Cafés-botequins: um retrato perdido da cultura brasileira

Por Bruno Bortoloto do Carmo

O consumo de café faz parte do dia a dia dos brasileiros. Há muitas e muitas décadas, o país ocupa a segunda posição como maior consumidor, atrás apenas dos Estados Unidos. Seja torrado e moído, em grãos, em cápsulas ou na versão solúvel, praticamente todas as casas brasileiras contam com o produto para receber visitas – uma marca inegável da hospitalidade brasileira.

O Brasil também tem o hábito de beber café nas ruas. Tanto antes do trabalho, nos balcões das padarias e botequins, quanto como um convite para uma conversa em cafeterias (cada vez mais) especializadas. Mas será que sempre foi assim?

O café não é uma planta nativa do Brasil. Foi trazida pelos colonizadores portugueses ainda na primeira metade do século XVIII. Foi nesse período que o consumo em Portugal se intensificou.

Na capital portuguesa, bebia-se café em botequins. Esses locais – que se assemelhavam às tavernas francesas e às bodegas italianas – proliferaram-se em Lisboa, paulatinamente, na virada do século XVIII para o XIX.

No Brasil Colonial o fenômeno não foi diferente. Os primeiros lugares de consumo público do café foram os botequins portugueses no Rio de Janeiro, capital do Império português. Além do Rio, Recife e Salvador, principais cidades portuárias do Brasil colonial e cujo comércio com Lisboa era exclusivo, contavam com seus botequins onde se bebia café, assim como vinho e cachaça.

Essas cidades eram o centro da vida urbana cotidiana no país, e os botequins, o centro da sua cotidianidade. Ali se buscavam objetos perdidos ou para compra e venda, vendiam-se serviços e pessoas se encontravam. Obviamente, essa vida pública era bem diferente do que entendemos hoje: enquanto as ruas eram dominadas pelos escravizados, os senhores preferiam o recolhimento da vida privada. Por isso, o trânsito humano nesses locais era marcado por pessoas escravizadas, libertas, marinheiros e viajantes estrangeiros.

Após a Independência, a ascensão da cafeicultura fez com que o grão se tornasse, em poucas décadas, o principal produto de exportação do recém-criado Império brasileiro. Em menos de trinta anos, o Brasil passou de um exportador inexpressivo para o maior produtor mundial da rubiácea. Para se ter uma ideia, em 1830 o café brasileiro não figurava nas principais bolsas de valores dos mercados consumidores europeus nem dos Estados Unidos, recém-independente; mas na década de 1860, a produção nacional respondia pela metade da produção mundial de café.

Isso alavancou o consumo interno nacional. Ao longo do século XIX, o Rio de Janeiro, capital do Império brasileiro, tornou-se conhecido por seus locais públicos de consumo de café: seus botequins, agora chamados cafés ou confeitarias, pouco a pouco se afrancesaram – era, então, a França o modelo de civilidade almejado pelos brasileiros. Bancos e mesas longos de madeira foram substituídos por cadeiras de palha, bem ao estilo austríaco thonet, que se acomodavam em mesas com tampos de mármore e pés de ferro, e grandes espelhos passaram a fazer parte marcante da decoração desses estabelecimentos.

O público também se diversificou. Lugares antes ocupados, em grande parte, por marinheiros e escravizados, passaram a ser frequentados pelas classes médias urbanas – jornalistas, advogados, médicos e servidores públicos –, além de pessoas da elite ligadas ao governo imperial. Rodas de conversa, formadas pelos intelectuais da época, ocuparam frequentemente esses espaços, que ganharam a alcunha de cafés literários.

Durante a explosão desses novos estabelecimentos públicos, o Rio de Janeiro recebia uma importante leva de imigrantes portugueses e franceses, que fixaram residência na capital imperial. Entre as décadas de 1840 e 1880, era comum frequentar cafés com nomes pomposos, como Café de Paris, Café Francês, Café France et Brésil, Café Français, Café de Bordéos, Café Bordelaise, Café de Lyon, Café Gaulois, Café Lusitano, Café Cruz de Malta, e por aí vai.

Nomes de estabelecimentos como esses eram até mais comuns do que aqueles que privilegiavam elementos nacionais, como Café do Império ou Café Fluminense, que, por sua vez, perdiam-se em meio a referências portuguesas e francesas. Ocasionalmente, também se encontravam nomes que faziam menções à Moka ou Java – já que o Iêmen e as ilhas holandesas na Indonésia eram produtores bem mais famosos pela qualidade que entregavam do que os produzidos no Brasil para os transeuntes recém-chegados.

O uso desses espaços também replicavam o que acontecia nos cafés das principais capitais europeias. As pequenas mesinhas de mármore eram ocupadas para a leitura de periódicos nas mais diversas línguas, além de servirem de apoio para jogos como gamão, damas, xadrez e bilhar. Pequenas operetas de companhias teatrais portuguesas e francesas completavam a atmosfera cultural desses estabelecimentos comerciais.

Isso porque tornaram-se comuns os cafés-cantantes ou cafés-concerto (uma tradução literal dos estabelecimentos franceses conhecidos como café concert), onde se apresentavam operetas cômicas em meio ao apertado espaço entre as mesas. Os can-cans tornaram-se parte importante dessa atmosfera que mimetizava os cafés cabarets parisienses na capital brasileira. Can-can é uma referência direta à música
do clímax da ópera Orphée aux Enfers, do compositor alemão e residente na França Jacques Offenbach (1819-1880), paladino da opereta e um precursor do teatro musical moderno entre 1850 e 1870.

Esses ambientes de consumo público de café consolidaram-se nos principais centros urbanos brasileiros, que tomavam como modelo os cafés fluminenses. No Rio de Janeiro, os cafés-botequins foram a norma até meados do século XX. Passada a febre dos cabarets franceses, tais locais foram ocupados por artistas plásticos e músicos, transformando-se em alguns dos cafés-botequins mais importantes, redutos do samba carioca. O mais famoso deles, o Café Nice, foi frequentado por compositores como Ary Barroso, Noel Rosa, Lamartine Babo e Aracy de Almeida, entre tantos outros.

Entre os anos 1940 e 1950, sumiram quase completamente da paisagem urbana, quando a agitação e a aceleração da vida urbana se tornaram incompatíveis com este modelo de estabelecimento. Os cafés-sentado, como se tornaram conhecidos, foram substituídos pelos cafés-em-pé, longos balcões onde se tomava café apressadamente, às goladas.

Os poucos espaços que sobreviveram transformaram-se em restaurantes, lanchonetes e confeitarias requintadas, principalmente no Rio de Janeiro, onde ainda é possível vislumbrar resquícios dessa época, especialmente nos bares mais antigos. Hoje, quem visitar a cidade e sentar-se numa cadeira de madeira ou for servido em uma bela mesa de mármore, pode colocar na conta da sua memória os antigos botequins-café.

Bruno Bortoloto do Carmo é doutor em História Social pela PUC-SP, com passagem pela École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris. Pesquisador do Museu do Café de Santos por 13 anos, atualmente trabalha no Museu da Imigração em São Paulo.

TEXTO Bruno Bortoloto do Carmo • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Cafeteria & Afins

Attendant Coffee Roasters – Londres (Reino Unido)

Você iria a uma cafeteria dentro de um banheiro público? Pois uma das unidades da rede de cafeterias de cafés especiais Attendant Coffee Roasters foi criada no interior de um antigo banheiro subterrâneo em Fitzrovia, bairro vibrante e eclético no centro de Londres.

As ruas de Fitzrovia, com um ar boêmio e enorme diversidade étnica e gastronômica, abrigam desde pubs históricos até bares modernos, sendo um lugar perfeito para uma cafeteria tão inusitada como a Attendant.

Construído em 1890, o banheiro foi abandonado após os anos 1960, por várias décadas. Em 2013 e depois de uma grande reforma, dois amigos inauguraram a primeira filial da cafeteria nesse inusitado espaço.

A dupla, porém, decidiu manter as características arquitetônicas originais, como os azulejos nas paredes, o piso de ladrilho vitoriano e as cabines (mictórios) de porcelana, deixando o lugar com uma atmosfera bastante peculiar.

Nos anos que se seguiram, os sócios abriram outras cinco cafeterias, além de uma torrefação. A proposta da Attendant é ser uma pequena cafeteria, com poucas mesas e um balcão com seis lugares onde, antigamente, ficavam os mictórios. As caixas de descarga foram mantidas perto do teto (pode parecer estranho, mas logo os clientes se acostumam).

O ar de sofisticação e aconchego fica por conta dos assentos das banquetas e cadeiras, em veludo verde menta, madeira e ferragem dourada envelhecida, uma decoração retrô que combina perfeitamente com o estilo vitoriano original do banheiro.

No dia da visita, os únicos cafés servidos eram um brasileiro no espresso e um colombiano no batch brew. Assim como a maioria das cafeterias no Reino Unido, não há muitas opções de métodos de preparo, mas os grãos servidos são geralmente muito bons. Já na gôndola, as opções dos pacotes de café variam, com origens como Colômbia, Brasil, Indonésia e Quênia.

Mesa com croissant de queijo e tomate, bowl de muesli e café no batch brew, e espresso

O colombiano no batch brew foi um pink bourbon, que inaugurou lindamente a experiência – natural, aromático, encorpado, com a acidez gostosa das frutas vermelhas. Para servir de acompanhamento, um croissant bem crocante e quebradiço por fora, macio por dentro, adocicado e recheado com queijo derretido e rodelas de tomate. Na sobremesa, doçura, acidez, cremosidade e crocância, tudo em perfeita harmonia, reuniram-se no bowl de muesli com geleia caseira de frutas vermelhas, iogurte natural e pistache picado.

A finalização foi um espresso brasileiro com grãos da região da Alta Mogiana. O café – um blend dos arábicas catuaí amarelo e acaiá (esta última, uma variedade desenvolvida a partir de mutações naturais de mundo novo), de processamento natural – apresentou notas de chocolate, caramelo, baunilha e nuts. A escolha do grão foi acertada para o método – a crema, espessa e consistente, e o aroma doce já indicaram uma boa extração. Na boca, estava envolvente e cremoso, com uma acidez equilibrada e um retrogosto limpo e convidativo. Um excelente espresso.

Os cafés foram servidos em xícaras ergonômicas, duráveis e estéticamente agradáveis da marca Acme, conhecida pelo design que melhora a experiência sensorial. O serviço foi rápido, eficiente e atencioso – os atendentes não só conheciam bem os cafés como sabiam encantar quem chegava ao contar a história da cafeteria.

Aliás, contrariando esse enredo, a cafeteria não oferece banheiro para seus clientes. Outro ponto negativo é a acessibilidade: não há elevador ou rampa de acesso.

Nossa conta*: £17,30 (R$ 113, 31) + taxa de serviço
Batch brew – £3,70 (R$ 24,23)
Espresso – £3,20 (R$ 20,96)
Bowl de muesli – £5,50 (R$ 36,02)
Croissant de queijo e tomate – £4,90 (R$ 32,09)

*O valor foi convertido levando em consideração a data da visita (£1 = R$ 6,55)

A equipe da Espresso visitou a casa anonimamente e pagou a conta.

Texto originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

Informações sobre a Cafeteria

Endereço 27A Foley St. ,
Cidade Londres
País Reino Unido
TEXTO Redação

Mercado

Cafés infusionados: intervenção ou educação sensorial?

Entenda a técnica e o potencial de mercado dos cafés infusionados, que passa por experiências no Brasil

Quando se fala em inovação em cafés, logo vem à cabeça o preparo da bebida. Mas as novidades não estão apenas na ponta final da cadeia: ganhando cada vez mais espaço nas gôndolas, os cafés infusionados são a nova (e polêmica) onda nos mercados nacional e internacional, e hoje já estão presentes em cafeterias e em campeonatos de barismo.

Quando se diz que um café tem notas de frutas amarelas, geralmente o que se explora são as qualidades intrínsecas do grão, que remetem a essa família de sabores, e não a referência de que alguma fruta foi utilizada para aromatizá-lo. Diferentemente disso, para fazer os cafés infusionados acrescentam-se, na fazenda, outros ingredientes para dar sabor ao produto durante as etapas de fermentação, secagem ou descanso dos grãos. “Frutas, óleos essenciais, fragrâncias, essências, ervas aromáticas e especiarias, como cravo e canela, têm sido utilizados para infusionar sabores nos cafés”, explica Gabriel Agrelli, diretor de produto na Daterra Coffee e estudioso do assunto.

Esse tipo de processo não dá limites à criatividade e pode abrir um novo leque sensorial na xícara. E este é, justamente, o centro da questão. Segundo Agrelli, que chegou a tratar do tema em coluna na Espresso, há profissionais que acreditam que cafés infusionados podem ser uma excelente ferramenta educativa para mostrar ao cliente a presença de determinados sabores no café.

Na contramão, outros vêem o processo como uma intervenção nos sabores naturais do grão e uma ameaça às características únicas do terroir, da variedade e de seu processamento, que levaram décadas para ser compreendidas pelos consumidores. “Um grande grupo acha confuso termos que dizer, agora, que os sabores foram adicionados artificialmente ao café”, comenta Agrelli.

“A beleza, o mistério e a novidade do café é, realmente, ser fermentado pelos micro-organismos que estão nele”, defende Rosane Schwan, professora titular de microbiologia do departamento de biologia da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Em suas pesquisas com fermentação em cafés, ela usa micro-organismos do próprio terroir e inocula-os para melhorar a qualidade dos grãos.

Made in Brazil

No Brasil, o tema ainda engatinha, mas há quem enxergue um mercado com potencial. Jean Faleiros, CEO da Eldorado Specialty Coffees, na região da Alta Mogiana, tem se dedicado a estudar a técnica, bastante avançada na Colômbia. “A onda começou em fazendas que buscavam perfis de cafés que fossem muito diferentes”, conta.

Para Faleiros, várias propriedades colombianas realizam bons trabalhos a partir de infusões com frutas, como morango, maracujá e papaia, por exemplo. “Eles fazem um mosto da fruta, recolhem toda a sua microbiota e a inoculam no café, para que o sabor dessa fruta entre no fruto do café através do processo de fermentação”, explica ele. A partir desses processamentos, bem sucedidos, os cafés começaram a chamar a atenção mundo afora com seus perfis sensoriais marcantes.

Processo de ativação de levedura para introduzi-la ao cilindro de fermentação anaeróbica, na Eldorado – Foto: Eldorado Specialty Coffee

Mas, como toda moeda tem dois lados, há os que “encurtam o caminho” com substâncias sintéticas, como as utilizadas na indústria para saborizar bolos e sorvetes, para garantir sabores cada vez mais específicos e intensos. Para Faleiros, elas deixam muito sabor residual. “Esses cafés são terríveis”, opina. “Se você pegar no fruto do café, o cheiro não sai mais da sua mão”, relata. “Pense no que pode trazer de mal para a saúde? A partir do momento em que você vai para o processo biológico, de infusões naturais, aí tudo bem”, questiona ele, que é contra o processo de infusão com químicos.

Nas propriedades da Eldorado Specialty Coffees, Faleiros e sua equipe fizeram testes com mamão papaia, maracujá, limão e manga. “Deixamos a manga em um líquido durante 15 ou 20 dias para criar aquele mosto bem grosso, bem inoculado com as leveduras e bactérias da fruta”, explica. O mosto e os frutos cereja do café, com ou sem casca, foram, então, colocados em um biorreator para sofrerem fermentação por 48 a 60 horas, sem oxigênio, para aumentar a pressão. “O tempo, você determina”, detalha. Os resultados desse processo ainda não saíram (pois os cafés estavam na secagem até o fechamento da revista), mas Faleiros está otimista. “Acredito que vamos conseguir trazer esses sensoriais para o café”, projeta.

Na Região de Garça (SP), o Q-Grader do Garça Armazéns, Johnny Ferreira, também já fez experimentos para conferir de perto o potencial da técnica. E pretende retomá-los. Os resultados da primeira empreitada foram satisfatórios: “Antes, os cafés beberam 80 pontos”, diz ele, referindo-se aos cafés de corpo licoroso, acidez e doçura baixas e sabores leves. No final da infusão, beberam de 82 a 83 pontos. “Tivemos uma pequena mudança na acidez e no sabor”, analisa.

Fermentação em sacos plásticos de mundo novo com maracujá – Foto: Johnny Ferreira

Ferreira escolheu frutos da variedade mundo novo e fez infusões com três frutas – laranja, maracujá e abacaxi (este último, acompanhado de hortelã). Em cada saco de 60 kg, ele colocou 40 kg de café cereja – lavado e seco em terreiro suspenso por um dia – e 5 kg de uma das frutas. Essas misturas fermentaram por 150 horas nos sacos, lacrados e conectados por mangueiras a garrafas plásticas, usadas para eliminar os gases gerados no processo fermentativo. Por fim, os cafés voltaram ao terreiro suspenso, onde permaneceram por 25 dias.

Para entender se o perfil sensorial se manteria ao longo do tempo, os cafés foram provados em vários momentos, seguindo o padrão SCA (Specialty Coffee Association). “Ele se manteve por seis meses, mas, logo depois, seus atributos foram se perdendo”, conta Ferreira.

Experimentos feitos por Ferreira: café no terreiro secando com pedaços de abacaxi – Foto: Johnny Ferreira

Situação parecida aconteceu na Fazenda Guariroba, em Santo Antônio do Amparo (MG), região de Campo das Vertentes. O proprietário, Gabriel Lamounier, conta que este ano recebeu o dono de uma torrefação da China que estava interessado em infusionar café com limão a fim de melhorar a acidez da bebida.

Para a tarefa, foi escolhido um catuaí amarelo, de colheita manual seletiva, que passou por separação hidráulica para que, no descascamento, o máximo da mucilagem fosse preservada. Depois, o café foi colocado em um biorreator com leveduras e 20 kg de pedaços de limão. A mistura ficou em infusão por 48 horas. Depois de retirado, o café secou em terreiro suspenso na sombra. Segundo Lamounier, o objetivo de equilibrar a acidez foi alcançado, mas o sensorial de limão não foi persistente. “O grão verde ficou com aroma bem cítrico, de limão, só que quando o torramos e o colocamos na mesa de provas, esse limão desapareceu”, relata.

Este não foi o único contato recente de Lamounier com cafés infusionados. Em viagem à Europa, o produtor brasileiro notou o crescente mercado do produto. “Na França, vi muitos infusionados com frutas, como uva, maracujá e até melancia. Provei esses cafés e o sensorial [proposto] estava bem presente”, destaca. Mas, para ele, é justamente a clareza dessas notas que levanta a bandeira vermelha. “Eles [alguns produtores] vendem o processo de que fazem uma infusão colocando frutas, mas acredito que não seja somente isso”, opina. “Nós já tivemos exemplos aqui de que, sensorialmente, elas não ficam tão presentes assim”, completa ele.

Sobre a utilização de pó de frutas desidratadas para ressaltar as notas desejadas na bebida, como acontece em algumas propriedades na Colômbia, Lamounier considera: “Provei esses cafés e não gostei, achei que tem um sensorial muito artificial”. Na Europa, porém, há quem pareça gostar. “Estão vendendo esses cafés colombianos a 30 euros o quilo”, relata ele, sobre o que viu em sua visita à Grécia em 2023, na feira internacional World of Coffee.

Valor agregado

Com potencial sensorial atrativo, Ferreira confia que os cafés infusionados artesanalmente têm mercado no Brasil. “Este processo trouxe mais qualidade ao grão”, afirma. “Apesar de muito trabalhoso, vale a pena tentar fazê-lo novamente, pois o valor agregado na venda acaba sendo significativo”, opina. Para Faleiros, os cafés infusionados vieram para ficar, mas ainda há muito a ser estudado e aprimorado. “Vou visitar algumas fazendas na Colômbia que estão fazendo trabalhos magníficos, para que, na safra de 2025, a gente possa vir com opções de cafés infusionados para oferecer aos nossos clientes”, planeja.

Referência para Faleiros, a Colômbia – terceiro maior produtor de arábicas – já dá sinais de excelência na produção de infusionados. “O país está bem avançado no desenvolvimento de processamentos de infusionados”, comenta Agrelli. “No Brasil, o assunto ainda é tabu entre os produtores.”

Um dos processos de fermentação anaeróbica em tambor, na Eldorado, com água, suco de limão, caldo de melaço, pedaços de limão, levedura e café arara – Foto: Eldorado Specialty Coffee

É do solo e de mãos colombianas que surgiu um dos melhores cafés infusionados já provados pela equipe da Zest Specialty Coffee Roasters, torrefação australiana que trabalha com este tipo de grão desde 2021. “Compramos nossos primeiros cafés infusionados da Colômbia, do produtor Jairo Arcila”, conta Simon Gautherin, gerente de qualidade da Zest. “Eram, de longe, os melhores cafés infusionados que havíamos experimentado na época e vimos potencial no nosso mercado.”

Os infusionados já caíram nas graças dos australianos. “Eles permitem que as pessoas diferenciem sabores específicos que, de outra forma, não seriam capazes de identificar”, pontua ele. “Acreditamos que eles também desempenham um papel importante nas misturas de cafés à base de leite, que é o que os australianos mais consomem”, defende.

Para Gautherin, a demanda continuará a crescer, pois a qualidade deles melhorou. “Todos os lançamentos que fizemos foram extremamente bem sucedidos”, destaca, dando como exemplo a edição Summertime, uma combinação de quatro grãos (Peru, Honduras e dois infusionados da Colômbia) e um dos blends sazonais de maior sucesso da empresa. “O feedback das cafeterias e dos consumidores foi muito bom e acho que isso nos ajudou a aumentar a conscientização [do consumidor] sobre o café especial e a atrair mais pessoas para o nosso mundo de sabores”, conta.

Edição Summertime da Zest Specialty Coffee Roasters – Foto: Divulgação

Outro ponto positivo da técnica, acredita ele, é permitir que o cafeicultor melhore a qualidade de seus cafés a um custo mais baixo. “Incentivamos a inovação, especialmente se ela beneficiar produtores, cafeterias e consumidores, desde que haja transparência na cadeia de valor”, posiciona-se.

Além da Austrália, há demanda por cafés infusionados nos Estados Unidos e na Europa. Mas o gigante mercado asiático também dá sinais de interesse. Quem confirma essa percepção é Daniel Vaz, atual campeão brasileiro de barista e sócio da Five Roasters (RJ). Ele, que cruzou o globo este ano para disputar o mundial da categoria, viu de perto a cena cafeeira em um dos maiores mercados consumidores do continente, a Coreia do Sul. “A maioria das cafeterias em que estive serve cafés infusionados”, pontua.

A busca crescente por este café de sabor marcante tem diferentes explicações, e entender o fenômeno passa pelo fator geracional. “A nova geração de coffee lovers, que está começando agora no café especial, quer tomar um café e sentir, realmente, o gosto que está descrito na embalagem”, analisa Faleiros. “Claro que essa tendência não é para café de volume, é para fazer experiências. Por isso, vamos continuar estudando a técnica para cada vez mais melhorarmos nossos processos”, planeja o CEO da Eldorado.

Apesar de popular em outros lugares do mundo, o consumo de infusionados no Brasil é um terreno desconhecido. Há quem acredite em um mercado – ainda pouco explorado – para este tipo de grão, como é o caso de Ferreira e Faleiros, e há quem ache que o perfil sensorial obtido com o processo não é a praia do brasileiro. “No cenário nacional, acho difícil a demanda por esses cafés, que ainda é pequena. Por tradição, o brasileiro aprecia o sensorial de chocolate”, reflete Lamounier.

O incansável debate

Apesar de pouco comentado e testado no Brasil, o assunto é ampla e intensamente debatido no exterior. Nas feiras de café, é possível encontrar estandes de diferentes marcas exibindo cafés infusionados. “Ao mesmo tempo, na última edição da World of Coffee, na Dinamarca, algumas pessoas caminhavam pela feira com um emblema ‘infused’ riscado com um X, em sinal de protesto”, relata Agrelli.

O clima polarizado também foi captado por Vaz na edição da mesma feira em Busan, na Coreia do Sul. “Muitas pessoas apresentaram opções de infusionados, enquanto outras fizeram bottons e camisetas escrito ‘no infused’”, conta o barista.

Foto: Agência Ophelia

Os campeonatos de café são um termômetro das tendências do grão no mundo, e com os infusionados não é diferente. “De dois anos pra cá, tem sido uma tendência nos mundiais, pela clareza na percepção das notas sensoriais”, opina Vaz.

Para alguns competidores, utilizar esse tipo de grão pode ser uma estratégia para ganhar pontos em suas apresentações, uma vez que as notas relatadas por eles provavelmente estarão bem claras nas xícaras entregues aos juízes. Na dúvida, nas competições mundiais de 2024, a World Coffee Events – que organiza e supervisiona esses campeonatos – decidiu restringir o uso de ingredientes aromatizantes no café. “Se forem adicionados durante o processamento ou antes de os grãos serem secos, não há problemas”, esclarece Agrelli.

Em meio à polarização de opiniões, não restam dúvidas de que este é um assunto que ainda vai gerar desafios para o setor, principalmente quanto à comunicação entre produtores e compradores, mercado e consumidores. “É um processo que precisa estar muito claro”, pontua Vaz. Ainda há muitos capítulos desta novela pela frente, mas o cenário indica que a indústria está longe de chegar a um consenso – se é que um dia chegará.

Para saber mais: Transparência

Apesar de polêmica, a técnica de infusionar cafés é válida, mas pode tornar-se um problema caso não seja bem esclarecida. “Existem muitos casos sendo reportados de produtores que realizam infusões nos cafés, porém os comercializam como se estes sabores fossem naturais”, diz Agrelli, apontando que isso tem gerado revolta nos compradores, que se sentem enganados por seus fornecedores.

Foto: Agência Ophelia

Para ele, a transparência é um importante valor na indústria do café, sendo essencial que compradores tenham informações verdadeiras e claras para que possam tomar decisões alinhadas com o que acreditam. “E para que paguem aquilo que estão dispostos a pagar, pelos produtos que querem comprar”, complementa o diretor da Daterra.

Além de questões éticas, o assunto pode ser uma questão de saúde. É o que alerta Schwan. “Essas fermentações em que estão colocando algum produto têm que ser melhor verificadas”, aponta. “Se você está colocando uma fruta, essa fruta está isenta de fungos filamentosos? Fungos que são patogênicos ao homem?”, questiona. Ela, que estuda o tema há 28 anos, utiliza em suas pesquisas micro-organismos selecionados que combatem este tipo de fungo, garantindo, assim, que o café fermentado esteja livre de toxinas. “Nesses cafés infusionados com frutos durante a fermentação, se não tiver certeza de que são frutos saudáveis, você pode estar inoculando mais açúcar, e, se o ambiente for aberto, podem crescer bactérias e fungos patogênicos”, esclarece.

Quando se trata de regulamentação, a química Camila Arcanjo, mestre em alimentos no Laboratório Co.F.Fe.C.C.I.Na, explica que não há uma legislação específica para processamentos de café in natura. De acordo com ela, a RDC 716/22 da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], que diz que cafés que receberam aditivos alimentares aromatizantes devem especificar sua saboraização na embalagem, se aplica apenas aos torrados. “A Anvisa não legisla sobre café cru. Não existe nada na nossa legislação sobre isso”, comenta ela.

Fermentado x infusionado x saborizado

Existem diversas formas de fermentar cafés sem infusionar. “São conceitos diferentes”, esclarece Agrelli, que destaca que nem sempre adicionar ingredientes ao produto pós-colheita caracteriza infusão. Muitas vezes, as fermentações têm adição de leveduras, fungos ou outros micro-organismos apenas para potencializar a ação enzimática, não para transferir sabores específicos. “Elas simplesmente aceleram ou auxiliam nos processos fermentativos, que podem, sim, criar compostos voláteis e sabores que agregam complexidade ao café. Mas isso não seria uma infusão de fato. É bem diferente de se estar adicionando aromatizantes, fragrâncias etc.”, afirma.

Mas é possível infusionar o café durante a fase da fermentação. Alguns produtores fazem uso de frutas, mosto ou caldo de cana como forma de agregar mais açúcares e potencializar a fermentação. “Neste caso, o café é chamado de cofermentado, o que não deixa de ser, também, uma das formas de infusão de sabores possíveis”, completa.

Já os cafés saborizados são aqueles que recebem aromatizantes artificiais durante ou após a etapa da torra. Geralmente este processo é aplicado a cafés de qualidade inferior.

Texto originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Gabriela Kaneto

A hospitalidade na experiência do café especial

Quando pensamos em uma xícara de café especial, imediatamente nos vem à mente a qualidade dos grãos, o terroir e o método de extração. Mas há um elemento crucial que, muitas vezes, passa despercebido e que é de extrema importância: a hospitalidade. Este aspecto essencial não só complementa a experiência de tomar a bebida como pode transformá-la completamente.

Talvez você imagine que hospitalidade é, simplesmente, ser educado e eficiente. Mas precisamos distinguir o serviço da hospitalidade. Serviço, por definição, é sobre eficiência e competência. Já a hospitalidade envolve a criação de uma conexão emocional, oferecendo uma experiência acolhedora e personalizada ao cliente.

No mercado de cafés especiais, em que ainda estamos em um processo de desenvolvimento e a expectativa dos consumidores é alta, a hospitalidade pode ser o diferencial que cativa e fideliza o cliente. Imagine entrar em uma cafeteria e, durante o serviço, não só receber um café impecável, mas ter seu nome lembrado, assim como suas preferências, fazendo você se sentir em casa. Esse nível de cuidado e atenção cria em você uma memória afetiva, algo que nenhuma máquina ou aplicativo pode substituir. Em tempos em que a impessoalidade predomina, esse toque humano torna-se um oásis.

A hospitalidade começa no momento em que o cliente cruza a porta do estabelecimento. Pode ser um sorriso genuíno, um rápido “bom dia”, ou, até mesmo, uma conversa casual sobre a procedência do café que ele está prestes a provar. Pequenos gestos que demonstram empatia e interesse genuíno fazem uma diferença enorme. E é essa conexão que transforma um cliente em um embaixador apaixonado por uma marca.

Para construir essa cultura de hospitalidade, cada membro da equipe deve estar alinhado e comprometido com esse objetivo. O treinamento desse time não deve se limitar apenas a métodos de preparo de grão, mas, também, a habilidades interpessoais e de atendimento. Um bom exemplo disso é identificar e antecipar as necessidades dos clientes, muitas vezes antes mesmo que eles percebam. Isso cria uma experiência proativa e personalizada, que é memorável e gratificante.

Por essas e outras é que o impacto da hospitalidade vai além da satisfação do cliente, alcançando resultados financeiros. Clientes que se sentem bem-vindos tendem a retornar com frequência, a recomendar a casa para os amigos e familiares e a falar dela positivamente nas redes sociais. Tudo isso contribui para um marketing boca-a-boca poderoso e eficaz.

Mas fica aqui uma provocação: estamos realmente colocando a hospitalidade no centro de nossas operações? Num mercado de cafés especiais, em que cada detalhe conta, estamos treinando nossas equipes para serem não apenas baristas, mas verdadeiros anfitriões? Nossas cafeterias e negócios de café oferecem um ambiente onde cada cliente sente-se, realmente, acolhido?

Incorporar a hospitalidade num negócio exige esforço contínuo e o compromisso de todos os níveis da empresa. Todos devem compartilhar essa visão e trabalhar juntos para torná-la uma realidade cotidiana. Por isso, a liderança é crucial: proprietários e gerentes devem dar o exemplo, mostrando, na prática, o valor de um atendimento humanizado e caloroso.

Cafés de qualidade são veículos de conexão. Eles aproximam pessoas, criam momentos de descanso, de reflexão ou de interação. Ao agregar a hospitalidade a essa experiência, estaremos potencializando o impacto e transformando uma simples visita à cafeteria em um evento significativo.

Então, vamos repensar nossas cafeterias não só como lugares que servem café, mas também como locais de acolhimento, onde cada cliente é valorizado. A hospitalidade, portanto, é a chave para transformar a experiência dos cafés especiais, e essa transformação começa com cada um de nós.

Caio Alonso Fontes é formado em administração de empresas e é cofundador da Espresso&CO. Coluna publicada na Espresso #85 (setembro, outubro e novembro 2024).

TEXTO Caio Alonso Fontes • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Mercado

Existe cacau em SP

O cultivo do fruto amazônico, realidade no estado paulista, desperta a atenção das grandes indústrias e dos pequenos chocolateiros

Quando se fala em cacau brasileiro, a primeira região que vem à mente é o Sul da Bahia, imortalizada em obras de Jorge Amado e nos livros de história, que retratam a época áurea do cultivo nos anos 1920 e o
abrupto declínio no fim da década de 1980, quando a vassoura-de-bruxa devastou quase 80% do plantio. Quando parecia que o fruto tinha perdido protagonismo no Brasil, eis que a Bahia volta a tomar fôlego e a região norte dá notoriedade ao cacaueiro em seu berço, a Amazônia, em plantio que reúne volume e qualidade.

Mas como o Brasil está longe de ser autossuficiente em cacau e a disparada de seu valor tem sido motivo de preocupação mundial, novas frentes de produção fora das áreas tradicionais têm sido vistas com ótimos olhos. Aí é que São Paulo entra com força.

Depois de investidas pontuais no cultivo de cacau na década de 1970, o que parecia um sonho duvidoso
tornou-se realidade para cerca de 40 agricultores do estado. As apostas para ver o fruto do chocolate florescer com sotaque paulista vêm principalmente do programa Cacau SP.

O programa é um protocolo de cooperação entre Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA), por meio da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) e da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), e Ministério da Agricultura e Pecuária. Além de apresentar tecnologia no campo e capacitar produtores e técnicos, o programa se propõe a unir elos da cadeia, aproximando pesquisadores e compradores dos produtores.

Começa no Planalto

Iniciado em 2014 de forma experimental no Planalto Paulista para compensar a perda de valor das seringueiras e trazer o plantio do cacau em formato de consórcio, o programa hoje comemora os cerca de 300 hectares de cacaueiros nesta região, que fica no noroeste do estado.

Conhecido pela pecuária e pela produção de cana-de-açúcar e laranja, o Planalto Paulista tem clima quente e de baixa umidade, o que se torna um desafio ainda maior para um cacau bem-sucedido. Mas é aí que os conhecimentos técnicos entram em cena.

Além das seringueiras, atualmente são as bananeiras que se destacam no modelo consorciado. “Como a região tem insolação muito forte, as bananeiras fazem o sombreamento inicial para entrarmos com as mudas de cacau”, explica Carlos Eduardo Rosa, engenheiro agrônomo da CATI de São José do Rio Preto. “Além disso, as bananeiras auxiliam na proteção do vento e são outra fonte de renda para o agricultor”, completa.

Tão importante quanto esses aspectos é a irrigação, indispensável para tornar o cacau viável no Planalto. “Temos um inverno seco muito bem definido, que coincide com a época de enchimento de fruto, então precisamos de irrigação para suplementar essa falta d’água”, detalha Rosa.

Ainda é cedo para se falar em terroir, mas as variedades mais indicadas pelo programa para o Planalto já são encontradas em grande parte do Brasil: a CCN 51 e a PS 1319. Ainda não se sabe se, em terras paulistas, esses frutos ganham diferentes características. “Por enquanto, não temos um perfil sensorial bem definido, pois as novas áreas plantadas estão começando agora e a produção vai depender da época da colheita. Como tudo é muito novo, vamos devagar”, diz o agrônomo.

Quem está aguardando ansiosamente seus frutos é Mônica Munhoz, produtora agrícola no município de Palmares Paulista que, após quatro anos de plantio, vai poder colher seu próprio cacau este ano. “Optei por uma nova cultura, para não ficar tão dependente da seringueira nem da cana-de-açúcar e que fosse interessante para a família”, revela Mônica, que hoje tem 10 mil pés concentrados em seis hectares (juntamente com bananeiras, claro).

Mesmo ainda sem suas amêndoas em mãos, Mônica já recebeu a visita de grandes indústrias, como Barry Callebaut e Puratos. “A CATI, além da assessoria inicial, tem trazido pessoas importantes do mercado, o que abre inúmeras possiblidades”, relata a produtora que, em paralelo, dedica-se com a família à marca de chocolates Therê. Por enquanto, sua fabricação só leva as amêndoas secas e fermentadas da Bahia. “Mas a partir de agosto teremos nosso chocolate paulista”, diz.

Em direção ao Vale do Ribeira

A nova aposta do Cacau SP é a região do Vale do Ribeira, no sul do estado. Já há cultivos antigos na região – cerca de 300 hectares –, mas a intenção do programa na área, lançado em abril deste ano, é revigorar o que já existe, com conhecimento técnico e tecnológico, além de ampliar a área cacaueira. E potencial não falta.

Diferentemente do Planalto Paulista, o Vale do Ribeira tem clima quente e úmido na maior parte do ano, com grande área de Mata Atlântica, o que dispensa o uso de irrigação. “O Vale é mais parecido com a Bahia, com o sistema cabruca”, conta Bruno Lasevicius, presidente da Associação Bean to Bar, sobre o modelo de plantio do cacaueiro em meio à mata nativa.

Ele, que também é dono da marca de chocolates Casa Lasevicius, em São Paulo, acredita que a região tem vocação para o cacau fino, ideal para chocolates artesanais de qualidade. “No Vale do Ribeira, os materiais são mais antigos, menos produtivos, mas possuem variedades interessantes”, explica ele, que lançou em 2023 cinco chocolates com o fruto paulista, sendo um de Olímpia, no Planalto, e o restante de Itariri e Pariquera-Açu, no Vale. “Deu para ver o potencial do cacau, mesmo sem a experiência do cacau fino”, conta o chocolateiro, que aguarda a nova safra paulista.

Outra chocolateira que deposita suas fichas no Vale do Ribeira é Denise Aruquia, da Pé de Chocolate, também na capital. Uma de suas criações, o chocolate Cacau de São Paulo, é feito com café da Mogiana e cacau cultivado por seu pai, Adenor Luiz, no sítio da família em Itariri. “Ele plantou as sementes trazidas da Bahia por um amigo e, em 2020, teve sua primeira colheita”, relembra.

Foto: Agência Ophelia

Depois de participar de cursos, Denise, que já era chef confeiteira, decidiu aproveitar o rico fruto para
dar vida a chocolates e abriu sua própria marca. “A produção do meu pai é pequena, então, tenho de comprar de outros produtores, mas o chocolate de São Paulo é o mais vendido”, conta Denise, que dá seu palpite sobre as características sensoriais do cacau: “O paulista tem a amêndoa mais escura e cheiro intenso de caramelo. Traz um pouco de adstringência e é mais seco em manteiga de cacau, diferentemente do cacau amazônico, que tem mais acidez e mais manteiga.”

Enquanto o cacau paulista vai tomando corpo, a curiosidade dos chocolateiros paulistanos só aumenta. A chocolatière Priscyla França, de marca homônima de chocolates bean to bar, na zona sul da capital paulista, está em contato com produtores locais. “Já quero começar a usá-lo”, adianta ela.

Arcelia Gallardo, da Mission Chocolates (SP), teve uma bela experiência com o fruto cultivado em Ilhabela, no litoral norte paulista, em 2017, quando fez uma barra 72%. Com notas de bolo de chocolate e acidez cítrica, ganhou medalha de bronze no Academy of Chocolate de 2017. “Só não usei outras vezes porque não tinha produção suficiente, mas gostaria de ter de novo”, revela.

Também vale mencionar as vantagens do cacau paulista frente às produções de outros estados. “A proximidade entre chocolateiro e produtor é algo positivo, assim como a facilidade logística e a questão tributária”, opina Lasevicius.

E, para os produtores, as benesses vão além do chocolate. “O cacau traz crescimento econômico para a região, pois é cultura de alto valor agregado”, pontua Rosa. Além disso, traz benefícios sociais. “São gerados muitos empregos; e há o benefício ambiental, já que é uma planta perene e que permanece vários anos no solo”, ensina.

Ainda há muitos frutos para São Paulo colher pela frente. O programa Cacau SP já tem um projeto de expansão em Caraguatatuba e Ubatuba, no litoral norte, onde existem cultivos da década de 1970 carentes de desenvolvimento.

E nada impede que o cacau apareça em novas áreas do estado. “São Paulo tem uma vocação para a fruticultura, por isso acreditamos que o cacau se adaptará muito bem com outros produtos”, explica
Rosa. Além disso, continua ele, exceto pelas regiões mais frias, o clima do estado é propício, de temperaturas altas e com bons níveis de volume de chuva ao longo do ano. “Esses fatores vão colocar o estado paulista como um dos grandes players de cacau no Brasil”, aposta.

Na merenda

Em parceria com a CATI, a cidade de Mendonça, no Planalto Paulista, criou o projeto Rota do Cacau, no fim de 2023. Além do foco no turismo rural sustentável e no desenvolvimento agrícola da região, o projeto incluiu o chocolate na merenda escolar. Quinzenalmente, as crianças das escolas municipais passaram a receber uma porção de 20 g de chocolate 50% cacau, feito com nibs e açúcar demerara, como um alimento funcional.

Saiba mais

Não é de agora que o Estado de São Paulo se interessa pelo plantio extensivo de cacaueiros. As primeiras tentativas são de 1950, em Caraguatatuba, na propriedade da indústria de chocolates Lacta. “Tentou-se  implantar o cultivo de cacaueiros valendo-se tão somente de técnicas recomendadas a outras regiões cacaueiras do país”, diz Fausto Joaquim Coral, 90 anos, ex-diretor do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e destacado, em 1962 pelo instituto, para dedicar-se integralmente ao cultivo da planta.

A prioridade, por tradição e facilidade, diz ele, foi estudar cientificamente o cacaueiro nas condições de floresta – na Mata Atlântica do Vale do Ribeira e do Litoral Norte. Depois, sob diferentes condições de manejo, na Baixada Santista e, nos anos 1970, no Planalto Paulista, implantando projetos de pesquisa em cidades como Ribeirão Preto, Mococa, Pindorama, Bebedouro, Adamantina e Alvilândia, entre outras. “Os resultados obtidos com essas pesquisas demonstraram fartamente que o plantio tecnificado do cacaueiro em várias áreas potencialmente aptas do Planalto Paulista se justificava como alternativa economicamente viável e promissora”, relembra Fausto.

Em 1984, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo implanta um projeto de cacau para o estado, o PECASP (Plano de Expansão da Cacauicultura em São Paulo), tecnicamente apoiado pelo IAC e pelo CATI. “O Banco do Brasil daria apoio financeiro para financiar as lavouras, como se procedia em outras áreas do território nacional”, explica o cientista, lembrando da desistência posterior do banco no projeto. “Os agricultores paulistas tiveram, a contragosto, que recuar em suas metas e pretensões”, conclui. 

Agora, em 2024, São Paulo retoma as antigas pretensões de poder, também, se projetar como região produtora de cacau. “Acho que agora o estado está mais forte e apto, e espero melhores atenções por parte das instituições financiadoras”, anseia Fausto. (por Cristiana Couto)

Texto (exceção ao box “Saiba mais”) originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Beatriz Marques

Café & Preparos

Native estreia no mercado de cafés especiais com a linha One

A Native, líder no setor de orgânicos, lançou em dezembro e apenas para vendas online a linha One, marcando sua entrada no mercado de cafés especiais (acima de 80 pontos, na escala até 100). 

A nova coleção traz cafés orgânicos de três regiões – Montanhas do Espírito Santo, Cerrado Mineiro e Alta Mogiana –, tanto em grãos quanto moído e para drip coffee. Os cafés têm rastreabilidade e cultivo sustentável. 

As regiões foram escolhidas por produzirem cafés de qualidade e serem conhecidas pelos consumidores. As variedades selecionadas incluem bourbon amarelo (das Montanhas), topázio (do Cerrado Mineiro) e, da Alta Mogiana,  arara (para café em grãos) e obatã (para drip coffee e torrado e moído). 

Os cafés, em embalagens de 250 g e 100 g (drip coffee) estão disponíveis na loja virtual da Native.

TEXTO Redação • FOTO divulgação

Mercado

Carmem Lucia Chaves de Brito, a “Ucha”, é reeleita presidente da BSCA

Carmem Lucia Chaves de Brito, conhecida como Ucha, foi reeleita nesta quarta (18) presidente da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA). Seu novo mandato – o quarto (Ucha dirigiu a entidade em 2017, 2019 e 2024) – estende-se até dezembro de 2025.

A gestão da presidente da BSCA, eleita este ano uma das 100 personalidades mais influentes do agronegócio pelo Grupo Mídia, segue focada em promover os cafés especiais brasileiros como os melhores e mais sustentáveis do mundo, destacando a governança socioambiental e os critérios ESG como pilares estratégicos. Ucha também pretende ampliar a presença do Brasil em mercados emergentes, como China e Índia, fortalecendo as relações internacionais do setor.

No mercado interno, a presidente reforça a importância de aproximar baristas, provadores e consumidores, além de atrair mais jovens e mulheres para o segmento, promovendo inovação e diversidade. “Manteremos a trajetória de inovação, atraindo mais jovens e mulheres ao segmento de especiais e junto à nossa diretoria, reforçando o dever com a pluralidade e o respeito às pessoas, pensando, dessa forma, na preparação de novos líderes e, por que não, no processo de sucessão da BSCA”, diz ela.

Além da reeleição de Ucha, os associados da BSCA também aprovaram a composição dos Conselhos Diretor e Fiscal da entidade para o biênio 2025/26.

Em junho deste ano, Ucha deu uma entrevista exclusiva à Espresso, para a edição impressa #84. Na conversa, ela comentou sobre os desafios de sua gestão na BSCA, a trajetória ascendente dos cafés especiais, o cenário do Brasil cafeicultor e seus planos para o futuro do mercado. Leia na íntegra:

Espresso: Você comentou que tem ampla formação acadêmica. Como isso contribuiu para sua trajetória até aqui?

Ucha: Como muitos do Sul de Minas, nasci debaixo de um pé de café. Essa frutinha, de certa forma, ajuda a estruturar a própria vida da gente. Fui para o Rio de Janeiro muito cedo para estudar e passei metade da vida na cidade, onde me estruturei profissionalmente. Costumo dizer que naveguei nos mares do Rio, mas era aqui o meu porto, o lugar para construir raízes, ganhar fôlego.

