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Museu do Café ganha nova identidade visual

Com papel fundamental na preservação da história do café e na disseminação do conhecimento sobre o grão, o Museu do Café apresentou seu novo posicionamento institucional. 

“O propósito dessa mudança é estabelecer uma conexão emocional e de afetividade com diversos públicos, desconstruindo a imagem intimidante e elitista [do museu]”, explica a diretora-executiva do Museu do Café, Alessandra Almeida.

Em processo desde 2021, o rebranding, desenvolvido em conjunto com o Istituto Superiore per le Industrie Artistiche Roma (ISIA Roma Design), incluiu o lançamento de uma nova identidade visual que destaca o lado humano e social do café além da xícara, trazendo assuntos como gênero, raça e imigração. 

Para isso, os novos atributos adotados pelo Museu do Café nesta fase (vivo, participativo, internacional, socialmente responsável e afetivo) serviram de base para a atualização da identidade visual, que utilizava a mesma logomarca desde a fundação, em 1998.

O novo logotipo foi inspirado em movimentos orgânicos e circulares que fazem parte da cadeia de produção e consumo, influenciado, também, por traços e elementos do prédio que abriga o Museu, como Salão do Pregão, a cúpula, o relógio da torre e as colunas greco-romanas. 

“A forma circular da xícara vista de cima vai ao encontro do sinal dinâmico da gota. O resultado é uma letra C suave”, explica Massimiliano Datii, professor do ISIA. “Os rostos dos produtores e consumidores, os elementos naturais, os rituais nas diversas partes do planeta, as cores do mundo do café, cada detalhe é integrado ao sistema visual e contribui para enriquecer a imagem do Museu”, completa.

A nova identidade pode ser vista pelo público no site do Museu do Café – que foi totalmente reformulado –, nas redes sociais e no vídeo da campanha institucional

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

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Como o preço do café pode impactar o mercado e o consumo

A escalada de preços abre espaço para alternativas de consumo, como as bebidas ready-to-drink e o café solúvel

Foto: Agência Ophelia

Nos últimos meses, a alta expressiva dos preços do café tem sido um assunto em debate. Em 2024, o custo do grão para o consumidor cresceu 37,4%, de acordo com dados divulgados pela Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), em coletiva realizada na última quarta (5). Estoques baixos, tanto nos países produtores quanto nos consumidores, problemas climáticos – com projeções de que as condições devem persistir em 2025 – e a alta do dólar são algumas justificativas para essa valorização. 

Estimativas de produção para o próximo ciclo também impactam os preços. Em 28 de janeiro, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) divulgou sua primeira estimativa para a safra brasileira de café 2025, indicando uma produção de 51,8 milhões de sacas, queda de 4,4% em relação ao ano anterior. 

Enquanto isso, nas gôndolas, um simples café de mercado está na casa dos R$ 30 – e a previsão não é animadora. “Devemos ter aumento adicional no preço final. A indústria não tem como evitar esse aumento e repassou os valores para os intermediários e consumidores finais”, disse Pavel Cardoso, presidente da Abic, na coletiva. “Nos próximos dois meses, devemos ter um aumento de 25%”, acrescentou.

Foto: Agência Ophelia

Entre a produção e o cliente

Alex Lima, fundador da Torra Fresca Cafés, de Mococa (SP), sente os efeitos da rápida escalada. Em entrevista à Espresso, ele comenta que cerca de 15% dos clientes deixaram de comprar café nos últimos meses. “Fizemos um repasse de 50% entre novembro e janeiro. Os clientes assustam, tentam manobrar e, em alguns casos, deixam de comprar”, explica.

À frente da torrefação há 11 anos, Lima trabalha não apenas com café especial, mas também com gourmet – produto que tem sido uma alternativa para quem busca manter certo padrão de qualidade. “O gourmet apresentou aumento nas vendas. Antes, o cliente comprava dois especiais. Hoje, tem comprado um especial e um gourmet”, relata. 

No norte do país, em Belém, no Pará, o empresário Bruno Wariss, da Alquimista Bebidas Especiais, também se reinventa para driblar a situação. “É importante ser flexível”, pontua. Ele, que vem de família que trabalha com café há décadas, relembra outros momentos difíceis: “Entre 2015 e 2016, em que tivemos impeachment de presidente e caminhões parados, os produtos não chegavam e a gente precisou se adaptar. Depois veio a covid-19, três meses totalmente fechados, sem funcionar, não estávamos vendendo café. Mas precisamos nos adaptar ao mercado”.

Foto: Agência Ophelia

Wariss explica que o repasse para o cliente se faz necessário para manter o negócio funcionando. “Nós tentamos segurar o preço, mas infelizmente tem que repassar. Antes eu vendia, para cafeterias, um café de 82 pontos, para espresso, a R$ 75 o kg. No momento está custando R$ 120, mas vem escalando de dez em dez reais a cada 15 dias. É a nova realidade. Não adianta segurarmos o preço, senão vamos ter que fechar a empresa”, aponta o empresário.

Ele também comenta que o fato de estar longe de grandes centros produtores, como Minas Gerais e Espírito Santo, o obriga a comprar quantidades maiores de café por vez – o que financeiramente não tem sido um negócio fácil. “Há 12 meses, com 100 mil reais, comprávamos 60 sacas de 60 kg. Agora, com 100 mil reais, conseguimos comprar 28 sacas. Antes, o produtor dava 120 dias de prazo, agora ele dá 30”, relata. “Então é uma adaptação completa, até da minha vida pessoal. Meu pró labore diminuiu 30% para que a gente possa se adequar às novas compras de café. É um estudo financeiro, de gerência e de venda, e ao mesmo tempo uma relação com o produtor”, detalha.

Foto: Agência Ophelia

Em contrapartida, para manter o interesse do público nos cafés de qualidade, Weriss tem investido na educação do público com treinamentos que acontecem em seu espaço. “Treinamos de duas a três mil pessoas por ano, entre baristas, coffee lovers e donos de cafeterias, e com isso o consumidor fica cada vez mais esperto sobre o real valor do café, no sentido sensorial, e já sabe reconhecer muito bem o que é o café especial”, destaca. 

Ele também faz parcerias com empresas de consultoria. “Elas oferecem aos meus clientes uma palestra gratuita e depois, caso queiram, eles acabam fechando negócio. Ou seja, essas empresas se aproveitam do meu networking para fechar possíveis contratos, e, ao mesmo tempo, fomentam meus clientes a serem melhores profissionais. Mantemos o terreno fértil aqui”, explica.

Novas formas de se consumir a bebida

Claro que o café filtrado não será substituído, mas a escalada de preços pode impactar a forma de consumo, dando margem para que novas bebidas entrem no jogo, como as bebidas ready-to-drink e o café solúvel. “O solúvel está sendo inserido como mais uma forma de se tomar café em determinados momentos do cotidiano”, afirma Aguinaldo Lima, diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics). 

Café solúvel – Foto: Felipe Gombossy

Nos últimos meses, o produto teve bom desempenho, como indica a atualização do AbicsData, plataforma da Abics, divulgada no final de janeiro. Segundo os dados, o Brasil registrou aumentos recordes tanto nas exportações quanto no consumo interno. Em 2024, os envios de café solúvel somaram 4,093 milhões de sacas – crescimento de 13% na comparação com o ano anterior. No mesmo período, o consumo nacional alcançou o seu maior nível histórico: 1,069 milhão de sacas. Para Lima, a melhora da qualidade e o leque de opções são fatores que justificam a maior demanda pelo produto. “São vários blends de canéforas e arábicas, além da diversificação dos processos, como o aglomerado, o spray dried ou o freeze dried, que tem várias aplicações, e também os muitos tipos de embalagens. Com isso criou-se uma prateleira maior para os consumidores”, explica. 

Na prática, a versatilidade, o preço da dose e sua maior vida útil também são fatores a favor do solúvel, como menciona a consultora da Abics, Eliana Relvas: “no caso do solúvel, não tem desperdício. O consumidor faz doses únicas, geralmente 1g ou 1,5g por xícara, misturado com leite ou água. Além disso, pode durar até dois anos se embalado corretamente. Já o torrado e moído tem uma validade menor, pois oxida mais rápido”, comenta. “Lembrando que o café solúvel é só café e água. Usamos só pressão e temperatura em sua produção”, destaca.

Hoje, o solúvel representa 28% do consumo total global e 5% no cenário brasileiro – número este que vem crescendo nos últimos anos, como mostra a série histórica da Abics (veja imagem abaixo), que os acompanha desde 2016. 

“Como segundo maior consumidor de café, o Brasil tem muito espaço para crescer no consumo do produto, e isso está muito ligado à nossa capacidade de transmitir aos consumidores que o café solúvel não é tudo igual, que tem, sim, várias aplicações”, afirma Lima. “As expectativas são as melhores e devemos seguir crescendo no Brasil a um ritmo bastante interessante”, completa.

