Coluna Barística por Mariana Proença

Experiências com café e sobre a profissão barista

Orquestra afinada

No jornalismo, a pauta nos guia em busca da melhor matéria. Estamos constantemente de olho naquilo que é novidade, em histórias interessantes e em contar experiências pouco conhecidas do público para que mais pessoas possam ser alcançadas. A minha escolha foi pelo bom jornalismo e pela pauta positiva. Na minha carreira, comecei em uma revista sobre cultura brasileira e, por obra do acaso, acabei entrando no setor de café. E já se foram treze anos. Não saberia trabalhar com tragédias ou cobrindo histórias negativas. Por isso e por outros motivos, eu me encontrei tanto no mercado de café e no projeto da Espresso. É um misto de novidades com histórias de empreendedorismo. Sempre há o que pesquisar e estamos o tempo todo aprendendo. Este é um mercado em constante mudança e crescimento.

Além desse brilho nos olhos que caminha comigo nesses últimos anos, no mesmo período comecei a organizar eventos na Café Editora. O primeiro deles, o Espaço Café, em São Paulo, foi a semente, em 2006, para o que hoje é o maior evento do grão no Brasil: a Semana Internacional do Café, a nossa SIC. Digo nossa porque ela realmente se tornou um projeto de todos os que trabalham no setor. Isso só foi possível porque construímos no Brasil uma comunidade do café.

De norte a sul do País, há profissionais trabalhando com o produto, dedicados a cuidar dos grãos nacionais para que eles possam ter o melhor resultado na xícara. O desafio de 2018 era grande, enorme, parecia maior do que poderíamos abraçar, mas só foi possível sair dessa missão vitoriosos porque cada um na sua função fez a sua parte. Quantos estandes bem elaborados, investimento das marcas, lançamentos, cafés selecionados cuidadosamente após a colheita, torras bem executadas, acessórios e utensílios caprichados, enfim, uma orquestra bem regida por todos.

Quão emocionante é ouvir da provadora Freda Yuan, da Caravan Coffee Roasters, de Londres, que ela degustou cafés maravilhosos do Brasil, e que não tinha ideia da diversidade que há no nosso país. Ouvir da organização da World Coffee Events que eles estavam impressionados com o profissionalismo do evento, e que fizemos mais barulho nas redes do que eventos anteriores, assim como saber que foram negociados milhares de sacas de café nos estandes, e que pessoas novas no mercado estavam “em choque” com as oportunidades desse setor. Receber dos nossos apoiadores mensagens de incentivo e agradecimento pela SIC. Depoimentos emocionantes e emocionados permearam esses últimos dias pós-evento. E, o melhor, de ponta a ponta, todos os profissionais do setor tinham sua importância ali dentro.

Cada um viveu a sua SIC. Em cada canto acontecia um evento simultâneo, um abraço, um reencontro, um negócio novo. Foram muitos recortes do mesmo evento. Teve gente que foi testemunha ocular da vitória do café brasileiro da Daterra nas mãos da barista Emi Fukahouri; do momento em que a família de Afonso Lacerda, da Forquilha do Rio, carregou o patriarca nos ombros até o palco do Coffee of the Year 2018; ou dos acertos do representante brasileiro Carlinhos da Silva, no mundial de Cup Tasters, que o levaram à fase seguinte; de Sara Alali, barista e dona da cafeteria That Coffee Shop, da Arábia Saudita, provando com curiosidade os cafés na sala de cupping; dos olhos entusiasmados dos estrangeiros que vieram pela primeira vez ao Brasil. Ou ainda daquele momento em que as produtoras de Piatã, na Bahia, receberam os primeiros lugares no concurso Florada Premiada, da 3Corações, aplaudidas num auditório lotado de outras 600 mulheres.

Para quem esteve envolvido por um ano nesse projeto, é um misto de euforia, cansaço, retrospectiva, memórias, trajetória… Só tenho a agradecer a todos os que contribuíram nesses anos e dizer que estamos no caminho certo. Demos muitos passos para a frente na construção do mercado de café especial no Brasil. Mesmo que a nossa orquestra às vezes desafine um pouco, ou que um ou outro instrumento não esteja adequado, no fim, acredito que a comunidade do café no País é uma orquestra afinada, com notas que vão muito além dos pontos dados aos grãos da safra. Temos uma história que precisa ser cada vez mais contada. Menos foco nos pontos e mais na nossa identidade.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses dezembro, janeiro e fevereiro de 2019 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Mariana Proença • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

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