Coluna Café por Convidados Especiais

Do campo à xícara, profissionais convidados refletem sobre o setor

A receita de sucesso dos cafés prontos para beber nos Estados Unidos: quais são as oportunidades para o mercado brasileiro?

O café RTD (Ready-to-drink, em inglês) é hoje o principal formato de crescimento para a categoria de café no varejo nos Estados Unidos. Isso é altamente incomum e inspirou pessoas ao redor do mundo a perguntar se o sucesso do segmento americano de RTD pode ser replicado em seus próprios países.

O café RTD tem sido uma categoria que historicamente tomou formas muito diferentes em todo o mundo. No Japão era tradicionalmente vendido em latas, barato e muito focado em funcionalidade, enquanto na Europa tendia a ser fortemente moldado pela indústria de laticínios, com base no leite e geralmente encontrado em recipientes de plástico.

O café RTD norte-americano não provém de nenhuma dessas abordagens. Ele surgiu quando a PepsiCo começou a trabalhar com a Starbucks nos anos 90 para disponibilizar bebidas populares da Starbucks nos canais de varejo. Essa ideia básica de tornar o café RTD uma extensão do café no varejo continua sendo o cerne da abordagem norte-americana do café, aceita tanto pela PepsiCo quanto por seus principais rivais.

Mas, isso não foi suficiente, por si só, para criar as taxas de crescimento explosivo vistas nos últimos anos. Na verdade, exigiu alguns fatores adicionais.

O segredo do sucesso para o café RTD nos Estados Unidos

O rápido crescimento do café RTD norte-americano aconteceu devido a três tendências que aconteceram ao mesmo tempo: mudanças nas tendências de saúde que prejudicaram muitas outras categorias de bebidas frias, anos de cafeterias estimulando agressivamente as opções de café frio e grandes investimentos de empresas locais. Foi a combinação das três tendências ao leia mais…

TEXTO Matthew Barry e Angelica Salado • ILUSTRAÇÃO Lovatto

União entre baristas e produtores

Você já deve ter ouvido falar que os países são classificados como “produtores” ou “consumidores” de café especial. Desse modo, existem aqueles com condições geográficas e climáticas adequadas para o cultivo da planta, assim como Brasil, Colômbia, Etiópia, Quênia – os “produtores” –, e países que precisam importar os grãos, os “consumidores”. Particularmente, como barista brasileira, acredito que essa distinção não seja tão simples. Segundo pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), o consumo de cafés especiais no Brasil cresceu 15% em 2017, e tende a aumentar ainda mais nos próximos anos*. Assim, nós brasileiros, estamos em uma situação privilegiada: vivemos lado a lado com a produção de café e também consumimos café de qualidade.

Quem começa a se especializar em café especial, seja barista, provador, ou ainda um consumidor entusiasta, logo ouve falar das nossas regiões produtoras, dos nomes das variedades mais comuns, dos processos de fermentação e secagem mais praticados. E a melhor parte: podemos fazer visitas e acompanhar tudo isso de perto.

Em minha vivência no Lucca Cafés Especiais, em Curitiba (PR), tive contato com produtores de cafés de várias regiões, já que compramos os grãos verdes direto das fazendas, torramos e os comercializamos. Em 2015 passei a viajar mais e conhecer pouco a pouco os processos de leia mais…

TEXTO Camila Franco • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

O mercado continua o mesmo?

Para falar da evolução do mercado de café no Brasil nos últimos quinze anos, é necessário separar o mercado de café comercial do mercado de café especial. Os cafés comerciais são vendidos nos supermercados e os únicos critérios para sua aquisição por parte do público são, em geral, o preço e a marca. Não é de estranhar portanto, que sejam cafés de qualidade inferior e resultado de processos produtivos deficientes e de resíduos da exportação. Há quinze anos essa era a única opção para o consumidor brasileiro.

Os cafés especiais, por sua vez, são fruto de processos mais criteriosos, como designação de origem e rastreabilidade, o que resulta em melhor qualidade e, consequentemente, preços mais altos. Os especiais eram inacessíveis, ninguém conhecia a palavra barista, espresso era escrito com “x”, e, embora já se soubesse que os bons cafés eram mandados para fora do País, ninguém se importava muito com isso. O surgimento dos “coffee lovers” foi, sem dúvida, a principal conquista desse período. As pessoas passaram a se interessar por métodos de preparo, nuances de acidez, amargor, doçura, leia mais…

TEXTO Emílio Rodrigues • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Muito além da xícara: a reinvenção do café solúvel no Brasil

Cápsulas. Grãos. Cafés premium. Certificação de origem. 100% arábica. Cafeterias. Não faltam exemplos de termos relacionados à indústria do café que ganharam relevância ao longo dos últimos anos e que indicam que a oferta e a demanda miravam outros atributos de produto e diferentes ocasiões de consumo da bebida ao longo do dia dos brasileiros.  

