O site do “The World’s 50 Best Restaurants”, maior prêmio de gastronomia internacional da atualidade e organizado pela publicação inglesa Restaurant, define bem a essência do trabalho do chef peruano Pedro Schiaffino, um dos agraciados do certame: “Este é um chef que dedica sua vida à comida da floresta, abrindo os olhos dos clientes urbanos para os tesouros do país”. A floresta a que o texto se refere é a Amazônia peruana, cuja diversidade de espécies animais e vegetais abastece as cozinhas dos dois restaurantes do chef, Malabar e seu filhote mais novo, Amaz. O encontro em 2003 com a Amazônia, que ocupa dois terços do território do Peru, selou o destino deste cozinheiro, e o fruto de seu esforço rendeu-lhe, em 2014, o 11º lugar em um dos prêmios da “Restaurant”, o que elege os 50 restaurantes latino-americanos.
Schiaffino, entretanto, pouco liga para premiações. Formado pelo Culinary Institute of America (CIA) e com estágio em restaurantes importantes da Itália, como o estrelado Dal Pescatore, Schiaffino voltou ao Peru no início dos 2000 para divulgar a cozinha de seu país.
Foi um caminho difícil. Numa época em que o promotor mundial da cozinha peruana, Gastón Acurio, ainda fazia cozinha francesa em seu aclamado Astrid y Gastón, Schiaffino já colocava na mesa do restaurante Huaca Pucllana, onde trabalhava, cuy, batatas secas, paiche (como chamam no Peru o peixe amazônico pirarucu) e quinoa. Nem os próprios peruanos conheciam aqueles produtos. “Quando introduzi insumos peruanos, utilizei muitos produtos andinos”, conta. “Mas a clientela não gostava dessa cozinha, e a compravam como cozinha novoandina, que começava a despontar. Eu dizia, ‘não, faço cozinha peruana!’”.
No Malabar, seu primeiro restaurante e aberto em 2004, decidiu investir naquilo que ninguém prezava. “No começo, meu cardápio era uma desordem tremenda, pois queria colocar todas as minhas ideias em prática de uma só vez”, conta o chef. Entre as decisões que tomou estava a de retirar do cardápio todos os peixes ameaçados, como o linguado e a corvina, muito consumidos no país. “O Malabar foi meu laboratório”, explica. Nos primeiros quatro anos do restaurante, Pedro enfiou-se na Amazônia.
Com o tempo, seu menu tornou-se mais pessoal. “Queria uma cozinha sustentável, que utilizasse produtos conectados com o país, com o terroir, com seus produtores”. Assim, buscou produtos orgânicos, evitou vinagres químicos, passou a utilizar o sal de Maras, produzido localmente. Outra ação do chef foi trabalhar com cooperativas amazônicas, para garantir uma oferta regular de ingredientes difíceis de encontrar – desde que tenham sido cultivados de maneira não-intensiva. “O cozinheiro de hoje tem que ter uma cozinha socialmente integrada, tem que valorizar e construir uma gastronomia local”, ensina.
Em sua avaliação, todas as suas viagens e buscas fizeram com que o Malabar não se tornasse um restaurante de moda, nem tampouco consistente. Mas, mais do que nunca, reflete sua personalidade, inquieta e cheia de ideais e ideias. A última delas gerou um novo rebento. Na tentativa de ampliar o mercado dos produtores que lhe fornecem insumos, o chef abriu um segundo restaurante em 2012, Amaz. “É um restaurante mais comercial, 100% amazônico”, define. Difícil encontrar na América Latina um restaurante 100% amazônico e, ao mesmo tempo, de nível profissional. Se a experiência do Malabar permitiu ao cozinheiro conhecer o território e armar uma cadeia de valor em torno de seu produto, o Amaz lhe trouxe a possibilidade de mostrar ao mundo a cozinha amazônica latino-americana.
Os brasileiros tiveram uma pequena mostra de sua relação com os produtores da floresta e seus produtos durante sua palestra na 22ª edição do evento Agrinordeste, tradicional feira de produtores rurais, que aconteceu em agosto deste ano em Recife. “Acho que finalmente chegará um momento em que a cozinha amazônica irá integrar-se à cozinha latino-americana e ao mundo, mas é preciso tempo”, prevê. Em sua visita ao Brasil, provou a variedade de restaurantes da capital pernambucana, mas encantou-se mesmo com o tradicional Bar do seu Luna, famoso pelo sarapatel (prato feito com tripas e vísceras do porco). “Toda a tecnologia é importante, mas creio que dominar e manejar a cozinha tradicional é mais importante do que qualquer tecnologia”, pontifica.
*Cristiana Couto é jornalista especializada em gastronomia e autoria de Arte de Cozinha – Alimentação e Dietética em Portugal e no Brasil (sécs. XVI-XIX), Senac São Paulo, 2007. (sejabemvinho.blogspot.com.br). Fale com a colunista pelo e-mail nacozinha@revistaespresso.com.br
(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses dezembro, janeiro e fevereiro de 2015 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).
TEXTO Cristiana Couto • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes