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“O melhor café da minha vida”
A profissão de barista no Brasil é ainda muito nova. Tem pouco mais de 10 anos. Mas em muitos países da América do Sul e Central é ainda mais recente. Estive no Peru em 2010, momento em que efervescia o café especial. Na época, produtores começavam a ver valor em seus grãos e surgiam jovens, muito jovens, dispostos a aprender essa nova profissão, assim como empreendedores que abriam cafeterias muito bacanas em Lima. Um movimento que dava gosto de ver e sentir o delicioso aroma. Lá os cafés, em geral, têm sabores muito exóticos e acidez bem pronunciada. Lembro-me de ter provado alguns bem incríveis.
Um dos entusiastas dessa nova etapa foi o barista Harrysson Neira, na época com 20 anos, que provava os cafés com dedicação, perguntava muito e tinha sede de aprender. Harry (Rare, para os peruanos), como é conhecido, abraçou a profissão de barista e, desde então, vem sendo um dos porta-vozes desse mercado no país. Junto com os baristas Karen Pisconte, da Café Verde, e Roberto Pablo, o Tito, da Arabica Espresso Bar, campeões nos anos de 2010 e 2012, eles são a primeira geração de baristas do país.
Logo que terminou a escola, Harry fez um curso na área de cozinha e trabalhou em alguns restaurantes de sua cidade-natal, Lima. “Não me encontrava ali, sentia que a cozinha não era minha vocação. Procurei outro trabalho e cheguei até uma cafeteria, onde comecei a descobrir algo totalmente novo.”
Em novembro de 2013, recebi de Harry a notícia de que ele havia vencido o campeonato nacional de barista, depois de dois anos em segundo lugar. Ele é autônomo e, desde 2011, criou a sua própria marca El Café de Harry. Ele seleciona, torra e ajuda a promover o consumo de cafés especiais em restaurantes e cafeterias: “Parte da missão desse café é fazer com que nos restaurantes ele seja um real protagonista e que deixe de ser um simples complemento da refeição”, ele diz. E está dando certo, pois há muitos estabelecimentos que vêm investindo no café: “com o auge gastronômico que vive hoje Lima, há diversos chefs respeitando o café e colocando no cardápio grãos especiais preparados por baristas muito bem treinados”.
A dedicação de Harry representa muito essa gana do povo peruano. Apesar de eles não serem ainda grandes consumidores de café, com pouco mais de 1 quilo por pessoa/ano, a relação deles com o fruto é muito forte, principalmente os que vivem no campo.
É o caso de Harry: “meus avós tinham plantações de café, em Piura, ao norte do Peru, e nas minhas férias eu os via colhendo café e assistia a todo o processo. Eles faziam café natural, secavam no teto da casa e logo tostavam e preparavam o café filtrado. Chamavam toda a família. Recordo-me com muita saudades desse café, super aromático, delicioso, especial. Até hoje é, com certeza, o melhor café que provei em minha vida.”
Junto com essa paixão de Harry vem o crescimento nacional de cafeterias especializadas, com ofertas de cafés de origem. “Já podemos dizer que há um novo tipo de cliente, que começa a conhecer o café, que tem habilidade para diferenciar as qualidades e transmite isso aos amigos e gera um efeito multiplicador.”
Esse movimento de voltar a atenção para o campo e valorizar produtos frescos já não é de agora, mas, no café, produto de cadeia complexa e cheia de etapas, ainda é algo muito distante do consumidor. “Quando um cliente prova um café que conhecemos muito bem o produtor, que a torra tem alguns dias e que finalmente é servido contando a ele todos os detalhes por trás da xícara, não há nada melhor do que o ver desfrutando contente tudo de especial que tem ali.”
Neste ano, a maior feira de café do mundo, a SCAA (Associação Americana de Cafés Especiais), terá o Peru como país homenageado. O país dobrou, em 11 anos, a produção, de 2,4 milhões de sacas para 4,7 milhões. O cafeicultor vem acreditando no café especial de lá, e os jovens abraçaram essa causa. Sorte nossa!
(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses março, abril e maio de 2014 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).