TEXTO Gabriela Kaneto

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O consumo de café no Brasil cresceu 1,11%

Dados coletados pela Abic até outubro do ano passado revelam também que o consumo per capita diminuiu 2,2% no país; quanto à falta de café no mercado, o país está preparado para o enfrentamento

O consumo de café no Brasil cresceu 1,11% em 2024, conforme dados da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) apresentados em coletiva de imprensa nesta quarta (5). Isso significa que os brasileiros consumiram 21,92 milhões de sacas em 2024, contra 21,67 milhões em 2023.

Já o consumo per capita de café torrado e moído entre 2023 e 2024 caiu 2,2% (de 5,12 kg por habitante por ano para 5,01), por conta do crescimento da população (a Abic utilizou a base populacional feita pelo IBGE, que cresceu). Os dados acima foram coletados entre novembro/outubro de 2023 e novembro/outubro de 2024.

Questionado pela Espresso se faltará café no mercado interno por conta da pequena oferta atual, Pavel Cardoso, presidente da Abic, nega que tenhamos problemas. “Sempre há estoques reguladores nos países produtores e exportadores. Por conta da EUDR, as importações europeias foram aceleradas para estoque”, diz ele.

Embora a safra brasileira de 2025 seja “ligeiramente menor”, nas palavras de Cardoso, para Fábio Sato, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics) e que também participou da coletiva, a safra brasileira poderá trazer alívio para essa baixa oferta. Segundo Edvaldo Frasson, presidente do Sindicafé-SP, “a indústria está preparada”.

TEXTO Redação • FOTO Agência Ophelia

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Lançamentos da Carmomaq para torrefação e empacotamento de café

Várias marcas do mercado aproveitam a Semana Internacional do Café para fazer seus lançamentos. A Carmomaq, que atua no setor de equipamentos, apresentou três novidades. Uma delas foi a empacotadora Exatto, que visa facilitar o trabalho de envase de pacotes de café nas microtorrefações e cafeterias. Em vez de realizar um processo manual de dosagem dos grãos, o equipamento, que comporta de 15 a 20 kg de café, permite que o usuário programe a quantidade desejada por pacote e faça um empacotamento sequencial.

Além da Exatto, as outras duas novidades são os torradores Caloratto Pro Roaster e Stratto Lab. O Caloratto, disponível em versões para 5 kg, 10 kg, 15 kg e 30 kg, tem sistema de automação embarcado, que permite ao usuário pernalização e maior controle. Já o Stratto Lab, 100% elétrico, é portátil, com capacidade para 250 g, ideal para torras de amostras e pequenos lotes.

Mais informações: www.carmomaq.com.br

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

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Fundação Mundial do Cacau (WCF) debate desafios do setor em evento em São Paulo

Nos dias 19 e 20 de março, a Fundação Mundial do Cacau (WCF) realiza, em São Paulo (SP), o Partnership Meeting, evento global dedicado ao cacau e ao chocolate. Com o tema “Nosso futuro: resiliência por meio da sustentabilidade”, a edição deste ano (segunda realizada no Brasil) aborda os desafios enfrentados pelo setor. As inscrições para participar já estão abertas no site.

Assuntos como mudanças climáticas, queda de produtividade, doenças do cacaueiro, novas regulações, déficit de oferta e volatilidade de mercado serão debatidos por profissionais do setor e especialistas na área. O objetivo é destacar a necessidade de práticas sustentáveis para desenvolver resiliência – individual e coletiva – e garantir o futuro da produção de cacau e da indústria.

Entre os palestrantes estão confirmados Michel Arrion, diretor-executivo da Organização Internacional do Cacau; Eduardo Bastos, diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG); Marcello Brito, secretário-executivo do Consórcio Interestadual da Amazônia Legal; Vinicius Ahmar, gerente de Bioeconomia do Instituto Arapyaú; Sarah Dekkiche, diretora de Políticas e Parcerias da Iniciativa Internacional para o Cacau (ICI); Michael Ekow Amoah, diretor adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento do Conselho de Cacau de Gana; e Santiago Gowland, CEO da Rainforest Alliance. Confira a lista completa no site.

“Dado os desafios e o ritmo das mudanças que transformam o setor global de cacau, este é um momento crucial para reunir líderes e buscar soluções em comum”, afirmou Chris Vincent, presidente da WCF, em comunicado sobre o evento. “Estamos entusiasmados por sediar o evento deste ano no Brasil, um país singularmente posicionado para inspirar novas ideias, promover trocas Sul-Sul e apresentar inovações em agricultura sustentável”, completou.

Serviço
Partnership Meeting 2025
Quando: 19 e 20 de março
Onde: Tivoli Mofarrej São Paulo Hotel – Alameda Santos, 1.437 – Cerqueira César – São Paulo (SP)
Ingressos e programação: https://worldcocoafoundation.org/partnership-meeting/join-us#about 

TEXTO Redação

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Pronto para beber: como marcas nacionais exploram o mercado RTD

Are brazilians ready to drink? Empresas nacionais entram na onda das bebidas com café prontas para beber e surfam em um mercado que já movimenta bilhões. Saiba o que está por trás desse sucesso e as expectativas para o apreciador brasileiro

“Vamos tomar um café?” Para o brasileiro, o convite, tão arraigado à nossa cultura, é a certeza de uma pausa para um momento de comensalidade, acompanhado de uma bebida perfumada e fumegante na xícara. Mas, agora, o mesmo convite pode ter um resultado bem diferente: entra em cena um café gelado com leite (vegetal ou não), prontinho na garrafa descartável, oferecido antes do treino na academia.

Pode soar absurdo para muitos, mas as chamadas bebidas “ready-to-drink” (RTD) já são uma realidade no dia a dia de apreciadores, que chancelam novos formatos de consumo que vão além do nosso tradicional cafezinho.

Consolidado principalmente nos Estados Unidos e na Ásia, com receita que ultrapassou os 36 bilhões de dólares no mundo em 2024, segundo o Statista (plataforma global de dados e inteligência de negócios), o mercado de RTD com café ainda engatinha no Brasil. Enquanto somente o Japão é responsável por 12,12 bilhões de dólares, nosso país tem a receita combinada de 960 mil dólares em 2024, mas tudo caminha a passos largos. Enquanto a expectativa de crescimento mundial é de 3,33% ao ano no período de 2024 a 2029, para o Brasil esse número sobe para 5,53%.

“O Brasil destaca-se como um dos principais mercados globais para as bebidas de café prontas para beber da Nescafé. O país apresenta um crescimento robusto nas vendas dessa categoria, impulsionado pela alta demanda dos consumidores por conveniência e variedade de sabores”, conta Rodrigo Suzuki, gerente de marketing de bebidas da Nestlé.

A marca internacional, que lançou o primeiro RTD de café no Brasil em 2015, reforçou a categoria em 2023 com o relançamento da linha Nescafé Gelado, nos sabores Cappuccino Clássico, Chococino, Latte e Cappuccino sabor Canela, e com a ampliação do portfólio da linha Starbucks RTD com as receitas de Café Clássico, Mocha e Caramelo.

Outra grande empresa cafeeira no país, a 3corações também ampliou sua linha de RTD com dois lançamentos neste ano: Cappuccino sabor Caramelo Salgado e Cappuccino sabor Cookies‘n Cream. Agora, totalizam 11 receitas de bebidas prontas no mercado, incluindo versão zero e com whey protein. “Temos lançado produtos que atendem a novos desejos daqueles que são movidos a café. E uma das tendências que acompanhamos é a de que os consumidores estão cada vez mais atentos a temas relacionados à saúde, ao bem-estar, mas sem abrir mão da indulgência e do sabor”, explica Anderson Spada, head de marketing do Grupo 3corações.

Por trás de todo esse movimento em torno do segmento no país está, sem dúvida, a geração Z (nascidos entre 1997 e 2010). “Tem alguns estudos que mostram que a geração Z não só consome o café quente pela manhã, mas também ao longo do dia e, à tarde, dá preferência para uma bebida gelada. É uma geração que está aberta a novas propostas de consumo”, diz Alex Söderberg, co-fundadora e CMO da Naveia. A empresa, focada em bebidas vegetais à base de aveia, apresentou durante a Semana Internacional do Café, em novembro, sua nova linha de lattes nos sabores Mocha e Cold Brew, ambos com café, e Matcha, com chá-verde, com vendas a partir do início de 2025. “O RTD é um canal novo para nós, passamos do nicho das cafeterias de café especial para um público mais amplo, com uma proposta mais popular e democrática. É um produto perfeito para uma prateleira de ‘grab and go’”, acrescenta Alex.

Embora apenas 7% dos brasileiros tenham o hábito do café gelado segundo a pesquisa da Abic realizada em 2023, a geração Z é, sem dúvida, uma grande aposta para fomentar as RTDs. Conforme pesquisa da Nielsen encomendada pela Nestlé, divulgada em abril deste ano, o consumo de café gelado tem crescido a duplo dígito nos últimos anos, principalmente entre essa geração. Em 2023, esse aumento foi de 45% em relação ao ano anterior, resultado dez vezes maior que o de outras faixas etárias.

