Café com História por Cristiana Couto

A onda dos primeiros espressos

Para os italianos, o espresso é o café por excelência. Extraído em segundos por água quente altamente pressurizada, a bebida tornou-se parte da rotina matinal de muitos outros países. Mas como ela surgiu? Pela complexidade da extração de um espresso, a tecnologia envolvida na produção das máquinas é um elemento central dessa história.

A história do espresso tem pouco mais de cem anos. No século XIX, o café era um negócio lucrativo nas cafeterias da Europa. E, no final daquele século, seu consumo fora de casa aumentou significativamente. Afinal de contas, o tempo acelerou com a introdução de equipamentos e máquinas movidos a vapor. Num mundo veloz, portanto, coar café pelos métodos tradicionais (em filtros de cerâmica ou metal), que levavam até cinco minutos, parecia um processo demorado demais.

Os inventores italianos perceberam, então, uma oportunidade: reduzir o tempo de preparo da bebida. Os parâmetros que mobilizaram os criadores das primeiras máquinas de espresso envolviam eficiência, economia e, particularmente, a utilização do vapor e a ideia do serviço individualizado da bebida — a demanda xícara a xícara, elemento central na cultura do espresso.

O primeiro equipamento que perseguiu essa demanda foi desenvolvido pelo francês Edouard Loysel de Santais. A imensa máquina empregava pressão hidrostática para fazer a água circular, e impressionou os visitantes em 1855, na Exposição de Paris, ao produzir mil xícaras de café em uma hora. Mas para alguns estudiosos o primeiro a incorporar um sistema pressurizado foi Angelo Moriondo. O inventor de Turim registrou a patente de sua máquina a vapor em 1884. O Método A. Moriondo incluía uma grande caldeira, aquecida a 1,5 bar de pressão. Porém, o equipamento nunca foi comercializado. Foram os milaneses Luigi Bezzera, um fabricante de licores, e o engenheiro Desiderio Pavoni que acabaram personagens dessa história.

Em 1901, Bezzera criou a Tipo Gigante. Operada a vapor, ela introduziu suportes para filtros (que evoluíram para os grupos e porta-filtros acoplados atuais) capazes de extrair cafés diretamente na xícara. Porém, a tecnologia empregada não permitia o controle nem da pressão, nem da temperatura da água — parâmetros essenciais para a qualidade da bebida, e que desafiaram os inventores seguintes.

Desiderio Pavoni lançou sua Ideale quatro anos depois. A Ideale era um desenvolvimento do equipamento de Bezzera que, por não ter dinheiro, transferiu a Pavoni sua patente. Dizem que Pavoni conseguiu diminuir a temperatura da água na caldeira de 121°C para cerca de 90°C, próxima à temperatura das máquinas modernas. A Ideale estreou em 1906, e foi a primeira máquina de espresso produzida em escala comercial.

Outras inovações surgiram, como a substituição do gás pela eletricidade, o porte menor dos equipamentos e o uso de componentes como o scambiattore, que permitiu a separação da água usada para o vapor daquela utilizada na extração do café.

Após a Segunda Guerra Mundial, american bars surgiram na Itália e as máquinas de espresso encontraram um lugar perfeito para se instalarem. O historiador Jonathan Morris, autor de Coffee: a global history, explica que os bares americanos tornaram-se locais de sociabilidade e de negócios para a burguesia italiana urbana, e um contraponto aos sofisticados e tradicionais cafés locais. Diferentemente do serviço à mesa destes clássicos estabelecimentos, o café de um american bar era entregue por um atendente no próprio balcão, onde os clientes conversavam em pé.

Nas primeiras décadas do século XX, as novas máquinas se espalharam e viraram um símbolo da modernidade italiana. O termo espresso, recém-incluído no vocabulário local, fazia referência tanto à velocidade da locomotiva, outro emblema da modernidade futurista, quanto ao nome da bebida — ambos “movidos à vapor”.

