Coluna Barística por Mariana Proença

Experiências com café e sobre a profissão barista

Conectados e com propósito

Um dos grandes desafios de fazer conteúdo de café e de outros temas amplos é conseguir ser relevante ao mostrar diferentes temas do Brasil e do mundo no dia a dia. Produzir uma revista requer muita pesquisa, referência, conversas e, é claro, viagens. A minha vontade era sair por aí atrás das pautas, conseguindo visitar cada fazenda e cada cafeteria para que sou convidada. Confesso que isso me aflige um pouco. Pensar que, em catorze anos trabalhando na área editorial de café, ainda não tenha ido a alguns lugares que fazem trabalhos de referência. Fora aqueles com os quais não tive contato. Resumo: há muito sobre o que falar.

Esse sentimento de incompletude surge sempre na minha cabeça. Nós nos cobramos o tempo todo pelo que não fizemos ainda. Há tanto a fazer. Mas, e se mudarmos a pergunta para: e o tanto que já fizemos?

Numa realidade do dia a dia em que estamos o tempo todo plugados, produzindo conteúdo de fotos, vídeos e anotando as informações, esquecemos de viver o momento, o aroma daquele café, de olhar o detalhe da xícara, de vivenciar o ritual daquele instante e até de celebrar as nossas pequenas conquistas.

Acreditem, caros amigos e amigas do café, há muito que fazer nesse mercado. Há muitas ideias a realizar, reportagens a apurar, histórias de vida a conhecer. Mas, tenham calma. Os propósitos que nos trouxeram até aqui, o crescimento desse mercado de café, nada disso pode ser suplantado pela nossa ansiedade de estar presente em todos os lugares e a todo momento, e falando de café de qualquer jeito. O consumidor aos poucos está em contato com o mundo dos bons cafés e nós fazemos parte disso, e temos responsabilidade nessa empreitada. Traduzir esses movimentos é tarefa diária de todos os que estão nessa missão. Tornar simples e não rebuscar. Tornar agradável e não complicar.

Precisamos entender que até aqui vivenciamos uma trajetória de criação de um mercado consumidor que está ávido por informação, por conhecer cafeterias e por ir até fazendas saber o processo do grão à xícara. Mas o conhecimento tem um tempo de maturação. É preciso ir passo a passo, com o respeito que o café merece.

Apenas 46 anos separam a criação do termo café especial, citado em 1974 pela primeira vez pela norueguesa Erna Knutsen, dos dias de hoje. Um mundo novo, com profissionais jovens e com mudanças de hábito necessárias, mas ainda desafiadoras. Pensando nisso, há catorze anos tinha início no Brasil uma feira de negócios especializada no setor, hoje a Semana Internacional do Café, e há dezessete anos ‒ a serem celebrados em breve ‒ nascia a revista Espresso.

Navegar pela história recente do café especial é um orgulho imenso para todos os envolvidos nessa jornada. Da ponta do produtor, classificador, torrefador, barista ao consumidor, quantas mãos é necessário ao café percorrer para chegar à xícara. Isso pode ser clichê para você que trabalha com o café, mas é novidade para a imensa maioria. Mesmo com novas formas de fazer negócio, o coletivo desse mercado sempre estará presente. Estamos falando de um produto da terra que precisa ser industrializado para se tornar um alimento.

Para tentar traduzir esse café especial, criamos a frase: “Conectados pelo café”. Para mim ela é a síntese do que conseguimos construir nesse mercado brasileiro até aqui. Conectar produtores que não tinham contato com baristas, classificadores que nunca saberiam dizer para qual xícara foi o café que eles provaram. Os atores desse setor ganharam rostos e nomes. Cafés têm origem e têm destino. Por isso a conexão, por isso dizer que estamos conectados. Sem esse elo o produto de qualidade não tem rastreabilidade, não chega completo, faltam pernas, ficam pra trás todos os esforços.

Que o grão de cada dia perdoe as nossas ofensas e não nos deixe cair na tentação de achar que é pouco o que fizemos até aqui. Todos os que trabalham há mais de vinte anos no Brasil para construir esse mercado novo puseram um pouco de suor nessa montanha de oportunidades que se abrem diariamente para nós. Espero encontrá-los por aí numa cafeteria, numa fazenda, numa torrefação, para falarmos sobre o futuro que podemos construir. Precisamos continuar passo a passo, mas sem esquecer do propósito que nos trouxe até aqui e de todo o esforço de cada um para construir essa experiência para o consumidor. Juntos somos mais fortes.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses março, abril e maio de 2020 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Mariana Proença • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

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