A escalada de preços abre espaço para alternativas de consumo, como as bebidas ready-to-drink e o café solúvel

Foto: Agência Ophelia
Nos últimos meses, a alta expressiva dos preços do café tem sido um assunto em debate. Em 2024, o custo do grão para o consumidor cresceu 37,4%, de acordo com dados divulgados pela Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), em coletiva realizada na última quarta (5). Estoques baixos, tanto nos países produtores quanto nos consumidores, problemas climáticos – com projeções de que as condições devem persistir em 2025 – e a alta do dólar são algumas justificativas para essa valorização.
Estimativas de produção para o próximo ciclo também impactam os preços. Em 28 de janeiro, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) divulgou sua primeira estimativa para a safra brasileira de café 2025, indicando uma produção de 51,8 milhões de sacas, queda de 4,4% em relação ao ano anterior.
Enquanto isso, nas gôndolas, um simples café de mercado está na casa dos R$ 30 – e a previsão não é animadora. “Devemos ter aumento adicional no preço final. A indústria não tem como evitar esse aumento e repassou os valores para os intermediários e consumidores finais”, disse Pavel Cardoso, presidente da Abic, na coletiva. “Nos próximos dois meses, devemos ter um aumento de 25%”, acrescentou.

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Entre a produção e o cliente
Alex Lima, fundador da Torra Fresca Cafés, de Mococa (SP), sente os efeitos da rápida escalada. Em entrevista à Espresso, ele comenta que cerca de 15% dos clientes deixaram de comprar café nos últimos meses. “Fizemos um repasse de 50% entre novembro e janeiro. Os clientes assustam, tentam manobrar e, em alguns casos, deixam de comprar”, explica.
À frente da torrefação há 11 anos, Lima trabalha não apenas com café especial, mas também com gourmet – produto que tem sido uma alternativa para quem busca manter certo padrão de qualidade. “O gourmet apresentou aumento nas vendas. Antes, o cliente comprava dois especiais. Hoje, tem comprado um especial e um gourmet”, relata.
No norte do país, em Belém, no Pará, o empresário Bruno Wariss, da Alquimista Bebidas Especiais, também se reinventa para driblar a situação. “É importante ser flexível”, pontua. Ele, que vem de família que trabalha com café há décadas, relembra outros momentos difíceis: “Entre 2015 e 2016, em que tivemos impeachment de presidente e caminhões parados, os produtos não chegavam e a gente precisou se adaptar. Depois veio a covid-19, três meses totalmente fechados, sem funcionar, não estávamos vendendo café. Mas precisamos nos adaptar ao mercado”.

Foto: Agência Ophelia
Wariss explica que o repasse para o cliente se faz necessário para manter o negócio funcionando. “Nós tentamos segurar o preço, mas infelizmente tem que repassar. Antes eu vendia, para cafeterias, um café de 82 pontos, para espresso, a R$ 75 o kg. No momento está custando R$ 120, mas vem escalando de dez em dez reais a cada 15 dias. É a nova realidade. Não adianta segurarmos o preço, senão vamos ter que fechar a empresa”, aponta o empresário.
Ele também comenta que o fato de estar longe de grandes centros produtores, como Minas Gerais e Espírito Santo, o obriga a comprar quantidades maiores de café por vez – o que financeiramente não tem sido um negócio fácil. “Há 12 meses, com 100 mil reais, comprávamos 60 sacas de 60 kg. Agora, com 100 mil reais, conseguimos comprar 28 sacas. Antes, o produtor dava 120 dias de prazo, agora ele dá 30”, relata. “Então é uma adaptação completa, até da minha vida pessoal. Meu pró labore diminuiu 30% para que a gente possa se adequar às novas compras de café. É um estudo financeiro, de gerência e de venda, e ao mesmo tempo uma relação com o produtor”, detalha.

Foto: Agência Ophelia
Em contrapartida, para manter o interesse do público nos cafés de qualidade, Weriss tem investido na educação do público com treinamentos que acontecem em seu espaço. “Treinamos de duas a três mil pessoas por ano, entre baristas, coffee lovers e donos de cafeterias, e com isso o consumidor fica cada vez mais esperto sobre o real valor do café, no sentido sensorial, e já sabe reconhecer muito bem o que é o café especial”, destaca.
Ele também faz parcerias com empresas de consultoria. “Elas oferecem aos meus clientes uma palestra gratuita e depois, caso queiram, eles acabam fechando negócio. Ou seja, essas empresas se aproveitam do meu networking para fechar possíveis contratos, e, ao mesmo tempo, fomentam meus clientes a serem melhores profissionais. Mantemos o terreno fértil aqui”, explica.
Novas formas de se consumir a bebida
Claro que o café filtrado não será substituído, mas a escalada de preços pode impactar a forma de consumo, dando margem para que novas bebidas entrem no jogo, como as bebidas ready-to-drink e o café solúvel. “O solúvel está sendo inserido como mais uma forma de se tomar café em determinados momentos do cotidiano”, afirma Aguinaldo Lima, diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics).

Café solúvel – Foto: Felipe Gombossy
Nos últimos meses, o produto teve bom desempenho, como indica a atualização do AbicsData, plataforma da Abics, divulgada no final de janeiro. Segundo os dados, o Brasil registrou aumentos recordes tanto nas exportações quanto no consumo interno. Em 2024, os envios de café solúvel somaram 4,093 milhões de sacas – crescimento de 13% na comparação com o ano anterior. No mesmo período, o consumo nacional alcançou o seu maior nível histórico: 1,069 milhão de sacas. Para Lima, a melhora da qualidade e o leque de opções são fatores que justificam a maior demanda pelo produto. “São vários blends de canéforas e arábicas, além da diversificação dos processos, como o aglomerado, o spray dried ou o freeze dried, que tem várias aplicações, e também os muitos tipos de embalagens. Com isso criou-se uma prateleira maior para os consumidores”, explica.
Na prática, a versatilidade, o preço da dose e sua maior vida útil também são fatores a favor do solúvel, como menciona a consultora da Abics, Eliana Relvas: “no caso do solúvel, não tem desperdício. O consumidor faz doses únicas, geralmente 1g ou 1,5g por xícara, misturado com leite ou água. Além disso, pode durar até dois anos se embalado corretamente. Já o torrado e moído tem uma validade menor, pois oxida mais rápido”, comenta. “Lembrando que o café solúvel é só café e água. Usamos só pressão e temperatura em sua produção”, destaca.
Hoje, o solúvel representa 28% do consumo total global e 5% no cenário brasileiro – número este que vem crescendo nos últimos anos, como mostra a série histórica da Abics (veja imagem abaixo), que os acompanha desde 2016.

“Como segundo maior consumidor de café, o Brasil tem muito espaço para crescer no consumo do produto, e isso está muito ligado à nossa capacidade de transmitir aos consumidores que o café solúvel não é tudo igual, que tem, sim, várias aplicações”, afirma Lima. “As expectativas são as melhores e devemos seguir crescendo no Brasil a um ritmo bastante interessante”, completa.
TEXTO Gabriela Kaneto