Minha primeira formação foi em educação física, trabalhei com treinamento de atletas. Sempre gostei muito de estudar e fiz pós-graduações, mestrados, doutorados… Comecei, até, a buscar outras áreas para me tornar uma profissional melhor. Acabei me formando em psicologia, fiz física quântica, áreas que me ajudaram a ter um olhar cada vez mais amplo. Trabalhei no meio acadêmico por muitos anos até voltar para a fazenda. Essa experiência me ajudou a trabalhar pelo viés da qualidade, porque o mundo da ciência, da pesquisa, nos coloca na posição de observador, o que me ajudou a mergulhar na essência das coisas.

Há 17 anos voltei e assumi a administração da fazenda com meus irmãos depois que meu pai faleceu. E aí, mergulho numa história completamente diferente. Nossa escolha aqui é trabalhar com agregação de valor, com diferenciação. Tentamos escrever uma nova história, construir uma nova cultura para as pessoas da fazenda. Café não é só um produto, é investir nas pessoas, tentando deixar marcas emocionais positivas na vida delas. E, também, deixar marcas nesse pedacinho de terra que está nas nossas mãos. Conseguimos resultados bacanas para a empresa assentados nesses três pilares. A gente volta de um centro grande com um olhar completamente diferente em relação à importância disso tudo.

Atualmente, como se estrutura a BSCA e como ela se relaciona com os profissionais da área?

São quase 400 membros. A associação começou com produtores de café, e durante anos, ela movimentou-se em prol dos cafeicultores. Hoje em dia, temos toda a cadeia conosco. Somos hoje uma associação que dialoga com todos os segmentos, e uma das ações que buscamos é nos relacionarmos mais com outras instituições. Cada vez mais estabelecemos e buscamos caminhos e meios para estarmos próximos dos profissionais do café. Prova disso são os concursos que apoiamos, porque entendemos a importância de ter conosco esses profissionais. Eles são os grandes embaixadores do grão, que têm diálogo direto com a outra ponta, a do consumo. É o mundo do barismo, são os provadores que realmente entregam o que produzimos aos consumidores. Queremos trabalhar os especiais brasileiros como uma grande engrenagem, conjunta e solidária.

Você já teve dois mandatos seguidos e, em 2024, volta ao comando da BSCA. Quais são seus objetivos como presidente e quais os desafios para o setor?

A BSCA é uma associação em constante transformação. O Brasil, como o maior produtor de cafés do mundo, também vem se transformando no contexto dos especiais. Há 17 anos, falávamos de 200 mil sacas de café especial no Brasil. Hoje, são oito milhões de sacas produzidas. Conseguimos muita coisa num curto período, e não paramos. Crescemos cada vez mais, e cada vez mais o setor produtivo entende a importância da agregação de valor no café.

Há 17 anos, estávamos no início de um forte movimento das mulheres, que queriam assumir posições na cafeicultura brasileira. Hoje, elas estão nela. Estamos criando uma espécie de agregado exclusivamente voltado às mulheres no projeto setorial da BSCA, ao lado de entidades como a Apex, para aumentar sua visibilidade na cafeicultura brasileira, para que cheguem mais perto dos compradores desses cafés. Também vejo a importância de buscarmos tecnologia de inovação, de entregar cada vez mais ao mundo não só quantidade, mas consistência na qualidade do café.

Estamos mais empenhados na valorização das múltiplas microrregiões produtoras do Brasil. Na minha última gestão, isso ainda estava germinando. Queremos também trazer os canéforas para a associação. Já temos associados trabalhando robustas e conilons especiais, e regiões já estabelecidas. Esse processo de transformação, de ampliação de diálogo com o mundo, faz toda a diferença no dia a dia das pessoas na fazenda, para que eles acompanhem os movimentos globais. E a BSCA existe para entregar ao mundo o que ele deseja.

O Brasil como um país produtor de qualidade, sustentabilidade e terroirs diversos já é uma realidade. Você concorda?

Se você olhar para trás, essa página já virou. O Brasil já se reposicionou, já está em outro lugar e isso é claro para nós, embora a gente ainda tenha que evoluir muito. Nos mercados já consolidados, temos que continuar o trabalho que já está sendo feito e entender para onde estão indo as tendências.

A Europa é nosso grande mercado, principalmente de café de padrão de qualidade elevado. Os Estados Unidos também são um país com quem sempre teremos que caminhar, na minha opinião, pois são muito inovadores. Esse mundo dos especiais é muito dinâmico. As pessoas sempre querem saber de inovações e se surpreender. O café que a gente produz tem que ser feito a partir do entendimento do setor de consumo, porque é para esse setor que trabalhamos.

E como você enxerga esses novos mercados consumidores?

Temos um novo mercado imenso chegando, como China, Índia e mundo árabe. Já temos que olhar para a China de um modo diferenciado, porque é um mercado completamente diferente do restante do mundo. A China está interessada em cafés especiais mais ou menos como outros países fizeram no início do movimento dos grãos de qualidade. Eles pensam: “Peraí, café do Brasil com esse preço, não. É o preço do café da Etiópia, da Colômbia…” Estamos assistindo acontecer tudo de novo. Não é simples, temos que ser estratégicos para entender esse jeito deles de caminhar. Discutimos na BSCA como devemos nos comportar com relação à China, e como realmente mostrar o valor dos cafés brasileiros. Fizemos ações em 2023, e vamos continuar a fazê-las, sistematicamente. A China é um mercado em potencial para o mundo todo, imagine para o Brasil. Ou seja, temos que consultar a página virada que comentei antes para saber as estratégias para esses novos mercados.

Recentemente, uma pesquisa mostrou que o consumo atual nos Estados Unidos é o maior dos últimos 20 anos. Aumentamos nossas exportações de cafés especiais para o país?

O que a gente está discutindo é uma produção de especiais que gira em torno de oito milhões de sacas. Isso é muito expressivo, porque há pouco tempo falávamos em produzir 200, depois 600 mil sacas, depois pulamos para 1 milhão, 1,2 milhão de sacas.. De 2023 para cá, são oito milhões. É praticamente toda a produção da Colômbia. E não vejo esse movimento parar. Mas a questão não é essa, mas as pessoas que estão chegando no setor de produção, com outra cabeça, outro olhar. Há, então, uma mudança de mindset. Hoje a pegada é a sustentabilidade, é entregar valor e não apenas produto. Ainda temos que trabalhar muito. Hoje em dia, produzir um café especial com uma boa pontuação ou por ter um certo atributo sensorial para nós já é uma obrigação. Tem muito mais coisa que é preciso colocar na xícara.

Em 2023, a SCA [Specialty Coffee Association] lançou uma versão beta de um novo protocolo de avaliação de cafés de qualidade, em que só a pontuação não é mais suficiente. Você acha que o Brasil já olha para toda a cadeia?

Concordo com esse processo de transformação, e acho incrível que a SCA tenha se mobilizado para isso. Embora algumas pessoas resistam, essa mudança de metodologia é necessária. O mercado amadureceu, é o momento de inovar, não dá mais para pensar o café especial exclusivamente pela qualidade sensorial, pela pontuação. Existem outros valores agregados relevantes e precisam ser, também, avaliados e colocados na xícara. Vamos, em parceria com a BCD, fazer um evento no Brasil com os provadores de café para entendermos a nova metodologia na prática.

Como a BSCA auxilia e apoia as novas práticas agrícolas relacionadas à sustentabilidade, principalmente para a Europa?

É nossa pauta constante. A turma que realmente abraçou os cafés especiais é a que está transformando, há muito tempo, suas unidades de produção. Para termos chegado a esse alto nível de especialidade não tinha como não partir para práticas mais sustentáveis. Você nunca vai ter consistência, volume e alto padrão de qualidade no produto se não tiver pessoas qualificadas, competentes e que sejam valorizadas. Isso é inerente aos cuidados de quem agrega valor ao café. Para estar na BSCA, inclusive, é preciso ter fazendas certificadas. O mundo dos especiais contribui muito para o setor de produção de café no Brasil. Se há um novo mindset, é porque estamos convocando pessoas para produzir café de forma revisitada.

E não é só isso. Nosso país tem leis trabalhistas rigorosas e leis ambientais fortes e bem estabelecidas. Isso levou a produção brasileira de especiais a ser a mais sustentável do mundo. Nós visitamos produtores mundo afora, e é nítido que os outros países não têm essa estrutura de sustentabilidade, nem salários dignos, nem distribuição de renda. No Brasil, onde tem café, não se vê miséria.

A maior fatia de distribuição de ganhos em uma venda de café vai para o setor produtivo, e isso não existe em nenhum outro país produtor. Uma cafeicultura realmente lucrativa, tecnificada, cientificamente inovadora como a nossa é lindo de ser ver. O produtor percebe quantas opções tem, e isso é muito inovador. Temos instituições fortes que fazem trabalhos incríveis pela nossa cafeicultura.

Mas ainda falta construir nossa colcha de retalhos, sentar à mesa com elas e conversar. A BSCA é sobre cafés especiais, e, também, sobre a cafeicultura brasileira. Temos que estar com o Cecafé, com a Abics, com o CNC, o CNA, com as regiões. Temos que nos alinhar em prol da cafeicultura brasileira, um setor que recebe abertamente a tecnologia, a inovação.

Como a associação vê a transformação da tecnologia em termos de rastreabilidade?

Esse é um grande desafio para nós. São tantas demandas, e elas acontecem tão rapidamente, que às vezes pensamos estar atrasados. Creio que temos que ser mais eficientes com relação aos selos [fornecidos pela BSCA e que atestam parâmetros que validam que o café é especial]. Antes, discutíamos um selo com os grandes produtores brasileiros de cafés especiais torrados e moídos. Hoje em dia, temos microtorrefações espalhadas pelo Brasil, nanolotes especiais. Como manter esse selo?

Precisamos rever, encontrar maneiras mais atuais para darmos continuidade a esse importante processo. Vou dar meu próprio exemplo. Na minha fazenda, tenho um café-boutique chamado Paioca. E uma torrefação pequena. Como é que vou enviar esses grãos para certificar pela BSCA, se daqui a pouco os poucos quilos de café que temos vão acabar? Então, levo o meu problema para tentar resolver com a diretoria da associação. Vamos ter que buscar formatos mais ágeis para os selos.

Ano passado, vocês anunciaram uma parceria com a Abic para uma certificação para o mercado interno de cafés. Mas grande parte dele acredita que a produção brasileira segue para o exterior. Como vocês o enxergam?

A BSCA praticamente existia para o mundo lá fora. Quando estive na presidência, costumava dizer para a Vanusia [Nogueira, atualmente presidente da OIC]: “Não sei como é só olhar para o Brasil…

A gente fala da China, mas eu digo para os produtores: “Vocês estão tão preocupados com o mundo, mas olhem o país de vocês, que é o segundo maior consumidor de café do planeta.” Ou seja, o mercado interno tem grande potencial. Por isso, essa parceria com a Abic foi uma conquista. É um respeito ao consumidor brasileiro, para que ele comece a entender um pouco mais do assunto. Ele ainda está muito perdido.

Quantas pessoas chegam pra gente e perguntam a diferença entre o café gourmet e o café especial. “Não é a mesma coisa?”, questionam. Precisamos comunicar essas diferenças melhor. E estamos trabalhando muito nisso. E a Espresso está com a gente também, para comunicar melhor isso ao consumidor brasileiro. Esse é um papel crucial da BSCA: melhorar a nossa comunicação, principalmente interna, levar mais esclarecimento para a nossa grande comunidade consumidora de cafés especiais no Brasil. Quando a Abic topou a parceria, achamos fundamental introduzir o selo de café especial no seu rol de selos.

Queremos chegar cada vez mais perto das instituições para que, juntos, possamos trabalhar pela cafeicultura brasileira, pelo consumo de cafés brasileiros de qualidade, que é o que o consumidor brasileiro merece.

Mas são muitos os desafios. Estamos pensando em reunir as instituições para pensarmos juntos um processo que faça valer o que o Brasil já é. Não adianta sermos uma potência se não conseguirmos comunicar isso ao Brasil, que está, aliás, num bom momento em termos de especiais.

Por fim, qual é o seu sonho para o mercado de cafés?

Ah, não sou muito de ter um sonho só não, tenho um monte deles. Mas pensando globalmente, sonho com um Brasil que, de fato, conheça o Brasil. Um Brasil que valorize o setor de produção de café. Um Brasil que, assim como fazem os estrangeiros, queira vir para o campo nos conhecer. Não tenho medido esforços para abrir a minha fazenda, temos rota turística de café por aqui. Precisamos construir, realmente, narrativas bacanas para levar para a nossa gente, principalmente para os que amam café, as coisas maravilhosas que fazemos.

TEXTO Redação • FOTO Arquivo pessoal

Cafeteria & Afins

Grassy Caffè – Ribeirão Preto (SP)

Com vista para a rua e pé-direito alto, a Grassy Caffè, em Ribeirão Preto (SP), é um convite para tomar uma xícara nas mesas da área externa, no balcão ou nos sofás e poltronas confortáveis que preenchem o salão. Além de cafeteria, é, também, uma torrefação, que fica acomodada nos fundos do ambiente, de onde é possível ver sacas de café e o torrador Atilla, que torra os grãos destinados ao consumo no local e que abastecem a gôndola ao lado do caixa e o e-commerce da marca. Inaugurada em 2015 neste mesmo endereço, a Grassy foi a primeira cafeteira de terceira onda da cidade. O espaço divide-se harmoniosamente entre cafeteria e torrefação na parte de baixo, enquanto o andar de cima é destinado à locação de maquinários. O ambiente da cafeteria, onde ficamos, é agradável e decorado em tons pastéis, além de reportagens sobre a casa enquadradas nas paredes.

A área de trabalho dos baristas fica no centro do salão, com um balcão para quem quiser tomar café e trocar uma ideia com os profissionais. Sentamos em uma mesa e logo nos ofereceram uma carta de grãos com uma variedade interessante. Havia opções de regiões como Mantiqueira de Minas, Castelo do Espírito Santo, Alta Mogiana Mineira, Montanhas do Espírito Santo e um blend da casa chamado blend do Rapha, o mestre de torra da cafeteria. Para o preparo, as alternativas são v60, aeropress, clever, fluire, chemex, french press e hand blown.

Nossa pedida foi um catuaí amarelo premiado – 89 pontos, de processamento natural feito pelo produtor Pedro Paulo Cardoso, da região da Mantiqueira de Minas – extraído na v60. Um detalhe atencioso da casa é servir os coados em copos da marca Loveramics. O café, bem extraído e de corpo médio, era bem doce, de acidez cítrica e notas condizentes com as da carta (remetendo a caldo de cana e melaço), além de ter um leve toque frutado de manga. Uma bebida redonda e sem arestas. No menu digital, é possível encontrar opções clássicas de uma cafeteria, como cappuccino, mocha, latte e machiatto, além de frapês com sorvete e as bebidas geladas espresso tônica e suco de laranja com café.

Pão de queijo com ciabatta canastra e espresso

Para comer, a sugestão foi um panini canastra, que é um pão ciabatta na chapa com queijo canastra premiado, muçarela, tomate-cereja, molho agridoce e rúcula. O queijo faz um bom elo de sabores com o café coado, mas é levemente ofuscado pela predominância do molho agridoce e da rúcula. Além do sanduíche, chegou à mesa uma porção (5 unidades) de minipães de queijo, acompanhados de cream cheese e geleia de frutas vermelhas, de sabor agradável mas textura um pouco borrachuda. A cafeteria também conta com opções de salgados assados tradicionais, como esfihas e croissants produzidos por estabelecimentos parceiros.

No dia da visita, as opções para espresso eram o grão aranãs – de processamento natural e cultivado por Felipe Carvalho na Alta Mogiana Mineira, com notas de especiarias – e um catuaí amarelo lavado, do cafeicultor Leandro Santos (Montanhas do Espírito Santo), que, segundo a barista que nos ajudou, era mais doce, floral e combinaria com a fatia de bolo de fubá que pedimos. Este último foi servido com uma crema bonita e consistente. Quando mexido, as notas florais apareceram. Na boca, apresentou-se como uma bebida de doçura média, com aromas florais e de mel e acidez e corpo médios.

Provamos o espresso à tarde, e a experiência poderia ter sido ainda melhor se o moinho sofresse uma pequena regulagem. O espresso também chegou antes do bolo. De qualquer modo, a harmonização entre o floral do café e o aroma do fubá funcionou bem. O bolo era uma receita tradicional, com doçura na medida certa e boa textura – o ponto alto entre os pedidos. As louças brancas e clássicas da Schmidt
estão por todo o lado, tanto nas xícaras de cappuccino quanto nos pratos para os sanduíches e sobremesas. O destaque, porém, são os copos sensoriais coloridos da Loveramics.

Nossa conta: R$ 105 + taxa de serviço
Coado v60 – R$ 30
Espresso – R$ 10
Água – R$ 7
Panini canastra – R$ 32
Porção de minipães de queijo – R$ 15
Bolo de fubá – R$ 11

A equipe da Espresso visitou a casa anonimamente e pagou a conta.

Texto originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

Informações sobre a Cafeteria

Endereço Rua Clemente Ferreira, 945
Bairro Jardim São Luiz
Cidade Ribeirão Preto
Estado São Paulo
País Brasil
Website http://https://www.instagram.com/grassycaffe/
TEXTO Equipe Espresso • FOTO Equipe Espresso

Mercado

União para um café do futuro: o impacto da 12ª edição da SIC

Com o tema em torno de clima, ciência e novos consumidores, a 12ª edição da SIC, que teve recorde de público e negócios, debate a necessidade de conectar todo o mercado cafeeiro

Trabalho conjunto. Um conceito consolidado na cafeicultura atual, a união – seja ela de toda a cadeia ou da integração de olhares de sustentabilidade, transparência e valor dos grãos – foi a demanda que marcou debates, palestras e workshops durante os três dias da 12ª edição da Semana Internacional do Café, um dos mais importantes evento de café do mundo. O evento, que aconteceu entre 20 e 22 de novembro no Expominas, em Belo Horizonte, teve como tema “Como o clima, a ciência e os novos consumidores estão moldando o futuro do café”, e atraiu mais de 25 mil pessoas e motivou a geração de cerca de 80 milhões de reais em negócios iniciados – ambos, números recordes.

Clima e sustentabilidade

As questões sobre clima e sustentabilidade foram as mais discutidas no evento – um reflexo de sua relevância nos cenários nacional e global nos últimos tempos. “O Brasil não está conseguindo produzir café suficiente para atender a demanda, mesmo batendo recordes”, alerta o especialista Haroldo Bonfá, da Pharos Consultoria. Há 40 anos no ramo do café, Bonfá abriu o seminário DNA Café – que traz as principais tendências de mercado – na tarde do primeiro dia, com a palestra “Cenários e perspectivas do cenário de cafés”.

A afirmação de Bonfá diz respeito à conjunção desordenada de seca, geada e chuva tardias, tanto no Brasil como em âmbito global. “Acidentes climáticos vão continuar”, continuou Márcio Ferreira, CEO da Tristão, durante o painel “Visão Global: executivos discutem os atuais desafios e oportunidades do setor”. “E medidas isoladas não são a solução”, emenda Marco Valério Brito, presidente da cooperativa Coccamig (MG). Mas, além dos desafios enfrentados pela cadeia cafeeira, foram apontadas possíveis soluções.

Nunca o setor esteve tão unido, relataram vários palestrantes. Exemplo disso é o compartilhamento de
sementes de uma nova variedade de arábica – a star 4 (com período menor de crescimento e alta tolerância à ferrugem) recém-lançada pela Nestlé depois de mais de dez anos de pesquisas – com a cadeia produtiva. “Se antes praticávamos uma agricultura sustentável, hoje incentivamos uma agricultura regenerativa”, diz Valéria Pardal, CEO de cafés da Nestlé Brasil, que participou do mesmo painel, referindo-se aos cuidados com o solo e com a água e à preservação da biodiversidade.

Geografia de consumo

A geografia de consumo também vai mudar – e o Brasil produtor pode ganhar muito com isso. “Essa
mudança será rápida e drástica”, acredita Ferreira, fazendo menção aos mercados emergentes. “E essa geografia vai demandar mais e mais produção, precisão de tecnologia, ciência e bom preço”, conclui ele.

“Temos um potencial tremendo, pois somos competitivos em preço e em qualidade, e temos que valorizar isso nos mercados lá fora”, incentiva Bonfá. O especialista refere-se tanto às oportunidades, como são os mercados emergentes China e Índia (países populosos e que ainda bebem pouco café), quanto à necessidade de manutenção dos países já conquistados. Para se ter uma ideia, a China, por exemplo, bebe 300 g de café per capita ao ano e a Índia, 60 g. Mas o trabalho, frisou ele, é longo. “Temos todo o espectro de café necessário”, anima-se o especialista.

O futuro será gelado

Outro desafio – essencial para o sucesso do setor – é conquistar, também, as novas gerações. “O futuro do café é gelado”, prevê Valéria, referindo-se ao crescente mercado de bebidas geladas. Segundo ela,
para as novas gerações de consumidores brasileiros, os cafés gelados funcionam como fonte de energia e
momento de “indulgência”.

O perfil dos novos consumidores voltou à cena no painel “O impacto das megatendências no consumo de café”, que destacou diversidade de sabores, inovação e qualidade, além da sustentabilidade como grandes termômetros no mercado cafeeiro. “As pessoas hoje em dia buscam saúde, e estão abertas a novas experiências”, acrescenta Celírio Inácio da Silva, CEO da Abic. “Hoje em dia, são pequenas sutilezas que o consumidor busca na origem”, emenda Brito.

Trabalho somado. É essencial compreender o consumidor, que busca conhecimento, novas experiências e, acima de tudo, um café alinhado aos princípios ESG. Rastreabilidade, portanto, também está no centro das discussões atuais.

Mas sustentar o crescimento do mercado e enfrentar a emergência climática requer ações integradas. “A agricultura regenerativa é sistêmica”, afirma Felipe Salomão, gerente-sênior de assuntos públicos da Nestlé Brasil, durante o painel “COP 30: e eu com isso?”. Salomão destaca, também, a importância da gestão: “De caixa, de sucessão, de financiamento – é preciso equilíbrio”. “Não existe revolução verde no vermelho”, lembra ele.

O valor da economia verde

Essa visão balanceada é compartilhada por José Donizeti Alves, professor titular da UFLA, que abordou os impactos climáticos no café sob os aspectos produtivos e sustentáveis no painel “Desafio climático: seus impactos e soluções verdes para uma nova era sustentável”. “A cafeicultura sustentável exige um equilíbrio delicado entre produção e sustentabilidade”, resume o especialista, trazendo à tona o desafio central para o setor.

Integração. Como converter, por exemplo, economia verde em valor? A pergunta motivou a contribuição de Daniel Vargas, professor da FGV RJ e coordenador do Observatório de Bioeconomia da FGV, durante o mesmo painel. Vargas enfatizou a importância de integrar recursos e serviços naturais à economia, atribuindo a eles valor econômico e tornando-os visíveis e precificáveis. Segundo ele, a bioeconomia (como os créditos de carbono) pode ser uma oportunidade econômica para o Brasil – desde que consideradas as particularidades das economias tropicais.

“O futuro é a integração entre saúde e bem estar, sustentabilidade e sabor”, resume Stefan Dierks, diretor de estratégia de sustentabilidade do grupo Melitta da Alemanha, no painel sobre o impacto das megatendências no consumo de café. “E a única forma de alcançarmos isso é trabalhando juntos”.

Dierks em fala durante “O impacto das megatendências no consumo de café”

A ciência dos cafés

A ciência é a grande aliada da sustentabilidade na cafeicultura, e deu o tom do segundo dia de SIC, especialmente nos encontros do Fórum de Agricultura Sustentável, que está em sua 11ª edição. O trabalho conjunto dos agentes da cadeia, a multidisciplinaridade do conhecimento científico e as práticas regenerativas no campo surgiram como aspectos fundamentais para vencer os desafios das mudanças climáticas.

“A ciência tem um poder de transformação gigantesco”, diz Enrique Alves, pesquisador da Embrapa Rondônia e especialista em qualidade dos Robustas Amazônicos, em depoimento à Espresso depois de mediar o painel “A força da ciência nas questões de clima, solo, variedades e consumo”. “Ela envolve tudo que é importante para a produção de cafés, desde commodities até especiais. Envolve questões de solo, de ambiente e de genética, e o domínio desses conhecimentos é importante para extrair o máximo para ter produtividade, qualidade e segurança alimentar”, explica ele.

Regenerar é construir

A tecnologia e a ciência voltadas para o campo como potenciais da cafeicultura brasileira foram debatidos, de fato, ao longo do dia. O destaque do painel “Revolução verde: exemplos da nova economia sustentável”, foram cases de sucesso na redução da pegada de carbono na cafeicultura, como um estudo da potencialidade das práticas regenerativas (em comparação com a agricultura tradicional) em relação ao sequestro de carbono em conilons do Espírito Santo e o desenvolvimento de um fertilizante verde pela empresa Yara, em parceria com a cooperativa Cooxupé (em Guaxupé, Sul de Minas). “A potencialidade da agricultura brasileira, o modo como ela é feita hoje, é uma grande solução nas mudanças climáticas”,
diz Natália Amoedo, fundadora da Pipah e mediadora do painel. “O Brasil tem a oportunidade de dar novos passos, pensando em tecnologia e, principalmente, testando novos modelos de negócios, como os colaborativos”, completa.

“Regenerar significa reconstruir”, ensina Eduardo Sampaio, consultor sênior da Plataforma Global do Café (CGP), que recorreu à história da agricultura para tratar do tema no painel “ABC do Regenerativo: fundamentos e retornos econômicos para o produtor”, em que atuou como mediador. Sampaio destacou, ainda, a necessidade de um pensamento sistêmico e multidisciplinar para encarar os desafios atuais na cafeicultura. “Não há como mudar as mudanças, mas há como minimizar seus impactos através da agricultura regenerativa acoplada à ciência”, completou Alessandro Hervaz, vice-presidente da cooperativa mineira Coopervass, que há um ano criou o projeto Greencoffee, de práticas de cultivo
responsável e que envolve cerca de 30 produtores de café.

“As práticas regenerativas são um caminho sem volta”, pontuou Adriano Ribeiro, coordenador de sustentabilidade da NKG Stockler, no mesmo painel. E “sua reconexão com a academia é um alicerce maior para as mudanças em vigor”.

A agricultura regenerativa não é uma moda passageira. Diversas falas dos palestrantes ao longo dos três dias de evento foram alimentadas por dados científicos, que embasaram os avanços na produção de grãos de cafeicultores que adotam a agricultura regenerativa quando o assunto são os desafios climáticos.

Apesar disso, ainda existem barreiras que precisam ser quebradas, e um dos caminhos é a informação correta, como destacou Sampaio. Além disso, a AR ainda carece de valoração específica, uma demanda dos produtores que há muito a praticam. Isso será compensado em 2025, quando a Rainforest Alliance pretende lançar uma certificação para ela. “Teremos um módulo específico para AR”, promete Yuri Feres, diretor da Rainforest Alliance Brasil. “Não há dúvidas científicas da resiliência dos cafés que têm práticas regenerativas”, reforça Ribeiro.

Outra ferramenta fundamental para enfrentar os desafios climáticos é a genética. É o que apresentaram pesquisadores no painel “Tecnologias genômicas e a transformação da produção de café”, que aconteceu em sala paralela à do fórum.

Segundo eles, desde 2002 projetos vêm estudando o genoma das duas espécies de café de valor econômico. Em 2014, com colaboração internacional, foi desvendado o genoma completo do canéfora. Em 2024, o genoma da espécie arábica foi concluído. A importância disso? Acelerar o trabalho dos melhoristas do café no desenvolvimento de novas variedades com demandas atuais, como tolerância à seca e a doenças e que tenham qualidade sensorial, a partir do uso de marcadores que auxiliam na “construção” de novas variedades. “A pesquisa científica está sempre antenada, e com muita antecedência”, lembra Luiz Filipe Pereira, da Embrapa Café.

“Qualquer variedade pode entregar bebidas acima de 90 pontos”, garante o pesquisador de cafés especiais do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) Gerson Giomo, referindo-se às qualidades intrínsecas dos cafés. “Elas só precisam estar em ambientes favoráveis para expressarem seu potencial genético”, ensina o especialista, no já citado painel sobre ciência, clima e solo.

A ciência do solo também está na ordem do dia. Estudos recentes mostram que ele tem características “invisíveis” (referindo-se aos minerais que compõem a argila do solo), identificadas a partir de procedimentos magnéticos e que “impactam na capacidade das plantas em produzir cafés de qualidade”, diz o especialista em solos Diego Siqueira, CEO da Quanticum.

Mercado sustentável

Outro tema que não pode ficar de fora foi a lei antidesmatamento europeia. As discussões sobre os recentes desdobramentos da EUDR, feitas durante o painel “Brasil e as novas regulamentações da UE: ameaça ou oportunidade?”, apontaram que, apesar dos desafios impostos, o Brasil possui condições favoráveis para consolidar e expandir sua presença no mercado europeu de café, aproveitando a crescente demanda por produtos sustentáveis.“De janeiro a outubro, as empresas já se programaram para as novas regras”, explica Marcos Matos, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), referindo-se, ainda, ao aumento de 54,5% de exportação de café para União Europeia.

Segundo ele, também, a Alemanha ultrapassou os Estados Unidos como principal importador de cafés brasileiros nesse período. “Para nós, a EUDR tem se mostrado um aspecto positivo, uma oportunidade para mostrarmos, com promoção da imagem, a nossa real sustentabilidade”, completa, não sem destacar a realidade difícil de outros países produtores nesse contexto.

O segundo dia do evento ainda fechou com o lançamento da plataforma de rastreabilidade das Indicações Geográficas (IGs) de café e do livro A Revolução do Café Brasileiro – Regiões com Indicação Geográfica.

A Plataforma de Rastreabilidade das Indicações Geográficas (IGs) de Café, denominada Origem Controlada Café, é uma iniciativa conjunta do Sebrae, da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e do Instituto CNA, e busca fortalecer o controle e a rastreabilidade dos grãos brasileiros com IG no Brasil a partir da reunião e monitoramento de dados das 15 IGs brasileiras de café. Com tecnologias como blockchain e geolocalização, a ferramenta abrange mais de 100 mil produtores em 424 municípios. Por meio dela, é possível acessar informações sobre os produtores, locais de cultivo, qualidade e características sensoriais dos cafés, atendendo às exigências do mercado por transparência e garantia de origem.

A SIC é uma realização de Sistema Faemg, Espresso&CO., Sebrae e Governo de Minas Gerais. Tem o apoio institucional do Sistema OCEMG e patrocínio da CODEMGE, 3corações, Nescafé, Nespresso, SICOOB, Yara, Melitta e Senar.

TEXTO Cristiana Couto • FOTO NITRO/Semana Internacional do Café

Cafezal

Carvão biológico: entenda o que é biochar e por que ele é tão importante

Feito, entre outros materiais, das cascas do café, o biocarvão ajuda a cafeicultura a ser mais resiliente e a mitigar mudanças climáticas

O biocarvão, ferramenta promissora para a agricultura eficiente e de baixo impacto ambiental, tem mobilizado cientistas e empresas no Brasil – especialmente o que é feito de resíduos do café. Sua produção em larga escala no país vem sendo protagonizada pela NetZero, e a JDE Peet’s Brasil, recentemente, comunicou investimentos na sua utilização.

Estudos científicos sobre biocarvão ganharam força na última década, mas ainda são poucos os trabalhos sobre os que são feitos da casca do grão, especialmente em condições de campo. Pesquisadores e empresários ouvidos para esta reportagem garantem, porém, que sua aplicação é a alternativa mais efetiva para melhorar a qualidade do solo e para o sequestro de carbono na cadeia do café.

A natureza do biocarvão

Biocarvão (ou biochar, em inglês) é o termo usado para o carvão vegetal feito a partir de qualquer matéria-prima orgânica, em altas temperaturas, na ausência ou com pouco oxigênio disponível e aplicado no solo, com o qual interage profundamente.

Os benefícios são inúmeros. “O biocarvão melhora as composições química, física e biológica do solo”, resume o engenheiro agrônomo Cristiano Andrade, doutor em solos e nutrição de plantas e especialista em matéria orgânica do solo da Embrapa Meio Ambiente. “Ele permite que o solo possa reter mais água e mais nutrientes”, ensina Leônidas Carrijo de Melo, doutor em ciências do solo da Escola de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e especialista em biocarvão.

Em termos físicos, o biocarvão aumenta a porosidade da terra, aprimorando sua aeração. “Isso melhora o ambiente para o desenvolvimento das raízes”, explica Andrade, que trabalha há mais de dez anos com biocarvões.

O melhor desenvolvimento das raízes, por sua vez, aprimora a absorção de nutrientes na terra, ao mesmo tempo em que o próprio biocarvão atua como fonte nutritiva. Segundo Andrade, alguns tipos de biocarvão são materiais ricos em fósforo, potássio, cálcio e magnésio, alimentos importantes para a planta. Seu uso diminui ou, até, dispensa alguns fertilizantes.

Sequestrando carbono

Responsáveis por potencializar a produção dos cultivos desde o fim do século XIX, os fertilizantes usam combustíveis fósseis para sua produção e têm o nitrogênio (N) como um de seus ingredientes-base. Mas, na forma de óxido nitroso (N2O) – resultante da transformação microbiológica no solo (desnitrificação) e que é liberado na atmosfera –, ele se torna quase 300 vezes mais poluente do que o carbono na forma de CO2.

Num país que figura como o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo e sendo a agropecuária a maior emissora de gases do efeito estufa (greenhouse gases, em inglês, ou GHG), o uso de biocarvão é, de fato, um recurso significativo.

Mas o biocarvão tem sido valorizado, principalmente, por sua capacidade de sequestrar, ou seja, de reter o carbono no solo por um longo tempo. O relatório do IPCC de 2018 já alertava para o fato de que a redução nas emissões dos GHG não é suficiente para limitar o aquecimento global em 1,5ºC, e listou o biocarvão entre as tecnologias capazes de sequestrar carbono de maneira importante para mitigar as mudanças climáticas.

O principal componente químico do biocarvão é o carbono. Termicamente alterado pelo processo de pirólise (veja ao final da reportagem, no texto “A química do carvão”), o biocarvão pode durar dezenas de anos no solo, o que cria na terra um grande estoque de carbono. “Se o carbono fica no solo, ajuda a reduzir os gases do efeito estufa”, lembra Andrade. “O biocarvão interfere diretamente no ciclo de carbono da natureza”, resume Melo, da UFLA.

A UFLA é parceira da JDE Peet’s Brasil – empresa líder mundial na produção de cafés e chás que agrupa várias marcas, como Café Pilão e Café do Ponto – na investigação dos benefícios do biocarvão na cafeicultura. O estudo, que está sendo realizado numa fazenda da NKG Fazendas Brasileiras, em Santo Antônio do Amparo (MG), e é conduzido pelo grupo de pesquisas coordenado por Melo, busca avaliar o efeito do biochar da casca de café na produtividade da cafeicultura, definir suas dosagens e verificar seu impacto na qualidade sensorial da bebida.

