender critérios agronômicos antes dos sensoriais”, resume Souza. Foi assim que, em 2012, as cultivares diamante, jequitibá e centenária surgiram nos campos e laboratórios do Incaper, formando o primeiro time de canéforas de qualidade brasileiros – os experimentos começaram no início dos anos 2000, a partir de mais de 2 mil materiais genéticos.

Mas por que usar clones em vez de sementes? Para ter uniformidade e consistência no campo. “A planta clone tem genética idêntica à da matriz, de onde são retiradas as novas plantas, exatamente iguais”, explica Fábio Tancredi, pesquisador da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), que conduz experimentos com conilons capixabas em seu estado. Já as sementes têm a combinação dos DNAs dos pais, originando indivíduos diferentes. Embora qualquer estudante de ensino médio saiba disso, pouca gente sabe que uma das principais diferenças entre arábicas e canéforas é, justamente, o processo de fecundação.

Arábicas se autofecundam, mas canéforas precisam de companheiros para gerar flores. Essa alogamia (fusão de gametas de indivíduos diferentes) tem consequências no campo, como produzir lavouras heterogêneas – com plantas sem padrão de altura, formato ou tamanho dos frutos –, o que dificulta a vida do produtor e não deixa saída a não ser a propagação clonal, para que haja eficácia no manejo dos grãos.

A reprodução clonal contribui para a qualidade. “A partir dos clones, replica-se o mesmo perfil sensorial dos cafés, pois o material genético é sempre o mesmo”, explica Enrique Alves, engenheiro agrônomo da Embrapa Rondônia (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária de Rondônia) e pioneiro na transformação sensorial dos robustas amazônicos. E existe algo que fascina cientistas e produtores. “Há mais possibilidades de modelar qualidade em canéforas do que em arábicas”, revela Lucas Louzada Pereira, do IFES (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo), doutor em engenharia de produção e referência em controle de qualidade. A base genética dos canéforas no Brasil é ampla, considerando as coleções dos bancos de germoplasmas – entre eles, IAC, Embrapa Rondônia e Incaper, que, em conjunto, têm mais de 1,6 mil acessos (amostras) – e as plantas selecionadas pelos cafeicultores.

“A expansão do cultivo no Espírito Santo foi, inicialmente, por plantas cruzadas naturalmente entre si”, recorda Louzada. Ao longo de décadas, isso levou ao estabelecimento natural de populações com alta variabilidade genética. Não é preciso ser matemático para vislumbrar quantas combinações de peças pode ter esse maravilhoso quebra-cabeça científico. E, quanto mais variabilidade genética, maior a diversidade sensorial.

Clonagem, porém, não é um trabalho simples. Um clone é definido como um indivíduo ou um grupo de indivíduos idênticos. Além disso, muitos clones de canéfora não cruzam entre si. Por isso, os cientistas reúnem clones em grupos de compatibilidade, e os viveiristas os comercializam em kits clonais – uma espécie de saquinho com as “pecinhas” (geralmente nove) de montagem da cultivar. O conhecimento da compatibilidade dos clones influencia diretamente as estratégias tecnológicas no campo.

Maturações diferentes, sabor da origem

A genética, afinal, não age sozinha. Boa parte da má reputação dos canéforas resulta de defeitos de manejo, e não de características genéticas. “Há um pacote tecnológico que vem com os novos clones”, lembra Alves. No Espírito Santo, um dos principais problemas detectados no começo dessa história foi a colheita do conilon. Temendo não encontrar mão de obra suficiente, os cafeicultores colhiam todos os frutos ao mesmo tempo. Muitos imaturos eram processados, desenvolvendo amargor na bebida que, aliado ao amargo da cafeína, consolidou a má fama dos canéforas. “Tivemos que mudar os conceitos de produção para quebrar essa caracterização”, explica Souza.

Uma das estratégias mais importantes de manejo é plantar em linha (fileiras) os clones com diferentes tempos de maturação (precoce, médio e tardio). Isso permite ao produtor ampliar o período de colheita e obter homogeneidade de frutos maduros. Combinadas com manejo de podas e irrigação, a produção de conilons de qualidade da Fazenda Venturim, em São Gabriel da Palha (ES), decolou. “Com colheita por derriça, conseguimos até 90% de maturação dos frutos”, diz Venturim. Em 2007, com os pais e irmãos, ele fez um planejamento de 100% de qualidade para a fazenda, à época com 16 hectares (hoje são 85 ha). Com menos verdes, os conilons passaram a expressar, sensorialmente, as particularidades da região de origem.

Também, até a década de 2010, o canéfora colhido costumava permanecer dias entre o campo e o secador. “Isso gerava fermentações negativas e, consequentemente, defeitos aromáticos na bebida”, explica Alves. Isso sem falar na secagem mecânica com fogo direto a altas temperaturas, descuido que criava, inclusive, compostos tóxicos que, mesmo assim, eram absorvidos pela indústria.

Vários estudos definiram o tempo de permanência dos canéforas na lavoura e para diversificar métodos de processamento. No Espírito Santo, investe-se atualmente em canéforas CDs (cerejas descascados) – cujo rendimento aumentou depois da diminuição no volume de verdes processados. “Foi um salto de qualidade”, afirma Venturim que, em 2012, adaptou a peneira e a rotação do despolpador, feito para arábicas, para dar conta do despolpamento do dobro de frutos. Outro salto sensorial nos conilons foi a fermentação controlada. “Ela agrega complexidade, é o melhor processamento para a consistência de qualidade e resulta em cafés completamente diferentes”, afirma o produtor, que pesquisa o processamento desde 2016.

Fermentação controlada de conilons, especialidade da Fazenda Venturim

Nas Matas de Rondônia, estudos revelam a multiplicidade sensorial adquirida a partir da fermentação controlada nos robustas amazônicos. Atualmente, nos concursos de qualidade locais, mais da metade dos inscritos estão nesta categoria. Ensaios científicos revelaram o tempo de fermentação adequado: robustas amazônicos levam o dobro de tempo para fermentar do que arábicas (10 a 20 dias). “Daqui há dez anos, vou poder escolher tomar um robusta amazônico de clone e processamento específicos”, projeta o pesquisador. Falar de processamentos com tecnologias de ponta hoje em dia parece óbvio, mas há uma década, sua aplicação nos canéforas chegou a ser contestada.

