Coluna Barística por Mariana Proença

Experiências com café e sobre a profissão barista

O que é lenda e o que é onda?

Vocês sabem que nós brasileiros temos uma enorme oportunidade? O café – a bebida – levou centenas de anos para chegar ao que consumimos hoje. Em meio a tantas outras plantas foi descoberta uma cujo frutinho doce, quando colhido maduro, levado ao terreiro, descascado e beneficiado resulta em um grão cru. Esse mesmo grão, já seco e torrado, depois moído, em contato com a água quente vira uma bebida saborosa e energética. Ufa! Imagina quanto tempo, conhecimento e testes foram necessários? São muitas lendas e histórias que passam pela África, Arábia, Europa e, é claro, pelo Brasil, quando ele chegou aqui, em 1727.

Ao longo do tempo, principalmente nos pós-guerras, já no século XX, os consumidores se distanciaram muito da origem da bebida por conta da industrialização. O café embalado, em pó ou solúvel, é vendido no mundo inteiro. Muitas pessoas não sabem que ele é grão e, muito menos, fruto. O acesso fácil ao produto, em quantidade, fez com que seu consumo crescesse ano após ano. Hoje o mundo produz anualmente 168 milhões de sacas e consome 161 milhões. O café vem trilhando o caminho de produto premium de forma rápida, e grandes marcas investem em varejo, cafeterias e novos equipamentos para extração. O consumo mundialcresce, em média, 2% ao ano. Vivemos no Brasil a terceira onda do café – o preparo artesanal e a diferenciação por atributos, como origem, torra e comercialização.

Nesse novo hábito de consumo do café especial, que conquista cada vez mais pessoas e, sobretudo, jovens, a história da origem foi fortemente retomada. Principalmente o “como fazer”. Com a vontade de saber a procedência do alimento, o público naturalmente busca informação. No caso do café a curiosidade leva à torra, que puxa mais um fio de conhecimento que leva à fazenda. Nesse caminho contrário de descoberta, o ciclo de produção se conecta. A esse movimento de interesse crescente pelas pontas eu chamo de “imersão”. Dos dois lados.

Consumidores querem visitar as fazendas e os produtores desejam conhecer as cafeterias. São tantas etapas que fazem com que um fruto saia das mãos de um cafeicultor e “aterrisse” com rastreabilidade na xícara de um jovem em um movimentado bairro paulistano. Ou que o café volte à fazenda dentro de uma embalagem identificada com a origem, o nome do produtor, da variedade do café, do tipo de secagem e do processo, e chegue às mãos do cafeicultor, que pode, em um método moderno, na sua propriedade, preparar o próprio café. Isso era bem distante há alguns anos.

Chego então ao conceito da oportunidade, de que falei no início. Nós, brasileiros, ou residentes no País, temos condições de ir realmente do grão à xícara. Podemos, na época da safra, visitar fazendas, percorrer rotas com experiências de imersão na colheita, e preparar o café em um momento único, vivenciado de maio a outubro. Algumas propriedades oferecem um dia de atividades, hospedagem e até de colheita do fruto nas lavouras. Podemos dessa forma encurtar as etapas e aproximar as pontas. Conhecer a realidade do produtor e não as lendas que são contadas de uma fazenda de café. O dia a dia é árduo, é na roça e embaixo de sol ou chuva.

E, aos produtores, indico igualmente a oportunidade de seguir rotas pelas cafeterias do País e conhecer a ponta final de consumo, a torra, a prova, as extrações variadas, o cuidado que é destinado ao grão também nessa fase. A lenda de que é fácil ter cafeteria rapidamente traça um caminho desafiador e real que é empreender.

Toda essa conexão vem transformando o mercado de café, principalmente o brasileiro. Temos uma maneira única de fazer essa relação, que passa pela nossa vontade de receber, acolher e trocar informações. Devemos aproveitar essa possibilidade de estar imerso em um tema, aprender mais e absorver os conhecimentos. As lendas ficaram para trás. A realidade nos convida a apreciar uma ótima xícara de café. E que seja de grãos especiais, com respeito a toda a trajetória que eles percorrem até encontrar quem tome esse café com prazer.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses junho, julho e agosto de 2019 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Mariana Proença • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Deixe seu comentário