O alto preço das máquinas, porém, limitou o consumo da bebida à elite do país. Em 1927, os Estados Unidos importou sua primeira máquina de espresso, instalada no Regio’s Bar, em Nova York. Além da La Pavoni, fundada em 1905 em Milão, outros fabricantes se estabeleceram na Itália, como Victoria Arduino (1905, Turim), Carimali (1919, Bergamo), San Marco (1920, Udine), La Marzocco (1927, Florença) e La Rancilio (1929, Milão).

Mas que bebida era esse tal de espresso? No início dos 1900, bem diferente do que conhecemos. Faltava a crema, aquela camada espessa, cor de caramelo, típica do espresso. Porém, para obtê-la, é preciso uma pressão muito maior (9 bar) do que os equipamentos ofereciam até então.

Em 1935, Francesco Illy, fundador da illycaffè, de Trieste, patenteou a Illetta. Sua inovação foi utilizar, em lugar de vapor, a pressão do ar, a partir de um compressor externo e regulável, para forçar a água através do café moído. Andrea Illy, em seu livro O Sonho do café, destaca essa contribuição na mensuração precisa de temperatura e de pressão. A Illetta apresentava, ainda, dosagem automática de água.

Achille Gaggia, proprietário de um bar milanês e entusiasta da bebida, introduziu outra tecnologia: a bomba de pressão elétrica. Concebida em 1948, a Gaggia Crema Caffe forçava a água quente sobre o café a uma pressão elevada e constante, criando uma crema densa no espresso. Comprada por Ernesto Valente, a invenção de Gaggia transformou-se na Faema E61, lançada em 1961. A máquina tinha outra novidade, como uma bomba motorizada e o porte menor, tornando-a mais barata. Daí por diante, esses equipamentos tornaram-se mais comuns, e sempre oferecendo alguma inovação — e, para nós, um espresso cada vez melhor.

Cristiana Couto é jornalista, historiadora e doutora em história da ciência. É autora, entre outros, de Arte de Cozinha – Alimentação e dietética em Portugal e no Brasil (sécs. XVII-XIX). Coordena o conteúdo da Espresso. 

TEXTO Cristiana Couto • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Alimento ou medicamento? O café no Brasil do século XIX

A bebida café sempre despertou discussões por conta de seus efeitos no organismo. Desde 0 século IX, estudiosos árabes debatiam suas propriedades terapêuticas, e já concordavam que era uma bebida excitante, que promovia um estado maior de atenção. O mais famoso médico islâmico naqueles tempos, Rhazes, considerava que a bebida fazia bem ao estômago. Um século depois, Avicena, cujos textos médicos tornaram-se padrão nas universidades medievais do Ocidente, escreveu que o café fortalecia os membros e secava as “umidades” da pele.

Discussões desse tipo atravessaram séculos e mares, conforme a bebida se expandiu. Ao chegar à Europa, no século XVII, o café e suas propriedades medicinais também foram debatidas pelo continente. Ao chegar em Veneza, em 1624, os grãos torrados do Iêmen foram primeiramente vendidos em boticas ou apotecas, como eram denominadas as farmácias. Em 1640, o apotecário inglês John Parkinson afirmava que o café aliviava dores de cabeça, seguido, em 1705, pelo médico e químico francês Louis Lémery.

As considerações médicas sobre a bebida ganharam novos ares com a consolidação da química moderna no século XIX. E, a partir da década de 1830, o cultivo do grão no Vale do Paraíba ganha relevância social, política e econômica no Brasil. Assim, os médicos do Rio de Janeiro não ficaram de fora desses debates. Durante o Império, existiam apenas duas faculdades de Medicina no país (Bahia e Rio de Janeiro), e as novidades científicas chegavam a elas vindas principalmente da França.

Os primeiros estudos sobre a bebida na capital do Império surgem como teses médicas, em 185o, refletindo os desenvolvimentos da química e adaptando-os ao contexto brasileiro. Se no início do século XIX o consumo da bebida, reservado à elite, ainda não era um costume, em meados do XIX os médicos cariocas já relatam a transformação dos hábitos alimentares na corte, como o de tomar café após o jantar. A ação estimulante do café não despertou dúvidas entre os estudiosos cariocas, que a consideravam uma bebida “intelectual” e “social”. O que, porém, despertou controvérsias – na esteira das discussões na Europa – foram seu valor como alimento e sua propriedade de curar doenças.

A partir de 1850, também, o Rio de Janeiro foi castigado por sucessivos surtos e pandemias. O grão, no parecer dos estudiosos, parecia ser um remédio poderoso na cura de doenças, especialmente das febres. Antes da ideia de que as doenças poderiam ser causadas por microorganismos – o que só se estabeleceria no fim do XIX, – as febres eram um tema controverso desde a Antiguidade. Agrupadas em um “conjunto amplo e difuso de manifestações patológicas” e compreendidas ora como sintomas, ora como uma enfermidade em si (como bem descreveu o historiador da ciência brasileiro Ricardo Cabral de Freitas), as febres eram uma questão de saúde pública.

Quanto ao seu tratamento, os médicos seguiam os preceitos seculares da teoria humoral. Em seu corpo teórico, essa complexa teoria preconizava o equilíbrio do corpo como meio de preservar a saúde, e a
alimentação era um dos pilares fundamentais para essa manutenção, funcionando mesmo como um medicamento. Por isso, existiam dietas específicas, formuladas ao doente a partir de parâmetros como idade, gênero, atividade e temperamento.

Era necessário, porém, ajustar a teoria humoral ao clima tropical do Brasil, já que as doenças e os alimentos eram bem diferentes dos do Velho Continente, onde a teoria humoral foi praticamente dominante por quase dois milênios. Esses ajustes eram mais desafiantes com a introdução dos conhecimentos químicos, que também instigaram o desenvolvimento de novas teorias sobre nutrição. Trocando em miúdos, as discussões sobre saúde e alimentação eram um tema complexo e controverso, ajustando antigas teorias a quadros científicos modernos.

Nesse cenário de relações centenárias entre dieta, saúde, clima e temperamentos, os médicos cariocas “encaixaram” o café como opção de tratamento das febres tropicais.

As investigações do caráter alimentar da bebida também foram importantes, e ganharam relevância conforme seguiam-se as descobertas da química. Central nas explicações sobre a natureza, a utilização e a produção dos alimentos, a química moderna buscava explicar os fenômenos nutricionais. E o café, entre tantos outros produtos, foi investigado pelos químicos. Em 1819, por exemplo, o alemão Friedlieb
Runge isolaria a cafeína dos grãos.

A ideia moderna de que o café era um alimento estava relacionada, principalmente, à sua quantidade de nitrogênio, visto como um elemento importante na construção dos tecidos, músculos e órgãos do corpo.

Uma das experiências mais famosas e que provocou os médicos brasileiros foi feita com mineiros na Bélgica, em 1850, e apresentada em Paris. Em linhas gerais, a experiência indicava que, embora os mineiros tivessem uma dieta insuficiente em alimentos ricos em nitrogênio, eles mantinham boa saúde pelo consumo regular de café. A bebida, indicava o estudo, suprimiu-lhes a sensação de fome, além
de ter fortalecido neles o sistema nervoso.

Seguindo de perto experiências como essa – devido às parcas condições laboratoriais naquele tempo, foram poucos os experimentos –, alguns médicos cariocas concluíram que a infusão do café era nutritiva.
Outros debatiam acaloradamente uma das teorias em voga, formulada por químicos franceses, que considerava o café um “alimento de poupança”, e, preconizava que, embora a bebida não nutrisse o organismo, era capaz de impedir-lhe a desnutrição. Isso porque, ao estimular o corpo, o café fazia com que ele utilizasse melhor as reservas disponíveis, sem outras ingestões alimentares.

