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Sorri quando a dor te procurar
Clareou. Abri os olhos. Silêncio absoluto. Se eu não quisesse levantar, tudo bem. O mundo lá fora está dormente. Mas eu preciso sair da cama. O que eu tenho que fazer hoje mesmo? Ah, não posso sair de casa. Não devo. Lembro imediatamente. A mente demora todos os dias alguns minutos para me avisar e alertar. Bate uma tristeza.
Penso em alguém que encontraria dali a alguns dias no trabalho. Meu calendário do celular ainda está com os eventos agendados, aqueles que aconteceriam. Ainda marca meus dias de Pilates, que faço há onze anos depois de um acidente, lembrete do meu rodízio semanal do carro e das idas à casa da minha tia e da minha mãe, e das contas a pagar. Estas ainda continuam firmes e fortes. Daí eu me levanto. Afinal, preciso fazer algo por mim e pelos outros.
Começo a fazer o meu café. Escolho o método, esquento a água, ou melhor, fervo a água. Vou moer o café, daí alguém manda uma mensagem. Entre uma notícia falsa e outra nos grupos digitais, vem uma mensagem linda daquela amiga que você ama e que não viu mesmo antes da pandemia, mas que agora ficou mais longe de ver. Daí o coração parece que aperta mais. Vem o áudio da minha mãe incluindo alguns itens na lista do supermercado. O café não fica tão bom como no dia anterior. Acho que demorei para jogar a água, não mexi e talvez tenha esquecido alguma etapa. Mas tá bom. Aliás, está ótimo.
Resgatei meu caderno de anotações. Foi importante. Jornalista tem muito bloquinho. Mas agora este é de casa, para assuntos residenciais e não profissionais. Tem a lista do supermercado, da feira em frente de casa e dos cafés que ganhei dos amigos ou que preciso comprar. Tem também algumas frases e ideias de trabalho. Opa, mas não eram só anotações de casa? Poxa, mas não estou conseguindo separar. Tudo bem. Nunca consegui.
Desenho uma ampulheta no caderno. Sou bem ruim de desenho. Na infância era daquelas que escondia o rabisco da professora. Mas tento representar o tempo. No momento em que escrevo, estou há 58 dias em casa. Saí, é verdade, algumas vezes, para ir à farmácia, para levar algo para a minha mãe, e só. Antes não tivesse precisado sair. Andar em São Paulo neste momento é estranho. leia mais…