A grande virada

Os robustas amazônicos despertaram para a qualidade em 2012, quando Alves, especialista em arábicas, descobriu o protocolo sensorial para canéforas lançado em Uganda pelo Coffee Quality Institute, em 2010. O documento, criado pelo país de origem do robusta, foi o primeiro guia no mundo a definir padrões e procedimentos que autorizaram a entrada dos canéforas no nicho dos especiais. Tudo o que era feito nos arábicas de qualidade inexistia nos canéforas até então: combinação entre boa genética, conhecimentos do microclima da origem da planta e práticas cuidadosas de cultivo e processamento.

“O protocolo de Uganda norteou nosso caminho, pois a paleta sensorial e a forma de avaliação dos canéforas é diferente do protocolo para arábicas”, contextualiza o cientista. Naquele ano, Rondônia fez os primeiros ensaios científicos para implantar o plantio clonal dos cafés, processados tradicionalmente pelo método natural. Alves também entrou em contato com especialistas no Espírito Santo, que seguiam o mesmo protocolo sensorial, e a troca de conhecimentos se estabeleceu.

Os cientistas capixabas também buscavam, nas tecnologias usadas para arábicas especiais, o que podiam replicar nos conilons. Nesse processo, ajustes tiveram que ser feitos – e os pesquisadores ainda estão aprendendo a fazê-los. “Os arábicas são, sempre, nossa fonte de inspiração, mas não uma referência técnica a ser copiada”, ensina Alves.

Variedades são diferentes

Assim como espécies de café são diferentes, variedades de uma mesma espécie têm características distintas. No primeiro caso, canéforas têm, em geral, menos polpa que arábicas. Por isso, toleram mais tempo entre a colheita e a secagem sem adquirir defeitos. Essa resistência, porém, os torna mais sensíveis à seca, pois, com menos polpa e casca mais fina, não suportam as mesmas temperaturas aplicadas aos arábicas especiais. “É comum que canéforas mal secos percam qualidade entre dois e três meses de armazenamento, enquanto que, se bem processados, mantêm seu perfil sensorial por, no mínimo, oito meses”, detalha Tássio Souza.

Em busca de mais qualidade, os pesquisadores desenvolveram cultivares de conilons com casca e polpa mais espessas e sementes menores. Um exemplo é o clone A1, criado pelo Incaper. Segundo Souza, porém, ele não é muito desejado pelos cafeicultores por ter, em consequência dessas características, menor rendimento.

As diferenças entre robustas e conilons também exigem abordagens específicas. Além de dissemelhanças morfológicas, existem as agronômicas, fenotípicas, sensoriais e químicas: conilons têm plantas mais compactas, ramos mais curtos, folhas amarelo mais claro e frutos menores. Por outro lado, robustas são mais vigorosos e exigentes em relação à água e têm mais tolerância a certas doenças, como ferrugem e nematóides. “Sabemos que há certos tipos de fermentações que se adequam aos robustas mas que, se aplicadas ao conilon, não dão certo e vice-versa”, detalha Louzada.

Não há, porém, qualquer intuito de hierarquizar cultivares ou regiões em termos de qualidade, mas, sim, a vontade de vasculhar o que há por baixo desse gigantesco iceberg. “A maior força dos canéforas é sua capacidade de se adaptar pela matriz genética”, afirma Venturim. “Temos muito a descobrir sobre a dinâmica dos canéforas”, ensina o pesquisador do Incaper. “Não temos a bandeira de um estado: temos canéforas, que devem quebrar paradigmas e conceitos”, provoca Souza. “O canéfora está recebendo agora o mesmo cuidado que foi dispensado aos arábicas finos. Nosso papel é refinar esse conhecimento para o consumidor se divertir”, diz Louzada.

Para fora da porteira

Aos poucos, os novos canéforas avançam além da porteira. Sua diversidade sensorial tem atraído microtorrefações e indústrias, nacionais e internacionais. Muitas empresas brasileiras de café solúvel, além de torrefações estrangeiras, como a britânica Taylor’s of Harrogate, buscam no Espírito Santo conilons limpos na xícara. “Temos cooperativas certificadas, com leque aberto de comercialização na Europa”, comemora Souza.

Em 2019, a gigante nacional 3corações, em parceria com a Embrapa Rondônia e instituições como a Funai, lançou o Projeto Tribos, pacotinhos de cafés 100% robustas amazônicos que, hoje, são produzidos por mais de 130 famílias indígenas em 28 aldeias das cidades de Cacoal e Alta Floresta D’Oeste (RO).

Seca de robustas amazônicos de qualidade, em Cacoal (RO)

Em abril, o lançamento do café Colmeia foi resultado do trabalho de dez famílias liderado pela Nescafé, desde 2021, com conilons especiais das montanhas até o norte do Espírito Santo. “Ensinamos produtores a plantá-los em escala, para gerar melhor renda”, explica Rodolfo Clímaco, head de agricultura cafés da Nestlé Brasil.

Desde que inaugurou em 2020, no Rio de Janeiro, a carioca Fuzz Cafés vende on-line conilons capixabas e robustas amazônicos ao lado de arábicas. A estratégia da microtorrefação foca no público iniciante. “Eles ainda não conhecem a diferença entre as espécies”, explica o sócio Pedro Foster. “Canéforas finos têm características-base, como doçura equilibrada com amargor e corpo”, explica. “E amargor não é um aspecto indesejado para quem entra no universo dos especiais.”

