Cafezal

Arábica x Canéfora

Segundo contam algumas lendas, o café foi descoberto há muito tempo onde hoje é a Etiópia. A história diz que um pastor chamado Kaldi, ao cuidar de seu rebanho de cabras nas montanhas, começou a perceber que algumas delas ficavam muito saltitantes após comer um frutinho vermelho de um arbusto. A partir dessa observação, os humanos passaram a fazer experimentos com as plantas e os grãos, torrando-os de diversas formas e testando diferentes preparos, até chegar ao que hoje é o nosso café.

Frutos arábica – Foto: Vitor Barão

Ao longo dos anos a bebida caiu tão bem no gosto das pessoas que atualmente lidera o ranking de consumo mundial. Segundo pesquisas, nossa nação está entre as que mais consomem café. Além disso, o Brasil está no topo da lista quando o assunto é produção. Sabia que na safra 2018/2019 as lavouras brasileiras produziram mais de 60 milhões de sacas? Nosso cultivo é composto de grãos das espécies Coffea arabica e Coffea canephora, que se divide nas variedades robusta e conilon (muitas pessoas acham que se trata da mesma variedade, mas provaremos que são diferentes!). Que tal voltarmos às plantações para conhecermos um pouco sobre os processos por que passam os nossos diferentes cafés antes de chegarem à xícara?

Como ocorre a fecundação?

Os cafeeiros da espécie arábica têm maior facilidade para realizar a fecundação, já que são plantas autógamas, ou seja, têm um índice de autofecundação superior a 90%. Já as da espécie canéfora são alógamas, ou seja, possuem autoincompatibilidade, o que significa que a planta não fecunda outras do mesmo grupo de compatibilidade nem a si mesma. Para que isso aconteça é necessário que haja a chamada “fecundação cruzada”, realizada entre grupos diferentes na mesma lavoura, quando então a condução do pólen será viável e ocorrerá a troca de material genético. Basicamente, se você plantar em um vaso uma planta de café arábica, ela vai florescer e produzir. Se você plantar uma única planta de canéfora, ela vai florescer, mas não vai produzir fruto algum. Justamente por realizar essas trocas de material genético para ocorrer a polinização, a planta do canéfora conta com maior variabilidade genética do que a do arábica.

Características das plantas

As plantas de arábica são de porte médio, têm arquitetura ereta e são monocaules, assemelhando-se a uma árvore de Natal. Suas folhas, médias, são verde-escuras e de poucas ramificações. Os grãos são achatados e os frutos, ovais, atingem a fase de maturação entre sete e nove meses após a florada, e não costumam ficar retidos nos ramos quando secos.

As plantas de canéfora, de forma geral, têm maior porte e crescimento vigoroso. Apresentam arquitetura arbustiva e ramificada, e são multicaules. As folhas consistem em grandes e verde-claras. Os frutos são arredondados, com grãos ovalados. Sua maturação ocorre entre dez e onze meses depois da floração e, quando secos, eles normalmente ficam retidos nos ramos.

Frutos canéfora – Foto: Gui Gomes

Como foi dito, a espécie canéfora se divide entre as variedades botânicas robusta e conilon, que, apesar de muito similares, têm algumas distinções. O robusta, em comparação com o conilon, é mais alto e ereto, com caules de maior diâmetro e pouco ramificados.  As folhas, verde-intensas, são maiores. Essa variedade é mais resistente a nematoides e a doenças como a ferrugem. O conilon, mais tolerante à seca, tem pés mais arbustivos e caules mais ramificados. Quanto aos frutos, os do robusta são maiores e têm mais mucilagem que os da variedade conilon.

Diferenças no cultivo

O arábica é um café de altitude e se desenvolve melhor quando cultivado acima de 600 metros. Esse fator está relacionado diretamente ao desenvolvimento dos frutos, portanto, lavouras acima de 1.000 metros tendem a ter um potencial para a produção de bebidas finas. O arábica é, além disso, uma planta mais adaptada a temperaturas amenas (18 a 23 graus). Já os pés de canéfora se adaptam melhor a baixas altitudes (de 0 a 800 metros) e maiores temperaturas (23 a 26 graus). Com relação à precipitação, ambas as espécies se desenvolvem bem com uma faixa pluviométrica de 1.200 a 1.800 mm ao ano. Entretanto, o canéfora se adapta melhor a regiões tropicais com pluviosidade acima de 2.000 mm.

Por ser uma planta arbustiva, multicaule e com muitas ramificações, o canéfora necessita de uma prática de manejo diferenciada, conhecida como “poda de ciclo” ou “poda programada”. Anualmente, logo após a colheita, todos os ramos plagiotrópicos que produziram mais de 50% da sua capacidade são cortados, ao mesmo tempo em que o excesso de brotações é eliminado. Com isso a planta direciona seus nutrientes a outros galhos que estão com maior porcentagem de produção. Ao final de três ou quatro ciclos, novos ramos são conduzidos para a base e os ponteiros, resultantes das podas anteriores, são retirados. Assim se tem basicamente uma planta renovada e sem grandes perdas de produtividade ao longo dos anos. Já no arábica a poda também tem o intuito de renovação ou manutenção da arquitetura desejada, importante, principalmente, em áreas mecanizadas. O “esqueletamento” e a “recepa” são as práticas mais utilizadas, e as plantas levarão de um a dois anos para retomar a produção.

Outra questão que deve ser levada em consideração é a bienalidade do café, que é o fato de a planta apresentar alta produtividade num ano e no outro não, uma vez que está repondo seus nutrientes. No arábica, essa bienalidade é muito mais intensa, enquanto que no canéfora, justamente por fatores como combinação genética, ambiente e manejos de poda, ela é mais sutil, resultando em uma produtividade mais estável ao longo dos anos.

Na xícara

Por muito tempo o café arábica foi classificado superior ao canéfora, mas essa definição já caiu por terra. As duas espécies trazem características diversas que agradam a diferentes paladares. Basicamente, o arábica resulta em uma bebida mais suave, com maior acidez e doçura, enquanto o canéfora conta com acidez e doçura sutis, mas apresenta uma bebida mais encorpada, com aspecto licoroso. “É um café bastante interessante sensorialmente, por ter esse amargor característico, que não é ruim, é um amargor que lembra chocolate meio amargo”, conta Enrique Alves, pesquisador da Embrapa Rondônia.

Foto: Felipe Gombossy

Regiões produtoras

As lavouras cafeeiras estão presentes em vários estados brasileiros. No Brasil, o maior produtor de arábica é Minas Gerais, enquanto o maior cultivo de grãos canéfora é feito no Espírito Santo. Quer saber mais sobre nossas regiões produtoras? Confira na página 70.

Curiosidades

Os grãos das duas espécies também têm suas diferenças físicas e genéticas: os frutos do arábica são alotetraploides (44 cromossomos), com formato oval e coloração amarelo-esverdeada, enquanto os do canéfora são diploides (22 cromossomos), mais arredondados e a cor é o marrom-amarelado. O teor de cafeína no canéfora pode ser até duas vezes maior que no arábica, assim como a concentração de sólidos solúveis (açúcar, carboidratos, ácidos orgânicos, proteínas, gorduras, minerais, etc).

Grãos arábica / grãos canéfora

Criações brasileiras

Além da relevância na produção e no consumo, nosso país conta com centros especializados em estudar o café, entre eles o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar). Através do cruzamento de variedades já existentes, inúmeras cultivares foram criadas em território nacional, como arara, mundo novo e catuaí amarelo. Essa última, liberada para fins comerciais em 1972 pelo IAC, deu origem a um grupo de cultivares que inclui, por exemplo, catuaí amarelo IAC 62 e catuaí amarelo IAC 74. Hoje esses achados brasileiros são plantados em diversas partes do mundo.

TEXTO Gabriela Kaneto

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