Mercado

Certificação de origem dos cafés do Cerrado Mineiro cresce 160% em 2024

Volume salta de 115 mil para mais de 300 mil sacas certificadas com Denominação de Origem

A Região do Cerrado Mineiro registrou um crescimento de 160% no número de sacas certificadas com o selo de Denominação de Origem (DO). O volume saltou de 115 mil sacas em 2023 para cerca de 300.500 sacas este ano, consolidando a região como referência na produção de cafés de qualidade e origem controlada.

Segundo Juliano Tarabal, diretor-executivo da Federação dos Cafeicultores do Cerrado, esse salto é resultado de estratégias inovadoras, como o fortalecimento da rastreabilidade, a simplificação do processo de certificação e ações de valorização da marca Cerrado Mineiro. Entre as iniciativas, destacam-se a certificação de cafés em bica corrida nas cooperativas, a adoção de normas que garantem o selo para cafés com pontuação acima de 80 pontos e a rastreabilidade de lotes armazenados fora da área demarcada. “A transparência foi ampliada com o envio automático dos certificados e laudos de qualidade aos compradores, atendendo às exigências dos mercados internacionais e fortalecendo a confiança no nosso produto”, explica Tarabal.

Infraestrutura para rastreabilidade
Atualmente, a cadeia produtiva do Cerrado Mineiro conta com seis cooperativas,seis exportadores e sete armazéns credenciados, garantindo o controle e a rastreabilidade da produção regional. Entre os exportadores que atuam na região estão nomes como Cafebras, Dreyfus, Sucafina, e Volcafe, enquanto cooperativas como Carmocer e Coopadap integram a estrutura de certificação.

Para o presidente da Federação, Gláucio de Castro, o início da nova política de Denominação de Origem em 2024 foi fundamental para o avanço. “Agora, todas as cooperativas e armazéns credenciados podem lacrar e identificar cafés da região, aumentando a visibilidade da qualidade produzida no Cerrado Mineiro e o trabalho do produtor”, afirma.

Campanha e mercado internacional
A campanha “A verdade é rastreável” também ajudou, ao conscientizar produtores e consumidores sobre a importância do selo de origem e combater o uso indevido da marca “Cerrado Mineiro”.

Entre janeiro e dezembro de 2024, os cafés certificados pela RCM conquistaram mercados na Europa – com destaque para Polônia, Grécia, Alemanha e Itália –, além de forte presença nos Estados Unidos e na Coreia do Sul.

Outro destaque foi a parceria com a torrefação italiana illycaffè, que, desde outubro de 2023, comercializa uma linha especial de cafés torrados com o nome e a marca Cerrado Mineiro e o selo de agricultura regenerativa.

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

Cafeteria & Afins

Revo – Santos (SP)

Situada no coração da ponta da praia, em Santos (SP), a cafeteria Revo Manufactory é mais do que se imagina. O prédio, de fachada clássica, foi reformado e restaurado por dentro para abrigar um espaço que, embora mantenha detalhes tradicionais, abraça os estilos moderno e industrial. Ao caminhar pelo grande galpão, com janelas amplas e pé-direito altíssimo, sua decoração traz, ainda, um ar vintage, com peças que chamam a atenção, como cristaleiras, espelhos e aparadores. Os arranjos de folhas e flores complementam a experiência de forma encantadora.

O conceito de manufatura é visível assim que se entra no edifício. Logo na entrada há um balcão de pães e doces ao lado da estação de café e de bebidas. A cozinha de finalização, aberta ao público, oferece proximidade com essas muitas mãos operantes.

O atendimento é feito nas mesas e, para iniciar a experiência, escolhemos uma das duas opções de café coado disponíveis: um gesha (R$ 20), de processo natural fermentado produzido por Luiz Paulo na Fazenda Santuário Sul, em Carmo de Minas (MG). Extraído na v60, o café entrega um aroma floral acentuado, com uma acidez agradável e fácil de beber.

O cardápio é extenso e variado, com muitas ofertas da padaria e da confeitaria servidas durante a tarde. O croissant (R$ 16) com geleia da casa (R$ 5) e a empanada humitá com creme de milho e pimenta jalapeño (R$ 21) foram as pedidas desta visita. O croissant tem uma caramelização impecável, com exterior crocante e estética refinada, digna da clássica viennoiserie (produtos cuja massa fermentada é mais rica e amanteigada do que a dos pães tradicionais). Seu miolo, levemente ressecado, poderia ser aprimorado com alguns segundos a mais de calor antes de chegar à mesa. A geleia, com boa acidez e dulçor, complementa bem o folhado. Já a empanada, muito bem assada, de massa fina e recheio cremoso de queijo e milho tostado, poderia ter um tempero menos tímido.

Café gesha ao lado do croissant e bolo de festa com calda, sorvete e brigadeiro

O bolo de festa (R$ 33) foi a sobremesa da vez: mega chocolatudo (estilo devil’s cake da Matilda), servido com calda quente de chocolate, quenelle de sorvete à escolha e um pequeno brigadeiro enrolado. Um doce úmido e indulgente, certamente a pedida perfeita para compartilhar, mas quase impossível de se comer sozinho, dada a doçura intensa. O sorvete de frutas vermelhas trouxe uma refrescância que conectou todos os itens do prato. Para acompanhá-lo, um espresso (R$ 9) equilibrado, com baixa acidez e amargor na medida.

A conta é paga diretamente no caixa, onde revisam seu pedido e incluem corretamente o serviço, já que a Revo é um exemplo de ótima hospitalidade. Ao lado do caixa há uma pequena mercearia, onde se pode escolher um pedaço dessas manufaturas para levar para casa, como cafés, vinhos, biscoitos e queijos.

A reunião de um ambiente aconchegante, pet friendly e frequentado por pessoas de todas as idades torna a experiência um passeio acolhedor e revigorante.

Nossa conta: R$ 104 + taxa de serviço
Café coado – R$ 20
Croissant – R$ 16
Adicional de geleia – R$ 5
Empanada – R$ 21
Café espresso – R$ 9
Bolo de festa – R$ 33

A equipe da Espresso visitou a casa anonimamente e pagou a conta.

Texto originalmente publicado na edição #86 (dezembro, janeiro e março de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

Informações sobre a Cafeteria

Endereço Avenida Doutor Epitácio Pessoa, 737
Bairro Ponta da Praia
Cidade Santos
Estado São Paulo
País Brasil
Website http://https://www.instagram.com/revomanufactory/
Horário de Atendimento De segunda a sábado, das 9h às 23h; domingo, das 9h às 22h
TEXTO Redação • FOTO Equipe Espresso

Cafezal

Coffee of the Year: o prêmio que conecta café, história e mercado

Com recorde de 570 amostras inscritas, o Coffee of the Year 2024 consagrou o Espírito Santo como destaque nas categorias arábica e canéfora, reforçando o papel do prêmio na valorização de produtores, regiões e tendências da cafeicultura brasileira

O Coffee of the Year (COY) não é apenas um prêmio. Em sua 13ª edição, o concurso é o reconhecimento máximo do talento, da dedicação e da inovação dos cafeicultores na produção de arábicas e canéforas brasileiros de excelência – já foram premiados mais de 180 produtores.

Em 2024, o Espírito Santo subiu ao pódio. Foram premiados Paulo Roberto Alves, do Sítio Campo Azul, em Divino de São Lourenço, região de Caparaó, na categoria arábica, e Antônio Cezar Demartini Landi, do Sítio do Pedrão, de Jerônimo Monteiro, no Sul do Espírito Santo, na categoria canéfora.

O COY também gera oportunidades de negócios: a escolha dos melhores arábicas e canéforas não apenas valoriza o trabalho dos produtores campeões, mas impulsiona o desenvolvimento das regiões onde esses cafés são cultivados, abrindo portas para novos mercados e fortalecendo os já existentes (confira a degustação com os cafés vencedores ao final da reportagem).

Este ano, o evento quebrou seu recorde de inscrições, com 570 amostras de 33 regiões de café, refletindo o crescente interesse dos cafeicultores pela premiação e a diversidade dos grãos brasileiros.

Como o COY acontece

A escolha de um café para uma competição pelo produtor se dá muito antes da prova. Ela envolve uma série de etapas, que incluem planejamento no campo, manejo da colheita, definição do processamento do grão e curadoria final rigorosa, com seleção de lotes e provas sensoriais. Este trabalho meticuloso é o que transforma um simples lote de café em um potencial campeão, capaz de destacar não só a qualidade do grão, mas também a dedicação e o talento por trás de sua produção.

Depois do recebimento dessas amostras, elas são provadas tecnicamente por profissionais Q-Graders e R-Graders no Instituto Federal do Sul de Minas, em Machado (MG), que selecionam 180 amostras finalistas – 150 cafés arábicas e 30 cafés canéfora. Estes cafés são provados em duas salas de cupping e em diferentes rodadas durante os três dias da Semana Internacional do Café, por centenas de compradores, que têm a oportunidade de negociá-los diretamente com os produtores.