Para revelar os novos sabores, também é preciso desapegar-se da torra feita para arábicas. “A abordagem tem que partir do zero, é outra matéria-prima”, alerta Foster. “Canéforas precisam de muito mais calor para desenvolver suas características sensoriais”, explica Silvia, que torra grãos da trader Farmers Coffees, de Venda Nova do Imigrante (ES). “Uso canéforas finos em blends para superautomáticas, porque dão corpo e muita cremosidade ao espresso, especialmente os fermentados”, comenta ela. “Quem sabe torrar bem, torra qualquer canéfora”, afirma Georgia, que também é instrutora da SCA.

Espraiando-se pelo país

Várias regiões brasileiras apostam no potencial qualitativo da espécie. Em Adamantina (SP), região cafeeira conhecida como Alta Paulista, extremo oeste do estado, o agrônomo Fernando Nakayama, pesquisador da APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), toca experimentos desde 2008, em parceria público-privada com o IAC e indústrias de solúveis como a Cocam, para conseguir, em breve, volume e qualidade de canéforas para o mercado local. Além de Cocam, Nescafé, Cacique e Iguaçu, as maiores indústrias de solúvel do país, estão no estado paulista antenadas à questão da qualidade. “A Grande São Paulo consome, por dia, 25 milhões de xícaras”, contabiliza Nakayama.

Entre 1930 e 1980, a região alicerçou-se economicamente na produção de arábicas e, por isso, não produz canéforas em escala comercial, recebendo-os do Espírito Santo e de Rondônia. “Se tivéssemos o conhecimento atual, não teríamos escolhido arábicas para plantar”, reflete o agrônomo, referindo-se às condições de altitude, temperatura e solo, adequadas aos canéforas.

O projeto foca em clones capixabas e paulistas. A geada de 2011 “ajudou” a selecionar materiais genéticos e, hoje, há 16 novas cultivares clonais que seguiram para viveiros. Elas serão cruzadas com 60 clones de robustas amazônicos cedidos pela Embrapa Rondônia. “Enviamos amostras das áreas experimentais e conseguimos cafés acima de 80 pontos”, comemora ele. “Agora, queremos difundir essas vitrines tecnológicas para que os produtores tenham mais uma opção de renda e uma excelente oportunidade de negócios”, projeta.

Minas, tradicionalmente o maior produtor de arábicas do país, ainda não tem canéforas recomendados para cultivo. Por isso, desde 2009, a Epamig conta com instituições científicas parceiras para investigar a adaptação de clones de conilon para 292 municípios mineiros, especialmente na área que faz fronteira com ES e RJ, onde há abundância de terras degradadas pela pastagem, de baixo relevo e altas temperaturas, de onde podem brotar frutos da espécie a perder de vista. “Esses cafés podem ser uma opção de renda, atrair novos negócios e girar a economia da região”, diz Fábio Tancredi, que desde 2014 coordena o projeto de expansão do conilon da instituição. Após um encontro científico no Espírito Santo em 2018, ele decidiu buscar qualidade nos materiais que estão em teste nos jardins clonais de Oratórios e Leopoldina, na Zona da Mata mineira. Em fevereiro, o primeiro lote de mudas de dois conilons de qualidade cedidos pelo Incaper foi comercializado – sete mil, das 30 mil mudas projetadas para este ano. “Utilizamos a semelhança do clima como critério de seleção desses materiais”, explica o agrônomo.

Ao mesmo tempo, Tancredi avalia em campo 57 clones em busca de uma nova cultivar que possa ter a identidade mineira – ainda faltam oito anos de coleta de dados.

No Mato Grosso, pesquisadores do Empaer (Empresa Mato-Grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural) e da Embrapa Rondônia desenvolvem, há três anos, novos clones adaptados à região e que entreguem boa bebida – atualmente são 50, fruto do cruzamento de robustas amazônicos e mato-grossenses e que passam por testes sensoriais. A pesquisa faz parte do processo de revitalização da cafeicultura do Estado.

No extremo sul da Bahia, o cafeicultor Gustavo Sturm é uma verdadeira instituição de pesquisa. Agrônomo especialista em produção vegetal, Sturm cultiva canéforas desde 1998 na Fazenda Bom Retiro, em Teixeira de Freitas, e há anos aposta em qualidade. “Temos muitos materiais genéticos obtidos do Incaper e de viveiristas particulares”, explica ele, que em 2020 foi campeão do COY na categoria canéfora com um conilon natural de 85 pontos. Há pouco, plantou robustas amazônicos, renovou áreas de plantio e ampliou a estrutura de pós-colheita. “Queremos aliar produtividade e qualidade, e manter uma produção sustentável”, diz.

O produtor Gustavo Sturm, da Bahia

Há, ainda, robustas finos que começam a ser cultivados no Acre. Segundo Edgard Bressani, dono da exportadora Latitude Brazilian Coffees, foram 50 mil sacas produzidas em 2023 e, este ano, criou-se o primeiro concurso de qualidade. “Isso é fruto da ciência, da escolha de clones produtivos e com qualidade sensorial diferenciada.”

Quebrando mitos e projetando futuros

Para Louzada, a ciência é a principal aliada de produtores, torrefadores e consumidores ao jogar por terra vários mitos sobre os canéforas, que perduraram por décadas. A cafeína, tradicionalmente responsável pelo “indesejado” amargor dessas bebidas, deixou de ser a molécula-vilã graças à ciência. “A complexidade química do café vai muito além da cafeína, que não pode ser considerada determinante para a qualidade da bebida”, diz Alves.

As pesquisas vêm, também, minando a ideia de que menos cafeína em robustas ou conilons traz maior qualidade sensorial. “O clone 2314 oferece uma bebida maravilhosa, e tem 3% de cafeína”, relata Alves, referindo-se ao espectro dela encontrada nos canéforas, atualmente mais amplo (de 1,2% a 4%). Assim, a relação entre amargor e cafeína tem outros fatores na equação. “A bebida deve estar equilibrada com teores de açúcares e lipídios, este último, importante para a qualidade”, explica.

O clone 25 das Matas de Rondônia tem mais cafeína, sólidos solúveis e lipídeos, e seu equilíbrio químico pode ser parte importante para qualidade em cafés de modo geral (especialmente em canéforas). Algumas características são mais influenciadas pela genética e pouco dependentes da região em que são planta dos, como o teor de cafeína. “Outras podem mudar ligeiramente em relação ao ambiente, pelas características climáticas”, pondera Alves.

O manejo de plantio em linha também permitiu que produtores incluíssem novos materiais genéticos no campo. Segundo Alves, atualmente há experimentos com cafés das Matas de Rondônia que interagem na plantação com clones capixabas.

Além disso, os cientistas trabalham, em variedades já existentes, aspectos sensoriais que não haviam tido, antes, atenção. Para Louzada, é um sinal de que a diversidade de sabores dos canéforas de qualidade está só começando. O Brasil dispõe de redes de melhoramento de canéforas antigos, com bancos ativos de germoplasmas de mais de meio século em instituições como Incaper, Embrapa Rondônia e IAC. “Materiais genéticos que não corresponderam a quesitos como produtividade e resistência à doenças no passado podem ter características que contribuem para sua qualidade sensorial”, explica ele. Em fevereiro, uma seleção de robustas originais (“pais” dos robustas amazônicos), feita pela Embrapa-RO a partir do banco genético do IAC, foi provada por pesquisadores de vários estados.

Degustação com roda de sabores e mapa, do Lucca Cafés Especiais

Segundo estimativas, há mais de 300 mil genes adormecidos nas gavetas desses bancos. “É preciso retornar a essas coleções, revisitar áreas de produtores que ainda tenham diversidade de plantas e reavaliar esses materiais, porque talvez tenhamos deixado passar características interessantes”, aposta Alves. Entre elas, o já citado teor de cafeína, importante na fabricação de bebidas energéticas.

Para tornar a história mais complexa e fascinante, dependendo do ambiente, os clones se comportam de modo diferente. “Estudos já comprovam que clones respondem diferentemente ao pós-colheita, independentemente de sua composição molecular, microbiana e química. Cada planta tem seu microbioma, assim como temos nossa flora intestinal particular”, revela Louzada, que agora conduz estudos sobre cafés e terroir. “O Brasil é um território continental e nós ainda não explicamos nada em termos de terroir”, reflete.

Algumas plantas de canéfora conseguem, por exemplo, tolerar altitudes extremas. “Temos ensaios conduzidos a 1.100 m e produzindo superbem”, conta o pesquisador, citando o trabalho de Fábio Partelli, da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e outros cientistas.

Alterar a percepção negativa sobre canéforas no Brasil tem um caminho escrito no gerúndio. “À medida que a ciência gera informação, o cafeicultor vai assimilando, a indústria vai entendendo e o consumidor começa a conhecer”, diz Alves.

“A mentalidade das pessoas está mudando, mas o processo é lento”, afirma Bressani, que também é embaixador dos robustas amazônicos. Há cinco anos, ele compra cerca de cinco mil sacas dos cafés das Matas de Rondônia para vender a países como Estados Unidos, Jordânia e China. “Peço o mesmo valor de um arábica especial, porque não é fácil para um produtor de canéfora produzir qualidade”, reitera.

Mas, para Louzada, ainda faltam baristas para seguir nessa trilha. “O canéfora tem uma bolha a ser rompida que é a do barista”, acredita, destacando que ainda são poucos os que usam canéforas em competições. O pesquisador também afirma a necessidade de quebrar a barreira do blend. “O consumidor tem direito de escolha”, diz, desmistificando a ideia de que canéforas não podem ser consumidos puros. “Há resistência do consumo puro em termos de sabor e qualidade. E o público ainda nem conhece essa bebida”, completa.

Para promover a diversidade e qualidade dos canéforas, Georgia vende microlotes de conilons do Espírito Santo e robustas finos de Rondônia ao lado de arábicas de origem. Nos cursos, prepara um cupping das duas espécies e fornece uma roda de sabores para guiar a experiência dos alunos. Ao final, indica num mapa a origem dos cafés provados. “Quero ter certeza de que meu cliente comprou canéfora porque gostou da bebida”, explica a empresária. “Nossa missão é mostrar o melhor de cada região, com sua diversidade, e deixar o público escolher”, ensina. “Quando alinharmos baristas, produtores e indústria, aí termos uma revolução”, ecoa Louzada.

Para saber mais: Como surgiram os robustas amazônicos?

Da Guiana Francesa, as primeiras mudas de arábica desembarcam no Pará, em 1727 – data oficial de entrada do café no Brasil. Relatos registram plantações incipientes de arábica, tempos depois, nas beiradas do Forte Príncipe da Beira, às margens do rio Guaporé, em Rondônia. Os grãos eram, então, trocados por prata. A cafeicultura comercial na Amazônia começa nos anos 1970 com a chegada de migrantes. Milhares ocuparam a região na ditadura militar (1964-1985), atraídos pelo slogan “integrar para não entregar”, estratégia oficial para incentivar a ocupação e o desenvolvimento amazônico (e de outros rincões), com a presença do Estado nessas regiões, divulgada como crucial à soberania nacional.

Em Rondônia, mineiros e paranaenses (estes, prejudicados pela geada de 1975) iniciaram plantios de arábica. E chegaram os capixabas com conilons – que, mais adaptados ao calor amazônico, predominaram. Na década de 1990, Embrapa-RO e IAC selecionaram materiais adaptados à região – como os robustas puros, que permaneceram na Embrapa e foram usados para melhoramento genético. Também, um programa do governo de incentivo ao plantio buscou essas sementes e distribuiu-as às toneladas. Robustas puros viraram plantas, que cruzaram com conilons adaptados. Nasciam, aí, os robustas amazônicos.

TEXTO Cristiana Couto

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Nespresso lança Pixie com novo design

Em homenagem ao estilo industrial moderno, a Nespresso lança a Pixie Redesign, que, como o nome sugere, traz um novo design para a já conhecida Pixie. Com sistema Original, a novidade prepara espresso (40 ml) e lungo (110 ml), com possibilidade de reprogramar as medidas dos botões para se adequarem ao gosto do usuário.

A máquina tem laterais em metal polido e alça de aço sólido. Conta com um suporte dobrável de xícara que acomoda copos maiores, além de um reservatório de água de 0,7 litros e um recipiente para 9 a 11 cápsulas usadas. O equipamento tem, ainda, sistema de aquecimento rápido, bomba de alta pressão, modo de economia de energia e desligamento automático.

A Pixie Redesign está disponível nas cores azul escuro, prata e titânio por R$ 799, e pode ser encontrada no site e nas Boutiques Nespresso. A novidade faz parte do portfólio permanente da marca.

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

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Cooxupé é primeira cooperativa do mundo com protocolo de sustentabilidade reconhecido pela GCP

A Cooxupé é a primeira cooperativa do mundo a ter seu protocolo de sustentabilidade reconhecido pela  Plataforma Global do Café (GCP).

O protocolo em questão é o Gerações, que foi aceito como equivalente ao Código de Referência de Sustentabilidade do Café da GCP, desenvolvido como parâmetro para que o setor cafeeiro se alinhe às práticas e princípios fundamentais de sustentabilidade, abrangendo as dimensões econômica, social e ambiental (ESG).

A cooperativa atua em mais de 340 municípios do Sul de Minas, Cerrado Mineiro, Matas de Minas e Média Mogiana do estado de São Paulo. Para fazer esse reconhecimento, a GCP utilizou o Mecanismo de Equivalência, sistema para implementação na cafeicultura e que também inclui requisitos de governança, definição de padrões, garantia, dados e reivindicações. Para assegurar a integridade do processo, a GCP faz parceria com o International Trade Center (ITC), que avalia rigorosamente os programas.

De acordo com a Cooxupé, o Protocolo Gerações foi desenvolvido por uma equipe técnica brasileira e específica para plantações de café em clima tropical, considerando diversidade e  preservando a singularidade de cada agricultor em cada bioma.

“É de suma importância avançarmos fundamentados nos três pilares da sustentabilidade”, diz Luiz Fernando dos Reis, superintendente comercial da Cooxupé. Para ele, ser membro da GCP e equivalente ao Código mantém a cooperativa alinhada com os esforços globais em direção à sustentabilidade em toda a cadeia do café.

TEXTO Redação • FOTO Cooxupé

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CEO da Starbucks, Laxman Narasimhan é demitido

A Starbucks anunciou nesta terça (13) que está substituindo o CEO Laxman Narasimhan por Brian Niccol, CEO da Chipotle, informa a CNBC. O motivo é reverter a queda nas vendas. Com o anúncio, as ações da Starbucks subiram 20% nas negociações matinais, enquanto as ações da Chipotle caíram 10%. 

A CFO da Starbucks, Rachel Ruggeri, assume como CEO interina até 9 de setembro, quando Niccol ocupará oficialmente o cargo.

Narasimhan foi CEO da empresa desde março de 2023, escolhido pelo ex-CEO Howard Schultz, fundador da Starbucks. O desempenho da gigante do café tem tido vendas fracas nos EUA e na China, seus dois maiores mercados. No último trimestre, a Starbucks reportou queda de 3% nas vendas. Durante o mandato de Narasimhan, as ações da Starbucks caíram 21%. Desde julho, o investidor ativista Elliott Management adquiriu participação na empresa.

Já Niccol atua como CEO da Chipotle desde 2018 e, antes disso, liderou o Taco Bell e a Pizza Hut. Durante seu trabalho na Chipotle, as ações do negócio dispararam 773%. Como CEO da Chipotle, ele ajudou a rede a se recuperar do escândalo de doenças transmitidas por alimentos e liderou os restaurantes durante a pandemia. Nos últimos trimestres, o tráfego e as vendas da Chipotle aumentaram, contrariando a tendência de queda.

Uma das forças da Chipotle sob o comando de Niccol é seu aplicativo, que ajudou a impulsionar o forte desempenho nos últimos trimestres. O aplicativo da Starbucks tem sido um dos bodes expiatórios de seu fraco desempenho. Schultz e outros críticos da Starbucks apontam para a saturação de pedidos móveis, que desacelera o atendimento e prejudica a experiência do cliente. 

A Chipotle, por outro lado, adicionou uma segunda linha de montagem em seus restaurantes, especificamente para pedidos online. A cadeia de burritos tem construído locais com chipotlanes, reservados para retirada de pedidos digitais.

TEXTO Fonte: CNBC • FOTO Athar Khan

Mercado

Neumann abre primeiro escritório na China

A Neumann Kaffee Gruppe (NKG), grupo global de serviços de café verde, anuncia a abertura de seu primeiro escritório na China, a NKG Shanghai, no moderno e movimentado distrito de Changning, em Xangai. O movimento do grupo, que atua em 28 países e está sediado em Hamburgo, na Alemanha, é um marco significativo de expansão, e busca atender melhor o crescente mercado chinês de café.

“Esta expansão nos permite estar mais próximos de nossos clientes, compreender melhor suas necessidades e oferecer soluções de café personalizadas”, disse, em entrevista ao International Comunicaffe, Emily Chua, COO da NKG Shanghai. 

A NKG Shanghai tem seu próprio laboratório de cupping, e o armazém de café ficará estrategicamente posicionado nas áreas alfandegárias de Kunshan e Yangshan, facilitando as operações de armazenamento e distribuição.

TEXTO Fonte: International Comunicaffe • FOTO Divulgação

Mercado

Nespresso lança produtos à base de mel nos EUA

A Nespresso está lançando nos Estados Unidos o Nespresso Bloom, primeira linha de produtos de mel da marca. Colhido das flores das mesmas plantas que geram os grãos da cápsula Nespresso Master Origins Colombia, o mel entra nos dois primeiros produtos da linha: o mel da flor de café e o xarope de mel da flor de café. 

O primeiro é um mel que, segundo a marca, tem sabor floral e notas de caramelo e baunilha. O segundo é feito da infusão do mel de flor de café com o café Nespresso. 

As plantas têm origem nas colinas dos Andes, na região de Caldas-Antioquia, na Colômbia, país que tem o maior número de fazendas AAA certificadas pela Rainforest Alliance, e cujos agricultores exploram práticas agrícolas regenerativas como a apicultura.

O Nespresso Bloom foi desenvolvido em parceria com o Nestlé R+D Accelerator em Lausanne, Suíça. O programa Accelerator foi desenvolvido para capacitar empreendedores, permitindo-lhes moldar o futuro dos alimentos ao integrar descobertas científicas de ponta e avanços tecnológicos com uma abordagem comercial. 

“Este lançamento é resultado de como a sustentabilidade está impulsionando nossa estratégia de inovação”, disse Alfonso Gonzalez Loeschen, CEO da Nespresso North America, ao International Comunicaffe. 

Os lançamentos estão disponíveis em duas boutiques da marca, em Nova York e São Francisco e, a partir de 21 de agosto, para todo o país pelo site da marca.

TEXTO Fonte: International Comunicaffe

Cafezal

As inscrições para o Coffee of the Year 2024 estão abertas

A partir desta sexta-feira (9), as inscrições para o Coffee of the Year 2024 estão abertas. O prêmio tem como objetivo reunir os melhores cafés do Brasil e eleger os grandes destaques do ano, incentivando o desenvolvimento e o aprimoramento da produção nacional e a divulgação de novas origens.

Produtores de todo o Brasil podem registrar seus melhores cafés, nas categorias arábica e canéfora, por R$ 180. Neste ano, o prazo de recebimento das amostras (4 kg) pela IFSULDEMINAS – Campus Machado (confira o endereço no fim deste post), é 7 de outubro. É permitida apenas uma inscrição por CPF. Acesse aqui o regulamento da edição.

O Coffee of the Year

A dinâmica do concurso consiste no recebimento das amostras, que serão submetidas a um processo de avaliação por uma Comissão de Julgadores formada por especialistas nacionais. Serão selecionadas as 180 melhores amostras, sendo 150 de arábica e 30 de canéfora. 

As amostras serão disponibilizadas durante a Semana Internacional do Café, que acontece em Belo Horizonte, na sala Cupping&Negócios. Do total, os 10 melhores arábicas e os 5 melhores canéforas participam do voto popular através de degustação às cegas, pelo método filtrado, nas garrafas térmicas disponibilizadas nos dois primeiros dias de evento (20 e 21 de novembro). A cerimônia de premiação acontece na tarde do último dia de SIC, 22 de novembro.

Atenção: A ficha da amostra, devidamente preenchida (digitada), deve ser assinada pelo produtor e encaminhada com a amostra de 4 kg para o endereço abaixo:

Envio das amostras:
IFSULDEMINAS – CAMPUS MACHADO
A/C PROFESSOR LEANDRO PAIVA – NÚCLEO DE QUALIDADE DE CAFÉ CONCURSO COFFEE OF THE YEAR 2024/ SEMANA INTERNACIONAL DO CAFÉ
RODOVIA MACHADO PARAGUAÇU KM 03 – BAIRRO SANTO ANTÔNIO
CEP 37750-000 – MACHADO (MG) 

TEXTO Redação • FOTO NITRO/Semana Internacional do Café

Barista

Quais os caminhos do barista?

A jovem profissão passa por mudanças em sua trajetória de pouco mais de duas décadas no Brasil

Um barista pode percorrer diferentes caminhos em sua carreira profissional: há os que dão cursos, mentorias e consultorias; outros abrem a própria cafeteria ou microtorrefação e tornam-se, também, degustadores profissionais. Mas há, ainda, os que engatam em competições e, até mesmo, encontram na internet a possibilidade de ganhar dinheiro.

Experts para além do preparo de cafés de qualidade, os baristas ouvidos pela Espresso para esta reportagem traçaram caminhos diversos na profissão – cuja formalização tem apenas 13 anos. Entre as trilhas escolhidas, chama a atenção o interesse cada vez maior por investir em campeonatos e comunicação.

Definir um barista como conhecedor da ciência por trás da extração de café e capaz de dominar técnicas de latte art ou de criar drinques é um conceito simplista. Há outros conhecimentos necessários para exercer a função – como entender sobre variedades, processos do plantio ao pós-colheita, torra e a influência de todos esses fatores no sabor final da bebida. Para obter esse entendimento existem diversos cursos profissionalizantes.

Além disso, as soft skills também são características exigidas pela profissão. Escuta empática, organização, criatividade, boa comunicação e espírito de liderança são algumas dessas habilidades desejadas – e que vão ajudar muito no contato com o cliente ou com a equipe. Mas, para alguns, o caminho profissional passa pelo lado de fora de uma cafeteria.

O palco é o limite

“Chega uma hora em que o balcão fica pequeno’’, diz o paulista Hugo Silva. Barista vencedor do campeonato brasileiro de Coffee in Good Spirits em 2013, Silva viu nos campeonatos uma oportu-
nidade de evoluir tecnicamente e ter visibilidade.

Na ocasião (2011), já trabalhava na Octavio Café – cafeteria paulistana hoje extinta, mas que, à época, era uma das maiores da América Latina e reconhecida por lançar grandes talentos do barismo. O jovem profissional aproveitou a chance e apostou em participar de campeonatos em diversas categorias. O pódio em 2013 levou-o à França: “Lá, pude ter contato com baristas do mundo todo, visitar feiras e entender o que estava acontecendo no cenário internacional, expandindo meus conhecimentos”, diz ele.

Já o segundo lugar no Campeonato Brasileiro de Barista, em 2022, rendeu-lhe a construção do próprio negócio. “Usei as competições para divulgar meu trabalho’’, explica Silva, atualmente mestre de torra, empreendedor e sócio-proprietário da Sabino Torrefação, em São Paulo (SP), ao lado do barista Thiago Sabino.