“Precisamos de inovações e tecnologias escaláveis para que os produtores possam produzir cafés com pegada de carbono zero”, explica Bruno Ribeiro, coordenador de compras responsáveis da companhia. Por isso, a JDE Peet’s comunicou, em julho, que está incentivando o uso do biocarvão de casca de café entre cafeicultores brasileiros, o que ajuda a promover a economia circular ao utilizar os resíduos de café na cadeia que os produz. “Esse estudo pode ser uma solução para aumentarmos o conhecimento sobre biochar na cafeicultura, já que há pouca informação sobre essa tecnologia”, analisa.

Não é adubo

O uso de sobras do café na lavoura não é novidade. Muitas fazendas utilizam as cascas secas como adubo há décadas. Mas biocarvão não é adubo, mas um condicionador de solo – que contribui para melhorar suas propriedades. Depois de uma complexa teia de processos químicos, o produto pode aumentar a eficiência dos fertilizantes. “Queremos que o biocarvão melhore a interação do solo com o adubo, man-
tendo o nitrogênio disponível para a planta por mais tempo, o que resulta em maior eficiência do adubo e seu uso em menor quantidade”, explica Melo, referindo-se à perda de quase metade da quantidade de fertilizante aplicado no solo por lixiviação, volatilização e desnitrificação (outro objetivo da pesquisa que ele coordena é, justamente, avaliar a possibilidade de redução da adubação nitrogenada).

A redução do uso de fertilizantes nas lavouras de café varia com as práticas locais e o tipo de solo. “Mas ela pode ser significativa, da mesma ordem de grandeza do aumento da produtividade”, afirma Olivier Reinaud, cofundador e diretor geral da greentech francesa NetZero, primeira empresa a produzir biocarvão no Brasil e única no mundo a fazê-lo das cascas do café.

Segundo Reinaud, além de fazer a lavoura produzir mais e de reduzir os custos do produtor com o uso de adubos, o biocarvão também agrega valor às culturas. “Já estamos vendo grandes empresas comprando culturas produzidas com biochar com um prêmio de preço para reconhecer sua maior sustentabilidade”, comenta. “Essa é uma grande oportunidade para os agricultores”.

Até 2020, não era possível certificar créditos de remoção de carbono de indústrias de biocarvão. Assim, os projetos tinham como única fonte de receita a venda do produto aos agricultores. As grandes empresas que compram esses créditos só desembolsam dinheiro para adquirir os que são certificados. A NetZero tem rastreabilidade na produção de seu biocarvão, e conseguiu certificação para emitir os créditos. “Para ter seus créditos comercializados, o biocarvão deve ser produzido com especificações, como temperatura adequada, por exemplo, para que se tenha a garantia de que ele é estável e que volta para o solo”, explica Melo. O dinheiro da compra dos créditos viabiliza o negócio, que, ao final, traz retorno econômico para os produtores de café.

Escala industrial

Pioneira na produção industrial de biocarvão de cascas de café, a NetZero conta com uma fábrica em Camarões e duas no Brasil, em Lajinha (MG) e em Brejetuba (ES) – esta, inaugurada em junho. Criada em 2021 e sediada em Paris, a NetZero é quem vende o bio carvão que a JDE Peet’s Brasil usa em seus estudos.

As duas fábricas da NetZero ficam próximas da Coocafé (Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Lajinha), que conta com mais de dez mil cooperados. Isso porque o modelo de negócio da empresa francesa é formar parcerias: os custos da produção e do transporte da biomassa e do biocarvão são divididos entre os cooperados e a empresa. Cerca de 800 produtores associados fornecem a biomassa para as duas usinas. Em contrapartida, dispõem, sem custo, de parte do biocarvão, e compram outro tanto com desconto. “Produzir biocarvão com cooperativas é um modelo excelente”, acredita Andrade.

A implantação de uma fábrica em área próxima à fonte que fornece o resíduo e faz, posteriormente, uso do biocarvão reduz os custos de transporte e simplifica a logística. O engenheiro agrônomo Jefferson Carneiro, especialista em biocarvão e que trabalha com a startup francesa para produzir dados científicos que ajudem na compreensão do biocarvão de café, destaca a importância do modelo. “A parceria entre indústria, instituições de pesquisa e produtores é necessária para o avanço na cafeicultura e no desenvolvimento desses produtos”, afirma.

“O biochar é uma solução altamente estratégica para uma potência agrícola como o Brasil, pois o produto atende à maioria dos desafios atuais da agricultura”, comenta Reinaud. Um deles é o custo: biocarvão é um produto caro para ser feito em larga escala. Embora sua produção artesanal seja relativamente fácil, diz ele, sua elaboração em escala industrial com segurança e qualidade é bem mais complexa.

A maior parte da produção de biocarvão está na América do Norte, na Europa e na China. “São empresas que geralmente produzem quantidades menores de biocarvão, a um custo bem mais elevado, utilizando resíduos de madeira em vez de resíduos agrícolas como matéria-prima e sem usar um modelo de economia circular”, pontua.

É difícil avaliar a quantidade de biocarvão fabricada no mundo, pois a produção industrial existe há pouco tempo. “Por enquanto, os volumes são bem pequenos, mas estão crescendo rapidamente, com o surgimento de muitos projetos em todo o mundo agora que o biocarvão foi totalmente reconhecido cientificamente e que modelos como o da NetZero estão tornando a produção em grande escala mais acessível”, analisa o diretor geral. Nas duas fábricas, a empresa planeja produzir 8,5 mil toneladas de biocarvão por ano.

Por dentro do biocarvão

A maioria dos estudos sobre biocarvão ainda são feitos fora do país. Na Colômbia, dados de um experimento com o produto na cafeicultura animam Carneiro.

“Após um ano de aplicação, a produtividade dos cafezais aumentou 33%. Esse aumento se manteve nos dois anos seguintes do experimento”, detalha ele, que é doutor em ciências do solo na área de fertilidade e nutrição de plantas e conduz os experimentos de biocarvão de café da NetZero na Fazenda Recanto, em Machado, no Sul de Minas.

É em Machado, aliás, que a empresa francesa planeja, ao lado da Eisa Interagrícola (uma das maiores tradings de café e algodão do país e subsidiária do grupo suíço ECOM), construir sua terceira fábrica brasileira.

Os experimentos na Fazenda Recanto ainda estão em fase inicial, mas a NetZero também conduz pesquisas em outras propriedades. Um exemplo são os testes feitos em Afonso Cláudio (MG). O produtor Carlos Tristão de Souza, da Fazenda Bom Jardim, comemora os primeiros resultados: um aumento de até 70% na produção de frutos maduros em 400 pés de café arábica plantados a 320 m de altitude e nos quais utilizou o biocarvão. Isso resultou em 40 sacas a mais por hectare, segundo divulgou a NetZero em seu Instagram.

Reportagem de 2023 da revista Pesquisa Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) informa que, em estudos controlados feitos na última década, o uso de biocarvão aumentou a produtividade agrícola em até 50%, o crescimento das raízes em 30% e reduziu em cerca de 20% o uso de fertilizantes. Andrade cita outros deles: “Estudos de meta-análise [que analisam estatisticamente vários estudos independentes sobre o mesmo tema para integrar e sintetizar seus resultados] indicam que o biocarvão foi responsável por uma redução média de 50% na emissão de N2O do solo”, conta.

Já o IAC (Instituto Agronômico de Campinas) e a Embrapa Meio Ambiente ampliaram os estudos com biocarvão de café ao aproveitar a borra, gerada na produção de café solúvel, e o pergaminho, que sobra do despolpamento. Incorporados ao solo, ambos foram eficientes na redução de contaminação por metais pesados e melhoraram a qualidade da terra.

Outra vantagem do produto é a ausência da emissão de metano, que ocorre durante a decomposição da palha (como também é chamada a casca residual) do café como adubo convencional. Por fim, há a praticidade – apenas uma aplicação na lavoura pode ter efeito por vários anos (por causa da estabilidade do material no solo).

Porém, utilizar biocarvão não é tão simples, pois varia de acordo com suas propriedades, definidas em função do tipo de matéria-prima e de parâmetros como tempo e temperatura da queima. Há, também, obstáculos a ultrapassar, como o desconhecimento do produto.

“Precisamos apresentar o produto aos agricultores, e eles precisam ser convencidos”, diz Reinaud. “Quanto mais informação técnica e estudos com maior embasamento e conhecimento científico, mais segurança para os produtores testarem uma nova tecnologia”, concorda Ribeiro. Reinaud, porém, garante que a adoção do biocarvão está aumentando rapidamente. “Todos os resultados que estamos obtendo são muito consistentes com a literatura [científica]”, alegra-se.

Outra questão é seu registro. “Não há uma legislação específica para biocarvão no MAPA”, explica Melo. O produto da NetZero conseguiu ser registrado em 2023 como biochar de casca de café, mas seguindo a legislação de condicionador de solo. Se ela ou alguma empresa quiser produzir biocarvão a partir do pergaminho, por exemplo, terá que começar o registro, literalmente, do zero. “Há um movimento de pesquisadores que enviaram manifestações sobre isso ao ministério”, adianta Andrade.

Mas os benefícios do biocarvão ultrapassam, e muito, essas dificuldades transitórias. Ao oferecer uma abordagem viável e inovadora para a captura de carbono, a melhora da qualidade do solo e a promoção da economia circular, o biocarvão já é uma ferramenta do presente para enfrentar os desafios climáticos – especialmente no Brasil, abundante em resíduos agrícolas e em potencial de pesquisa e de produção industrial.

Para saber mais: A química do carvão

A pirólise (do latim, quebra pelo calor, ou seja, decomposição térmica) de resíduos orgânicos resulta em um composto definido como biocarvão. Em altas temperaturas e baixa concentração de oxigênio (ou total ausência dele), a pirólise produz um biocarvão altamente estável e rico em carbono. “Entre 550 e 600°C, o carbono da biomassa da casca de café se transforma e permanece no solo”, explica Melo. Essa estabilidade a que Melo se refere resulta de sua composição química – as chamadas estruturas aromáticas.

Estruturas aromáticas são anéis hexagonais (a representação química é semelhante a uma colmeia de
abelhas) formados por uma cadeia fechada de carbonos denominados estruturais, pois, sendo difíceis de quebrar (e, portanto, estáveis), não ficam disponíveis para serem degradados por microorganismos, permanecendo “trancados” no solo por centenas de anos.

Durante a pirólise – que acontece em fornos/pirolisadores em cerca de 20 minutos –, fatores como
o pH, a concentração de macronutrientes (potássio, fósforo, cálcio e magnésio) e o acúmulo de carbono
em sua composição mudam. Os resultados do uso da formulação também variam, dependendo das
características da matéria-prima, da temperatura de pirólise e sua duração, além da relação entre ela e o ambiente em que foi aplicado.

Já se sabe, por exemplo, que em biocarvões derivados de madeira, o alto teor de carbono estável aumenta a quantidade deste elemento químico no solo. Já, os derivados de esterco servem como fonte
de nutrientes. Biocarvões de resíduos de culturas agrícolas, como o café, têm potencial para cumprir
as duas funções.

Como não se pode medir diretamente (ou de maneira simples) a qualidade de um solo – leia-se seu funcionamento, como, por exemplo, a capacidade de reter ou não a água –, os agrônomos utilizam indicadores para avaliá-lo. Um deles é a quantidade de carbono ou de matéria orgânica contida nele.

Texto originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto (com colaboração de Gustavo Paiva) • FOTO Divulgação • ILUSTRAÇÃO Pamella Moreno
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