Ao mesmo tempo, os dez cafés arábica e cinco canéforas mais bem pontuados dessa seleção participam da votação dos visitantes da SIC, que decidem, nos dois primeiros dias e em prova às cegas, os campeões do ano nas duas categorias. Os produtores vencedores recebem menção honrosa e os dois campeões são anunciados e premiados na tarde do terceiro e último dia da SIC.

Era uma vez…

Em tempos de valorização do produtor e de sua história, vale lembrar como nasceu o Coffee of the Year. Em 2011, durante a consolidação do mercado de cafés especiais no Brasil e a ascensão de movimentos que destacavam os produtores, a Espresso idealizou uma forma de criar conexões mais próximas entre esses profissionais e os visitantes da feira de negócios Espaço Café Brasil — evento que viria a se transformar na Semana Internacional do Café. Essa proximidade era vista como essencial para valorizar o produto e promover os cafés especiais no mercado nacional.

Foi nesse contexto que a primeira sala de cupping foi montada, reunindo cafeicultores de São Paulo e Minas Gerais. A iniciativa fomentou o compartilhamento de conhecimento entre produtores e especialistas do setor, pavimentando o caminho para algo maior. Em 2012, nascia oficialmente o prêmio Coffee of the Year Brasil, uma competição nacional que seleciona os melhores cafés por meio de especialistas e permite que os visitantes também os provem e avaliem. O caráter inovador da iniciativa estava justamente em aproximar os brasileiros dos cafés de alta qualidade, que, até então, eram conhecidos quase exclusivamente por provadores e exportadores.

Em 2013, já consolidado como SIC e sediado em Belo Horizonte, o evento se expandiu, e o prêmio ganhou maior visibilidade e diversidade. Ano após ano, o COY foi ganhando relevância e tornando-se uma vitrine de tendências, como a inclusão da categoria canéfora (2016), a concessão de prêmios a café com fermentação induzida (2020 e 2021) e a projeção de pequenos produtores e seus microlotes. O prêmio, também, é essencial ao projetar regiões – como a quase desconhecida região do Caparaó, em 2012.

Hoje em dia, o COY é uma referência no setor, reconhecendo a excelência independentemente da espécie de café, região ou escala de produção.

A Espresso conversou com os campeões do Coffee of the Year 2024. Estreante no concurso e produtor de especiais há seis anos, Paulo Roberto Alves venceu com um catuaí vermelho de 90,25 pontos. “Meus filhos são provadores, e incentivam a fazer café especial”, diz ele. Já Landi, que participa regularmente do COY, esteve na lista dos 15 finalistas de canéfora em 2023 antes de subir ao pódio este ano com um conilon de 86,42 pontos. “O principal destaque do café de concurso é ser feito com cuidado”, ensina Landi. A seguir, o bate-papo:

Espresso: Quais foram os maiores desafios que vocês enfrentaram nesta safra e como eles foram superados?

Antônio Cezar Landi: O maior desafio nessa safra foi a seca. Ficamos seis meses sem chuva, sorte que temos um sistema de irrigação com tensiômetro, automatizado em algumas áreas já, então isso ajuda muito a superar este desafio. E o mercado de café, que é um negócio meio doido. Uma hora dá prejuízo, outra hora dá dinheiro demais. Então esses foram os desafios, que ninguém sabe o que vai dar. Mas o principal posso destacar que foi a falta de chuvas, mas graças a Deus deu para superar.

Paulo Roberto Alves: Foram muitos desafios. Pra gente ‘panhar’ café, tem que saber, pra não estragar. Depois, na secagem, tem que ter muito cuidado para não estragar no terreiro. Começa a chover, tem que ter cuidado. Esse ano não teve muita chuva aqui na região, foi até bom para o café. Mas nos outros anos, no ano passado, por exemplo, choveu muito. Este ano foi até bom, deu muito sol. Aqui eu tenho cinco mil pés de café e planto catuaí vermelho e amarelo. No COY eu inscrevi o vermelho.

Por que vocês acham que seus cafés se destacaram no concurso este ano?

Landi: Primeiramente é o cuidado com o fruto depois de colhido. Eu faço a colheita e quem faz esse cuidado todo, inclusive a secagem, é minha esposa. Então, o principal [fator] é o cuidado. E o segundo eu acredito que seja a nutrição. Uma planta bem nutrida te dá um fruto já pronto, basta você ter cuidado depois, no pós-colheita.

Alves: A concorrência foi grande. Os meus filhos são provadores e trabalham no laboratório da Caparaó Jr. Eles incentivam a gente a fazer o café especial, ensinam como tem que fazer, dão toda a instrução. Eles provaram o café e viram a pontuação que deu, viram que era uma pontuação boa.

Os campeões do COY 2024: Paulo Roberto Alves (à esquerda) e Antônio Cezar Landi (à direita)

Que conselhos vocês dariam a outros produtores que aspiram alcançar o sucesso nos concursos de cafés especiais?

Landi: Fazer o seu melhor e participar dos concursos. Tentar uma vez, ou dez, quantas vezes for preciso. Você tem que insistir e nunca parar de tentar.

Alves: Quem quiser fazer, pode fazer. A nossa região tem potencial. Quanto mais gente produzir café especial, pra gente é bom, né? Aqui no município tem pouca gente que produz café especial. Deve ter umas cinco ou seis pessoas só. O pessoal acha difícil fazer, acha que dá muito trabalho. Mas pode fazer sem erro que o resultado não é ruim não. Deve ter uns seis anos, mais ou menos, que produzo café especial. Criamos nossa marca, a Sítio Campo Azul. Vale muito a pena produzir café especial, ainda mais depois de ter ganhado o COY, vale mais ainda.

Como essa premiação impacta a região de vocês?

Landi: O impacto é positivo. A região ficou conhecida. Jerônimo Monteiro praticamente não era conhecida por cafés especiais. Só a nossa comunidade, com sete famílias, que faz café especial.

Alves: Mudou muito, principalmente o tratamento do pessoal. Até as autoridades e o prefeito, que não visitavam muito, vieram aqui. Para chegar aqui na minha cafeteria tem 400 metros de chão, aí eles vieram e prometeram fazer o passamento até a cafeteria. Tudo isso depois que ganhei.

Vocês pretendem inscrever novas amostras na próxima edição do concurso?

Landi: Com certeza. Se Deus permitir, nós queremos participar sempre que possível. Ano que vem e nos próximos. Mesmo que não ganhe, mas sempre disputando.

Alves: Vou me inscrever de novo, se Deus quiser. Vou fazer [qualidade] para me inscrever de novo e torcer para ganhar.

Depois da agitação da SIC, a equipe da Espresso provou os cafés finalistas premiados no Coffee of the Year (COY). Assim como nas garrafas térmicas disponíveis no evento, as dez amostras de arábica e as cinco de canéfora foram torradas pela equipe do IF Sul de Minas, do campus Machado (MG) e preparadas no método filtrado (hario v60).

Para a avaliação, o time usou como base o novo Protocolo Brasileiro de Cafés Torrados, desenvolvido pela Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC). Os critérios levados em consideração foram complexidade de odor e de sabor, características sensoriais, doçura, corpo, acidez e intensidade, esta última definida pelo protocolo como “percepção de persistência de sabor na boca”. Confira as nossas anotações a seguir.

Texto originalmente publicado na edição #86 (dezembro, janeiro e fevereiro de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto e Gabriela Kaneto • FOTO NITRO/Semana Internacional do Café

Cultura

O café como tema central em livros

Cafés e a sociedade britânica moderna

Uma pena que não existam traduções para o português de estudos acadêmicos sobre a emergência das cafeterias na Europa. Um deles foi feito pelo historiador Brian Cowan em The Social Life of Coffee: The Emergence of the British Coffeehouse (R$ 185, na Amazon). A obra, bem escrita, ilustrada e editada para um público que também não é especializado, examina o papel das cafeterias, que surgiram na sociedade britânica no século XVII, e oferece uma visão valiosa de como os espaços cotidianos podem moldar e refletir mudanças culturais e sociais significativas.

Mas não se trata apenas de argumentar que as cafeterias funcionavam como locais culturais complexos, que contribuíram para o desenvolvimento de uma esfera pública. Cowan desafia interpretações anteriores, que viam as cafeterias simplesmente como locais diretos de resistência contra a autoridade do Estado (o Antigo Regime), mostrando, também, como estavam inseridas no tecido social, econômico e político mais amplo da época.

Para chegar a esta narrativa, uma das abordagens, merecedoras de elogio em tempos digitais, é a pesquisa do autor em arquivos físicos – atividade fundamental a todo bom historiador, mesmo que ele tenha, à disposição, uma miríade de documentos digitalizados.