No oposto deste cenário, o mercado externo para café solúvel mantém o Brasil como um dos principais exportadores, abastecendo importantes países como Estados Unidos, Japão, Rússia, Indonésia e Argentina. A diversificação das ocasiões de consumo e um reposicionamento do produto em alguns destes mercados contribuíram para manter aquecida a demanda mundial. Mas como traduzir este potencial de demanda no mercado brasileiro?

Entre 2013 e 2018, o Brasil registrou uma taxa média de crescimento anual de menos de 1% em volume de vendas de café solúvel no varejo, inclusive com declínio em alguns subtipos, como os descafeinados. De acordo com a ferramenta Industry Forecast Model da Euromonitor International, capaz de quantificar a importância de cada fator na demanda atual e futura leia mais…

TEXTO Angelica Salado, Consultora, Euromonitor International

Espresso é com “s”

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Relato: quando comecei a trabalhar como barista, em 2000, uma mulher entrou na cafeteria e bradou “é um absurdo escreverem errado nossa língua no cardápio!!”. Perguntei onde estaria o erro, ao que ela respondeu “espresso é com ‘x’!” e foi embora resmungando palavras incompreensíveis. Antes que ela pudesse passar pela porta, perguntei se ela gostaria de ouvir o motivo por que usávamos aquela grafia. Ela olhou para mim contrariada, mas consentiu com a cabeça. Expliquei. Algo muito parecido com o que escreverei logo abaixo. Ela simplesmente fez uma careta e foi embora. Lembro ter pensado enquanto a via cruzar a porta: cada um tem o expresso ou espresso que merece…

Usamos a grafia original de vários produtos com muita naturalidade, como cappuccino, por exemplo. Jamais sentimos falta de uma versão aportuguesada de vários dos termos que são usados em milhares de cardápios pelos restaurantes, padarias e cafeterias do Brasil. Então, por que o uso da grafia original de eSpresso causa tanta polêmica e incômodo em clientes desavisados e editorias de revistas e jornais?

Para seu azar, a palavra eSpresso tem, foneticamente, um irmão gêmeo em português – expresso. Um dos significados da palavra eXpresso em português coincide com um dos significados da palavra eSpresso em italiano, qual seja, rápido. O problema reside no fato de que não é por isso que a palavra eSpresso passou a ser usada como substantivo deste método específico de preparo de café. Mas outro significado italiano:

2 gerg. Di cibo o bevanda preparati di volta in volta e rapidamente per chi li ordina: caffè e.; piatto e.; maccheroni espressi

A palavra eSpresso é usada na gastronomia em geral, para designar tudo aquilo que é preparado no momento do pedido, rápida e especialmente para quem pede. Os baristas italianos sempre ficam bravos quando se deparam com definições diferentes desta. Sr. Ernesto Illy, também explica o uso da palavra dizendo “on the spur of the moment”.

Certa vez, numa aula de espresso realizada na convenção anual da SCAE – Speciality Coffee Association – um barista, muito bravo, levantou-se e perguntou para todos na sala se sabíamos o significado da palavra. Depois da explicação “por ser sob pressão”, ele, mais bravo ainda, explicou o mesmo que os parágrafos anteriores explicam e pediu que divulgássemos o significado correto do termo e o porquê de seu uso.

A tão famosa pressão (da água), citada em algumas definições criadas, é um dos parâmetros mais importantes do espresso e um daqueles que diferenciam esta bebida de outros tipos de preparo de cafés. Mas, por si só, não explica o uso da palavra com ’s’, mesmo que a raiz da palavra italiana tenha a ver com isso, somente a raiz!

A origem da bebida se deu pela rapidez!! Os cafés individuais, preparados aos milhares e rapidamente são a origem do que conhecemos hoje como espresso, antes mesmo da primeira máquina Gaggia surgir. Nesta época, os cafés espressos ou os chamados “caffé express” eram um meio termo entre o coado e o espresso, ainda sem crema, preparados em enormes filtros de metal se comparados aos maiores que usamos atualmente. Vejam que nos dois pôsteres da Vitória Arduino, do início do século 20, as alusões eram à rapidez.

No dicionário italiano, espresso também significa rápido. Como baristas, jamais devemos nos esquecer que este método deve, sim, ser preparado com agilidade, sem demora. E, independente da grafia, nosso compromisso deve ser com a técnica, com a escolha dos grãos e equipamentos e, mais importante, com o cliente que o consome. Eu continuo a preparar, tomar e servir eSpressos!

*Isabela Raposeiras é barista e proprietária da cafeteria e torrefação Coffee Lab, em São Paulo (SP). Fale com a colunista pelo e-mail colunacafe@revistaespresso.com.br

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses setembro, outubro e novembro de 2014 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Isabela Raposeiras • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Os cinco países mais promissores para o café

Muitas empresas acreditam erroneamente que mercados maduros não oferecem oportunidades para novas marcas. No entanto, o café pode apresentar muitos espaços para inovação em diferentes canais e formatos, mesmo em mercados maduros onde a concorrência é alta. O estudo “Cinco Mercados Mundiais mais Promissores em Café”, apresentado durante a Semana Internacional do Café 2018, analisa os maiores mercados de café do mundo – Brasil, Estados Unidos, Indonésia, Alemanha e Japão – e apresenta tendências de crescimento distintas em cada um deles.

As ondas do café
Ao contrário do que acontece com a maioria das categorias de alimentos e bebidas, o mercado de café, felizmente, tem passado por constantes ciclos de reinvenção. As chamadas “ondas do café” indicam diferentes momentos pelos quais o produto passou em cada mercado, pautadas pelo nível de desenvolvimento, entendimento das especificidades do produto pelos consumidores, profissionalização e inovação da categoria.

A primeira onda do café é marcada pela “descoberta” da bebida e dos seus benefícios funcionais. Já na segunda, as cafeterias ganham relevância e os consumidores passam a experimentar novos formatos, como cápsulas e solúveis. A terceira onda, por sua vez, é marcada pela necessidade de inovar para se manter no mercado, considerando a forte concorrência. A quarta onda, por fim, ainda não tem limites bem definidos: são muitas as possibilidades para o futuro do café, que está presente em quase todos os momentos da vida dos consumidores.

Brasil: Crescimento constante durante a crise econômica
Mesmo em mercados considerados mais maduros como o do Brasil – país que alcançou o primeiro lugar no ranking mundial de café em 2014, ultrapassando os Estados Unidos – as vendas continuam crescendo a uma taxa de 3%, acima da média mundial, apesar do cenário de crise interna. Ainda que o setor seja dominado pelo café torrado e moído, outros formatos passam a ganhar relevância, especialmente conforme o mercado encaminha-se para a terceira onda: marcada pela inovação e diferenciação das marcas como um atributo decisivo no momento da compra.

Estados Unidos: Consumo fora do lar impulsiona as vendas
Já no caso dos EUA, segundo maior mercado de café do mundo, que atualmente encontra-se na quarta onda, o crescimento concentra-se no canal de foodservice, representado principalmente por cafeterias e restaurantes. Apesar de ser um mercado mais maduro em volume de vendas e apresentar desaceleração no varejo, as principais oportunidades se apresentam para produtos com maior valor agregado e que universalizem as ocasiões de consumo de café, como as versões prontas para beber, que trazem atributos como premiunização e conveniência.

Indonésia: Busca por conveniência impulsiona versão solúvel
Para a Indonésia, que ocupa o terceiro lugar no ranking mundial, o produto ganha relevância à medida que os consumidores menos afluentes buscam reproduzir em casa a experiência que teriam na cafeteria, ainda restrita àqueles com renda mais alta. A tendência de urbanização e os novos estilos de vida levam os consumidores a buscar produtos convenientes e isso se traduz em um aumento na demanda pelo café solúvel. O país, que se encontra na primeira onda, ainda possui um caminho muito dinâmico a percorrer conforme os habitantes descobrem não só os benefícios funcionais do produto, mas o quão diferentes podem ser cada marca.

Alemanha: Inovação como fator-chave de sucesso
Um dos mercados mais equilibrados entre as vendas de todos os tipos de café é o da Alemanha, quarto maior país do mundo em vendas do produto. Independentemente do tipo de café, no entanto, sustentabilidade e rastreabilidade são atributos de peso na decisão de compra dos alemães, indicando um interesse crescente dos consumidores em entender os processos por trás de toda a cadeia de produção e distribuição, além de manter um consumo responsável. Como um traço forte da terceira onda do café, o mercado alemão é marcado também pela forte inovação como fator de diferenciação entre as marcas.

Japão: Espaço urbano limita vendas de cápsulas
Com características muito distintas dos mercados anteriormente mencionados, o Japão figura no quinto lugar no ranking mundial de café, cujo consumo deverá ser duas vezes maior que o de chá até 2022. O setor é dominado pelo formato em grãos, que detém mais de 30% do volume de vendas, com forte presença também dos solúveis, evidenciando a busca por conveniência e praticidade. As cápsulas, ao contrário dos demais países, mostram pouca relevância, especialmente devido aos espaços limitados dos lares japoneses em áreas urbanas, o que desestimula a aquisição de mais um eletrodoméstico.

É interessante notar que mesmo os maiores mercados do mundo em volume total de venda de cafés ainda apresentam oportunidades promissoras de crescimento para novos tipos e marcas. Para poder se destacar em novos mercados, no entanto, é imprescindível que se entenda a fundo o cenário interno de cada país e as particularidades de cada “onda”, ou seja, em que estágio de desenvolvimento ele se encontra.

Mais do que isso, com a crescente concorrência entre fabricantes e marcas de café, é preciso lembrar que a diferenciação também é um fator fundamental de sucesso: seja explorando novos canais de consumo, como o foodservice, criando uma experiência de consumo inovadora ou até mesmo usando a tecnologia para gerar mais eficiência e qualidade. Qualquer que seja a estratégia escolhida, o futuro guarda excelentes oportunidades aqueles que ousarem se reinventar assim como o café vem fazendo ao longo dos anos.

Faça o download do estudo “Five Most Promising Markets in Coffee”: http://bit.ly/world_coffee

*Angelica Salado, Analista sênior – Bebidas & Tabaco da Euromonitor

TEXTO Angelica Salado • FOTO Roberto Seba

Novos rumos para o desafio da sustentabilidade no café

Nos últimos 15 anos a cadeia do café realizou importantes avanços em direção à sustentabilidade e o café é talvez hoje o produto agrícola mais avançado nesta área. Contudo os desafios continuam presentes e extremamente complexos. A implementação de boas práticas, que levam à sustentabilidade na produção de café, vem aumentando gradualmente, mas ainda há muito por fazer. Diversas ações fragmentadas vêm ocorrendo em todo o mundo e muitas delas na mesma direção e com os mesmos parceiros.

Com o objetivo de unificar os esforços mundiais na área de sustentabilidade na cadeia do café, evitar a duplicação de atividades e ganhar escala atingindo mais produtores foi lançado em março de 2016 na Conferência Mundial do Café na Etiópia, a Plataforma Global do Café (Global Coffee Platform- GCP). Esta iniciativa surgiu da união do Programa Café Sustentável (Sustainable Coffee Program – SCP) do IDH (Iniciativa do Comércio Sustentável), que atuava no Brasil desde 2012 por meio de diversos projetos, com a Associação 4C e seus mais de 300 membros. Trata-se de uma iniciativa pré-competitiva global, público-privada, multi-stakeholder com abordagem neutra e colaborativa.

Com a criação da Plataforma Global do Café, os membros da antiga Associação 4C tornaram-se automaticamente membros da GCP. O sistema de verificação, foco comercial da Associação 4C, passou a ser operada de maneira separada pela nova empresa criada para esse fim: a Coffee Assurance Services (CAS). A Associação 4C e o Programa Café Sustentável deixaram de existir em seus antigos formatos.

A Visão 2020 surgiu como uma aliança global de atores públicos e privados para coordenar esforços e atividades de sustentabilidade. Em inglês Visão 2020 significa “visão perfeita” e a meta é buscar uma “visão de futuro” incluindo ações até o ano de 2020 e já pensando no período até 2030.

Além da Plataforma Global do Café, a Visão 2020 tem a participação da Organização Internacional do Café (OIC), cujos membros são governos de países produtores e consumidores. Assim se inclui o setor público no processo o que permite planejar, de maneira participativa, objetivos e caminhos para a cafeicultura mundial, fortalecendo as comunidades rurais por meio de sistemas de produção lucrativos, sustentáveis e com foco em benefícios ao cafeicultor.

A Plataforma Global do Café será a implementadora da Visão 2020 e de programas nos principais países produtores de café do mundo para atingir os objetivos definidos coletivamente.

Para alinhar esses objetivos, ocorreu em Campinas, SP, no último dia 21 de julho o Workshop da Visão 2020 que contou com a participação de 43 pessoas de 34 entidades do setor café no Brasil. No Workshop foram avaliados, entre outros pontos, 10 dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030), aqueles que tem relação com o café. Outros sete Workshops semelhantes estão ocorrendo por todo o mundo (Vietnam, Colômbia, Indonésia, Uganda, Tanzânia, Peru, Honduras) e os resultados serão compartilhados no Workshop da Visão 2020 em Londres, a ocorrer antes da reunião da OIC em setembro de 2016.

O Programa Brasil da Plataforma Global do Café, coordenado pela P&A, continua desenvolvendo diversos projetos para estimular o aumento da sustentabilidade do café no Brasil em consonância com as demandas da cadeia produtiva brasileira. Convidamos a todos a fazer parte desta iniciativa e tornar-se um membro da Plataforma Global do Café A experiência mostrou que nenhum governo, entidade ou empresa será capaz de superar esse desafio sozinho e por isso escolheu-se a ampla colaboração como caminho para atingir a sustentabilidade, com foco principal no produtor.

*Pedro Ronca é Coordenador do Programa Brasil da Plataforma Global do Café. (pedroronca@peamarketing.com.br) e Nathália Monéa é Gerente Regional (monea@globalcoffeeplatform.org).

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso, referente aos meses setembro, outubro e novembro de 2016 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui)

ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

A importância das conexões entre produtores e exportadores

Em 50 anos, o Brasil passou de importador de alimentos para uma potência agropecuária. Nesse período, o desenvolvimento do setor permitiu à maioria da população o acesso a uma alimentação saudável e diversificada, com crescentes volumes exportados.

O agronegócio se consolidou como um setor estratégico para a economia brasileira. Especialmente no atual período de crise econômica, se mostrando como o principal vetor na geração de empregos, renda e divisas com as vendas externas, condicionando o desempenho de toda a economia. Em 2016, o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio brasileiro apresentou crescimento de 4,48%, atingindo R$ 1,48 trilhão, o que representa aproximadamente 25% do PIB brasileiro.

As ações de sustentabilidade e de responsabilidade social promovidas pelo agronegócio brasileiro resultaram na maior integração entre os agentes das cadeias produtivas. No caso do café, o fortalecimento de sistemas agroindustriais sustentáveis tem sido constante, por meio das ações que aproximam os produtores rurais, buscando a inovação. Soma-se a isso as ações promovidas pelo setor exportador de café que há mais de 15 anos buscam a inclusão digital, a melhoria dos processos produtivos, com incrementos consideráveis de produtividade e de qualidade do café colhido.

O setor exportador de café, representado pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), tem atuado para fortalecer as ações nas regiões cafeeiras, com base nos Programas Criança do café na escola e Produtor Informado, com importantes resultados que fortalecem a sustentabilidade na cadeia produtiva no Brasil.

Vale destacar as ações relacionadas ao Programa Criança do Café na Escola, que teve início em 2003, com o objetivo de montar Laboratórios Digitais, com equipamentos de informática e acesso à internet. No total, foram instalados 137 Laboratórios Digitais em 95 municípios cafeeiros, 1,37 mil computadores, sendo 116 deles com acesso à internet, com um investimento atualizado de aproximadamente R$ 9 milhões.

Já o Programa Produtor Informado foi criado pelo Cecafé, em 2006, com o intuito de levar inclusão digital para o meio rural e se expandiu significativamente em 2016. Com o início da parceria com a Plataforma Global do Café, além da inclusão digital, o programa passou a disseminar a sustentabilidade na cafeicultura. Tal conteúdo auxilia na adoção de boas práticas nos sistemas produtivos, objetivando, assim, o aumento da rentabilidade do negócio e qualidade do café, além de garantir a sustentabilidade do meio ambiente e a melhoria das condições de vida da população rural em geral. Foram contabilizadas, no ano passado, 125 turmas, com a capacitação de 1.500 produtores rurais, resultando na formação de mais de 2.600 participantes desde a criação do Programa em 2006.

Com base na iniciativa de revitalizar os Laboratórios Digitais e integrar os Programas, a partir de 2017 foi criado o Polo Café Sustentável, com o objetivo de fortalecer as ações de sustentabilidade na cafeicultura nacional. Por meio das parcerias regionais e de um sistema de gestão da informação estão sendo identificados os principais Laboratórios Digitais do Cecafé que se tornarão polos para execução de programas integrados no âmbito regional.

O Polo representa a zona de influência regional das ações de sustentabilidades, abrigadas, o que demonstra a integração entre os agentes da cadeia produtiva. Como foco da iniciativa, as pessoas que interagem com a produção de café, sendo elas: crianças, por meio da educação e da inclusão digital; professores, com a capacitação para discussão dos temas em sala de aula; Jovens, por meio da sucessão familiar e empreendedorismo; produtores, com ênfase nas boas práticas agrícolas e sustentabilidade na produção; mulheres, visando a igualdade de gênero com o empoderamento nas atividades agrícolas e de empreendedorismo.

Os esforços do setor exportador de café, de forma integrada aos cafeicultores, colocam o País no caminho certo para garantir competitividade, sustentabilidade e liderança absoluta no comércio mundial de café.

*Marco Antonio Matos é diretor-geral e Eduardo Heron Santos é diretor-técnico do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). Fale com os colunistas pelo e-mail colunacafe@cafeeditora.com.br

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

Olhos para a China

O dragão despertou; ele está ávido por uma xícara de café para começar o dia. Assim têm sido as manhãs chinesas, à medida que o consumo cresce a um ritmo de dois dígitos. Essa aceleração levou esse mercado a uma posição de destaque no cenário internacional e fez com que se voltassem os olhos de toda a cadeia do café para a China.

Durante séculos, com forte cultura milenar e gigantesca população, a China fascina mentes ocidentais. Os primeiros relatos das antigas rotas comerciais já descreviam o imenso potencial do mercado chinês, mas, somente nas últimas décadas, sua impressionante ascensão econômica foi capaz de transformá-la, verdadeiramente, em um imenso canteiro de obras e na fábrica do mundo. Ao mesmo tempo, a vigorosa expansão do poder aquisitivo fez da China alvo prioritário para o desenvolvimento de novos negócios, sem deixar indiferente nenhum setor comercial. Em se tratando de café, a emergência chinesa tem causado alvoroço em produtores e amantes de café. Quais serão os desdobramentos e implicações no comércio mundial do grão?

Visto do Brasil, o desbravamento desse crescente mercado representaria possibilidades quase infinitas para o produto nacional. Sobretudo entre os produtores, sempre foi comum a crença de que bastava que os chineses “aprendessem” a tomar café para que, de forma mágica, os preços cotados em bolsa atingissem novos patamares.

Não obstante, uma análise mais criteriosa pode revelar outras nuances, pois a China desenvolve simultaneamente sua capacidade de produção. O grande pensador chinês Confúcio dizia “não aceitar nem rejeitar absolutamente nada, mas consultar sempre as circunstâncias”. Esse ensinamento encontra plena aplicação na elucidação desse complexo binômio café-china.

O longo caminho
Para ver em primeira mão essa face menos conhecida da China, é necessário certo apetite por aventuras. Famosa pelas vastas montanhas, natureza exuberante e particularmente pelos chás, a província de Yunnan, que literalmente significa lugar ao sul das nuvens, acaba de acrescentar a essa lista o café.

Essa província, a mais meridional do território Chinês, espalha-se por 400 mil quilômetros quadrados (o equivalente ao estado do Mato Grosso do Sul), desde o poderoso Rio Mekong até o sopé do Himalaia, nas fronteiras com Birmânia, Laos e Vietnã. Com altitude média de 2 mil metros, clima subtropical e latitude de 20º N, a região apresenta condições muito favoráveis ao cultivo da espécie arábica, condições estas, a rigor, bastante semelhantes àquelas encontradas na América Central. Por isso, a província de Yunnan responde, atualmente, por cerca de 98% de toda a produção de café chinesa.

Plantações chinesas têm altitude média de 2 mil metros e são favoráveis ao cultivo do arábica.

Contemplar as belas paisagens da região exige, contudo, uma longa jornada. A partir de Xangai são cinco horas de avião até a capital da província Kunming e mais um voo complementar de uma hora e meia até os principais centros produtores de café, ao redor das cidades de Pu’er e Linchang.

A cidade de Kunming, com meros 3 milhões de habitantes, um número modesto para padrões chineses, dispõe de infraestrutura invejável, incluindo um reluzente aeroporto, amplas autoestradas e algumas linhas de metrô.

Enfim, a chegada ao destino traz alívio aos pulmões, outrora assolados pela poluição da capital xangaiense. A primeira impressão dessa longínqua província pouco se encaixa no estereótipo da China construído pelos brasileiros. Habitada por mais de trinta minorias étnicas, Yunnan constitui um verdadeiro mosaico cultural, rico em fisionomias, tradições e costumes diversos. Ao longo da história, sucederam-se diversos períodos de afastamento do poder central constituídos pelas dinastias Han, que imprimiram muitas características particulares à região. Credita-se a missionários franceses a introdução do café no final do século XIX.

Cafezais de Yunnan
É difícil conter a empolgação ao avistar ao longe as primeiras plantações de café, que mal se distinguem em meio às demais culturas tropicais, como a de cana-de-açúcar ou a borracha. O acesso a esses cafezais se dá através de estradas que serpenteiam o relevo escarpado – por vezes estreitas, por vezes sem pavimento, ou ainda parcialmente interrompidas pelos deslizamentos de encosta.

Assim como as estradas, as condições de vida mais precárias da população local são demonstração inequívoca de que a prosperidade chinesa ainda não foi capaz de alcançar os cantos mais remotos do país.

Estamos em época de colheita. As cerejas tingem de vermelho o tom viçoso da vegetação que se descortina. Diante dos olhos, cafeeiros de porte baixo (principalmente da variedade catimor), chamam atenção pela boa produtividade e total ausência de doenças corriqueiras no Brasil, como a ferrugem.

Comparados a grande parte dos cafezais brasileiros, milimetricamente alinhados e com rígido controle de plantas invasoras, os cafeeiros locais, que crescem rodeados por mato espesso e muitas vezes consorciados com outras plantas, causam certo espanto pela desordem.

O terreno íngreme impede qualquer tipo de mecanização, por isso a colheita se realiza exclusivamente pelas mãos de camponeses que habitam os vilarejos salpicados pela região. São relativamente poucas pessoas trabalhando nas plantações de café. Mesmo os chineses reclamam de escassez de mão de obra para o trabalho no campo e do desinteresse das gerações mais jovens.

Não é tarefa fácil compreender a divisão das áreas de produção e as relações de trabalho a partir de uma lógica ocidental. Mas é fato que, ao final do dia, um verdadeiro enxame de motocicletas surge de todas as partes. Desafiando todas as leis do equilíbrio, morro acima, carregadas com três, quatro, até cinco “medidas” de café cereja, elas se dirigem às várias estações de beneficiamento espalhadas pela região. Essas estações são administradas por empresas ou investidores privados, em parceria com o governo local, outra vez em um modelo de negócios próprio, que não obedece à lógica ocidental da propriedade privada.

Embora rudimentares, essas estações possuem instalações completas para processamento do café. Pequenos pátios de cimento, terreiros suspensos, despolpador, tanques de fermentação e uma particularidade local: compartimentos de secagem (tais quais um grande forno), cuja fonte de energia é o carvão. Em geral a capacidade de processamento atende a volumes não muito grandes.

Grãos chegam ao terreiro de cimento em uma das áreas de benefício.

Uma equipe que vive em acomodações no próprio local se encarrega das operações de pós-colheita, conduzidas em ritmo acelerado e somente interrompidas para tomar um… chazinho… ou infusões com outras ervas nativas. Nas monumentais montanhas de Yunnan, é impossível encontrar pessoas tomando café em um raio de vários quilômetros, sinal de que esse cultivo ainda não se enraizou totalmente na cultura local.

Teimosos, os últimos raios de sol se extinguem no céu de Yunnan, oferecendo um espetáculo memorável mesmo aos observadores mais desatentos. Sob o entardecer, o parque cafeeiro dessa província, com várias lavouras em formação, deixa prenunciar o crescimento vigoroso da produção chinesa nos próximos anos, ainda que alguns limites sejam impostos pela impossibilidade de mecanização e pela concorrência de terras disponíveis com outras culturas agrícolas. Tanto que grandes multinacionais do ramo do café, como Starbucks e Nestlé, vêm investindo consideravelmente na região.

De volta ao dragão
O incremento na produção encontrará seguramente bom respaldo no mercado doméstico, já que a China também experimenta um “boom” no consumo, portado pela maior disponibilidade de renda, pela urbanização e pela ocidentalização do estilo de vida. Essa trajetória ascendente guarda semelhanças com o quadro observado anteriormente em outros países asiáticos, a exemplo do Japão e da Coreia do Sul, mas é turbinada por velocidades chinesas.

As cafeterias se multiplicam nas principais cidades e começam a ganhar maior capilaridade pelo país. Além das grandes redes internacionais que esperam que a China seja o maior mercado consumidor em um horizonte de poucos anos, uma infinidade de “genéricos” chineses não deixa dúvidas sobre a capacidade inventiva local.

Por outro lado, não custa lembrar que o mercado chinês ainda é composto, em mais de 90%, de café solúvel de baixa qualidade e apresenta baixos índices de consumo per capita, inferiores a 100 g por habitante, cerca de 6 a 7 xícaras ao ano. Face aos mais de 4 kg encontrados em mercados maduros como EUA, Europa e inclusive o Brasil, esse número traz a dimensão da reserva de mercado que se esconde atrás da muralha.

Em seu eterno yin-yang, a China revela grandes oportunidades. A qualidade não parece ser um objetivo imediato, apenas iniciativas pontuais despontam nesse sentido, já que o primeiro desafio é responder ao aumento no volume.  No entanto, a combinação de terroir propício e intensificação dos investimentos estrangeiros habilita a China a considerar outro posicionamento em longo prazo.

Segundo uma antiga lenda chinesa, os animais se movem pelo oceano, mas são incapazes de produzir ondas. O dragão, por sua vez, quando se move, pode afetar as marés. E é este dragão que despertou.

*Allan Botrel é consultor de cafés e teve sua viagem para a China custeada pelo projeto Brazil. The Coffee Nation.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui)

TEXTO Allan Botrel • FOTO Allan Botrel

O melhor do café são as pessoas

Há um tempo eu percebi que o café é mais que uma bebida. Há um tempo também eu falo que o melhor do café são as pessoas. Essas percepções vêm de muitos momentos que passei em companhia desta bebida e de todos com quem eu de alguma forma a compartilhei.

Perdi a conta de quantas pessoas conheci, e da diversidade das situações que vivenciei. Do lazer ao profissional, tenho sempre uma boa recordação, um sentimento bom pela experiência que me agrega. O aprendizado é constante, as pessoas são interessantes, e os cafés não ficam por menos. Me desculpem aqueles que não apreciam a bebida, mas a minha vida não seria a mesma se o café não fosse o protagonista. Ao café toda a minha reverência.

Da fazenda à cafeteria, é sempre bom conhecer gente envolvida neste ramo, ou que compartilha deste hábito. Aprendo, me motivo, me divirto e observo muito. Acho interessante o quanto as reuniões de negócio ficam mais leves diante da xícara, ou o quanto os amigos se sentem mais confortáveis ao compartilharem este ritual. Me remete também aos mais solitários em um mundo particular. Com o café em punho nem parecem tão distantes. Lendo, desenhando, ouvindo música, conversando bobagens do dia a dia, ou mesmo algo importante, o café é bem-vindo a todos os tipos de situação.

Destaco ainda o quanto os produtores, ou aqueles que ajudam a cuidar da terra, da planta, do beneficiamento, da torra, aos que preparam e servem, expressam com paixão o que fazem. Na maioria das vezes de forma muito simples, mas com muito amor pela sua missão. A essas pessoas, todo meu respeito e admiração.

Isto me remete a uma visita que fiz recentemente a uma fazenda do Sul de Minas, a qual o proprietário tratava como um verdadeiro jardim. O esmero, o cuidado, o amor por aquele trabalho estavam vivos em seus olhos. O que me impressionou foi como este sentimento estava presente em todas as etapas do processo, ao qual o próprio, com muita gentileza, me apresentou. Posso dizer que este sentimento, da terra, do cultivo, está presente no sabor do seu café, que chega à xícara em sua cafeteria no Rio de Janeiro, que eu também tive o privilégio de conhecer.

A emoção não parou por aí, pois o que me surpreendeu foi perceber que o sentimento não estava restrito à família, mas também aos seus colaboradores. Particularmente pelo Sr Niltinho, que com muito gosto nos guiou no cafezal, onde dedica a sua vida aos talhões.

O café conota a bons momentos, a alegrias e bons sentimentos. Remete a cuidado e memórias de afeto. O convite pra um café sempre vem em companhia de uma gentileza, de um apreço. Em “tempos de cólera” é sempre bom ter um carinho, mesmo que seja por poucos minutos, do bom cafezinho.

*Renato Falci é fundador do CoffeeLook, escritório de gerenciamento de projetos especializado em branding e design para o mercado de café. Fale com o colunista pelo e-mail renatofalci@coffeelook.com.br Mais informações: coffeelook.com.br e instagram.com/coffeelook

TEXTO Renato Falci • ILUSTRAÇÃO Renato Falci