Por mais que houvesse divergências entre os estudiosos brasileiros sobre o papel nutritivo do café, prevalecia o consenso de que ele fazia bem à saúde: estimulava o sistema nervoso, acelerava a circulação e a respiração, “apressava” o movimento nutritivo e “fortificava” o estômago – sendo um excelente digestivo. Assim, a bebida contribuía para a alimentação, ao ativar o espírito, estimular o raciocínio e a imaginação e “reparar as forças enfraquecidas” por uma alimentação insuficiente.

Mas, ainda no final do século, mesmo com os novos conhecimentos químicos, alguns médicos cariocas enfatizavam os ensinamentos da antiga medicina: considerar o clima, além de idade, sexo e profissão do doente para recomendar o que se podia ou não ingerir. Por isso, do ponto de vista tanto médico quanto nutritivo – visões que já se tornavam menos dependentes entre si –, os médicos cariocas recomendaram a bebida para todos os brasileiros, já que, num clima quente como o do país, as pessoas tinham menos energia e as funções do organismo (como a digestão), diminuídas, indicando a necessidade da ação excitante do café.

O café é um bom exemplo na história da alimentação de como visões antigas são, muitas vezes, readequadas, incorporando novos conhecimentos para a formulação de um novo quadro teórico, uma nova forma de pensar os fenômenos da vida – neste caso, a nutrição.

Cristiana Couto é jornalista, historiadora e doutora em história da ciência. É autora, entre outros, de Arte de Cozinha – Alimentação e dietética em Portugal e no Brasil (sécs. XVII-XIX). Coordena o conteúdo da Espresso. Coluna publicada na Espresso #83 (março, abril e maio de 2024).

TEXTO Cristiana Couto • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

De onde vem a lenda sobre a origem do café

É difícil saber quando surgiu a planta café. De tão antiga, acredita-se que ela tenha aparecido na Terra antes mesmo da espécie humana, ⎯ ambas, no continente africano. Como não é possível rastrear a história da planta e definir sua origem no tempo, às vezes as lendas ou mitos servem como estratégia para fechar esse “buraco”. (Lendas e mitos, embora sejam termos diferentes, com conceitos igualmente diversos e que inspiram longas discussões sobre seu papel nas diferentes culturas ao longo do tempo, serão, aqui e para o nosso propósito, utilizados como sinônimos).

Mas quem criou a poderosa lenda, que reproduzimos até hoje, sobre a origem do café? Certamente não foram os habitantes da Abissínia (atual Etiópia), onde, já se sabe, a espécie arábica surgiu. Isso porque os primeiros registros do mito surgem só no século XVII. 

Para o filósofo e historiador Ralph Hattox, autor de um estudo importante sobre os islâmicos, a bebida café e as cafeterias no período medieval, a lenda não aparece nos primeiros escritos deixados pelos árabes. Segundo Hattox, para eles o mais importante era estabelecer quando, onde, por quem e por que o grão foi introduzido na Península Arábica. 

Porém, no século XVI, alguns cronistas árabes se deram conta de que nada sabiam sobre as origens da planta. Daí decidiram incluir seu próprio mito para tornar o conhecimento em relação ao café mais completo. É contado que Salomão foi o primeiro a usar o fruto. Ao viajar para uma cidade onde os habitantes sofriam de uma doença desconhecida, ele, seguindo as instruções do anjo Gabriel, torrou grãos vindos do Iêmen, fez com eles uma infusão e ofereceu a bebida aos doentes, que logo se curaram.

Bem, se não foram nem os abissínios nem os árabes os “autores” da lenda, quem a criou? E, afinal, que lenda é essa? Existem variações da “história”, mas o conteúdo central a todas elas diz o seguinte: um belo dia, Kaldi, um pastor de cabras da Abissínia, observou que seus animais ficavam agitados ao comer uma frutinha vermelha. Ao experimentá-la, ele também se sentiu assim. Algumas versões incluem um monge, outras, o processo da torra, e por aí vai. 

Quando os europeus visitaram as terras exóticas do Oriente, conheceram a bebida. De volta à Europa, escreveram sobre ela. Wiliam Ukers, talvez um dos primeiros estudiosos a se interessar pelo assunto, decidiu resolver o quebra-cabeça. Em seu livro All about coffee (Tudo sobre café), de 1922, ele garante que a lenda do pastor Kaldi foi “construída” pelos europeus e contada no primeiro livro dedicado exclusivamente ao grão no Velho Continente. Escrita em latim, em 1671, a obra De Saluberrima potione cahue seu cafe nuncupata discursus (Discurso sobre a salubérrima bebida chamada cahue ou café), do libanês naturalizado italiano Fausto Naironi, diz o seguinte (segue um trecho):

“Certo pastor de camelos ou, como dizem outros, de cabras, conforme a comum tradição dos Orientais, queixava-se aos monges de um mosteiro da região de Ayaman, na Arábia Feliz, que os seus rebanhos ficavam acordados mais de uma vez na semana”.

E cá está a entrada do monge na lenda, o que remete aos documentos que indicam como a bebida café surgiu entre os árabes: a partir do consumo entre os monges sufis ⎯ uma vertente religiosa mais branda do islamismo. A partir de então, essa “história” e suas versões, aparecem nos livros que contam a história do arábica, e seguem construindo, em nosso imaginário, como foi o primeiro contato do homem com o café.

TEXTO Cristiana Couto • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

A chegada do café ao Brasil

Em 1727, as primeiras mudas do grão são plantadas no norte do país, e o centro-sul nacional dita os rumos da nossa história

Todos os livros sobre a bebida citam Francisco de Mello Palheta, oficial do governo brasileiro que trouxe ao país, em 1727, as primeiras mudas de café, vindas da Guiana Francesa. Embora Palheta seja sempre retratado como um personagem heróico, quase mítico, o militar, de fato, foi enviado pelo governador da capitania do Maranhão e do Grão-Pará para resolver problemas de demarcação de fronteiras com a Guiana. Costuma-se dizer que Palheta envolveu-se numa situação amorosa — provavelmente, outra das muitas lendas sobre o café. Na verdade, sua missão principal foi conseguir mudas de café, que foram, então, cultivadas no Pará. 

A primeira exportação de grãos para Lisboa sai do Maranhão em 1731, e o café cultivado em Belém começa a ser plantado nos arredores do Rio de Janeiro na década de 1760. Era, então, uma planta de quintal, para consumo doméstico. Só quando ele chega ao Vale do Paraíba é que nossa história muda de rumo. Relativamente desabitada até 1800, imbricada entre as Serras do Mar e da Mantiqueira e compartilhada entre Rio e São Paulo, a região transformou-se na primeira área cafeicultora brasileira com produção em alta escala. No início, os cafezais tomaram a porção fluminense do território, onde surgiram imensas e belíssimas fazendas. 

A chegada da família real à cidade do Rio, em 1808, transformou-a na capital do Império português, e estimulou ainda mais o cultivo do café no Vale. D. João VI mandou, então, buscar sementes da África, e as distribuiu entre os proprietários da região. 

Com o ouro já esgotado e o açúcar enfrentando concorrentes antilhanos, o café tornou-se uma opção de riqueza para Portugal. Entre o final do século XVIII e ao longo do XIX, o grão espalhou-se pelas regiões centro-sul do Brasil, alcançando Minas Gerais (pela zona da Mata), Espírito Santo e, aos poucos, São Paulo, descendo pelo Vale do Paraíba. 