Outro ponto positivo é provocar, novamente, o debate histórico sobre as primeiras cafeterias, especialmente em estudos delimitados, já que cada país ou região tem sua cultura e processos particulares (embora nunca descontextualizados de um cenário mais largo). Tal perspectiva ilumina as maneiras matizadas pelas quais os interesses públicos e privados se cruzavam nesses espaços do início da modernidade.

Embora à época ele tenha sido criticado por não ter dado a atenção devida à relação entre o café e outras bebidas quentes, como chá e chocolate – o que daria, na minha opinião, um outro estudo, com outras fontes e múltiplas áreas de conhecimento –, seu trabalho foi elogiado por contribuir significativamente para a compreensão da evolução social e cultural dessas instituições.

Vale um último comentário: embora escrito há duas décadas, um estudo deste calibre perdura na historiografia, pois será contestado ou seguido em trabalhos posteriores. É assim que o debate histórico se move.

Produtividade e estética na arquitetura cafeeira

Arquitetura do Café (R$ 49, no Estante Virtual), do arquiteto e urbanista André Argollo, explora a arquitetura das fazendas de café na região de Campinas (SP), transformadas em centros experimentais por instituições governamentais de pesquisa. A obra mergulha no desenvolvimento da arquitetura agrícola, projetada para a produção rural, e fornece perspectivas arquitetônicas e históricas únicas sobre as fazendas cafeeiras da região.

As fazendas ao redor de Campinas são particularmente interessantes. Do ponto de vista da arquitetura, essas plantações refletem uma combinação de necessidade funcional e questões estéticas, uma
característica analisada profundamente pelo autor e que indica a importância dessas construções na história da cultura do café e no desenvolvimento econômico do país. Argollo destaca que a capacidade
industrial instalada nessas fazendas originou grandes empreendimentos rurais, relacionando, portanto, o desenvolvimento arquitetônico dessas propriedades às transformações técnicas e tecnológicas
da época. Este aspecto, inserido no amplo contexto da produção brasileira de café, teve, segundo estudiosos como Boris Fausto, transformações significativas, também, nas práticas de trabalho.

Argollo dá ênfase à documentação visual das fazendas por meio de fotografias detalhadas, que ajudam a compreender a escala e as complexidades desses espaços, e captura a essência desses locais.

É um olhar abrangente sobre a história arquitetônica e agrícola das fazendas de café em uma região chave do Brasil, enriquecido pela exploração visual impactante e pela análise rica do autor. O livro recebeu o prêmio Jabuti 2005 na categoria Arquitetura e Urbanismo e indicado para quem estuda arquitetura, agricultura e produção de café no Brasil – além de ser um trabalho que também deslumbra leitores de qualquer área. Vale ter na mesa de centro.

Texto originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto

Café & Preparos

Prepare sua agenda!

Confira eventos de café que acontecem no primeiro semestre do ano

O universo do café já está aquecido para 2025. No primeiro semestre, os principais festivais globais prometem reunir profissionais, entusiastas e amantes do café para celebrar a cultura e explorar as inovações e desafios do setor. Prepare a sua agenda para alguns dos principais eventos do seis primeiros meses do ano – como o São Paulo Coffee Festival, na capital paulista, e a Specialty Coffee Expo, em Houston, no Texas (EUA) – que movimentam o mercado de cafés especiais e conectam pessoas apaixonadas pelos grãos.

Feira do Cerrado
Quando: 5 e 6 de fevereiro
Onde: Núcleo da Cooxupé, Monte Carmelo (MG)
O que é: com o tema “Agricultura e mudanças climáticas: resiliência e oportunidades”, a feira, promovida pela Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé) e em sua 10a edição, é voltada especialmente para os pequenos e médios produtores do Cerrado Mineiro. O evento conta com expositores de máquinas e insumos agrícolas, e traz as últimas inovações no setor. Em 2024, recebeu mais de 4,5 mil visitantes e reuniu 60 marcas.

Fenicafé 2025
Quando: 7 a 10 de abril
Onde: Parque de Exposições Ministro Rondon Pacheco, Araguari (MG)
O que é: organizada desde 1995 pela Associação dos Cafeicultores de Araguari (ACA), a Feira Nacional de Irrigação em Cafeicultura é uma oportunidade de troca de experiências entre técnicos, especialistas, empresas e produtores de café. O evento do triângulo mineiro é uma combinação de feira – com exibição de máquinas, serviços e tecnologias voltadas à irrigação na cafeicultura – e palestras técnico-científicas. Em 2024, acomodou cerca de 80 expositores e organizou 20 palestras. 

Alta Café
Quando: 8 a 10 de abril
Onde: Clube de Campo de Franca, Franca (SP)
O que é: feira da região da Alta Mogiana que reúne produtores locais, fornecedores e especialistas para discutir inovações e tendências na cafeicultura. Com foco na cadeia produtiva do café, o evento busca trazer soluções e tecnologias que permitam aos produtores ter maior produtividade e qualidade nos grãos. 

30º Encontro Nacional do Café (Encafé)
Quando: 23 a 25 de abril
Onde: Royal Palm Hall, Campinas (SP)
O que é: evento anual organizado pela Abic, reúne profissionais e empresas do setor cafeeiro para discutir tendências, inovações e desafios da indústria. A novidade deste ano é a compra do ingresso por dia escolhido e a divisão das atividades ao longo do dia – palestras pela manhã e feira de negócios durante a tarde e início da noite. Em 2025, o evento vai sediar a 3ª edição do Campeonato Brasileiro de Blends de Café e a 2ª edição da Olimpíada do Café, que buscam destacar, respectivamente, a excelência e a inovação na criação de blends e habilidades profissionais no setor. 

Re:Co Symposium 2025
Quando: 23 e 24 de abril
Onde: Houston, Texas (EUA)
O que é: tradicionalmente, a feira da SCA é precedida pelo Re:Co, simpósio de dois dias que traz discussões e seminários voltados para o futuro do café especial, conduzidos por alguns dos maiores especialistas da indústria. O simpósio deste ano tem nova abordagem – o spotlight – que busca estimular discussões mais colaborativas. A ideia é reunir um grupo pequeno de pessoas (produtores, especialistas e outros profissionais da área) para resolver questões “difíceis” sobre o café, definir “melhor” termos e conceitos utilizados pela indústria e planejar o futuro do grão, criando soluções práticas e inovadoras.

Specialty Coffee Expo
Quando: 25 a 27 de abril
Onde: George R. Brown Convention Center, Houston, Texas (EUA)
O que é: conhecida na área como “feira da SCA”, é o maior evento de cafés especiais dos Estados Unidos. Organizado anualmente pela Specialty Coffee Association (SCA), reúne produtores, torrefadores, baristas, pesquisadores, fornecedores de equipamentos e entusiastas do café. Inclui feira de negócios, palestras, degustações, workshops e seminários, além de sediar competições mundiais – em 2025, o World Coffee Roasting Championship (campeonato mundial de torra). Também premia produtos inovadores e branding em embalagens. Com 20 workshops e 60 palestras organizadas, focará em temas como regulamentos de sustentabilidade emergentes (por exemplo, a EUDR) e tendências e dinâmicas de consumo.

São Paulo Coffee Festival
Quando: 27 a 29 de junho
Onde: Pavilhão da Bienal, Parque Ibirapuera, São Paulo (SP)
O que é: um dos eventos mais importantes do calendário paulistano, o SPCF chega à sua quarta edição na expectativa de quebrar os números recordes de 2024: 15 mil visitantes e 130 marcas presentes. O evento, realizado pela inglesa Allegra Events e pela Espresso&CO, reúne coffee lovers, consumidores e profissionais do setor em três dias de feira, palestras, workshops e experiências sensoriais com café, embalados por boa música, gastronomia e cultura em torno do grão. O SPCF também organiza a Copa Barista, campeonato que consagra os melhores profissionais no preparo de espressos, filtrados e bebidas com leite e que, em 2025, alcança a 9a edição.

London Coffee Festival
Quando: 15 a 18 de maio
Onde: The Truman Brewery, Londres (Reino Unido)
O que é: o London Coffee Festival, um dos eventos europeus mais importantes da indústria do café, faz parte do movimento global de festivais de café organizados pela Allegra Events (foi o primeiro a ser lançado), que também realiza eventos em outras cidades como Amsterdã, Nova York e São Paulo. Reúne degustações, workshops, competições, arte e música, conectando produtores, torrefadores, baristas e consumidores. 

28ª Expocafé
Quando: 27 a 29 de maio
Onde: Aeroporto de Três Pontas, Três Pontas (MG)
O que é: realizada pela Cocatrel (Cooperativa dos Cafeicultores da Zona de Três Pontas), em parceria com a Universidade Federal de Lavras (Ufla) e com a prefeitura de Três Pontas, e organizada pela Espresso&CO, a Expocafé é reconhecida como a feira mais tradicional da cafeicultura brasileira. A programação da 28ª edição inclui palestras e exposição de máquinas, produtos e insumos. Em 2024, reuniu 140 marcas expositoras. 