“O público da geração Z que consome as bebidas RTDs de café da Nestlé é bastante diverso, refletindo a multiplicidade de drivers de consumo na categoria. Há aqueles que buscam indulgência, com bebidas que oferecem experiências sensoriais diferenciadas e sabores marcantes, outros são atraídos pelos benefícios da cafeína, como energia e foco, enquanto muitos procuram soluções práticas que se alinhem ao estilo de vida dinâmico e conectado dessa geração”, complementa Suzuki, da Nestlé.

A importância do cold brew

Nessa formação de paladar para as bebidas geladas, é inegável a importância do cold brew como porta de entrada do café gelado para quem quer praticidade e a qualidade do café especial. E a extração a frio do grão torrado tem sido um caminho para cafeterias e produtores de cafés engarrafarem suas bebidas. A rede Café Cultura retornou com seu cold brew engarrafado em PET nas geladeiras de suas mais de 45 lojas pelo país. Na sua receita vai somente água e café do blend da casa, com as variedades bourbon amarelo, catuaí vermelho e icatu amarelo.

Já a Fazenda Aliança, em Monte Santo de Minas, no sudoeste do estado, apostou na variedade catuaí amarelo para o lançamento neste ano do cold brew de marca própria. Inicialmente foram fabricadas 8 mil latas, de olho no mercado em academias, empórios e cafeterias. “A decisão veio de uma viagem de nossa família ao Canadá, onde conhecemos o cold brew em lata gaseificado”, conta Juliana Paulino da Costa Mello, que é da 5ª geração da família de cafeicultores e montou o planejamento do novo negócio focado no público jovem.

Com o propósito de tirar o complexo de “bebida esquecida na garrafa” e entregar alta qualidade pronta para beber, Carol Pereira, da torrefação Bixo Café, em São Paulo, leva 25 horas para infusionar seu cold brew, que é colocado em garrafas de vidro de 200 ml e vendido via e-commerce para todo o país. “O brasileiro precisa entender essa complexidade da bebida gelada e dar uma chance”, diz Carol, que produz cerca de 400 garrafas por mês e garante um shelf life de 50 dias sem refrigeração. “E estou fazendo estudos para extrair mais doçura e cafeína na receita final”, completa.

E o gesha, uma das variedades mais desejadas entre os coffee geeks, foi o escolhido para a receita do cold brew do Frescoffee, bebida com lançamento previsto para o primeiro trimestre de 2025. “Fizemos teste com outras variedades e o gesha teve o melhor desempenho em boca, deixando a bebida mais leve” comenta Rodrigo Lucente, um dos sócios da marca. O café vem das fazendas da família de Luiz Paulo Pereira Filho, da CarmoCoffees, que também é sócio da Frescoffe. “Outro diferencial é que a bebida é gaseificada, o que ajuda na ‘drinkabilidade’. E o Frescoffee é para entrar no lugar de quem toma suco, refrigerante. É um novo momento de consumo, não compete com o café”, complementa Pereira.

O poder da cafeína nos RTDs

O universo de RTDs com café está estreitamente conectado ao mercado das chamadas bebidas funcionais (veja reportagem na edição 79 da Espresso) pelo poder da cafeína no organismo. Muitas marcas, como SuperCoffee, +Mu e Dux oferecem produtos prontos para beber que reúnem o benefício da cafeína e a carga proteica do whey protein (proteína do soro do leite). Marcas de laticínios também entram no mesmo jogo, como Piracanjuba, Italac e Danone, com sabores que vão do café espresso ao cappuccino, assim como as bebidas proteicas veganas, como NotCo e Nude, que exploram versões com café e caramelo, baunilha, entre outros.

Ainda há o caminho dos “energéticos naturais”, onde somente a cafeína do café é extraída e associada a outros ingredientes. A recém-lançada Origem, por exemplo, faz um “suco” com a polpa do fruto do café e adiciona frutas como maracujá, uva e limão. “Meu público é cada vez mais de pessoas jovens que estão diminuindo o consumo de álcool e procurando produtos naturais”, comenta Pereira, da CarmoCoffees e sócio da Origem.

Texto originalmente publicado na edição #86 (dezembro, janeiro e fevereiro de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Beatriz Marques (com colaboração de Sandra Racy)

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Como a Inteligência Artificial pode servi-lo nas cafeterias?

A tecnologia, que começa a ser usada pelas cafeterias no mundo, oferece bebidas consistentes e eficiência nos processos da operação do negócio

Todos os dias parece surgir uma nova manchete sobre Inteligência Artificial (IA) revolucionando – ou mesmo ameaçando – o mundo como o conhecemos. Mas, por trás do alvoroço, essa poderosa tecnologia tem o potencial de reinventar a economia global e já está sendo aproveitada por empresas de café e de hospitalidade, trazendo novas possibilidades em áreas como personalização do cliente, consistência de bebidas e eficiência operacional.

É necessária uma coordenação, em altíssima velocidade, entre bilhões de neurônios no cérebro humano para que um barista receba um pedido de café, prepare a bebida e deseje um bom dia ao cliente. Cada vez mais, porém, há outra mente sofisticada trabalhando atrás do balcão. A Inteligência Artificial não é mais ficção científica, e já está sendo utilizada por empresas de hospitalidade ao redor do mundo para otimizar operações e fornecer atendimento personalizado ao cliente com uma precisão nunca vista antes.

Embora a tecnologia ainda esteja em sua infância, a IA promete revolucionar a economia global e, até, a humanidade. Um relatório recente da consultoria digital Accenture estimou que a IA poderia, até 2035 nos países desenvolvidos, dobrar o crescimento econômico nacional anual e aumentar a produtividade do trabalho em até 40%. Ao mesmo tempo, um grande estudo da PwC (antiga PricewaterhouseCoopers) estima que a IA poderia acrescentar 15,7 trilhões de dólares à economia global até 2030 – com 6,6 trilhões de dólares gerados apenas pelo aumento da produtividade.

Para o mercado da hospitalidade, a IA pode trazer um salto quântico na eficácia operacional ao melhorar a produtividade, a eficiência, a satisfação do cliente – e, em última análise, a lucratividade. Em meio a concorrência crescente e aumento de custos, o potencial de oferecer experiências perfeitas e qualidade consistente em escala é simplesmente grande demais para ser ignorado.

O que é IA?

O conceito de “inteligência artificial” existe desde a década de 1950, quando o “jogo da imitação” de Alan Turing (transformado em filme em 2014) testou a capacidade dos computadores de imitar respostas humanas. Nos anos 1960, o pioneiro da computação, John McCarthy, utilizou a linguagem de programação LISP para desenvolver os primeiros programas de computador autossuficientes. Com a chegada dos microchips nos anos 1970, os atuais supercomputadores em exaescala podem processar bilhões de cálculos por segundo para fornecer um poder de “pensamento” sem precedentes para programas de IA.

Em resumo, a IA pode ser definida como a simulação da inteligência humana por computadores e dispositivos digitais conectados que podem aprender, criar e analisar com um alto grau de autonomia. Algoritmos de aprendizado de máquina (em inglês, machine learning) de IA podem gerar entendimento a partir de amplos conjuntos de dados, como programas de fidelidade e transações em tempo real, que seriam muito demorados para uma análise manual. Existem também ferramentas de aprendizado profundo (em inglês, deep learning) que utilizam redes neurais para reconhecimento de imagens e análise de séries temporais, podendo otimizar fluxos de trabalho e monitorar o fluxo de clientes para prever níveis de pessoal.

Outra aplicação são os algoritmos de processamento de linguagem natural (em inglês, natural language processing), que podem responder a prompts de texto e de voz para exibir sugestões personalizadas de produtos ou guiar os clientes durante o processo do pedido.

A maior rede de cafeterias do mundo, Starbucks, já desenvolveu sua própria plataforma de IA, a Deep Brew, que utiliza a ferramenta e seu aprendizado para coletar insights de equipamentos habilitados para a Internet das Coisas (IoT ou Internet of Things) e transações de aplicativos para oferecer experiências personalizadas aos clientes, otimizar fluxos de trabalho nas lojas e gerenciar inventários. A plataforma também pode agregar dados de receita e desempenho de fluxo de clientes para determinar os melhores
locais para a abertura de novos estabelecimentos.

Enquanto isso, a Coca-Cola, proprietária da Costa Coffee, anunciou recentemente uma parceria estratégica de cinco anos com a Microsoft, no valor de US$ 1,1 bilhão, para acelerar iniciativas de nuvem e IA generativa em seus negócios globais. Ao utilizar o Azure OpenAI Service, modelo de codificação e linguagem de IA da Microsoft, o gigante das bebidas espera “ajudar os funcionários a melhorar as experiências dos clientes, simplificar operações, fomentar a inovação, ganhar uma vantagem competitiva, aumentar a eficiência e descobrir novas oportunidades de crescimento.”

