Coluna Barística por Mariana Proença

Experiências com café e sobre a profissão barista

Alguém falou café?

Hábito. Maneira usual de ser, fazer, sentir, individual ou coletivamente. Costume, regra, modo ou mania. O café é habitual: costumeiro, rotineiro, constante, frequente, comum e usual. Pense desde quando na sua vida isso virou uma habitualidade.

Às vezes nós mesmos preparamos, às vezes preparam para a gente. E nunca fica igual, e é sempre um momento diferente. Quem inventou a definição de rotina não conhecia o café ao raiar do dia.

Ao longo da história virou um companheiro inseparável. Mas faz algum tempo que esse mesmo café ficou inquieto, queria mudar de visual, queria ser mais completo. Infeliz que estava com a sua forma de se apresentar no dia a dia ele pensou que poderia ser melhor. Ficou mais maduro, vestiu suas melhores características, buscou ser mais doce e menos seco, deixou o amargor de lado e deu uma pitada de acidez, dedicou-se a melhorar seus defeitos.

Estava mais experiente e queria estar por inteiro, e não mais reduzido a pó. Assim era possível ver suas formas, tamanho e sua real capacidade de dar um belo bom-dia. A energia permanecia a mesma. Ora com mais presença, ora com mais doçura, ora com mais leveza. Um dia após o outro.

De repente veio uma onda, bem grande, e levou o café bom para a beira do mar. Ele ficou mais acessível para todos, saiu das profundezas do oceano e estava exposto. Todo mundo queria. Mas eram muitas opções. Como escolher? Cada movimento das águas levava mais diversidade para fora e engolia os que não eram selecionados. Muitos bons retornavam sem ser conhecidos, outros eram provados. Mas, além do hábito, é preciso ter habilidade: destreza e disposição para entender esse novo café.

A revolução só estava começando. Quando achamos que ele ficaria só mais saboroso, ele quis ir além, ficou mais ousado e buscou novamente outras formas de se apresentar. Agora mais agitado, efervescente e fermentado. Sabia que não agradaria a todos, mas poderia chegar a longas distâncias, pelas mãos dos mais curiosos.

Arrebatou, portanto, todos os corações com a sua diversidade de roupagens, de perfis, de características. Aqueles que não gostavam dele começaram até a cogitar experimentar. Entrou como um ritual.

A habilidade ganhou aliados de peso: acessórios, utensílios, moedores, monodoses, pressão. Para fazer em turma, tomar sozinho, ensinar alguém, com pressa e com tempo. Tipo, modelos, jeitos de se apresentar.

O café virou. Deu uma guinada de 180 graus. Segue novos caminhos. Está em novas estradas. Volta-se para a origem, de onde surgiu. Resgata histórias, revolve a terra, desentende-se com o clima, dá trabalho, é trabalhoso, exige muita dedicação. Vai no detalhe. Ganha rostos. Ganha valor. Cai a bolsa, sobe a bolsa. Vira lugar de inovação. De empreender. É espaço de protagonismo de homens. Mas sempre teve as mulheres. Milhares. Lado a lado. Famílias. Somos grandes, mas somos pequenos. Somos diversos. Crescemos acima do consumo mundial. Viramos. Erramos, acertamos. Seguimos. Café, logo existo. Estamos em evolução. Não aceitaremos retrocessos. Como aprendemos: é um caminho sem volta.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses março, abril e maio de 2019 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Mariana Proença • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

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