À esquerda, Hugo Silva, campeão de drinques com café em 2013 e segundo lugar como barista em 2022. À direita, a barista e apresentadora de campeonatos Mariana Mesquita

De lá para cá, o cenário de competições evoluiu. Um dos motivo é a entrada recente de grandes marcas como Nude, Nescafé e Melitta como patrocinadores das disputas. “A bolha dos cafés especiais está aumentando de tamanho”, acredita Mariana Mesquita, competidora e apresentadora das disputas. Formada em Ciências Políticas e residente em Brasília, a manauara tornou-se barista há oito anos. “Gosto de gente e do ambiente interativo das cafeterias”, diz ela. Mas foram as competições que atraíram sua atenção. “A entrada das marcas nesse cenário traz relevância ao mercado e faz com que a gente atinja, com dez minutos de microfone, espaços antes inacessíveis’’, revela.

Outra transformação é quanto ao impacto desses eventos, fruto do trabalho de profissionais e entidades do setor, como a BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais), que organiza as competições nacionais e transita com elas por diversas cidades brasileiras. “Isso permite que públicos diferentes assistam às disputas, o que gera visibilidade à nossa profissão’’, analisa Mariana.

É como se os campeonatos reunissem tudo o que um barista faz. “É uma simulação de um cenário de hospitalidade, onde o barista apresenta seu trabalho”, explica a barista, para quem as disputas também funcionam como uma inspiração e um ponto de encontro de pessoas com os mesmos interesses.

Em 2o23, o Brasil entregou, pela primeira vez, um barista campeão mundial. O feito do paulistano Boram Um, da cafeteria Um Coffee, na capital paulista, não foi pouca coisa, dadas as expectativas de profissionais da área desde 2002, quando o país estreou nos campeonatos mundiais. Este ano, foi a vez do Q-Grader mineiro Dionatan Almeida ganhar o Campeonato Mundial de Cup Tasters durante a SCA Coffee Expo, em Chicago, nos EUA. A vitória destes dois profissionais consagra, a nível internacional, a capacidade do Brasil em criar talentos. Além disso, os troféus obtidos ajudam a quebrar o paradigma de que o país produz apenas café em quantidade, em detrimento da qualidade (Boram Um usou, na competição, um café que ele mesmo cultiva).

Se uma medalha de ouro é capaz de impulsionar a carreira de barista, estar entre os mais bem colocados do país também contribui – e muito – para a ascensão profissional. “É um espaço que pode ajudar a impulsionar rapidamente o barista”, conta Mariana, que, atualmente, divide-se entre o barismo e a coquetelaria no desenvolvimento de cardápios para bares, restaurantes e cafeterias.

A cara do barista está mudando

É inevitável que um barista já experiente reflita sobre seus próximos passos. As opções para o plano de carreira são variadas, e a escolha depende das aptidões de cada um. Uma das alternativas é tornar-se mestre de torra. Essa função, situada numa das últimas etapas antes de o café chegar ao consumidor, é essencial para garantir a qualidade e a integridade de todo o processo anterior, culminando na experiência final do café.

A profissão tem sido ressignificada ao longo dos anos, com o surgimento de microtorrefações gerenciadas por pessoas negras ou mulheres, como é o caso da Café POR ELAS, de São Paulo (SP). A empresa é comandada pelas irmãs paulistanas Júlia e Nadia Nasr e tem Cássia Novaes como mestre de torra. “Ser mestre de torras é viável para aqueles que gostam de trabalhar com processos rigorosos e que são bem organizados’’, explica Júlia.

À esquerda, Nadia e Julia Nasr, da Café POR ELAS (SP). À direta, a mestre de torra Cassia Novaes

Para Cássia, a função, primordial dentro dos processos que levam o café do campo à xícara, vem ganhando relevância. Segundo ela, cada vez mais mulheres e pessoas pretas estão conquistando este espaço. “Encontrei no Café POR ELAS uma chance de aprender sobre cafés especiais em uma empresa que valoriza mulheres”, explica.

Excêntricos ou hipsters?

Quem frequentou sites estrangeiros de humor como 9gag em 2010 — época da multiplicação de cafeterias especializadas nos EUA — deve se lembrar de memes sobre ser um barista, persona que contemplava o imaginário popular desse profissional. Majoritariamente executada por jovens frequentemente estereotipados como excêntricos e hipsters, a profissão de barismo era questionada (e ainda é) como uma atividade de caráter transitório, ocupada por quem não sabia que carreira profissional seguir.

No Brasil, o cenário foi um pouco diferente. Estabelecimentos como Santo Grão, Coffee Lab, Suplicy Cafés Especiais e Octávio Café foram precursores na tarefa de formar grandes baristas e competidores mundiais. “Quando pararmos de olhar a profissão como uma brincadeira ou um hobby, passaremos a ser vistos como baristas sérios”, analisa Hugo Silva. “Tem gente que realmente quer aprender e crescer”, garante.

Além de barista, competidor e empresário, Silva é, também, um comunicador: já foi embaixador de grandes marcas e teve como missão levar cafés de qualidade para as gôndolas de supermercados. “O consumidor brasileiro sabe o valor de uma cerveja especial e preza pela sua qualidade”, reflete. “Como podemos convencê-lo, também, a considerar o café especial uma experiência e não apenas uma necessidade básica?’’, compara o empresário.

Ser influente

O crescimento de redes sociais como Instagram e TikTok nos últimos anos também transformou a profissão. Se antes era por meio dos sites de resenhas ou das páginas de jornais que formadores de opinião se comunicavam com seus leitores, hoje em dia a internet permitiu que as recomendações de um influenciador atinjam seu público em tempo real.

Uma das baristas influentes mais famosas é Maíra Teixeira. Figura constante nas redes, a trajetória virtual da publicitária, formada também em gastronomia, começou em 2015 depois de compartilhar suas experiências em cafeterias pelo Instagram – algo que poucas pessoas faziam à época.

Maíra Teixeira: conhecida influenciadora em café

Sem nunca deixar de manter as postagens, Maíra optou por trabalhar atrás do balcão para experienciar o cotidiano de uma cafeteria e, em seguida, migrar para consultorias na área. Até perceber o potencial deste verdadeiro portfólio online para novos trabalhos.