Em 1822, um ramo de café é incorporado ao escudo de armas do Império — uma aposta em seu potencial econômico. De fato, o café ganhou esse destaque. Entre a Independência (1822) e a Primeira República (1889), as exportações brasileiras do grão aumentaram 75 vezes, para mercados consumidores (EUA e Europa) que cresceram rapidamente. Muita terra disponível, pouca tecnologia necessária, solo fértil e barato e mão de obra escravizada permitiram ao país produzir café a preços baixos e em grande quantidade.

Entre 1830 e 1840, o grão tornou-se nosso produto mais exportado e, na década de 1850, o Brasil virou seu maior produtor mundial. Não sem alterar o mapa de sua produção: em declínio, pelo cansaço das terras ocasionado pela prática da monocultura, o Vale do Paraíba foi dando lugar à produção paulista.

O café chega a São Paulo em 1765, estabelecendo-se na porção paulista do Vale do Paraíba. Foi cultivado em roças e consumido internamente até 1835, quando plantas crescem em Campinas, inaugurando a região produtora conhecida como Oeste Paulista. Ali, o grão avança em duas direções: para o oeste, rumo a Limeira, Rio Claro e Araraquara; ao norte, para cidades como Casa Branca e Mococa. A partir dos anos 1860, São Paulo tornou-se o maior produtor de café do mundo.

Em 1886, Campinas e regiões próximas a ela lideram a produção brasileira (e mundial) do grão. O navio a vapor impulsiona seu comércio, e as ferrovias, construídas a partir de meados do século XIX, aceleram o trânsito entre as fazendas e os portos de escoamento do grão. No final do Oitocentos, São Paulo tinha 3 mil km de trilhos interior adentro. Onde eles surgiam, apareciam novas cidades e mais pessoas.

Santos transformou-se em uma cidade central para esse comércio. Além de ter o maior porto exportador do mundo (o do Rio de Janeiro perdeu importância conforme o café se espalhou por São Paulo), a cidade inaugurou a Bolsa Oficial do Café no início do século XX, que passou a determinar as regras para o negócio do grão e controlou as operações financeiras, entre outras funções.  

O Brasil, então, era o café. Até o início do século XX, comércio, indústria e investimentos financeiros giraram em torno do grão. Grandes reformas urbanas foram feitas, surgiram estabelecimentos culturais e foram fundadas as primeiras instituições científicas — como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), de 1887, o curso de Engenharia Agronômica (1897) e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1901). Esses centros foram criados, principalmente, para salvar cafeicultores das pragas que ameaçavam o café. 

Também é a economia cafeeira que estabelece e mantém a hegemonia política e econômica do centro-sul do Brasil, promovendo a “política café com leite”, que predominou na Primeira República (1889-1930) alternando no poder fazendeiros paulistas e mineiros.

Mas nem tudo nessa história é sobre riqueza e prosperidade. Milhares de africanos escravizados serviram como mão de obra no plantio do café, e o país foi o último no mundo a cessar esse tráfico intercontinental (em 1850). Estimativas feitas por historiadores calculam que, entre 1835 e 1850, dos mais de 690 mil escravizados que chegaram ao país, cerca de 80% desembarcaram no sudeste cafeeiro. Depois de 1850, estrutura-se no país outro tipo de tráfico: o comércio interno de escravizados negros, vindos de áreas produtoras decadentes — como as de cana, no nordeste — para trabalhar nos cafezais paulistas. Muitos negros livres, inclusive, voltaram a ser escravizados para a lida nos cafezais paulistas. Além disso, cafeicultores e governo buscaram mão de obra alternativa, trazida da Europa. Mas essa parte da história fica para a próxima coluna. Até lá!

Cristiana Couto é jornalista, historiadora e doutora em história da ciência. É autora, entre outros, de Arte de Cozinha – Alimentação e dietética em Portugal e no Brasil (sécs. XVII-XIX). Coordena o conteúdo da Espresso. Coluna publicada na Espresso #80 (junho, julho e agosto de 2023).

TEXTO Cristiana Couto • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes