Coluna Café por Convidados Especiais

Do campo à xícara, profissionais convidados refletem sobre o setor

A era romântica do café especial

A indústria do café foi marcada por turbulências e significativas mudanças nas últimas décadas, tanto para os produtores quanto para torradores e compradores. Há dois momentos nessa história que, para mim, marcam o início da era romântica do café especial no Brasil: em 2001, Paulinho Almeida, do Sítio Santa Terezinha, ganha, pela primeira vez, o Cup of Excellence, com a participação de seu café orgânico, e, em 2002, Isabela Raposeiras é coroada a primeira campeã barista do Campeonato Brasileiro, honras entregues por ninguém menos que o renomado chef Alex Atala.

Os dois campeões — o primeiro, um pequeno produtor focado em sustentabilidade e que vai marcar a “descoberta” e o reconhecimento de pequenos produtores no País; a segunda, mulher, empreendedora, e que se tornaria a grande condutora das formas como o café brasileiro é visto no próprio País e no mundo — ditariam o ritmo e o tom de uma série de inovações e iniciariam uma era de questionamento sobre tradições e status quo.

O contexto histórico do País era o seguinte: o Brasil vinha de uma longa ditadura militar, que se estendeu por grande parte do século XX. No final da década de 1980, mesmo findado esse regime, ainda se sentia a sua ressaca. Isso se traduziu em exportações de café, que iniciaram na década de 1990 e que, embora feitas por grandes empresas, tinham uma identidade menos institucionalizada. Nasciam, na mesma época, as associações de cafés, ainda que com caráter não tão inclusivo. Os anos entre 1999 e 2001 foram marcados pelos menores preços já apresentados pela saca de café na Bolsa de Nova York. O produto chegou aos US$ 40 a saca, sendo que o seu custo de produção beirava os US$ 100. Muitos produtores foram à falência, e outros tantos acumularam dívidas que carregam até hoje.

Eu sempre achei que a teimosia é um traço característico da espécie humana, e que, talvez, só o desespero dos tempos faz com que surjam inovações. Uma verdadeira revolução do café nasceu nessa época, liderada principalmente pelos donos de pequenos negócios. Os pequenos produtores e pequenos empresários do café foram os mais atingidos pela força do mercado de commodity, e mudaram o rumo para o café de qualidade.

O sonho do meu avô sempre foi conectar o produtor de café com o consumidor, o que eu penso que foi uma desventura para ele, que estava à frente do seu tempo. Tenho lembranças de infância da dificuldade do meu avô em convencer os familiares a terem mais cuidado na lida com o café ou até a retirarem o açúcar de suas xícaras. Finalmente, minha mãe, Silvia Barretto, assumiu a Fazenda Ambiental Fortaleza, em 2001, e iniciou a implantação da cultura orgânica. Os resultados positivos não chegaram com menos de uma década. Naquela época, os conhecimentos sobre cafeicultura sustentável e técnicas de qualidade — processamento controlado, precursores de sabores de diferentes variedades e solos, torras adequadas, extração e provas — não eram consolidados até antes de 2001. Era raro encontrar um café bem torrado extraído no País (ou, quando se encontrava, ele tinha consistência duvidável e longe dos padrões de hoje), e, mais raro ainda, um consumidor que entendesse e se preocupasse com a qualidade do café que estava bebendo.

Com tantos desafios a ser vencidos, muitos integrantes da indústria juntaram forças, e disso nasceu um verdadeiro sentimento de “família”. É através do compartilhamento de conhecimento e informação, dos preços exercidos, de um tratamento mais humano do produtor e de uma conversa constante, mesmo que vagarosa, sobre sustentabilidade que a revolução avança. Todas essas ações dão uma essência mais humanizada a essa era que vivemos, característica que nunca vimos antes. É essa paixão, dedicação, euforia e até as dificuldades que me fazem chamar esta de a “Era Romântica”.

O futuro está preparado para crescer, para encurtar a distância entre o produtor e os torradores/cafeterias, e talvez até entre estes e os consumidores. Porém, como qualquer negócio, dinheiro atrai mais dinheiro, e também é possível enxergar grandes corporações investindo em cafés especiais no futuro. O questionamento, tão importante para mim, que eu deixo a você e ao mercado é: como crescer sem perder o lado romântico do negócio, lado que foi a inspiração para o café, a sua salvação?

*Felipe Croce é fundador da Isso É Café e produtor na Fazenda Ambiental Fortaleza (FAF), desde 2009. É formado em Relações Internacionais e Administração pela Universidade de Washington (EUA).

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses junho, julho e agosto de 2018 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Felipe Croce • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

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