Atualmente, a barista cria conteúdo para diferentes públicos e faz publicidade para grandes marcas do setor, seguindo o que ela considera a melhor maneira de falar sobre café: “Antes de ser um influenciador, é preciso ser um bom barista”, alerta. Para Maíra, as publicações devem ter um conteúdo verdadeiro, que converse com a realidade do Brasil. “Métodos de preparo e equipamentos caros chegam no país com um preço pouco convidativo, o que, às vezes, pode ser um entrave para se tornar um influenciador digital”, explica.

Automação do trabalho

Depois da fabricação de equipamentos de café integrados a tecnologias de Inteligência Artificial – como as máquinas de café espresso Eagle One, do Grupo Simonelli, e sua Escala Inteligente Virtual (VIS), ou torrefadores de processo autônomo como o Variety e23, da Ansa –, algumas tarefas cotidianas da profissão também estão sendo substituídas por soluções tecnológicas. Afinal, o trabalho de barista não passa ileso por essas evoluções.

Nos Estados Unidos, por exemplo, já há máquinas que substituem diversas etapas da atividade, como moagem dos grãos, compactação do pó de café, extração da bebida e, até mesmo, vaporização do leite. É o que fazem os robôs baristas da Artly Coffee, em Seattle (EUA), segundo reportagem da revista Sprudge. Por meio da IA, máquinas robotizadas extraem e preparam bebidas quentes e geladas à base de espresso e de outras receitas configuradas previamente, além de executarem latte arts e terem dispositivos que identificam a qualidade da bebida.

Esse tipo de automação tem levantado debates: se a mão de obra humana será substituída, como os profissionais poderão trabalhar em conjunto com as novas tecnologias? Outras perguntas, como as vantagens de se ter um dispositivo como esse em operação e, até mesmo, se o robô barista deve receber gorjeta, estão na pauta.

Para saber mais: do clássico ao moderno

Termo originado do italiano baristi, a atividade de barista existe desde o século XIX, quando as primeiras máquinas de espresso foram criadas. Era este o profissional responsável por preparar bebidas à base de café ou de álcool, além de atender os clientes da cafeteria – um espaço que ganhava cada vez mais popularidade.

No Brasil, a profissão surgiu no começo dos anos 2000. Apesar de o país ser o maior produtor mundial de café, as cafeterias especializadas brasileiras aparecem como fruto de tendências internacionais, que acompanhavam a chamada terceira onda, movimento que preza pela qualidade, sustentabilidade e comércio justo na cadeia produtiva.

Com trabalho regulamentado somente em 2010 (Projeto de Lei 8047/10), o barista costuma ter na caixinha (valor distribuído entre os funcionários de um estabelecimento sobre os 13% da taxa de atendimento paga pelo cliente) a maior fonte de seu rendimento. Segundo a pesquisa Cafés Especiais, Perfil e Sabor, feita pelo Sebrae em parceria com a empresa Hongi, 40,5% dos 331 entrevistados declaram receber de R$ 1,5 mil a R$ 2 mil mensais – 24% ganham, mensalmente, entre R$ 2 e R$ 3 mil.

Mas, é claro, não são todas as cafeterias que cobram por esse tipo de serviço. E Algumas escolhem remunerar seus colaboradores com valores acima do piso a cobrarem pela taxa. além das cafeterias, há trabalho para profissionais do ramo em bares, hotéis, restaurantes e outros espaços para o preparo de cafés, como galerias, empórios e lojas.

TEXTO Letícia Souza • FOTO Divulgação

Cafezal

3corações abre inscrições para Concurso Florada Premiada

Cafeicultoras de arábica e canéfora brasileiras têm até 20 de setembro para se inscreverem no Concurso Florada Premiada, da 3corações. A disputa, em sua 7ª edição, busca valorizar e gerar renda para produtoras de cafés especiais, e acontece em parceria com o especialista Silvio Leite e com a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA). Clique aqui para se inscrever.

Neste ano, a premiação chega a R$ 150 mil em dinheiro, além de uma viagem para o Peru (com acompanhante) e de embalagens personalizadas. Os lotes campeões também serão comprados pelo dobro da cotação de mercado e por R$ 300 acima da cotação final. Ainda, as campeãs terão seu microlote à venda no e-commerce exclusivo do Grupo 3corações, o Mercafé.

A cerimônia de premiação está prevista para 22 de novembro e faz parte da programação da Semana Internacional do Café, que acontece de 20 a 22 de novembro no Expominas, em Belo Horizonte (MG).

O regulamento completo pode ser consultado aqui. Mais informações no WhatsApp (11) 99280-1742.

TEXTO Redação • FOTO NITRO/Semana Internacional do Café

Barista

Prisão na Alemanha abre torrefação

A penitenciária de Remscheid, na Alemanha, tirou do papel, em maio, um projeto ousado e interessante: a construção de uma torrefação de café. A ideia é que os detentos desenvolvam habilidades práticas e tenham senso de propósito, ajudando na ressocialização para a vida após a pena cumprida.

Depois de dois anos de planejamento, o local recebeu toda a estrutura para que os detentos pudessem aprender e aplicar, na prática, as técnicas de torra. Além dos dois torradores – que custaram US$ 40.640 cada –, a iniciativa contemplou um espaço para controle de qualidade e preparo, onde, diariamente, os envolvidos na tarefa realizam provas de seus próprios cafés. 

Até o momento, o projeto empregou oito detentos, que ganham um pequeno salário em troca de 39 horas semanais trabalhadas. Os grãos usados tem origem em diferentes regiões produtoras, como Colômbia, Costa Rica, Vietnã e Brasil. Nas três primeiras semanas de julho, foram 300 kg de cafés torrados, em cinco torras diárias. 

Por enquanto, os cafés torrados e embalados estão à venda na unidade prisional por US$ 5 (250 g), mas a ideia é que, em breve, eles sejam comercializados para clientes externos. 

TEXTO Fonte: Yahoo! Life • FOTO Oliver Auster/dpa
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