Uma mão amiga para a hospitalidade?

A IA ainda não atingiu o nível de sofisticação necessário para tomar decisões significativas em termos de hospitalidade sem a intervenção humana. No entanto, a automação aprimorada por IA pode fornecer aos operadores um conjunto adicional de mãos para reduzir o tempo gasto em tarefas repetitivas, melhorar a precisão e aumentar a produtividade.

“O café está pronto para ser digitalizado. Se você comparar com outras indústrias de alimentos, o café está ficando para trás”, diz Andreas Idl, CEO e cofundador da Cropster. Criada em 2007, a Cropster desenvolve soluções de software IoT para comerciantes de café verde, torrefadores e operadores visando melhorar a eficiência, a conectividade e a consistência deles.

Para Idl, a IA é o próximo passo na automação para empresas de café que desejam extrair insights profundos de pedidos de clientes e telemetria de equipamentos. “A tecnologia básica existe desde os anos 1970, mas, agora, temos conjuntos de dados grandes o suficiente e computadores potentes o suficiente para executar IA e treiná-la. Você pode treinar a IA todos os dias com novos dados, então, mesmo que seu equipamento mude, ela vai aprender, se adaptar e melhorar com o tempo”, explica.

A torrefação de café é a área em que a Cropster aplica IA para gerar a compreensão detalhada de dados – e até prever o futuro. O Roasting Intelligence faz uso da IA para prever quando vai acontecer o crucial primeiro crack do processo de torra, o que “nos permite saber como a temperatura provavelmente se desenvolverá nos próximos 120 segundos, mostrando isso ao usuário em tempo real”, diz Idl.

Olhar dois minutos no futuro parece, a princípio, uma janela de oportunidades pequena, mas a ferramenta de IA pode gerar benefícios significativos para torrefações de café em larga escala, que precisam atender a especificações rigorosas de produtos. Isso é especialmente importante para grandes clientes de varejo, como supermercados, para os quais até mesmo uma pequena inconsistência pode levar à rejeição de um lote inteiro.

“Os torrefadores vão saber se estão diante de um potencial defeito ou se estão no caminho certo para algo que desejam. A precisão é tão alta que não podemos melhorá-la sem construir um sistema melhor de sensores”, afirma Idl.

A Probat é outra empresa de equipamentos de café que está adotando a IA. “A IA permite decisões melhores e mais rápidas baseadas em dados”, diz Scott Stouffer, diretor de vendas da empresa com sede em Hamburgo.

Lançado na SCA Expo em Chicago, em abril de 2024, o Roastpic da Probat é um aplicativo para smartphone que usa IA para analisar a qualidade do café verde com base em imagens inseridas no sistema. “Os resultados são armazenados na nuvem e podem ser correlacionados a diferentes torrefações. Este produto tem um potencial tremendo para mudar a maneira como observamos e medimos o café ao longo da cadeia de valor, do campo à xícara”, diz Stouffer.

O toque humano

Apesar do inegável potencial de negócios da IA, há sérias preocupações sobre como a tecnologia pode impactar empregos, meios de subsistência e a privacidade das pessoas. Um relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) estimou que 14% dos empregos em 21 países correm alto risco de automação, incluindo robótica treinada por IA e ferramentas administrativas, com trabalhadores que preparam alimentos e operadores de máquinas dessa indústria sendo os mais afetados.

Outro estudo do McKinsey Global Institute projetou que, até 2030, 800 milhões de empregos poderiam ser substituídos pela automação e recomendou que os governos comecem a requalificar os trabalhadores em ocupações de risco.

Enquanto isso, grandes corporações como Walmart, Nestlé e Starbucks têm se destacado pelo uso de ferramentas de IA como a Aware, uma empresa de IA especializada em análise de comunicação interna de funcionários. A Aware relata ter coletado, até agora, 20 bilhões de interações individuais entre os mais de três milhões de funcionários.

Porém, para a maioria das empresas de café e hospitalidade, a IA é vista como um instrumento para reduzir tarefas repetitivas e demoradas, para que os funcionários possam concentrar-se na prestação de serviços ao cliente e na qualidade da bebida.

“Usamos ferramentas de IA em toda a empresa para aumentar nossa produtividade”, diz Liam Farrow, vice-presidente de digital da Bluestone Lane, grupo de cafés boutique dos EUA, que dá o crédito às ferramentas de IA, como o Chat GPT na produção de textos de marketing e o Gemini Advanced AI para acelerar a modelagem financeira, como adições valiosas à equipe.

“Recentemente, usamos o Chat GPT para validar a modelagem do nosso programa de fidelidade. Isso resultou em melhorias no valor que poderíamos criar no programa, alinhado com nossos objetivos. Essa tarefa poderia ter levado dias, talvez até semanas, mas foi concluída em horas ao lançar todas as variáveis diferentes no modelo”, diz Farrow.

“Vejo a vantagem imediata em ajudar a tornar os recursos de apoio eficazes. A hospitalidade geralmente não permite grandes equipes de apoio, então você precisa ser eficiente. Remover tarefas tediosas e mundanas ou a necessidade de recorrer a recursos externos para coisas como redigir textos significa que você pode se mover mais rápido e ter mais impacto”, acrescenta.

Idl, da Cropster, concorda que a IA funciona melhor na função de apoio para empresas de café e hospitalidade. Ele destaca que, enquanto a IA pode fornecer dados para um torrefador de cafés e até automatizar o controle de tempo e temperatura, o trabalho manual na torrefação, como carregar grãos no equipamento e definir parâmetros, ainda precisa ser feito por gente. Por isso, Idl vê a IA como uma ferramenta para aumentar a qualidade e a consistência enquanto reduz o desperdício, em vez de substituir pessoas da equipe. “A IA não vai carregar seu café. Ela não vai blendar o café – nem tomará a decisão sobre como fazê-lo –, e você ainda vai precisar retirar amostras de controle de qualidade”, considera.

Dito isso, a IA já está influenciando a apreciação sensorial do café. Em abril de 2024, a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC) revelou uma nova ferramenta de IA para uso na prova da bebida. Os avaliadores inserem as notas de degustação de café em um aplicativo, que usa então um algoritmo para gerar “estilos” de bebidas. O objetivo é fazer com que grupos de cafés com características semelhantes ou atraentes sejam mais fáceis de identificar pelos consumidores, aumentando, assim, o apelo comercial do grão.

“Nosso foco é o consumidor, para que possamos comunicar o que ele precisa saber no momento da compra, de modo que ele escolha seu café favorito entre os diferentes estilos disponíveis”, diz Camila Arcanjo, mestre em análise sensorial e consultora de qualidade da ABIC.

“No futuro, conseguiremos analisar o café verde na origem e sugerir como ele pode ser torrado em amostras para alcançar o perfil de sabor que o mestre de torra deseja. Vamos avaliar digitalmente o produto final e sugerir correções de torra e de blend para obter exatamente o que o mestre de torra deseja. Finalmente, iremos pré-programar as máquinas para torrar quatro toneladas por hora de um ‘African Ice Coffee Blend’ para ser perfeito em qualquer pedido feito. Talvez até conectemos IA às máquinas de espresso para extrair shots perfeitos”, diz Scott Stouffer, da Probat.

Esse futuro já está mais próximo da realidade para a Kaffa Roastery, sediada na Finlândia, que em abril de 2024 lançou seu blend de café ‘AI-conic’. Segundo o fundador da Kaffa, Svante Hampf, um modelo de IA recebeu descrições dos cafés da marca e foi instruído a criar um blend “novo e empolgante”. O modelo, “de maneira um tanto estranha”, escolheu misturar quatro origens – Brasil, Colômbia, Etiópia e Guatemala – em vez das duas ou três habituais. No entanto, Hampf diz que o projeto marca “o primeiro passo para ver como a IA poderia nos ajudar no futuro.”

O uso da IA em cafeterias

A IA pode ser uma ferramenta poderosa para ajudar a aumentar a produtividade da equipe – mas será que máquinas autônomas poderiam substituí-la algum dia? Keith Tan, fundador e CEO da Crown Digital, com sede em Singapura, aposta que o futuro das cafeterias reside em um serviço totalmente autônomo e aprimorado por IA.

Tan começou a desenvolver seu conceito de café totalmente automatizado, o Ella, depois de enfrentar uma grave escassez de funcionários em sua primeira empreitada em café. A barista robótica movida a IA pode preparar 200 xícaras de café por hora, utilizando mais de 300 receitas diferentes, e atualmente opera em locais como metrôs e aeroportos em Singapura.

Ella, o conceito autônomo de café aprimorado por IA da Crown Digital

“As cafeterias são muito manuais e requerem mão-de-obra humana, mas pode levar seis semanas para treinar uma equipe, que pode se desfazer depois de oito semanas. Em algum momento, você vai precisar automatizar os processos, seja por meio de robótica ou de máquinas superautomáticas, e a IA vai gerenciar os dados e trazer insights de consumo inigualáveis em massa”, diz Tan.

A Crown Digital optou, desde o início, por máquinas superautomáticas Eversys e construiu grandes conjuntos de dados para tempos de extração, granulometria e temperaturas de entrada e saída em todos os locais. Agora, a IA usa esses dados para gerar insights em tempo real para ajudar na gestão de estoque orientada pela demanda, prompts de pedidos sensíveis ao tempo, sugestões personalizadas, manutenção preditiva e reabastecimento.

Tan usa a analogia de ser capaz de aproveitar o conhecimento do barista local, que sabe as preferências de pedidos de seus clientes, e escalar esse conhecimento por cidades, regiões e, até, à nível global.

“O café é uma bebida muito pessoal – tudo se resume à consistência e à familiaridade. É muito difícil alcançar isso em múltiplos espaços, mas com IA e automação, a personalização em massa é possível”, afirma.

Quão longe a IA pode ir?

Máquinas aprimoradas com IA poderiam, um dia, oferecer experiências de hospitalidade totalmente autônomas. A questão, no entanto, é se isso é desejável em uma indústria como a hospitalidade, onde as conexões humanas são fundamentais.

Para Liam Farrow, da Bluestone Lane, a IA tem limites claros. “Ainda é muito cedo para que a hospitalidade busque a IA e a automação, mas os operadores devem analisar seus negócios e ver onde há oportunidades para gerar eficiência. Vendas adicionais inteligentes com base na análise dinâmica das cestas para fornecer uma experiência mais personalizada é o máximo que podemos fazer agora. O elemento humano do nosso negócio é o coração da Bluestone Lane, e isso tem que permanecer verdadeiro”, diz ele.

Muitos líderes empresariais dizem que conhecimento é poder. Em um mundo onde a internet tornou o acesso à informação onipresente, usar IA para gerar ideias significativas a partir de conjuntos de dados é o próximo passo da computação, e pode ser um grande salto para o negócio do café.

Por trás do hype e das manchetes, a Inteligência Artificial já permite que empresas do ramo alcancem mais eficiência operacional, precisão e personalização em larga escala. “Não sei para onde a IA, a torrefação de café e a Probat estão indo. Mas sei que aprenderemos coisas novas todos os meses e que novas oportunidades vão surgir. O resultado será dados melhores para decisões mais rápidas”, acredita Scott Stouffer, da Probat.

Essa lógica, certamente, deve soar verdadeira para as milhares de empresas de hospitalidade ao redor do mundo que enfrentam aumentos de despesas gerais, custos maiores de produtos e escassez de pessoas.

Mas, por enquanto, a Inteligência Artificial Geral (AGI) – máquinas capazes de aprender independentemente da intervenção humana – permanece firmemente como ficção científica e, provavelmente, não irá se tornar realidade por várias décadas.

A Inteligência Artificial, porém, está avançando rapidamente. No momento em que este artigo foi escrito, o Chat GPT estava amplamente disponível há cerca de 18 meses e já parece uma parte irrevogável da vida cotidiana.

Consumidores mais jovens e nativos digitais já exigem experiências de hospitalidade e varejo perfeitas que não seriam possíveis há uma década – e a IA pode fornecer as soluções para atender aos clientes do futuro.

Com gigantes da tecnologia como Microsoft, Apple e Google investindo bilhões em pesquisas de IA – e Elon Musk prevendo que ela será “mais inteligente do que qualquer humano até o final de 2025” – é, decerto, apenas uma questão de tempo até que a tecnologia se torne tão onipresente quanto uma conexão de internet.

Pode estar no início, mas a IA já traz benefícios tangíveis para empresas de café e hospitalidade, gerando entendimentos operacionais que permitem decisões mais rápidas, precisas e de maior valor. O potencial da inteligência artificial na hospitalidade é enorme, desde que a indústria mantenha em mente seu objetivo mais importante – forjar conexões humanas profundas.

Texto originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Tobias Pearce (5THWAVE)

Mercado

Certificação de origem dos cafés do Cerrado Mineiro cresce 160% em 2024

Volume salta de 115 mil para mais de 300 mil sacas certificadas com Denominação de Origem

A Região do Cerrado Mineiro registrou um crescimento de 160% no número de sacas certificadas com o selo de Denominação de Origem (DO). O volume saltou de 115 mil sacas em 2023 para cerca de 300.500 sacas este ano, consolidando a região como referência na produção de cafés de qualidade e origem controlada.

Segundo Juliano Tarabal, diretor-executivo da Federação dos Cafeicultores do Cerrado, esse salto é resultado de estratégias inovadoras, como o fortalecimento da rastreabilidade, a simplificação do processo de certificação e ações de valorização da marca Cerrado Mineiro. Entre as iniciativas, destacam-se a certificação de cafés em bica corrida nas cooperativas, a adoção de normas que garantem o selo para cafés com pontuação acima de 80 pontos e a rastreabilidade de lotes armazenados fora da área demarcada. “A transparência foi ampliada com o envio automático dos certificados e laudos de qualidade aos compradores, atendendo às exigências dos mercados internacionais e fortalecendo a confiança no nosso produto”, explica Tarabal.

Infraestrutura para rastreabilidade
Atualmente, a cadeia produtiva do Cerrado Mineiro conta com seis cooperativas,seis exportadores e sete armazéns credenciados, garantindo o controle e a rastreabilidade da produção regional. Entre os exportadores que atuam na região estão nomes como Cafebras, Dreyfus, Sucafina, e Volcafe, enquanto cooperativas como Carmocer e Coopadap integram a estrutura de certificação.

Para o presidente da Federação, Gláucio de Castro, o início da nova política de Denominação de Origem em 2024 foi fundamental para o avanço. “Agora, todas as cooperativas e armazéns credenciados podem lacrar e identificar cafés da região, aumentando a visibilidade da qualidade produzida no Cerrado Mineiro e o trabalho do produtor”, afirma.

Campanha e mercado internacional
A campanha “A verdade é rastreável” também ajudou, ao conscientizar produtores e consumidores sobre a importância do selo de origem e combater o uso indevido da marca “Cerrado Mineiro”.

Entre janeiro e dezembro de 2024, os cafés certificados pela RCM conquistaram mercados na Europa – com destaque para Polônia, Grécia, Alemanha e Itália –, além de forte presença nos Estados Unidos e na Coreia do Sul.

Outro destaque foi a parceria com a torrefação italiana illycaffè, que, desde outubro de 2023, comercializa uma linha especial de cafés torrados com o nome e a marca Cerrado Mineiro e o selo de agricultura regenerativa.

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

Mercado

Cafés infusionados: intervenção ou educação sensorial?

Entenda a técnica e o potencial de mercado dos cafés infusionados, que passa por experiências no Brasil

Quando se fala em inovação em cafés, logo vem à cabeça o preparo da bebida. Mas as novidades não estão apenas na ponta final da cadeia: ganhando cada vez mais espaço nas gôndolas, os cafés infusionados são a nova (e polêmica) onda nos mercados nacional e internacional, e hoje já estão presentes em cafeterias e em campeonatos de barismo.

Quando se diz que um café tem notas de frutas amarelas, geralmente o que se explora são as qualidades intrínsecas do grão, que remetem a essa família de sabores, e não a referência de que alguma fruta foi utilizada para aromatizá-lo. Diferentemente disso, para fazer os cafés infusionados acrescentam-se, na fazenda, outros ingredientes para dar sabor ao produto durante as etapas de fermentação, secagem ou descanso dos grãos. “Frutas, óleos essenciais, fragrâncias, essências, ervas aromáticas e especiarias, como cravo e canela, têm sido utilizados para infusionar sabores nos cafés”, explica Gabriel Agrelli, diretor de produto na Daterra Coffee e estudioso do assunto.

Esse tipo de processo não dá limites à criatividade e pode abrir um novo leque sensorial na xícara. E este é, justamente, o centro da questão. Segundo Agrelli, que chegou a tratar do tema em coluna na Espresso, há profissionais que acreditam que cafés infusionados podem ser uma excelente ferramenta educativa para mostrar ao cliente a presença de determinados sabores no café.

Na contramão, outros vêem o processo como uma intervenção nos sabores naturais do grão e uma ameaça às características únicas do terroir, da variedade e de seu processamento, que levaram décadas para ser compreendidas pelos consumidores. “Um grande grupo acha confuso termos que dizer, agora, que os sabores foram adicionados artificialmente ao café”, comenta Agrelli.

“A beleza, o mistério e a novidade do café é, realmente, ser fermentado pelos micro-organismos que estão nele”, defende Rosane Schwan, professora titular de microbiologia do departamento de biologia da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Em suas pesquisas com fermentação em cafés, ela usa micro-organismos do próprio terroir e inocula-os para melhorar a qualidade dos grãos.

Made in Brazil

No Brasil, o tema ainda engatinha, mas há quem enxergue um mercado com potencial. Jean Faleiros, CEO da Eldorado Specialty Coffees, na região da Alta Mogiana, tem se dedicado a estudar a técnica, bastante avançada na Colômbia. “A onda começou em fazendas que buscavam perfis de cafés que fossem muito diferentes”, conta.

Para Faleiros, várias propriedades colombianas realizam bons trabalhos a partir de infusões com frutas, como morango, maracujá e papaia, por exemplo. “Eles fazem um mosto da fruta, recolhem toda a sua microbiota e a inoculam no café, para que o sabor dessa fruta entre no fruto do café através do processo de fermentação”, explica ele. A partir desses processamentos, bem sucedidos, os cafés começaram a chamar a atenção mundo afora com seus perfis sensoriais marcantes.

Processo de ativação de levedura para introduzi-la ao cilindro de fermentação anaeróbica, na Eldorado – Foto: Eldorado Specialty Coffee

Mas, como toda moeda tem dois lados, há os que “encurtam o caminho” com substâncias sintéticas, como as utilizadas na indústria para saborizar bolos e sorvetes, para garantir sabores cada vez mais específicos e intensos. Para Faleiros, elas deixam muito sabor residual. “Esses cafés são terríveis”, opina. “Se você pegar no fruto do café, o cheiro não sai mais da sua mão”, relata. “Pense no que pode trazer de mal para a saúde? A partir do momento em que você vai para o processo biológico, de infusões naturais, aí tudo bem”, questiona ele, que é contra o processo de infusão com químicos.

Nas propriedades da Eldorado Specialty Coffees, Faleiros e sua equipe fizeram testes com mamão papaia, maracujá, limão e manga. “Deixamos a manga em um líquido durante 15 ou 20 dias para criar aquele mosto bem grosso, bem inoculado com as leveduras e bactérias da fruta”, explica. O mosto e os frutos cereja do café, com ou sem casca, foram, então, colocados em um biorreator para sofrerem fermentação por 48 a 60 horas, sem oxigênio, para aumentar a pressão. “O tempo, você determina”, detalha. Os resultados desse processo ainda não saíram (pois os cafés estavam na secagem até o fechamento da revista), mas Faleiros está otimista. “Acredito que vamos conseguir trazer esses sensoriais para o café”, projeta.

Na Região de Garça (SP), o Q-Grader do Garça Armazéns, Johnny Ferreira, também já fez experimentos para conferir de perto o potencial da técnica. E pretende retomá-los. Os resultados da primeira empreitada foram satisfatórios: “Antes, os cafés beberam 80 pontos”, diz ele, referindo-se aos cafés de corpo licoroso, acidez e doçura baixas e sabores leves. No final da infusão, beberam de 82 a 83 pontos. “Tivemos uma pequena mudança na acidez e no sabor”, analisa.

Fermentação em sacos plásticos de mundo novo com maracujá – Foto: Johnny Ferreira

Ferreira escolheu frutos da variedade mundo novo e fez infusões com três frutas – laranja, maracujá e abacaxi (este último, acompanhado de hortelã). Em cada saco de 60 kg, ele colocou 40 kg de café cereja – lavado e seco em terreiro suspenso por um dia – e 5 kg de uma das frutas. Essas misturas fermentaram por 150 horas nos sacos, lacrados e conectados por mangueiras a garrafas plásticas, usadas para eliminar os gases gerados no processo fermentativo. Por fim, os cafés voltaram ao terreiro suspenso, onde permaneceram por 25 dias.

Para entender se o perfil sensorial se manteria ao longo do tempo, os cafés foram provados em vários momentos, seguindo o padrão SCA (Specialty Coffee Association). “Ele se manteve por seis meses, mas, logo depois, seus atributos foram se perdendo”, conta Ferreira.

Experimentos feitos por Ferreira: café no terreiro secando com pedaços de abacaxi – Foto: Johnny Ferreira

Situação parecida aconteceu na Fazenda Guariroba, em Santo Antônio do Amparo (MG), região de Campo das Vertentes. O proprietário, Gabriel Lamounier, conta que este ano recebeu o dono de uma torrefação da China que estava interessado em infusionar café com limão a fim de melhorar a acidez da bebida.

Para a tarefa, foi escolhido um catuaí amarelo, de colheita manual seletiva, que passou por separação hidráulica para que, no descascamento, o máximo da mucilagem fosse preservada. Depois, o café foi colocado em um biorreator com leveduras e 20 kg de pedaços de limão. A mistura ficou em infusão por 48 horas. Depois de retirado, o café secou em terreiro suspenso na sombra. Segundo Lamounier, o objetivo de equilibrar a acidez foi alcançado, mas o sensorial de limão não foi persistente. “O grão verde ficou com aroma bem cítrico, de limão, só que quando o torramos e o colocamos na mesa de provas, esse limão desapareceu”, relata.

Este não foi o único contato recente de Lamounier com cafés infusionados. Em viagem à Europa, o produtor brasileiro notou o crescente mercado do produto. “Na França, vi muitos infusionados com frutas, como uva, maracujá e até melancia. Provei esses cafés e o sensorial [proposto] estava bem presente”, destaca. Mas, para ele, é justamente a clareza dessas notas que levanta a bandeira vermelha. “Eles [alguns produtores] vendem o processo de que fazem uma infusão colocando frutas, mas acredito que não seja somente isso”, opina. “Nós já tivemos exemplos aqui de que, sensorialmente, elas não ficam tão presentes assim”, completa ele.

Sobre a utilização de pó de frutas desidratadas para ressaltar as notas desejadas na bebida, como acontece em algumas propriedades na Colômbia, Lamounier considera: “Provei esses cafés e não gostei, achei que tem um sensorial muito artificial”. Na Europa, porém, há quem pareça gostar. “Estão vendendo esses cafés colombianos a 30 euros o quilo”, relata ele, sobre o que viu em sua visita à Grécia em 2023, na feira internacional World of Coffee.

Valor agregado

Com potencial sensorial atrativo, Ferreira confia que os cafés infusionados artesanalmente têm mercado no Brasil. “Este processo trouxe mais qualidade ao grão”, afirma. “Apesar de muito trabalhoso, vale a pena tentar fazê-lo novamente, pois o valor agregado na venda acaba sendo significativo”, opina. Para Faleiros, os cafés infusionados vieram para ficar, mas ainda há muito a ser estudado e aprimorado. “Vou visitar algumas fazendas na Colômbia que estão fazendo trabalhos magníficos, para que, na safra de 2025, a gente possa vir com opções de cafés infusionados para oferecer aos nossos clientes”, planeja.

Referência para Faleiros, a Colômbia – terceiro maior produtor de arábicas – já dá sinais de excelência na produção de infusionados. “O país está bem avançado no desenvolvimento de processamentos de infusionados”, comenta Agrelli. “No Brasil, o assunto ainda é tabu entre os produtores.”

Um dos processos de fermentação anaeróbica em tambor, na Eldorado, com água, suco de limão, caldo de melaço, pedaços de limão, levedura e café arara – Foto: Eldorado Specialty Coffee

É do solo e de mãos colombianas que surgiu um dos melhores cafés infusionados já provados pela equipe da Zest Specialty Coffee Roasters, torrefação australiana que trabalha com este tipo de grão desde 2021. “Compramos nossos primeiros cafés infusionados da Colômbia, do produtor Jairo Arcila”, conta Simon Gautherin, gerente de qualidade da Zest. “Eram, de longe, os melhores cafés infusionados que havíamos experimentado na época e vimos potencial no nosso mercado.”

Os infusionados já caíram nas graças dos australianos. “Eles permitem que as pessoas diferenciem sabores específicos que, de outra forma, não seriam capazes de identificar”, pontua ele. “Acreditamos que eles também desempenham um papel importante nas misturas de cafés à base de leite, que é o que os australianos mais consomem”, defende.

Para Gautherin, a demanda continuará a crescer, pois a qualidade deles melhorou. “Todos os lançamentos que fizemos foram extremamente bem sucedidos”, destaca, dando como exemplo a edição Summertime, uma combinação de quatro grãos (Peru, Honduras e dois infusionados da Colômbia) e um dos blends sazonais de maior sucesso da empresa. “O feedback das cafeterias e dos consumidores foi muito bom e acho que isso nos ajudou a aumentar a conscientização [do consumidor] sobre o café especial e a atrair mais pessoas para o nosso mundo de sabores”, conta.

Edição Summertime da Zest Specialty Coffee Roasters – Foto: Divulgação

Outro ponto positivo da técnica, acredita ele, é permitir que o cafeicultor melhore a qualidade de seus cafés a um custo mais baixo. “Incentivamos a inovação, especialmente se ela beneficiar produtores, cafeterias e consumidores, desde que haja transparência na cadeia de valor”, posiciona-se.

Além da Austrália, há demanda por cafés infusionados nos Estados Unidos e na Europa. Mas o gigante mercado asiático também dá sinais de interesse. Quem confirma essa percepção é Daniel Vaz, atual campeão brasileiro de barista e sócio da Five Roasters (RJ). Ele, que cruzou o globo este ano para disputar o mundial da categoria, viu de perto a cena cafeeira em um dos maiores mercados consumidores do continente, a Coreia do Sul. “A maioria das cafeterias em que estive serve cafés infusionados”, pontua.

A busca crescente por este café de sabor marcante tem diferentes explicações, e entender o fenômeno passa pelo fator geracional. “A nova geração de coffee lovers, que está começando agora no café especial, quer tomar um café e sentir, realmente, o gosto que está descrito na embalagem”, analisa Faleiros. “Claro que essa tendência não é para café de volume, é para fazer experiências. Por isso, vamos continuar estudando a técnica para cada vez mais melhorarmos nossos processos”, planeja o CEO da Eldorado.

Apesar de popular em outros lugares do mundo, o consumo de infusionados no Brasil é um terreno desconhecido. Há quem acredite em um mercado – ainda pouco explorado – para este tipo de grão, como é o caso de Ferreira e Faleiros, e há quem ache que o perfil sensorial obtido com o processo não é a praia do brasileiro. “No cenário nacional, acho difícil a demanda por esses cafés, que ainda é pequena. Por tradição, o brasileiro aprecia o sensorial de chocolate”, reflete Lamounier.

O incansável debate

Apesar de pouco comentado e testado no Brasil, o assunto é ampla e intensamente debatido no exterior. Nas feiras de café, é possível encontrar estandes de diferentes marcas exibindo cafés infusionados. “Ao mesmo tempo, na última edição da World of Coffee, na Dinamarca, algumas pessoas caminhavam pela feira com um emblema ‘infused’ riscado com um X, em sinal de protesto”, relata Agrelli.

O clima polarizado também foi captado por Vaz na edição da mesma feira em Busan, na Coreia do Sul. “Muitas pessoas apresentaram opções de infusionados, enquanto outras fizeram bottons e camisetas escrito ‘no infused’”, conta o barista.

Foto: Agência Ophelia

Os campeonatos de café são um termômetro das tendências do grão no mundo, e com os infusionados não é diferente. “De dois anos pra cá, tem sido uma tendência nos mundiais, pela clareza na percepção das notas sensoriais”, opina Vaz.

Para alguns competidores, utilizar esse tipo de grão pode ser uma estratégia para ganhar pontos em suas apresentações, uma vez que as notas relatadas por eles provavelmente estarão bem claras nas xícaras entregues aos juízes. Na dúvida, nas competições mundiais de 2024, a World Coffee Events – que organiza e supervisiona esses campeonatos – decidiu restringir o uso de ingredientes aromatizantes no café. “Se forem adicionados durante o processamento ou antes de os grãos serem secos, não há problemas”, esclarece Agrelli.

Em meio à polarização de opiniões, não restam dúvidas de que este é um assunto que ainda vai gerar desafios para o setor, principalmente quanto à comunicação entre produtores e compradores, mercado e consumidores. “É um processo que precisa estar muito claro”, pontua Vaz. Ainda há muitos capítulos desta novela pela frente, mas o cenário indica que a indústria está longe de chegar a um consenso – se é que um dia chegará.

Para saber mais: Transparência

Apesar de polêmica, a técnica de infusionar cafés é válida, mas pode tornar-se um problema caso não seja bem esclarecida. “Existem muitos casos sendo reportados de produtores que realizam infusões nos cafés, porém os comercializam como se estes sabores fossem naturais”, diz Agrelli, apontando que isso tem gerado revolta nos compradores, que se sentem enganados por seus fornecedores.

Foto: Agência Ophelia

Para ele, a transparência é um importante valor na indústria do café, sendo essencial que compradores tenham informações verdadeiras e claras para que possam tomar decisões alinhadas com o que acreditam. “E para que paguem aquilo que estão dispostos a pagar, pelos produtos que querem comprar”, complementa o diretor da Daterra.

Além de questões éticas, o assunto pode ser uma questão de saúde. É o que alerta Schwan. “Essas fermentações em que estão colocando algum produto têm que ser melhor verificadas”, aponta. “Se você está colocando uma fruta, essa fruta está isenta de fungos filamentosos? Fungos que são patogênicos ao homem?”, questiona. Ela, que estuda o tema há 28 anos, utiliza em suas pesquisas micro-organismos selecionados que combatem este tipo de fungo, garantindo, assim, que o café fermentado esteja livre de toxinas. “Nesses cafés infusionados com frutos durante a fermentação, se não tiver certeza de que são frutos saudáveis, você pode estar inoculando mais açúcar, e, se o ambiente for aberto, podem crescer bactérias e fungos patogênicos”, esclarece.

Quando se trata de regulamentação, a química Camila Arcanjo, mestre em alimentos no Laboratório Co.F.Fe.C.C.I.Na, explica que não há uma legislação específica para processamentos de café in natura. De acordo com ela, a RDC 716/22 da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], que diz que cafés que receberam aditivos alimentares aromatizantes devem especificar sua saboraização na embalagem, se aplica apenas aos torrados. “A Anvisa não legisla sobre café cru. Não existe nada na nossa legislação sobre isso”, comenta ela.

Fermentado x infusionado x saborizado

Existem diversas formas de fermentar cafés sem infusionar. “São conceitos diferentes”, esclarece Agrelli, que destaca que nem sempre adicionar ingredientes ao produto pós-colheita caracteriza infusão. Muitas vezes, as fermentações têm adição de leveduras, fungos ou outros micro-organismos apenas para potencializar a ação enzimática, não para transferir sabores específicos. “Elas simplesmente aceleram ou auxiliam nos processos fermentativos, que podem, sim, criar compostos voláteis e sabores que agregam complexidade ao café. Mas isso não seria uma infusão de fato. É bem diferente de se estar adicionando aromatizantes, fragrâncias etc.”, afirma.

Mas é possível infusionar o café durante a fase da fermentação. Alguns produtores fazem uso de frutas, mosto ou caldo de cana como forma de agregar mais açúcares e potencializar a fermentação. “Neste caso, o café é chamado de cofermentado, o que não deixa de ser, também, uma das formas de infusão de sabores possíveis”, completa.

Já os cafés saborizados são aqueles que recebem aromatizantes artificiais durante ou após a etapa da torra. Geralmente este processo é aplicado a cafés de qualidade inferior.

Texto originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Gabriela Kaneto

Mercado

Existe cacau em SP

O cultivo do fruto amazônico, realidade no estado paulista, desperta a atenção das grandes indústrias e dos pequenos chocolateiros

Quando se fala em cacau brasileiro, a primeira região que vem à mente é o Sul da Bahia, imortalizada em obras de Jorge Amado e nos livros de história, que retratam a época áurea do cultivo nos anos 1920 e o
abrupto declínio no fim da década de 1980, quando a vassoura-de-bruxa devastou quase 80% do plantio. Quando parecia que o fruto tinha perdido protagonismo no Brasil, eis que a Bahia volta a tomar fôlego e a região norte dá notoriedade ao cacaueiro em seu berço, a Amazônia, em plantio que reúne volume e qualidade.

Mas como o Brasil está longe de ser autossuficiente em cacau e a disparada de seu valor tem sido motivo de preocupação mundial, novas frentes de produção fora das áreas tradicionais têm sido vistas com ótimos olhos. Aí é que São Paulo entra com força.

Depois de investidas pontuais no cultivo de cacau na década de 1970, o que parecia um sonho duvidoso
tornou-se realidade para cerca de 40 agricultores do estado. As apostas para ver o fruto do chocolate florescer com sotaque paulista vêm principalmente do programa Cacau SP.

O programa é um protocolo de cooperação entre Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA), por meio da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) e da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), e Ministério da Agricultura e Pecuária. Além de apresentar tecnologia no campo e capacitar produtores e técnicos, o programa se propõe a unir elos da cadeia, aproximando pesquisadores e compradores dos produtores.

Começa no Planalto

Iniciado em 2014 de forma experimental no Planalto Paulista para compensar a perda de valor das seringueiras e trazer o plantio do cacau em formato de consórcio, o programa hoje comemora os cerca de 300 hectares de cacaueiros nesta região, que fica no noroeste do estado.

Conhecido pela pecuária e pela produção de cana-de-açúcar e laranja, o Planalto Paulista tem clima quente e de baixa umidade, o que se torna um desafio ainda maior para um cacau bem-sucedido. Mas é aí que os conhecimentos técnicos entram em cena.

Além das seringueiras, atualmente são as bananeiras que se destacam no modelo consorciado. “Como a região tem insolação muito forte, as bananeiras fazem o sombreamento inicial para entrarmos com as mudas de cacau”, explica Carlos Eduardo Rosa, engenheiro agrônomo da CATI de São José do Rio Preto. “Além disso, as bananeiras auxiliam na proteção do vento e são outra fonte de renda para o agricultor”, completa.

Tão importante quanto esses aspectos é a irrigação, indispensável para tornar o cacau viável no Planalto. “Temos um inverno seco muito bem definido, que coincide com a época de enchimento de fruto, então precisamos de irrigação para suplementar essa falta d’água”, detalha Rosa.

Ainda é cedo para se falar em terroir, mas as variedades mais indicadas pelo programa para o Planalto já são encontradas em grande parte do Brasil: a CCN 51 e a PS 1319. Ainda não se sabe se, em terras paulistas, esses frutos ganham diferentes características. “Por enquanto, não temos um perfil sensorial bem definido, pois as novas áreas plantadas estão começando agora e a produção vai depender da época da colheita. Como tudo é muito novo, vamos devagar”, diz o agrônomo.

Quem está aguardando ansiosamente seus frutos é Mônica Munhoz, produtora agrícola no município de Palmares Paulista que, após quatro anos de plantio, vai poder colher seu próprio cacau este ano. “Optei por uma nova cultura, para não ficar tão dependente da seringueira nem da cana-de-açúcar e que fosse interessante para a família”, revela Mônica, que hoje tem 10 mil pés concentrados em seis hectares (juntamente com bananeiras, claro).

Mesmo ainda sem suas amêndoas em mãos, Mônica já recebeu a visita de grandes indústrias, como Barry Callebaut e Puratos. “A CATI, além da assessoria inicial, tem trazido pessoas importantes do mercado, o que abre inúmeras possiblidades”, relata a produtora que, em paralelo, dedica-se com a família à marca de chocolates Therê. Por enquanto, sua fabricação só leva as amêndoas secas e fermentadas da Bahia. “Mas a partir de agosto teremos nosso chocolate paulista”, diz.

Em direção ao Vale do Ribeira

A nova aposta do Cacau SP é a região do Vale do Ribeira, no sul do estado. Já há cultivos antigos na região – cerca de 300 hectares –, mas a intenção do programa na área, lançado em abril deste ano, é revigorar o que já existe, com conhecimento técnico e tecnológico, além de ampliar a área cacaueira. E potencial não falta.

Diferentemente do Planalto Paulista, o Vale do Ribeira tem clima quente e úmido na maior parte do ano, com grande área de Mata Atlântica, o que dispensa o uso de irrigação. “O Vale é mais parecido com a Bahia, com o sistema cabruca”, conta Bruno Lasevicius, presidente da Associação Bean to Bar, sobre o modelo de plantio do cacaueiro em meio à mata nativa.

Ele, que também é dono da marca de chocolates Casa Lasevicius, em São Paulo, acredita que a região tem vocação para o cacau fino, ideal para chocolates artesanais de qualidade. “No Vale do Ribeira, os materiais são mais antigos, menos produtivos, mas possuem variedades interessantes”, explica ele, que lançou em 2023 cinco chocolates com o fruto paulista, sendo um de Olímpia, no Planalto, e o restante de Itariri e Pariquera-Açu, no Vale. “Deu para ver o potencial do cacau, mesmo sem a experiência do cacau fino”, conta o chocolateiro, que aguarda a nova safra paulista.

Outra chocolateira que deposita suas fichas no Vale do Ribeira é Denise Aruquia, da Pé de Chocolate, também na capital. Uma de suas criações, o chocolate Cacau de São Paulo, é feito com café da Mogiana e cacau cultivado por seu pai, Adenor Luiz, no sítio da família em Itariri. “Ele plantou as sementes trazidas da Bahia por um amigo e, em 2020, teve sua primeira colheita”, relembra.

Foto: Agência Ophelia

Depois de participar de cursos, Denise, que já era chef confeiteira, decidiu aproveitar o rico fruto para
dar vida a chocolates e abriu sua própria marca. “A produção do meu pai é pequena, então, tenho de comprar de outros produtores, mas o chocolate de São Paulo é o mais vendido”, conta Denise, que dá seu palpite sobre as características sensoriais do cacau: “O paulista tem a amêndoa mais escura e cheiro intenso de caramelo. Traz um pouco de adstringência e é mais seco em manteiga de cacau, diferentemente do cacau amazônico, que tem mais acidez e mais manteiga.”

Enquanto o cacau paulista vai tomando corpo, a curiosidade dos chocolateiros paulistanos só aumenta. A chocolatière Priscyla França, de marca homônima de chocolates bean to bar, na zona sul da capital paulista, está em contato com produtores locais. “Já quero começar a usá-lo”, adianta ela.

Arcelia Gallardo, da Mission Chocolates (SP), teve uma bela experiência com o fruto cultivado em Ilhabela, no litoral norte paulista, em 2017, quando fez uma barra 72%. Com notas de bolo de chocolate e acidez cítrica, ganhou medalha de bronze no Academy of Chocolate de 2017. “Só não usei outras vezes porque não tinha produção suficiente, mas gostaria de ter de novo”, revela.

Também vale mencionar as vantagens do cacau paulista frente às produções de outros estados. “A proximidade entre chocolateiro e produtor é algo positivo, assim como a facilidade logística e a questão tributária”, opina Lasevicius.

E, para os produtores, as benesses vão além do chocolate. “O cacau traz crescimento econômico para a região, pois é cultura de alto valor agregado”, pontua Rosa. Além disso, traz benefícios sociais. “São gerados muitos empregos; e há o benefício ambiental, já que é uma planta perene e que permanece vários anos no solo”, ensina.

Ainda há muitos frutos para São Paulo colher pela frente. O programa Cacau SP já tem um projeto de expansão em Caraguatatuba e Ubatuba, no litoral norte, onde existem cultivos da década de 1970 carentes de desenvolvimento.

E nada impede que o cacau apareça em novas áreas do estado. “São Paulo tem uma vocação para a fruticultura, por isso acreditamos que o cacau se adaptará muito bem com outros produtos”, explica
Rosa. Além disso, continua ele, exceto pelas regiões mais frias, o clima do estado é propício, de temperaturas altas e com bons níveis de volume de chuva ao longo do ano. “Esses fatores vão colocar o estado paulista como um dos grandes players de cacau no Brasil”, aposta.

Na merenda

Em parceria com a CATI, a cidade de Mendonça, no Planalto Paulista, criou o projeto Rota do Cacau, no fim de 2023. Além do foco no turismo rural sustentável e no desenvolvimento agrícola da região, o projeto incluiu o chocolate na merenda escolar. Quinzenalmente, as crianças das escolas municipais passaram a receber uma porção de 20 g de chocolate 50% cacau, feito com nibs e açúcar demerara, como um alimento funcional.

Saiba mais

Não é de agora que o Estado de São Paulo se interessa pelo plantio extensivo de cacaueiros. As primeiras tentativas são de 1950, em Caraguatatuba, na propriedade da indústria de chocolates Lacta. “Tentou-se  implantar o cultivo de cacaueiros valendo-se tão somente de técnicas recomendadas a outras regiões cacaueiras do país”, diz Fausto Joaquim Coral, 90 anos, ex-diretor do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e destacado, em 1962 pelo instituto, para dedicar-se integralmente ao cultivo da planta.

A prioridade, por tradição e facilidade, diz ele, foi estudar cientificamente o cacaueiro nas condições de floresta – na Mata Atlântica do Vale do Ribeira e do Litoral Norte. Depois, sob diferentes condições de manejo, na Baixada Santista e, nos anos 1970, no Planalto Paulista, implantando projetos de pesquisa em cidades como Ribeirão Preto, Mococa, Pindorama, Bebedouro, Adamantina e Alvilândia, entre outras. “Os resultados obtidos com essas pesquisas demonstraram fartamente que o plantio tecnificado do cacaueiro em várias áreas potencialmente aptas do Planalto Paulista se justificava como alternativa economicamente viável e promissora”, relembra Fausto.

Em 1984, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo implanta um projeto de cacau para o estado, o PECASP (Plano de Expansão da Cacauicultura em São Paulo), tecnicamente apoiado pelo IAC e pelo CATI. “O Banco do Brasil daria apoio financeiro para financiar as lavouras, como se procedia em outras áreas do território nacional”, explica o cientista, lembrando da desistência posterior do banco no projeto. “Os agricultores paulistas tiveram, a contragosto, que recuar em suas metas e pretensões”, conclui. 

Agora, em 2024, São Paulo retoma as antigas pretensões de poder, também, se projetar como região produtora de cacau. “Acho que agora o estado está mais forte e apto, e espero melhores atenções por parte das instituições financiadoras”, anseia Fausto. (por Cristiana Couto)

Texto (exceção ao box “Saiba mais”) originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Beatriz Marques