Análise por Caio Alonso Fontes

A hospitalidade na experiência do café especial

Quando pensamos em uma xícara de café especial, imediatamente nos vem à mente a qualidade dos grãos, o terroir e o método de extração. Mas há um elemento crucial que, muitas vezes, passa despercebido e que é de extrema importância: a hospitalidade. Este aspecto essencial não só complementa a experiência de tomar a bebida como pode transformá-la completamente.

Talvez você imagine que hospitalidade é, simplesmente, ser educado e eficiente. Mas precisamos distinguir o serviço da hospitalidade. Serviço, por definição, é sobre eficiência e competência. Já a hospitalidade envolve a criação de uma conexão emocional, oferecendo uma experiência acolhedora e personalizada ao cliente.

No mercado de cafés especiais, em que ainda estamos em um processo de desenvolvimento e a expectativa dos consumidores é alta, a hospitalidade pode ser o diferencial que cativa e fideliza o cliente. Imagine entrar em uma cafeteria e, durante o serviço, não só receber um café impecável, mas ter seu nome lembrado, assim como suas preferências, fazendo você se sentir em casa. Esse nível de cuidado e atenção cria em você uma memória afetiva, algo que nenhuma máquina ou aplicativo pode substituir. Em tempos em que a impessoalidade predomina, esse toque humano torna-se um oásis.

A hospitalidade começa no momento em que o cliente cruza a porta do estabelecimento. Pode ser um sorriso genuíno, um rápido “bom dia”, ou, até mesmo, uma conversa casual sobre a procedência do café que ele está prestes a provar. Pequenos gestos que demonstram empatia e interesse genuíno fazem uma diferença enorme. E é essa conexão que transforma um cliente em um embaixador apaixonado por uma marca.

Para construir essa cultura de hospitalidade, cada membro da equipe deve estar alinhado e comprometido com esse objetivo. O treinamento desse time não deve se limitar apenas a métodos de preparo de grão, mas, também, a habilidades interpessoais e de atendimento. Um bom exemplo disso é identificar e antecipar as necessidades dos clientes, muitas vezes antes mesmo que eles percebam. Isso cria uma experiência proativa e personalizada, que é memorável e gratificante.

Por essas e outras é que o impacto da hospitalidade vai além da satisfação do cliente, alcançando resultados financeiros. Clientes que se sentem bem-vindos tendem a retornar com frequência, a recomendar a casa para os amigos e familiares e a falar dela positivamente nas redes sociais. Tudo isso contribui para um marketing boca-a-boca poderoso e eficaz.

Mas fica aqui uma provocação: estamos realmente colocando a hospitalidade no centro de nossas operações? Num mercado de cafés especiais, em que cada detalhe conta, estamos treinando nossas equipes para serem não apenas baristas, mas verdadeiros anfitriões? Nossas cafeterias e negócios de café oferecem um ambiente onde cada cliente sente-se, realmente, acolhido?

Incorporar a hospitalidade num negócio exige esforço contínuo e o compromisso de todos os níveis da empresa. Todos devem compartilhar essa visão e trabalhar juntos para torná-la uma realidade cotidiana. Por isso, a liderança é crucial: proprietários e gerentes devem dar o exemplo, mostrando, na prática, o valor de um atendimento humanizado e caloroso.

Cafés de qualidade são veículos de conexão. Eles aproximam pessoas, criam momentos de descanso, de reflexão ou de interação. Ao agregar a hospitalidade a essa experiência, estaremos potencializando o impacto e transformando uma simples visita à cafeteria em um evento significativo.

Então, vamos repensar nossas cafeterias não só como lugares que servem café, mas também como locais de acolhimento, onde cada cliente é valorizado. A hospitalidade, portanto, é a chave para transformar a experiência dos cafés especiais, e essa transformação começa com cada um de nós.

TEXTO Caio Alonso Fontes • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Tecnologia e conhecimento num grão de café

O café é, sem dúvida, uma das bebidas mais populares em todo o mundo. Mas você já parou para pensar em toda a ciência e tecnologia envolvidas em um simples grão de café? Não é apenas por trás de smartphones ou carros elétricos que encontramos tecnologia de ponta. Se, de um lado, desenvolvemos semicondutores, velocidade de processamento ou autonomia de bateria, no café, investimos em melhoramento genético, agricultura de precisão, monitoramento do clima, processos de pós-colheita e rastreabilidade.

A planta café, que teve sua origem na Etiópia há milênios, chegou ao Brasil na terceira década do século XVIII. Hoje, se somos o maior produtor, maior exportador e protagonista em qualidade e sustentabilidade do grão, devemos estas conquistas ao investimento robusto em ciência e pesquisa nos últimos 50 anos, aliado a uma vontade inquebrantável de fazer o melhor possível e de sermos personagens fundamentais dessa história.

Marcos importantes na história do café brasileiro foram a fundação do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em 1887, e o trabalho com café da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) a partir de 1998, com a formação do Consórcio Pesquisa Café. O IAC, além de promover pesquisas e estudos de diferentes culturas, também foi responsável pela criação de cultivares de café mais produtivas e resistentes a pragas e doenças como, por exemplo, o catuaí amarelo IAC 62, décadas atrás, que se tornou uma das principais no Brasil. Já a Embrapa, que atua no desenvolvimento de tecnologia de cultivo e processamento, além de capacitar produtores, tornou nossas lavouras mais produtivas e competitivas nos mercados nacional e internacional.

De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do Consórcio Pesquisa Café, em 1990, a produtividade média do grão brasileiro era de 8 sacas por hectare. Em 2022, esse número saltou para 28 sacas por hectare, representando um aumento de 250% (há regiões em que a produtividade chega a mais de 50 sacas por hectare). Esse crescimento também é evidente quando se verifica a produção total de cafés no país. Em 1990, o Brasil produziu cerca de 19 milhões de sacas em uma área de 2,4 milhões de hectares, enquanto em 2022 foram 51 milhões de sacas em uma área de 1,87 milhões de hectares, um aumento de 150%. Por fim, em 2022, o Brasil foi responsável por cerca de 30% das exportações mundiais do grão, o que gerou uma receita de quase US$ 9,23 bilhões, conforme dados do Conselho dos Exportadores do Café do Brasil (Cecafé).

Em termos de sustentabilidade, o Brasil também vem apresentando avanços significativos na cafeicultura. Somos um dos líderes na implementação de práticas sustentáveis, como o uso de sistemas agroflorestais, que promovem a diversificação de culturas e a proteção do meio ambiente. A adoção de tecnologias de baixa emissão de carbono, como a utilização de resíduos da colheita como fonte de energia, também tem sido uma realidade nas lavouras nacionais.

Além disso, o Brasil desponta como o principal fornecedor global de cafés sustentáveis, com 33% do volume comercializado neste setor (em 2021, segundo o Cecafé, o total de cafés sustentáveis somou 1,6 milhão de toneladas). O país, por fim, tornou-se referência na produção de grãos de qualidade, com um crescimento expressivo na exportação de especiais – cafés com pontuação superior a 80 pontos (num total de 100) na escala da Associação de Cafés Especiais (SCA). Em 1990, exportamos apenas 483 mil sacas de cafés especiais, mas em 2022 esse número alcançou 10 milhões de sacas – um aumento de mais de 1.970%.

Esses avanços têm contribuído não apenas para o aumento da produção e da qualidade da bebida mas, também, para a preservação do meio ambiente e o incremento das condições socioeconômicas dos cafeicultores nacionais. Dessa forma, o país consolida-se como um dos principais protagonistas do mercado global de cafés, sustentável e de alta qualidade.

Para os cafés do Brasil, continua valendo a máxima: “colhemos o que plantamos” – com muita tecnologia e pesquisa.

Caio Alonso Fontes é formado em administração de empresas e é cofundador da Espresso&CO. Coluna publicada na Espresso #83 (março, abril e maio de 2024).

TEXTO Caio Alonso Fontes • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes