A jovem profissão passa por mudanças em sua trajetória de pouco mais de duas décadas no Brasil
Um barista pode percorrer diferentes caminhos em sua carreira profissional: há os que dão cursos, mentorias e consultorias; outros abrem a própria cafeteria ou microtorrefação e tornam-se, também, degustadores profissionais. Mas há, ainda, os que engatam em competições e, até mesmo, encontram na internet a possibilidade de ganhar dinheiro.
Experts para além do preparo de cafés de qualidade, os baristas ouvidos pela Espresso para esta reportagem traçaram caminhos diversos na profissão – cuja formalização tem apenas 13 anos. Entre as trilhas escolhidas, chama a atenção o interesse cada vez maior por investir em campeonatos e comunicação.
Definir um barista como conhecedor da ciência por trás da extração de café e capaz de dominar técnicas de latte art ou de criar drinques é um conceito simplista. Há outros conhecimentos necessários para exercer a função – como entender sobre variedades, processos do plantio ao pós-colheita, torra e a influência de todos esses fatores no sabor final da bebida. Para obter esse entendimento existem diversos cursos profissionalizantes.
Além disso, as soft skills também são características exigidas pela profissão. Escuta empática, organização, criatividade, boa comunicação e espírito de liderança são algumas dessas habilidades desejadas – e que vão ajudar muito no contato com o cliente ou com a equipe. Mas, para alguns, o caminho profissional passa pelo lado de fora de uma cafeteria.
O palco é o limite
“Chega uma hora em que o balcão fica pequeno’’, diz o paulista Hugo Silva. Barista vencedor do campeonato brasileiro de Coffee in Good Spirits em 2013, Silva viu nos campeonatos uma oportu-
nidade de evoluir tecnicamente e ter visibilidade.
Na ocasião (2011), já trabalhava na Octavio Café – cafeteria paulistana hoje extinta, mas que, à época, era uma das maiores da América Latina e reconhecida por lançar grandes talentos do barismo. O jovem profissional aproveitou a chance e apostou em participar de campeonatos em diversas categorias. O pódio em 2013 levou-o à França: “Lá, pude ter contato com baristas do mundo todo, visitar feiras e entender o que estava acontecendo no cenário internacional, expandindo meus conhecimentos”, diz ele.
Já o segundo lugar no Campeonato Brasileiro de Barista, em 2022, rendeu-lhe a construção do próprio negócio. “Usei as competições para divulgar meu trabalho’’, explica Silva, atualmente mestre de torra, empreendedor e sócio-proprietário da Sabino Torrefação, em São Paulo (SP), ao lado do barista Thiago Sabino.
À esquerda, Hugo Silva, campeão de drinques com café em 2013 e segundo lugar como barista em 2022. À direita, a barista e apresentadora de campeonatos Mariana Mesquita
De lá para cá, o cenário de competições evoluiu. Um dos motivo é a entrada recente de grandes marcas como Nude, Nescafé e Melitta como patrocinadores das disputas. “A bolha dos cafés especiais está aumentando de tamanho”, acredita Mariana Mesquita, competidora e apresentadora das disputas. Formada em Ciências Políticas e residente em Brasília, a manauara tornou-se barista há oito anos. “Gosto de gente e do ambiente interativo das cafeterias”, diz ela. Mas foram as competições que atraíram sua atenção. “A entrada das marcas nesse cenário traz relevância ao mercado e faz com que a gente atinja, com dez minutos de microfone, espaços antes inacessíveis’’, revela.
Outra transformação é quanto ao impacto desses eventos, fruto do trabalho de profissionais e entidades do setor, como a BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais), que organiza as competições nacionais e transita com elas por diversas cidades brasileiras. “Isso permite que públicos diferentes assistam às disputas, o que gera visibilidade à nossa profissão’’, analisa Mariana.
É como se os campeonatos reunissem tudo o que um barista faz. “É uma simulação de um cenário de hospitalidade, onde o barista apresenta seu trabalho”, explica a barista, para quem as disputas também funcionam como uma inspiração e um ponto de encontro de pessoas com os mesmos interesses.
Em 2o23, o Brasil entregou, pela primeira vez, um barista campeão mundial. O feito do paulistano Boram Um, da cafeteria Um Coffee, na capital paulista, não foi pouca coisa, dadas as expectativas de profissionais da área desde 2002, quando o país estreou nos campeonatos mundiais. Este ano, foi a vez do Q-Grader mineiro Dionatan Almeida ganhar o Campeonato Mundial de Cup Tasters durante a SCA Coffee Expo, em Chicago, nos EUA. A vitória destes dois profissionais consagra, a nível internacional, a capacidade do Brasil em criar talentos. Além disso, os troféus obtidos ajudam a quebrar o paradigma de que o país produz apenas café em quantidade, em detrimento da qualidade (Boram Um usou, na competição, um café que ele mesmo cultiva).
Se uma medalha de ouro é capaz de impulsionar a carreira de barista, estar entre os mais bem colocados do país também contribui – e muito – para a ascensão profissional. “É um espaço que pode ajudar a impulsionar rapidamente o barista”, conta Mariana, que, atualmente, divide-se entre o barismo e a coquetelaria no desenvolvimento de cardápios para bares, restaurantes e cafeterias.
A cara do barista está mudando
É inevitável que um barista já experiente reflita sobre seus próximos passos. As opções para o plano de carreira são variadas, e a escolha depende das aptidões de cada um. Uma das alternativas é tornar-se mestre de torra. Essa função, situada numa das últimas etapas antes de o café chegar ao consumidor, é essencial para garantir a qualidade e a integridade de todo o processo anterior, culminando na experiência final do café.
A profissão tem sido ressignificada ao longo dos anos, com o surgimento de microtorrefações gerenciadas por pessoas negras ou mulheres, como é o caso da Café POR ELAS, de São Paulo (SP). A empresa é comandada pelas irmãs paulistanas Júlia e Nadia Nasr e tem Cássia Novaes como mestre de torra. “Ser mestre de torras é viável para aqueles que gostam de trabalhar com processos rigorosos e que são bem organizados’’, explica Júlia.
À esquerda, Nadia e Julia Nasr, da Café POR ELAS (SP). À direta, a mestre de torra Cassia Novaes
Para Cássia, a função, primordial dentro dos processos que levam o café do campo à xícara, vem ganhando relevância. Segundo ela, cada vez mais mulheres e pessoas pretas estão conquistando este espaço. “Encontrei no Café POR ELAS uma chance de aprender sobre cafés especiais em uma empresa que valoriza mulheres”, explica.
Excêntricos ou hipsters?
Quem frequentou sites estrangeiros de humor como 9gag em 2010 — época da multiplicação de cafeterias especializadas nos EUA — deve se lembrar de memes sobre ser um barista, persona que contemplava o imaginário popular desse profissional. Majoritariamente executada por jovens frequentemente estereotipados como excêntricos e hipsters, a profissão de barismo era questionada (e ainda é) como uma atividade de caráter transitório, ocupada por quem não sabia que carreira profissional seguir.
No Brasil, o cenário foi um pouco diferente. Estabelecimentos como Santo Grão, Coffee Lab, Suplicy Cafés Especiais e Octávio Café foram precursores na tarefa de formar grandes baristas e competidores mundiais. “Quando pararmos de olhar a profissão como uma brincadeira ou um hobby, passaremos a ser vistos como baristas sérios”, analisa Hugo Silva. “Tem gente que realmente quer aprender e crescer”, garante.
Além de barista, competidor e empresário, Silva é, também, um comunicador: já foi embaixador de grandes marcas e teve como missão levar cafés de qualidade para as gôndolas de supermercados. “O consumidor brasileiro sabe o valor de uma cerveja especial e preza pela sua qualidade”, reflete. “Como podemos convencê-lo, também, a considerar o café especial uma experiência e não apenas uma necessidade básica?’’, compara o empresário.
Ser influente
O crescimento de redes sociais como Instagram e TikTok nos últimos anos também transformou a profissão. Se antes era por meio dos sites de resenhas ou das páginas de jornais que formadores de opinião se comunicavam com seus leitores, hoje em dia a internet permitiu que as recomendações de um influenciador atinjam seu público em tempo real.
Uma das baristas influentes mais famosas é Maíra Teixeira. Figura constante nas redes, a trajetória virtual da publicitária, formada também em gastronomia, começou em 2015 depois de compartilhar suas experiências em cafeterias pelo Instagram – algo que poucas pessoas faziam à época.
Maíra Teixeira: conhecida influenciadora em café
Sem nunca deixar de manter as postagens, Maíra optou por trabalhar atrás do balcão para experienciar o cotidiano de uma cafeteria e, em seguida, migrar para consultorias na área. Até perceber o potencial deste verdadeiro portfólio online para novos trabalhos.
Atualmente, a barista cria conteúdo para diferentes públicos e faz publicidade para grandes marcas do setor, seguindo o que ela considera a melhor maneira de falar sobre café: “Antes de ser um influenciador, é preciso ser um bom barista”, alerta. Para Maíra, as publicações devem ter um conteúdo verdadeiro, que converse com a realidade do Brasil. “Métodos de preparo e equipamentos caros chegam no país com um preço pouco convidativo, o que, às vezes, pode ser um entrave para se tornar um influenciador digital”, explica.
Automação do trabalho
Depois da fabricação de equipamentos de café integrados a tecnologias de Inteligência Artificial – como as máquinas de café espresso Eagle One, do Grupo Simonelli, e sua Escala Inteligente Virtual (VIS), ou torrefadores de processo autônomo como o Variety e23, da Ansa –, algumas tarefas cotidianas da profissão também estão sendo substituídas por soluções tecnológicas. Afinal, o trabalho de barista não passa ileso por essas evoluções.
Nos Estados Unidos, por exemplo, já há máquinas que substituem diversas etapas da atividade, como moagem dos grãos, compactação do pó de café, extração da bebida e, até mesmo, vaporização do leite. É o que fazem os robôs baristas da Artly Coffee, em Seattle (EUA), segundo reportagem da revista Sprudge. Por meio da IA, máquinas robotizadas extraem e preparam bebidas quentes e geladas à base de espresso e de outras receitas configuradas previamente, além de executarem latte arts e terem dispositivos que identificam a qualidade da bebida.
Esse tipo de automação tem levantado debates: se a mão de obra humana será substituída, como os profissionais poderão trabalhar em conjunto com as novas tecnologias? Outras perguntas, como as vantagens de se ter um dispositivo como esse em operação e, até mesmo, se o robô barista deve receber gorjeta, estão na pauta.
Para saber mais: do clássico ao moderno
Termo originado do italiano baristi, a atividade de barista existe desde o século XIX, quando as primeiras máquinas de espresso foram criadas. Era este o profissional responsável por preparar bebidas à base de café ou de álcool, além de atender os clientes da cafeteria – um espaço que ganhava cada vez mais popularidade.
No Brasil, a profissão surgiu no começo dos anos 2000. Apesar de o país ser o maior produtor mundial de café, as cafeterias especializadas brasileiras aparecem como fruto de tendências internacionais, que acompanhavam a chamada terceira onda, movimento que preza pela qualidade, sustentabilidade e comércio justo na cadeia produtiva.
Com trabalho regulamentado somente em 2010 (Projeto de Lei 8047/10), o barista costuma ter na caixinha (valor distribuído entre os funcionários de um estabelecimento sobre os 13% da taxa de atendimento paga pelo cliente) a maior fonte de seu rendimento. Segundo a pesquisa Cafés Especiais, Perfil e Sabor, feita pelo Sebrae em parceria com a empresa Hongi, 40,5% dos 331 entrevistados declaram receber de R$ 1,5 mil a R$ 2 mil mensais – 24% ganham, mensalmente, entre R$ 2 e R$ 3 mil.
Mas, é claro, não são todas as cafeterias que cobram por esse tipo de serviço. E Algumas escolhem remunerar seus colaboradores com valores acima do piso a cobrarem pela taxa. além das cafeterias, há trabalho para profissionais do ramo em bares, hotéis, restaurantes e outros espaços para o preparo de cafés, como galerias, empórios e lojas.
TEXTO Letícia Souza • FOTO Divulgação