World of Coffee Geneva
Quando: 26 a 28 de junho
Onde: Palexpo Exhibition and Convention Center, Genebra (Suíça)
O que é: a World of Coffee (WOC) é uma das feiras internacionais mais importantes para o setor de cafés especiais, organizada pela Specialty Coffee Association (SCA). Realizada anualmente em diferentes cidades da Europa, este ano acontece em Genebra, na Suíça. Reúne profissionais e entusiastas do café para explorar as últimas inovações, tendências e práticas no mercado. Inclui expositores de diferentes países, workshops, seminários e palestras, além de ser palco de competições globais. Em 2025, sedia os campeonatos mundiais de Latte Art, Coffee in Good Spirits, Cezve/Ibrik e Cup Tasters.

Cafés-botequins: um retrato perdido da cultura brasileira

Por Bruno Bortoloto do Carmo

O consumo de café faz parte do dia a dia dos brasileiros. Há muitas e muitas décadas, o país ocupa a segunda posição como maior consumidor, atrás apenas dos Estados Unidos. Seja torrado e moído, em grãos, em cápsulas ou na versão solúvel, praticamente todas as casas brasileiras contam com o produto para receber visitas – uma marca inegável da hospitalidade brasileira.

O Brasil também tem o hábito de beber café nas ruas. Tanto antes do trabalho, nos balcões das padarias e botequins, quanto como um convite para uma conversa em cafeterias (cada vez mais) especializadas. Mas será que sempre foi assim?

O café não é uma planta nativa do Brasil. Foi trazida pelos colonizadores portugueses ainda na primeira metade do século XVIII. Foi nesse período que o consumo em Portugal se intensificou.

Na capital portuguesa, bebia-se café em botequins. Esses locais – que se assemelhavam às tavernas francesas e às bodegas italianas – proliferaram-se em Lisboa, paulatinamente, na virada do século XVIII para o XIX.

No Brasil Colonial o fenômeno não foi diferente. Os primeiros lugares de consumo público do café foram os botequins portugueses no Rio de Janeiro, capital do Império português. Além do Rio, Recife e Salvador, principais cidades portuárias do Brasil colonial e cujo comércio com Lisboa era exclusivo, contavam com seus botequins onde se bebia café, assim como vinho e cachaça.

Essas cidades eram o centro da vida urbana cotidiana no país, e os botequins, o centro da sua cotidianidade. Ali se buscavam objetos perdidos ou para compra e venda, vendiam-se serviços e pessoas se encontravam. Obviamente, essa vida pública era bem diferente do que entendemos hoje: enquanto as ruas eram dominadas pelos escravizados, os senhores preferiam o recolhimento da vida privada. Por isso, o trânsito humano nesses locais era marcado por pessoas escravizadas, libertas, marinheiros e viajantes estrangeiros.

Após a Independência, a ascensão da cafeicultura fez com que o grão se tornasse, em poucas décadas, o principal produto de exportação do recém-criado Império brasileiro. Em menos de trinta anos, o Brasil passou de um exportador inexpressivo para o maior produtor mundial da rubiácea. Para se ter uma ideia, em 1830 o café brasileiro não figurava nas principais bolsas de valores dos mercados consumidores europeus nem dos Estados Unidos, recém-independente; mas na década de 1860, a produção nacional respondia pela metade da produção mundial de café.

Isso alavancou o consumo interno nacional. Ao longo do século XIX, o Rio de Janeiro, capital do Império brasileiro, tornou-se conhecido por seus locais públicos de consumo de café: seus botequins, agora chamados cafés ou confeitarias, pouco a pouco se afrancesaram – era, então, a França o modelo de civilidade almejado pelos brasileiros. Bancos e mesas longos de madeira foram substituídos por cadeiras de palha, bem ao estilo austríaco thonet, que se acomodavam em mesas com tampos de mármore e pés de ferro, e grandes espelhos passaram a fazer parte marcante da decoração desses estabelecimentos.

O público também se diversificou. Lugares antes ocupados, em grande parte, por marinheiros e escravizados, passaram a ser frequentados pelas classes médias urbanas – jornalistas, advogados, médicos e servidores públicos –, além de pessoas da elite ligadas ao governo imperial. Rodas de conversa, formadas pelos intelectuais da época, ocuparam frequentemente esses espaços, que ganharam a alcunha de cafés literários.

Durante a explosão desses novos estabelecimentos públicos, o Rio de Janeiro recebia uma importante leva de imigrantes portugueses e franceses, que fixaram residência na capital imperial. Entre as décadas de 1840 e 1880, era comum frequentar cafés com nomes pomposos, como Café de Paris, Café Francês, Café France et Brésil, Café Français, Café de Bordéos, Café Bordelaise, Café de Lyon, Café Gaulois, Café Lusitano, Café Cruz de Malta, e por aí vai.

Nomes de estabelecimentos como esses eram até mais comuns do que aqueles que privilegiavam elementos nacionais, como Café do Império ou Café Fluminense, que, por sua vez, perdiam-se em meio a referências portuguesas e francesas. Ocasionalmente, também se encontravam nomes que faziam menções à Moka ou Java – já que o Iêmen e as ilhas holandesas na Indonésia eram produtores bem mais famosos pela qualidade que entregavam do que os produzidos no Brasil para os transeuntes recém-chegados.

O uso desses espaços também replicavam o que acontecia nos cafés das principais capitais europeias. As pequenas mesinhas de mármore eram ocupadas para a leitura de periódicos nas mais diversas línguas, além de servirem de apoio para jogos como gamão, damas, xadrez e bilhar. Pequenas operetas de companhias teatrais portuguesas e francesas completavam a atmosfera cultural desses estabelecimentos comerciais.

Isso porque tornaram-se comuns os cafés-cantantes ou cafés-concerto (uma tradução literal dos estabelecimentos franceses conhecidos como café concert), onde se apresentavam operetas cômicas em meio ao apertado espaço entre as mesas. Os can-cans tornaram-se parte importante dessa atmosfera que mimetizava os cafés cabarets parisienses na capital brasileira. Can-can é uma referência direta à música
do clímax da ópera Orphée aux Enfers, do compositor alemão e residente na França Jacques Offenbach (1819-1880), paladino da opereta e um precursor do teatro musical moderno entre 1850 e 1870.

Esses ambientes de consumo público de café consolidaram-se nos principais centros urbanos brasileiros, que tomavam como modelo os cafés fluminenses. No Rio de Janeiro, os cafés-botequins foram a norma até meados do século XX. Passada a febre dos cabarets franceses, tais locais foram ocupados por artistas plásticos e músicos, transformando-se em alguns dos cafés-botequins mais importantes, redutos do samba carioca. O mais famoso deles, o Café Nice, foi frequentado por compositores como Ary Barroso, Noel Rosa, Lamartine Babo e Aracy de Almeida, entre tantos outros.

Entre os anos 1940 e 1950, sumiram quase completamente da paisagem urbana, quando a agitação e a aceleração da vida urbana se tornaram incompatíveis com este modelo de estabelecimento. Os cafés-sentado, como se tornaram conhecidos, foram substituídos pelos cafés-em-pé, longos balcões onde se tomava café apressadamente, às goladas.

Os poucos espaços que sobreviveram transformaram-se em restaurantes, lanchonetes e confeitarias requintadas, principalmente no Rio de Janeiro, onde ainda é possível vislumbrar resquícios dessa época, especialmente nos bares mais antigos. Hoje, quem visitar a cidade e sentar-se numa cadeira de madeira ou for servido em uma bela mesa de mármore, pode colocar na conta da sua memória os antigos botequins-café.

Bruno Bortoloto do Carmo é doutor em História Social pela PUC-SP, com passagem pela École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris. Pesquisador do Museu do Café de Santos por 13 anos, atualmente trabalha no Museu da Imigração em São Paulo.

TEXTO Bruno Bortoloto do Carmo • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Cafeteria & Afins

Attendant Coffee Roasters – Londres (Reino Unido)

Você iria a uma cafeteria dentro de um banheiro público? Pois uma das unidades da rede de cafeterias de cafés especiais Attendant Coffee Roasters foi criada no interior de um antigo banheiro subterrâneo em Fitzrovia, bairro vibrante e eclético no centro de Londres.

As ruas de Fitzrovia, com um ar boêmio e enorme diversidade étnica e gastronômica, abrigam desde pubs históricos até bares modernos, sendo um lugar perfeito para uma cafeteria tão inusitada como a Attendant.

Construído em 1890, o banheiro foi abandonado após os anos 1960, por várias décadas. Em 2013 e depois de uma grande reforma, dois amigos inauguraram a primeira filial da cafeteria nesse inusitado espaço.

A dupla, porém, decidiu manter as características arquitetônicas originais, como os azulejos nas paredes, o piso de ladrilho vitoriano e as cabines (mictórios) de porcelana, deixando o lugar com uma atmosfera bastante peculiar.

Nos anos que se seguiram, os sócios abriram outras cinco cafeterias, além de uma torrefação. A proposta da Attendant é ser uma pequena cafeteria, com poucas mesas e um balcão com seis lugares onde, antigamente, ficavam os mictórios. As caixas de descarga foram mantidas perto do teto (pode parecer estranho, mas logo os clientes se acostumam).

O ar de sofisticação e aconchego fica por conta dos assentos das banquetas e cadeiras, em veludo verde menta, madeira e ferragem dourada envelhecida, uma decoração retrô que combina perfeitamente com o estilo vitoriano original do banheiro.

No dia da visita, os únicos cafés servidos eram um brasileiro no espresso e um colombiano no batch brew. Assim como a maioria das cafeterias no Reino Unido, não há muitas opções de métodos de preparo, mas os grãos servidos são geralmente muito bons. Já na gôndola, as opções dos pacotes de café variam, com origens como Colômbia, Brasil, Indonésia e Quênia.

Mesa com croissant de queijo e tomate, bowl de muesli e café no batch brew, e espresso

O colombiano no batch brew foi um pink bourbon, que inaugurou lindamente a experiência – natural, aromático, encorpado, com a acidez gostosa das frutas vermelhas. Para servir de acompanhamento, um croissant bem crocante e quebradiço por fora, macio por dentro, adocicado e recheado com queijo derretido e rodelas de tomate. Na sobremesa, doçura, acidez, cremosidade e crocância, tudo em perfeita harmonia, reuniram-se no bowl de muesli com geleia caseira de frutas vermelhas, iogurte natural e pistache picado.

A finalização foi um espresso brasileiro com grãos da região da Alta Mogiana. O café – um blend dos arábicas catuaí amarelo e acaiá (esta última, uma variedade desenvolvida a partir de mutações naturais de mundo novo), de processamento natural – apresentou notas de chocolate, caramelo, baunilha e nuts. A escolha do grão foi acertada para o método – a crema, espessa e consistente, e o aroma doce já indicaram uma boa extração. Na boca, estava envolvente e cremoso, com uma acidez equilibrada e um retrogosto limpo e convidativo. Um excelente espresso.

Os cafés foram servidos em xícaras ergonômicas, duráveis e estéticamente agradáveis da marca Acme, conhecida pelo design que melhora a experiência sensorial. O serviço foi rápido, eficiente e atencioso – os atendentes não só conheciam bem os cafés como sabiam encantar quem chegava ao contar a história da cafeteria.

Aliás, contrariando esse enredo, a cafeteria não oferece banheiro para seus clientes. Outro ponto negativo é a acessibilidade: não há elevador ou rampa de acesso.

Nossa conta*: £17,30 (R$ 113, 31) + taxa de serviço
Batch brew – £3,70 (R$ 24,23)
Espresso – £3,20 (R$ 20,96)
Bowl de muesli – £5,50 (R$ 36,02)
Croissant de queijo e tomate – £4,90 (R$ 32,09)

*O valor foi convertido levando em consideração a data da visita (£1 = R$ 6,55)

A equipe da Espresso visitou a casa anonimamente e pagou a conta.

Texto originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

Informações sobre a Cafeteria

Endereço 27A Foley St. ,
Cidade Londres
País Reino Unido
TEXTO Redação

Mercado

Cafés infusionados: intervenção ou educação sensorial?

Entenda a técnica e o potencial de mercado dos cafés infusionados, que passa por experiências no Brasil

Quando se fala em inovação em cafés, logo vem à cabeça o preparo da bebida. Mas as novidades não estão apenas na ponta final da cadeia: ganhando cada vez mais espaço nas gôndolas, os cafés infusionados são a nova (e polêmica) onda nos mercados nacional e internacional, e hoje já estão presentes em cafeterias e em campeonatos de barismo.

Quando se diz que um café tem notas de frutas amarelas, geralmente o que se explora são as qualidades intrínsecas do grão, que remetem a essa família de sabores, e não a referência de que alguma fruta foi utilizada para aromatizá-lo. Diferentemente disso, para fazer os cafés infusionados acrescentam-se, na fazenda, outros ingredientes para dar sabor ao produto durante as etapas de fermentação, secagem ou descanso dos grãos. “Frutas, óleos essenciais, fragrâncias, essências, ervas aromáticas e especiarias, como cravo e canela, têm sido utilizados para infusionar sabores nos cafés”, explica Gabriel Agrelli, diretor de produto na Daterra Coffee e estudioso do assunto.

Esse tipo de processo não dá limites à criatividade e pode abrir um novo leque sensorial na xícara. E este é, justamente, o centro da questão. Segundo Agrelli, que chegou a tratar do tema em coluna na Espresso, há profissionais que acreditam que cafés infusionados podem ser uma excelente ferramenta educativa para mostrar ao cliente a presença de determinados sabores no café.

Na contramão, outros vêem o processo como uma intervenção nos sabores naturais do grão e uma ameaça às características únicas do terroir, da variedade e de seu processamento, que levaram décadas para ser compreendidas pelos consumidores. “Um grande grupo acha confuso termos que dizer, agora, que os sabores foram adicionados artificialmente ao café”, comenta Agrelli.

“A beleza, o mistério e a novidade do café é, realmente, ser fermentado pelos micro-organismos que estão nele”, defende Rosane Schwan, professora titular de microbiologia do departamento de biologia da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Em suas pesquisas com fermentação em cafés, ela usa micro-organismos do próprio terroir e inocula-os para melhorar a qualidade dos grãos.

Made in Brazil

No Brasil, o tema ainda engatinha, mas há quem enxergue um mercado com potencial. Jean Faleiros, CEO da Eldorado Specialty Coffees, na região da Alta Mogiana, tem se dedicado a estudar a técnica, bastante avançada na Colômbia. “A onda começou em fazendas que buscavam perfis de cafés que fossem muito diferentes”, conta.

Para Faleiros, várias propriedades colombianas realizam bons trabalhos a partir de infusões com frutas, como morango, maracujá e papaia, por exemplo. “Eles fazem um mosto da fruta, recolhem toda a sua microbiota e a inoculam no café, para que o sabor dessa fruta entre no fruto do café através do processo de fermentação”, explica ele. A partir desses processamentos, bem sucedidos, os cafés começaram a chamar a atenção mundo afora com seus perfis sensoriais marcantes.

Processo de ativação de levedura para introduzi-la ao cilindro de fermentação anaeróbica, na Eldorado – Foto: Eldorado Specialty Coffee

Mas, como toda moeda tem dois lados, há os que “encurtam o caminho” com substâncias sintéticas, como as utilizadas na indústria para saborizar bolos e sorvetes, para garantir sabores cada vez mais específicos e intensos. Para Faleiros, elas deixam muito sabor residual. “Esses cafés são terríveis”, opina. “Se você pegar no fruto do café, o cheiro não sai mais da sua mão”, relata. “Pense no que pode trazer de mal para a saúde? A partir do momento em que você vai para o processo biológico, de infusões naturais, aí tudo bem”, questiona ele, que é contra o processo de infusão com químicos.

Nas propriedades da Eldorado Specialty Coffees, Faleiros e sua equipe fizeram testes com mamão papaia, maracujá, limão e manga. “Deixamos a manga em um líquido durante 15 ou 20 dias para criar aquele mosto bem grosso, bem inoculado com as leveduras e bactérias da fruta”, explica. O mosto e os frutos cereja do café, com ou sem casca, foram, então, colocados em um biorreator para sofrerem fermentação por 48 a 60 horas, sem oxigênio, para aumentar a pressão. “O tempo, você determina”, detalha. Os resultados desse processo ainda não saíram (pois os cafés estavam na secagem até o fechamento da revista), mas Faleiros está otimista. “Acredito que vamos conseguir trazer esses sensoriais para o café”, projeta.

Na Região de Garça (SP), o Q-Grader do Garça Armazéns, Johnny Ferreira, também já fez experimentos para conferir de perto o potencial da técnica. E pretende retomá-los. Os resultados da primeira empreitada foram satisfatórios: “Antes, os cafés beberam 80 pontos”, diz ele, referindo-se aos cafés de corpo licoroso, acidez e doçura baixas e sabores leves. No final da infusão, beberam de 82 a 83 pontos. “Tivemos uma pequena mudança na acidez e no sabor”, analisa.

Fermentação em sacos plásticos de mundo novo com maracujá – Foto: Johnny Ferreira

Ferreira escolheu frutos da variedade mundo novo e fez infusões com três frutas – laranja, maracujá e abacaxi (este último, acompanhado de hortelã). Em cada saco de 60 kg, ele colocou 40 kg de café cereja – lavado e seco em terreiro suspenso por um dia – e 5 kg de uma das frutas. Essas misturas fermentaram por 150 horas nos sacos, lacrados e conectados por mangueiras a garrafas plásticas, usadas para eliminar os gases gerados no processo fermentativo. Por fim, os cafés voltaram ao terreiro suspenso, onde permaneceram por 25 dias.

Para entender se o perfil sensorial se manteria ao longo do tempo, os cafés foram provados em vários momentos, seguindo o padrão SCA (Specialty Coffee Association). “Ele se manteve por seis meses, mas, logo depois, seus atributos foram se perdendo”, conta Ferreira.

Experimentos feitos por Ferreira: café no terreiro secando com pedaços de abacaxi – Foto: Johnny Ferreira

Situação parecida aconteceu na Fazenda Guariroba, em Santo Antônio do Amparo (MG), região de Campo das Vertentes. O proprietário, Gabriel Lamounier, conta que este ano recebeu o dono de uma torrefação da China que estava interessado em infusionar café com limão a fim de melhorar a acidez da bebida.

Para a tarefa, foi escolhido um catuaí amarelo, de colheita manual seletiva, que passou por separação hidráulica para que, no descascamento, o máximo da mucilagem fosse preservada. Depois, o café foi colocado em um biorreator com leveduras e 20 kg de pedaços de limão. A mistura ficou em infusão por 48 horas. Depois de retirado, o café secou em terreiro suspenso na sombra. Segundo Lamounier, o objetivo de equilibrar a acidez foi alcançado, mas o sensorial de limão não foi persistente. “O grão verde ficou com aroma bem cítrico, de limão, só que quando o torramos e o colocamos na mesa de provas, esse limão desapareceu”, relata.

Este não foi o único contato recente de Lamounier com cafés infusionados. Em viagem à Europa, o produtor brasileiro notou o crescente mercado do produto. “Na França, vi muitos infusionados com frutas, como uva, maracujá e até melancia. Provei esses cafés e o sensorial [proposto] estava bem presente”, destaca. Mas, para ele, é justamente a clareza dessas notas que levanta a bandeira vermelha. “Eles [alguns produtores] vendem o processo de que fazem uma infusão colocando frutas, mas acredito que não seja somente isso”, opina. “Nós já tivemos exemplos aqui de que, sensorialmente, elas não ficam tão presentes assim”, completa ele.

Sobre a utilização de pó de frutas desidratadas para ressaltar as notas desejadas na bebida, como acontece em algumas propriedades na Colômbia, Lamounier considera: “Provei esses cafés e não gostei, achei que tem um sensorial muito artificial”. Na Europa, porém, há quem pareça gostar. “Estão vendendo esses cafés colombianos a 30 euros o quilo”, relata ele, sobre o que viu em sua visita à Grécia em 2023, na feira internacional World of Coffee.

Valor agregado

Com potencial sensorial atrativo, Ferreira confia que os cafés infusionados artesanalmente têm mercado no Brasil. “Este processo trouxe mais qualidade ao grão”, afirma. “Apesar de muito trabalhoso, vale a pena tentar fazê-lo novamente, pois o valor agregado na venda acaba sendo significativo”, opina. Para Faleiros, os cafés infusionados vieram para ficar, mas ainda há muito a ser estudado e aprimorado. “Vou visitar algumas fazendas na Colômbia que estão fazendo trabalhos magníficos, para que, na safra de 2025, a gente possa vir com opções de cafés infusionados para oferecer aos nossos clientes”, planeja.

Referência para Faleiros, a Colômbia – terceiro maior produtor de arábicas – já dá sinais de excelência na produção de infusionados. “O país está bem avançado no desenvolvimento de processamentos de infusionados”, comenta Agrelli. “No Brasil, o assunto ainda é tabu entre os produtores.”

Um dos processos de fermentação anaeróbica em tambor, na Eldorado, com água, suco de limão, caldo de melaço, pedaços de limão, levedura e café arara – Foto: Eldorado Specialty Coffee

É do solo e de mãos colombianas que surgiu um dos melhores cafés infusionados já provados pela equipe da Zest Specialty Coffee Roasters, torrefação australiana que trabalha com este tipo de grão desde 2021. “Compramos nossos primeiros cafés infusionados da Colômbia, do produtor Jairo Arcila”, conta Simon Gautherin, gerente de qualidade da Zest. “Eram, de longe, os melhores cafés infusionados que havíamos experimentado na época e vimos potencial no nosso mercado.”

Os infusionados já caíram nas graças dos australianos. “Eles permitem que as pessoas diferenciem sabores específicos que, de outra forma, não seriam capazes de identificar”, pontua ele. “Acreditamos que eles também desempenham um papel importante nas misturas de cafés à base de leite, que é o que os australianos mais consomem”, defende.

Para Gautherin, a demanda continuará a crescer, pois a qualidade deles melhorou. “Todos os lançamentos que fizemos foram extremamente bem sucedidos”, destaca, dando como exemplo a edição Summertime, uma combinação de quatro grãos (Peru, Honduras e dois infusionados da Colômbia) e um dos blends sazonais de maior sucesso da empresa. “O feedback das cafeterias e dos consumidores foi muito bom e acho que isso nos ajudou a aumentar a conscientização [do consumidor] sobre o café especial e a atrair mais pessoas para o nosso mundo de sabores”, conta.

Edição Summertime da Zest Specialty Coffee Roasters – Foto: Divulgação

Outro ponto positivo da técnica, acredita ele, é permitir que o cafeicultor melhore a qualidade de seus cafés a um custo mais baixo. “Incentivamos a inovação, especialmente se ela beneficiar produtores, cafeterias e consumidores, desde que haja transparência na cadeia de valor”, posiciona-se.

Além da Austrália, há demanda por cafés infusionados nos Estados Unidos e na Europa. Mas o gigante mercado asiático também dá sinais de interesse. Quem confirma essa percepção é Daniel Vaz, atual campeão brasileiro de barista e sócio da Five Roasters (RJ). Ele, que cruzou o globo este ano para disputar o mundial da categoria, viu de perto a cena cafeeira em um dos maiores mercados consumidores do continente, a Coreia do Sul. “A maioria das cafeterias em que estive serve cafés infusionados”, pontua.

A busca crescente por este café de sabor marcante tem diferentes explicações, e entender o fenômeno passa pelo fator geracional. “A nova geração de coffee lovers, que está começando agora no café especial, quer tomar um café e sentir, realmente, o gosto que está descrito na embalagem”, analisa Faleiros. “Claro que essa tendência não é para café de volume, é para fazer experiências. Por isso, vamos continuar estudando a técnica para cada vez mais melhorarmos nossos processos”, planeja o CEO da Eldorado.

Apesar de popular em outros lugares do mundo, o consumo de infusionados no Brasil é um terreno desconhecido. Há quem acredite em um mercado – ainda pouco explorado – para este tipo de grão, como é o caso de Ferreira e Faleiros, e há quem ache que o perfil sensorial obtido com o processo não é a praia do brasileiro. “No cenário nacional, acho difícil a demanda por esses cafés, que ainda é pequena. Por tradição, o brasileiro aprecia o sensorial de chocolate”, reflete Lamounier.

O incansável debate

Apesar de pouco comentado e testado no Brasil, o assunto é ampla e intensamente debatido no exterior. Nas feiras de café, é possível encontrar estandes de diferentes marcas exibindo cafés infusionados. “Ao mesmo tempo, na última edição da World of Coffee, na Dinamarca, algumas pessoas caminhavam pela feira com um emblema ‘infused’ riscado com um X, em sinal de protesto”, relata Agrelli.

O clima polarizado também foi captado por Vaz na edição da mesma feira em Busan, na Coreia do Sul. “Muitas pessoas apresentaram opções de infusionados, enquanto outras fizeram bottons e camisetas escrito ‘no infused’”, conta o barista.

Foto: Agência Ophelia

Os campeonatos de café são um termômetro das tendências do grão no mundo, e com os infusionados não é diferente. “De dois anos pra cá, tem sido uma tendência nos mundiais, pela clareza na percepção das notas sensoriais”, opina Vaz.

Para alguns competidores, utilizar esse tipo de grão pode ser uma estratégia para ganhar pontos em suas apresentações, uma vez que as notas relatadas por eles provavelmente estarão bem claras nas xícaras entregues aos juízes. Na dúvida, nas competições mundiais de 2024, a World Coffee Events – que organiza e supervisiona esses campeonatos – decidiu restringir o uso de ingredientes aromatizantes no café. “Se forem adicionados durante o processamento ou antes de os grãos serem secos, não há problemas”, esclarece Agrelli.

Em meio à polarização de opiniões, não restam dúvidas de que este é um assunto que ainda vai gerar desafios para o setor, principalmente quanto à comunicação entre produtores e compradores, mercado e consumidores. “É um processo que precisa estar muito claro”, pontua Vaz. Ainda há muitos capítulos desta novela pela frente, mas o cenário indica que a indústria está longe de chegar a um consenso – se é que um dia chegará.

Para saber mais: Transparência

Apesar de polêmica, a técnica de infusionar cafés é válida, mas pode tornar-se um problema caso não seja bem esclarecida. “Existem muitos casos sendo reportados de produtores que realizam infusões nos cafés, porém os comercializam como se estes sabores fossem naturais”, diz Agrelli, apontando que isso tem gerado revolta nos compradores, que se sentem enganados por seus fornecedores.

Foto: Agência Ophelia

Para ele, a transparência é um importante valor na indústria do café, sendo essencial que compradores tenham informações verdadeiras e claras para que possam tomar decisões alinhadas com o que acreditam. “E para que paguem aquilo que estão dispostos a pagar, pelos produtos que querem comprar”, complementa o diretor da Daterra.

Além de questões éticas, o assunto pode ser uma questão de saúde. É o que alerta Schwan. “Essas fermentações em que estão colocando algum produto têm que ser melhor verificadas”, aponta. “Se você está colocando uma fruta, essa fruta está isenta de fungos filamentosos? Fungos que são patogênicos ao homem?”, questiona. Ela, que estuda o tema há 28 anos, utiliza em suas pesquisas micro-organismos selecionados que combatem este tipo de fungo, garantindo, assim, que o café fermentado esteja livre de toxinas. “Nesses cafés infusionados com frutos durante a fermentação, se não tiver certeza de que são frutos saudáveis, você pode estar inoculando mais açúcar, e, se o ambiente for aberto, podem crescer bactérias e fungos patogênicos”, esclarece.

Quando se trata de regulamentação, a química Camila Arcanjo, mestre em alimentos no Laboratório Co.F.Fe.C.C.I.Na, explica que não há uma legislação específica para processamentos de café in natura. De acordo com ela, a RDC 716/22 da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], que diz que cafés que receberam aditivos alimentares aromatizantes devem especificar sua saboraização na embalagem, se aplica apenas aos torrados. “A Anvisa não legisla sobre café cru. Não existe nada na nossa legislação sobre isso”, comenta ela.

Fermentado x infusionado x saborizado

Existem diversas formas de fermentar cafés sem infusionar. “São conceitos diferentes”, esclarece Agrelli, que destaca que nem sempre adicionar ingredientes ao produto pós-colheita caracteriza infusão. Muitas vezes, as fermentações têm adição de leveduras, fungos ou outros micro-organismos apenas para potencializar a ação enzimática, não para transferir sabores específicos. “Elas simplesmente aceleram ou auxiliam nos processos fermentativos, que podem, sim, criar compostos voláteis e sabores que agregam complexidade ao café. Mas isso não seria uma infusão de fato. É bem diferente de se estar adicionando aromatizantes, fragrâncias etc.”, afirma.

Mas é possível infusionar o café durante a fase da fermentação. Alguns produtores fazem uso de frutas, mosto ou caldo de cana como forma de agregar mais açúcares e potencializar a fermentação. “Neste caso, o café é chamado de cofermentado, o que não deixa de ser, também, uma das formas de infusão de sabores possíveis”, completa.

Já os cafés saborizados são aqueles que recebem aromatizantes artificiais durante ou após a etapa da torra. Geralmente este processo é aplicado a cafés de qualidade inferior.

Texto originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Gabriela Kaneto

A hospitalidade na experiência do café especial

Quando pensamos em uma xícara de café especial, imediatamente nos vem à mente a qualidade dos grãos, o terroir e o método de extração. Mas há um elemento crucial que, muitas vezes, passa despercebido e que é de extrema importância: a hospitalidade. Este aspecto essencial não só complementa a experiência de tomar a bebida como pode transformá-la completamente.

Talvez você imagine que hospitalidade é, simplesmente, ser educado e eficiente. Mas precisamos distinguir o serviço da hospitalidade. Serviço, por definição, é sobre eficiência e competência. Já a hospitalidade envolve a criação de uma conexão emocional, oferecendo uma experiência acolhedora e personalizada ao cliente.

No mercado de cafés especiais, em que ainda estamos em um processo de desenvolvimento e a expectativa dos consumidores é alta, a hospitalidade pode ser o diferencial que cativa e fideliza o cliente. Imagine entrar em uma cafeteria e, durante o serviço, não só receber um café impecável, mas ter seu nome lembrado, assim como suas preferências, fazendo você se sentir em casa. Esse nível de cuidado e atenção cria em você uma memória afetiva, algo que nenhuma máquina ou aplicativo pode substituir. Em tempos em que a impessoalidade predomina, esse toque humano torna-se um oásis.

A hospitalidade começa no momento em que o cliente cruza a porta do estabelecimento. Pode ser um sorriso genuíno, um rápido “bom dia”, ou, até mesmo, uma conversa casual sobre a procedência do café que ele está prestes a provar. Pequenos gestos que demonstram empatia e interesse genuíno fazem uma diferença enorme. E é essa conexão que transforma um cliente em um embaixador apaixonado por uma marca.

Para construir essa cultura de hospitalidade, cada membro da equipe deve estar alinhado e comprometido com esse objetivo. O treinamento desse time não deve se limitar apenas a métodos de preparo de grão, mas, também, a habilidades interpessoais e de atendimento. Um bom exemplo disso é identificar e antecipar as necessidades dos clientes, muitas vezes antes mesmo que eles percebam. Isso cria uma experiência proativa e personalizada, que é memorável e gratificante.

Por essas e outras é que o impacto da hospitalidade vai além da satisfação do cliente, alcançando resultados financeiros. Clientes que se sentem bem-vindos tendem a retornar com frequência, a recomendar a casa para os amigos e familiares e a falar dela positivamente nas redes sociais. Tudo isso contribui para um marketing boca-a-boca poderoso e eficaz.

Mas fica aqui uma provocação: estamos realmente colocando a hospitalidade no centro de nossas operações? Num mercado de cafés especiais, em que cada detalhe conta, estamos treinando nossas equipes para serem não apenas baristas, mas verdadeiros anfitriões? Nossas cafeterias e negócios de café oferecem um ambiente onde cada cliente sente-se, realmente, acolhido?

Incorporar a hospitalidade num negócio exige esforço contínuo e o compromisso de todos os níveis da empresa. Todos devem compartilhar essa visão e trabalhar juntos para torná-la uma realidade cotidiana. Por isso, a liderança é crucial: proprietários e gerentes devem dar o exemplo, mostrando, na prática, o valor de um atendimento humanizado e caloroso.

Cafés de qualidade são veículos de conexão. Eles aproximam pessoas, criam momentos de descanso, de reflexão ou de interação. Ao agregar a hospitalidade a essa experiência, estaremos potencializando o impacto e transformando uma simples visita à cafeteria em um evento significativo.

Então, vamos repensar nossas cafeterias não só como lugares que servem café, mas também como locais de acolhimento, onde cada cliente é valorizado. A hospitalidade, portanto, é a chave para transformar a experiência dos cafés especiais, e essa transformação começa com cada um de nós.

TEXTO Caio Alonso Fontes • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Mercado

Existe cacau em SP

O cultivo do fruto amazônico, realidade no estado paulista, desperta a atenção das grandes indústrias e dos pequenos chocolateiros

Quando se fala em cacau brasileiro, a primeira região que vem à mente é o Sul da Bahia, imortalizada em obras de Jorge Amado e nos livros de história, que retratam a época áurea do cultivo nos anos 1920 e o
abrupto declínio no fim da década de 1980, quando a vassoura-de-bruxa devastou quase 80% do plantio. Quando parecia que o fruto tinha perdido protagonismo no Brasil, eis que a Bahia volta a tomar fôlego e a região norte dá notoriedade ao cacaueiro em seu berço, a Amazônia, em plantio que reúne volume e qualidade.

Mas como o Brasil está longe de ser autossuficiente em cacau e a disparada de seu valor tem sido motivo de preocupação mundial, novas frentes de produção fora das áreas tradicionais têm sido vistas com ótimos olhos. Aí é que São Paulo entra com força.

Depois de investidas pontuais no cultivo de cacau na década de 1970, o que parecia um sonho duvidoso
tornou-se realidade para cerca de 40 agricultores do estado. As apostas para ver o fruto do chocolate florescer com sotaque paulista vêm principalmente do programa Cacau SP.

O programa é um protocolo de cooperação entre Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA), por meio da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) e da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), e Ministério da Agricultura e Pecuária. Além de apresentar tecnologia no campo e capacitar produtores e técnicos, o programa se propõe a unir elos da cadeia, aproximando pesquisadores e compradores dos produtores.

Começa no Planalto

Iniciado em 2014 de forma experimental no Planalto Paulista para compensar a perda de valor das seringueiras e trazer o plantio do cacau em formato de consórcio, o programa hoje comemora os cerca de 300 hectares de cacaueiros nesta região, que fica no noroeste do estado.

Conhecido pela pecuária e pela produção de cana-de-açúcar e laranja, o Planalto Paulista tem clima quente e de baixa umidade, o que se torna um desafio ainda maior para um cacau bem-sucedido. Mas é aí que os conhecimentos técnicos entram em cena.

Além das seringueiras, atualmente são as bananeiras que se destacam no modelo consorciado. “Como a região tem insolação muito forte, as bananeiras fazem o sombreamento inicial para entrarmos com as mudas de cacau”, explica Carlos Eduardo Rosa, engenheiro agrônomo da CATI de São José do Rio Preto. “Além disso, as bananeiras auxiliam na proteção do vento e são outra fonte de renda para o agricultor”, completa.

Tão importante quanto esses aspectos é a irrigação, indispensável para tornar o cacau viável no Planalto. “Temos um inverno seco muito bem definido, que coincide com a época de enchimento de fruto, então precisamos de irrigação para suplementar essa falta d’água”, detalha Rosa.

Ainda é cedo para se falar em terroir, mas as variedades mais indicadas pelo programa para o Planalto já são encontradas em grande parte do Brasil: a CCN 51 e a PS 1319. Ainda não se sabe se, em terras paulistas, esses frutos ganham diferentes características. “Por enquanto, não temos um perfil sensorial bem definido, pois as novas áreas plantadas estão começando agora e a produção vai depender da época da colheita. Como tudo é muito novo, vamos devagar”, diz o agrônomo.

Quem está aguardando ansiosamente seus frutos é Mônica Munhoz, produtora agrícola no município de Palmares Paulista que, após quatro anos de plantio, vai poder colher seu próprio cacau este ano. “Optei por uma nova cultura, para não ficar tão dependente da seringueira nem da cana-de-açúcar e que fosse interessante para a família”, revela Mônica, que hoje tem 10 mil pés concentrados em seis hectares (juntamente com bananeiras, claro).

Mesmo ainda sem suas amêndoas em mãos, Mônica já recebeu a visita de grandes indústrias, como Barry Callebaut e Puratos. “A CATI, além da assessoria inicial, tem trazido pessoas importantes do mercado, o que abre inúmeras possiblidades”, relata a produtora que, em paralelo, dedica-se com a família à marca de chocolates Therê. Por enquanto, sua fabricação só leva as amêndoas secas e fermentadas da Bahia. “Mas a partir de agosto teremos nosso chocolate paulista”, diz.

Em direção ao Vale do Ribeira

A nova aposta do Cacau SP é a região do Vale do Ribeira, no sul do estado. Já há cultivos antigos na região – cerca de 300 hectares –, mas a intenção do programa na área, lançado em abril deste ano, é revigorar o que já existe, com conhecimento técnico e tecnológico, além de ampliar a área cacaueira. E potencial não falta.

Diferentemente do Planalto Paulista, o Vale do Ribeira tem clima quente e úmido na maior parte do ano, com grande área de Mata Atlântica, o que dispensa o uso de irrigação. “O Vale é mais parecido com a Bahia, com o sistema cabruca”, conta Bruno Lasevicius, presidente da Associação Bean to Bar, sobre o modelo de plantio do cacaueiro em meio à mata nativa.

Ele, que também é dono da marca de chocolates Casa Lasevicius, em São Paulo, acredita que a região tem vocação para o cacau fino, ideal para chocolates artesanais de qualidade. “No Vale do Ribeira, os materiais são mais antigos, menos produtivos, mas possuem variedades interessantes”, explica ele, que lançou em 2023 cinco chocolates com o fruto paulista, sendo um de Olímpia, no Planalto, e o restante de Itariri e Pariquera-Açu, no Vale. “Deu para ver o potencial do cacau, mesmo sem a experiência do cacau fino”, conta o chocolateiro, que aguarda a nova safra paulista.

Outra chocolateira que deposita suas fichas no Vale do Ribeira é Denise Aruquia, da Pé de Chocolate, também na capital. Uma de suas criações, o chocolate Cacau de São Paulo, é feito com café da Mogiana e cacau cultivado por seu pai, Adenor Luiz, no sítio da família em Itariri. “Ele plantou as sementes trazidas da Bahia por um amigo e, em 2020, teve sua primeira colheita”, relembra.

Foto: Agência Ophelia

Depois de participar de cursos, Denise, que já era chef confeiteira, decidiu aproveitar o rico fruto para
dar vida a chocolates e abriu sua própria marca. “A produção do meu pai é pequena, então, tenho de comprar de outros produtores, mas o chocolate de São Paulo é o mais vendido”, conta Denise, que dá seu palpite sobre as características sensoriais do cacau: “O paulista tem a amêndoa mais escura e cheiro intenso de caramelo. Traz um pouco de adstringência e é mais seco em manteiga de cacau, diferentemente do cacau amazônico, que tem mais acidez e mais manteiga.”

Enquanto o cacau paulista vai tomando corpo, a curiosidade dos chocolateiros paulistanos só aumenta. A chocolatière Priscyla França, de marca homônima de chocolates bean to bar, na zona sul da capital paulista, está em contato com produtores locais. “Já quero começar a usá-lo”, adianta ela.

Arcelia Gallardo, da Mission Chocolates (SP), teve uma bela experiência com o fruto cultivado em Ilhabela, no litoral norte paulista, em 2017, quando fez uma barra 72%. Com notas de bolo de chocolate e acidez cítrica, ganhou medalha de bronze no Academy of Chocolate de 2017. “Só não usei outras vezes porque não tinha produção suficiente, mas gostaria de ter de novo”, revela.

Também vale mencionar as vantagens do cacau paulista frente às produções de outros estados. “A proximidade entre chocolateiro e produtor é algo positivo, assim como a facilidade logística e a questão tributária”, opina Lasevicius.

E, para os produtores, as benesses vão além do chocolate. “O cacau traz crescimento econômico para a região, pois é cultura de alto valor agregado”, pontua Rosa. Além disso, traz benefícios sociais. “São gerados muitos empregos; e há o benefício ambiental, já que é uma planta perene e que permanece vários anos no solo”, ensina.

Ainda há muitos frutos para São Paulo colher pela frente. O programa Cacau SP já tem um projeto de expansão em Caraguatatuba e Ubatuba, no litoral norte, onde existem cultivos da década de 1970 carentes de desenvolvimento.

E nada impede que o cacau apareça em novas áreas do estado. “São Paulo tem uma vocação para a fruticultura, por isso acreditamos que o cacau se adaptará muito bem com outros produtos”, explica
Rosa. Além disso, continua ele, exceto pelas regiões mais frias, o clima do estado é propício, de temperaturas altas e com bons níveis de volume de chuva ao longo do ano. “Esses fatores vão colocar o estado paulista como um dos grandes players de cacau no Brasil”, aposta.

Na merenda

Em parceria com a CATI, a cidade de Mendonça, no Planalto Paulista, criou o projeto Rota do Cacau, no fim de 2023. Além do foco no turismo rural sustentável e no desenvolvimento agrícola da região, o projeto incluiu o chocolate na merenda escolar. Quinzenalmente, as crianças das escolas municipais passaram a receber uma porção de 20 g de chocolate 50% cacau, feito com nibs e açúcar demerara, como um alimento funcional.

Saiba mais

Não é de agora que o Estado de São Paulo se interessa pelo plantio extensivo de cacaueiros. As primeiras tentativas são de 1950, em Caraguatatuba, na propriedade da indústria de chocolates Lacta. “Tentou-se  implantar o cultivo de cacaueiros valendo-se tão somente de técnicas recomendadas a outras regiões cacaueiras do país”, diz Fausto Joaquim Coral, 90 anos, ex-diretor do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e destacado, em 1962 pelo instituto, para dedicar-se integralmente ao cultivo da planta.

A prioridade, por tradição e facilidade, diz ele, foi estudar cientificamente o cacaueiro nas condições de floresta – na Mata Atlântica do Vale do Ribeira e do Litoral Norte. Depois, sob diferentes condições de manejo, na Baixada Santista e, nos anos 1970, no Planalto Paulista, implantando projetos de pesquisa em cidades como Ribeirão Preto, Mococa, Pindorama, Bebedouro, Adamantina e Alvilândia, entre outras. “Os resultados obtidos com essas pesquisas demonstraram fartamente que o plantio tecnificado do cacaueiro em várias áreas potencialmente aptas do Planalto Paulista se justificava como alternativa economicamente viável e promissora”, relembra Fausto.

Em 1984, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo implanta um projeto de cacau para o estado, o PECASP (Plano de Expansão da Cacauicultura em São Paulo), tecnicamente apoiado pelo IAC e pelo CATI. “O Banco do Brasil daria apoio financeiro para financiar as lavouras, como se procedia em outras áreas do território nacional”, explica o cientista, lembrando da desistência posterior do banco no projeto. “Os agricultores paulistas tiveram, a contragosto, que recuar em suas metas e pretensões”, conclui. 

Agora, em 2024, São Paulo retoma as antigas pretensões de poder, também, se projetar como região produtora de cacau. “Acho que agora o estado está mais forte e apto, e espero melhores atenções por parte das instituições financiadoras”, anseia Fausto. (por Cristiana Couto)

Texto (exceção ao box “Saiba mais”) originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Beatriz Marques
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