Mercado

União para um café do futuro: o impacto da 12ª edição da SIC

Com o tema em torno de clima, ciência e novos consumidores, a 12ª edição da SIC, que teve recorde de público e negócios, debate a necessidade de conectar todo o mercado cafeeiro

Trabalho conjunto. Um conceito consolidado na cafeicultura atual, a união – seja ela de toda a cadeia ou da integração de olhares de sustentabilidade, transparência e valor dos grãos – foi a demanda que marcou debates, palestras e workshops durante os três dias da 12ª edição da Semana Internacional do Café, um dos mais importantes evento de café do mundo. O evento, que aconteceu entre 20 e 22 de novembro no Expominas, em Belo Horizonte, teve como tema “Como o clima, a ciência e os novos consumidores estão moldando o futuro do café”, e atraiu mais de 25 mil pessoas e motivou a geração de cerca de 80 milhões de reais em negócios iniciados – ambos, números recordes.

Clima e sustentabilidade

As questões sobre clima e sustentabilidade foram as mais discutidas no evento – um reflexo de sua relevância nos cenários nacional e global nos últimos tempos. “O Brasil não está conseguindo produzir café suficiente para atender a demanda, mesmo batendo recordes”, alerta o especialista Haroldo Bonfá, da Pharos Consultoria. Há 40 anos no ramo do café, Bonfá abriu o seminário DNA Café – que traz as principais tendências de mercado – na tarde do primeiro dia, com a palestra “Cenários e perspectivas do cenário de cafés”.

A afirmação de Bonfá diz respeito à conjunção desordenada de seca, geada e chuva tardias, tanto no Brasil como em âmbito global. “Acidentes climáticos vão continuar”, continuou Márcio Ferreira, CEO da Tristão, durante o painel “Visão Global: executivos discutem os atuais desafios e oportunidades do setor”. “E medidas isoladas não são a solução”, emenda Marco Valério Brito, presidente da cooperativa Coccamig (MG). Mas, além dos desafios enfrentados pela cadeia cafeeira, foram apontadas possíveis soluções.

Nunca o setor esteve tão unido, relataram vários palestrantes. Exemplo disso é o compartilhamento de
sementes de uma nova variedade de arábica – a star 4 (com período menor de crescimento e alta tolerância à ferrugem) recém-lançada pela Nestlé depois de mais de dez anos de pesquisas – com a cadeia produtiva. “Se antes praticávamos uma agricultura sustentável, hoje incentivamos uma agricultura regenerativa”, diz Valéria Pardal, CEO de cafés da Nestlé Brasil, que participou do mesmo painel, referindo-se aos cuidados com o solo e com a água e à preservação da biodiversidade.

Geografia de consumo

A geografia de consumo também vai mudar – e o Brasil produtor pode ganhar muito com isso. “Essa
mudança será rápida e drástica”, acredita Ferreira, fazendo menção aos mercados emergentes. “E essa geografia vai demandar mais e mais produção, precisão de tecnologia, ciência e bom preço”, conclui ele.

“Temos um potencial tremendo, pois somos competitivos em preço e em qualidade, e temos que valorizar isso nos mercados lá fora”, incentiva Bonfá. O especialista refere-se tanto às oportunidades, como são os mercados emergentes China e Índia (países populosos e que ainda bebem pouco café), quanto à necessidade de manutenção dos países já conquistados. Para se ter uma ideia, a China, por exemplo, bebe 300 g de café per capita ao ano e a Índia, 60 g. Mas o trabalho, frisou ele, é longo. “Temos todo o espectro de café necessário”, anima-se o especialista.

O futuro será gelado

Outro desafio – essencial para o sucesso do setor – é conquistar, também, as novas gerações. “O futuro do café é gelado”, prevê Valéria, referindo-se ao crescente mercado de bebidas geladas. Segundo ela,
para as novas gerações de consumidores brasileiros, os cafés gelados funcionam como fonte de energia e
momento de “indulgência”.

O perfil dos novos consumidores voltou à cena no painel “O impacto das megatendências no consumo de café”, que destacou diversidade de sabores, inovação e qualidade, além da sustentabilidade como grandes termômetros no mercado cafeeiro. “As pessoas hoje em dia buscam saúde, e estão abertas a novas experiências”, acrescenta Celírio Inácio da Silva, CEO da Abic. “Hoje em dia, são pequenas sutilezas que o consumidor busca na origem”, emenda Brito.

Trabalho somado. É essencial compreender o consumidor, que busca conhecimento, novas experiências e, acima de tudo, um café alinhado aos princípios ESG. Rastreabilidade, portanto, também está no centro das discussões atuais.

Mas sustentar o crescimento do mercado e enfrentar a emergência climática requer ações integradas. “A agricultura regenerativa é sistêmica”, afirma Felipe Salomão, gerente-sênior de assuntos públicos da Nestlé Brasil, durante o painel “COP 30: e eu com isso?”. Salomão destaca, também, a importância da gestão: “De caixa, de sucessão, de financiamento – é preciso equilíbrio”. “Não existe revolução verde no vermelho”, lembra ele.

O valor da economia verde

Essa visão balanceada é compartilhada por José Donizeti Alves, professor titular da UFLA, que abordou os impactos climáticos no café sob os aspectos produtivos e sustentáveis no painel “Desafio climático: seus impactos e soluções verdes para uma nova era sustentável”. “A cafeicultura sustentável exige um equilíbrio delicado entre produção e sustentabilidade”, resume o especialista, trazendo à tona o desafio central para o setor.

Integração. Como converter, por exemplo, economia verde em valor? A pergunta motivou a contribuição de Daniel Vargas, professor da FGV RJ e coordenador do Observatório de Bioeconomia da FGV, durante o mesmo painel. Vargas enfatizou a importância de integrar recursos e serviços naturais à economia, atribuindo a eles valor econômico e tornando-os visíveis e precificáveis. Segundo ele, a bioeconomia (como os créditos de carbono) pode ser uma oportunidade econômica para o Brasil – desde que consideradas as particularidades das economias tropicais.

“O futuro é a integração entre saúde e bem estar, sustentabilidade e sabor”, resume Stefan Dierks, diretor de estratégia de sustentabilidade do grupo Melitta da Alemanha, no painel sobre o impacto das megatendências no consumo de café. “E a única forma de alcançarmos isso é trabalhando juntos”.

Dierks em fala durante “O impacto das megatendências no consumo de café”

A ciência dos cafés

A ciência é a grande aliada da sustentabilidade na cafeicultura, e deu o tom do segundo dia de SIC, especialmente nos encontros do Fórum de Agricultura Sustentável, que está em sua 11ª edição. O trabalho conjunto dos agentes da cadeia, a multidisciplinaridade do conhecimento científico e as práticas regenerativas no campo surgiram como aspectos fundamentais para vencer os desafios das mudanças climáticas.

“A ciência tem um poder de transformação gigantesco”, diz Enrique Alves, pesquisador da Embrapa Rondônia e especialista em qualidade dos Robustas Amazônicos, em depoimento à Espresso depois de mediar o painel “A força da ciência nas questões de clima, solo, variedades e consumo”. “Ela envolve tudo que é importante para a produção de cafés, desde commodities até especiais. Envolve questões de solo, de ambiente e de genética, e o domínio desses conhecimentos é importante para extrair o máximo para ter produtividade, qualidade e segurança alimentar”, explica ele.

Regenerar é construir

A tecnologia e a ciência voltadas para o campo como potenciais da cafeicultura brasileira foram debatidos, de fato, ao longo do dia. O destaque do painel “Revolução verde: exemplos da nova economia sustentável”, foram cases de sucesso na redução da pegada de carbono na cafeicultura, como um estudo da potencialidade das práticas regenerativas (em comparação com a agricultura tradicional) em relação ao sequestro de carbono em conilons do Espírito Santo e o desenvolvimento de um fertilizante verde pela empresa Yara, em parceria com a cooperativa Cooxupé (em Guaxupé, Sul de Minas). “A potencialidade da agricultura brasileira, o modo como ela é feita hoje, é uma grande solução nas mudanças climáticas”,
diz Natália Amoedo, fundadora da Pipah e mediadora do painel. “O Brasil tem a oportunidade de dar novos passos, pensando em tecnologia e, principalmente, testando novos modelos de negócios, como os colaborativos”, completa.

“Regenerar significa reconstruir”, ensina Eduardo Sampaio, consultor sênior da Plataforma Global do Café (CGP), que recorreu à história da agricultura para tratar do tema no painel “ABC do Regenerativo: fundamentos e retornos econômicos para o produtor”, em que atuou como mediador. Sampaio destacou, ainda, a necessidade de um pensamento sistêmico e multidisciplinar para encarar os desafios atuais na cafeicultura. “Não há como mudar as mudanças, mas há como minimizar seus impactos através da agricultura regenerativa acoplada à ciência”, completou Alessandro Hervaz, vice-presidente da cooperativa mineira Coopervass, que há um ano criou o projeto Greencoffee, de práticas de cultivo
responsável e que envolve cerca de 30 produtores de café.

“As práticas regenerativas são um caminho sem volta”, pontuou Adriano Ribeiro, coordenador de sustentabilidade da NKG Stockler, no mesmo painel. E “sua reconexão com a academia é um alicerce maior para as mudanças em vigor”.

A agricultura regenerativa não é uma moda passageira. Diversas falas dos palestrantes ao longo dos três dias de evento foram alimentadas por dados científicos, que embasaram os avanços na produção de grãos de cafeicultores que adotam a agricultura regenerativa quando o assunto são os desafios climáticos.

Apesar disso, ainda existem barreiras que precisam ser quebradas, e um dos caminhos é a informação correta, como destacou Sampaio. Além disso, a AR ainda carece de valoração específica, uma demanda dos produtores que há muito a praticam. Isso será compensado em 2025, quando a Rainforest Alliance pretende lançar uma certificação para ela. “Teremos um módulo específico para AR”, promete Yuri Feres, diretor da Rainforest Alliance Brasil. “Não há dúvidas científicas da resiliência dos cafés que têm práticas regenerativas”, reforça Ribeiro.

Outra ferramenta fundamental para enfrentar os desafios climáticos é a genética. É o que apresentaram pesquisadores no painel “Tecnologias genômicas e a transformação da produção de café”, que aconteceu em sala paralela à do fórum.

Segundo eles, desde 2002 projetos vêm estudando o genoma das duas espécies de café de valor econômico. Em 2014, com colaboração internacional, foi desvendado o genoma completo do canéfora. Em 2024, o genoma da espécie arábica foi concluído. A importância disso? Acelerar o trabalho dos melhoristas do café no desenvolvimento de novas variedades com demandas atuais, como tolerância à seca e a doenças e que tenham qualidade sensorial, a partir do uso de marcadores que auxiliam na “construção” de novas variedades. “A pesquisa científica está sempre antenada, e com muita antecedência”, lembra Luiz Filipe Pereira, da Embrapa Café.

“Qualquer variedade pode entregar bebidas acima de 90 pontos”, garante o pesquisador de cafés especiais do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) Gerson Giomo, referindo-se às qualidades intrínsecas dos cafés. “Elas só precisam estar em ambientes favoráveis para expressarem seu potencial genético”, ensina o especialista, no já citado painel sobre ciência, clima e solo.

A ciência do solo também está na ordem do dia. Estudos recentes mostram que ele tem características “invisíveis” (referindo-se aos minerais que compõem a argila do solo), identificadas a partir de procedimentos magnéticos e que “impactam na capacidade das plantas em produzir cafés de qualidade”, diz o especialista em solos Diego Siqueira, CEO da Quanticum.

Mercado sustentável

Outro tema que não pode ficar de fora foi a lei antidesmatamento europeia. As discussões sobre os recentes desdobramentos da EUDR, feitas durante o painel “Brasil e as novas regulamentações da UE: ameaça ou oportunidade?”, apontaram que, apesar dos desafios impostos, o Brasil possui condições favoráveis para consolidar e expandir sua presença no mercado europeu de café, aproveitando a crescente demanda por produtos sustentáveis.“De janeiro a outubro, as empresas já se programaram para as novas regras”, explica Marcos Matos, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), referindo-se, ainda, ao aumento de 54,5% de exportação de café para União Europeia.

Segundo ele, também, a Alemanha ultrapassou os Estados Unidos como principal importador de cafés brasileiros nesse período. “Para nós, a EUDR tem se mostrado um aspecto positivo, uma oportunidade para mostrarmos, com promoção da imagem, a nossa real sustentabilidade”, completa, não sem destacar a realidade difícil de outros países produtores nesse contexto.

O segundo dia do evento ainda fechou com o lançamento da plataforma de rastreabilidade das Indicações Geográficas (IGs) de café e do livro A Revolução do Café Brasileiro – Regiões com Indicação Geográfica.

A Plataforma de Rastreabilidade das Indicações Geográficas (IGs) de Café, denominada Origem Controlada Café, é uma iniciativa conjunta do Sebrae, da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e do Instituto CNA, e busca fortalecer o controle e a rastreabilidade dos grãos brasileiros com IG no Brasil a partir da reunião e monitoramento de dados das 15 IGs brasileiras de café. Com tecnologias como blockchain e geolocalização, a ferramenta abrange mais de 100 mil produtores em 424 municípios. Por meio dela, é possível acessar informações sobre os produtores, locais de cultivo, qualidade e características sensoriais dos cafés, atendendo às exigências do mercado por transparência e garantia de origem.

A SIC é uma realização de Sistema Faemg, Espresso&CO., Sebrae e Governo de Minas Gerais. Tem o apoio institucional do Sistema OCEMG e patrocínio da CODEMGE, 3corações, Nescafé, Nespresso, SICOOB, Yara, Melitta e Senar.

TEXTO Cristiana Couto • FOTO NITRO/Semana Internacional do Café

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