Primeiro barista de um país asiático a vencer o campeonato mundial, o japonês Hidenori Izaki fala com a Espresso sobre sua inspiradora jornada no café e o sonho de ser campeão
Neste ano eu tive a sorte de julgar a final do World Barista Championship (WBC – Campeonato Mundial de Barista, em português), ou seja, tive a oportunidade de provar cafés feitos pelos seis melhores baristas do mundo. Foi assim que conheci Hidenori Izaki, barista japonês que saiu de Rimini, na Itália, com o título de campeão da competição 2014. Foi a primeira vitória de um barista asiático. Ao longo de sua apresentação, ele nos levou a uma jornada que foi além das três bebidas servidas (espresso, cappuccino e drinque de assinatura), criando uma experiência sensorial memorável. Conversamos com Hide, como ele é conhecido nos bastidores do WBC, sobre a sua trajetória e a conquista do título mundial.
Como você começou a trabalhar com café?
Bem, eu abandonei a escola no ensino médio, aos 17 anos, por causa do meu comportamento. Não tinha nada para fazer nem motivação para a minha vida. Tudo o que eu estava tentando fazer estava fora do meu controle naquela época. Nesse momento, meu pai, que trabalha na indústria como comprador de café verde, me disse que eu poderia trabalhar na cafeteria dele, chamada Honey Coffee, em Fukuoka, se eu realmente quisesse trabalhar nesse ramo. Esse foi o ponto de mudança para mim. Desde então, sou fascinado por café. Aos 19 anos, fui para a Universidade em Tóquio e trabalho na Maruyama Coffee desde então.
Você foi muito bem no campeonato do ano passado, em Melbourne, na Austrália, ficando em 13º lugar, perto das semifinais. O que você mudou na sua performance para alcançar o pódio neste ano?
É… Eu fiquei bem perto das semifinais. E outro ponto que queria mencionar é que eu fiquei, na verdade, com a mesma pontuação do 12º colocado, mas a minha pontuação de espresso foi inferior que a da 13ª posição. Foi por isso que eu perdi. Foi muito triste, mas eu passei por essa experiência e aprendi a importância de entender a definição de um bom espresso, o aspecto técnico, a seleção do grão verde, os níveis de torra, a apresentação, e assim por diante. Nós, basicamente, treinamos um ano para essa competição de apenas quinze minutos. Passa tão rápido, não? Mas nós não queremos fazer disso apenas quinze minutos. Nós queremos fazer disso os quinze minutos mais valiosos. Então, neste ano, eu treinei muito. Desde logo cedo pela manhã até a meia-noite, todos os dias, trabalhando na extração, na torra, no meu discurso, na minha pronúncia e no controle do tempo. Eu estava trabalhando muito, especialmente, para encontrar um tema forte para a minha apresentação, algo que eu realmente quisesse fazer em quinze minutos. Para mim, foi uma colaboração direta com o produtor e grande amigo Enrique Navarro, da Monte Copey Micro Mill, na Costa Rica, e o trabalho árduo com ele desde a origem.
Você teve a oportunidade de treinar com Pete Licata para essa competição. O que você aprendeu com ele e como o vencedor do campeonato de 2013 te inspirou como barista?
Eu conheço Pete há dois anos e treinei com ele por quase um ano, depois que ele ganhou o WBC do ano passado. Eu sempre o respeitei. Ele é humilde, apaixonado e um grande modelo de barista para a indústria. Ele é um mestre. Eu treinei muito porque tinha o sonho de receber o grande troféu no palco, das mãos dele, e queria provar que o que eu acreditava era a coisa certa a fazer nesse ramo. Eu aprendi muitas coisas importantes, então é difícil dizer especificamente, mas ele sempre me dizia: “Hide, o que você realmente quer alcançar em quinze minutos?”. Ele disse para mim: “Não faça o que você quer na sua apresentação, mas sim o que os juízes esperam de você. E compartilhe com eles sua felicidade em estar ali e a paixão que você tem pelo café”.
Durante o campeonato, o barista surpreendeu os juízes com as bebidas elaboradas e o cuidado na apresentação
Você pode nos contar um pouco mais sobre os cafés que utilizou na competição e como você trabalhou para explorar e destacar suas características?
Eu criei e usei dois cafés distintos com o produtor Enrique. O café focado em espresso é da fazenda La Mesa, localizada a 1.900 metros de altitude, da variedade typica, com processamento “red honey”, semelhante ao cereja descascado, com pequenas alterações no equipamento, mantendo uma quantidade maior de açúcar no grão, e secagem lenta. É doce como cana-de-açúcar, tem acidez cítrica como uma laranja doce, corpo macio e amargor de cacau. O café focado em cappuccino é da mesma fazenda, mesma altitude, mas da variedade caturra vermelho, com processamento natural e secagem lenta. É muito doce e tem um sabor único com leite. Eu acho que essa fazenda está localizada na mais elevada altitude da Costa Rica, pelo que eu sei, e especialmente neste ano as condições do cafeeiro e do solo foram muito boas. O açúcar da cereja do café teve um aumento e a densidade do fruto que afeta a intensidade do sabor na xícara também foi crescente por causa da drástica temperatura sofrida ao longo do dia até a noite.
Você trabalha para a Maruyama Coffee, uma das melhores empresas de café do mundo. Você sentiu a pressão de representar a companhia e também o seu país no campeonato? Eles te ajudaram a se preparar para a competição?
Honestamente, eu não senti pressão alguma, mas senti a obrigação de ganhar. No campeonato nacional, no Japão, tem sempre cerca de 160 baristas participando e tentando ganhar para representar o país. É sempre muito difícil ser um barista campeão japonês. Então, quando eu me tornei o campeão nacional, me senti representando todos os competidores que perderam. O WBC é nossa prioridade, então minha empresa sempre me apoiou bastante e me deixou focar o treinamento todos os dias. Meu sonho nunca seria alcançado sem a ajuda deles.
Foi a primeira vez que pessoas da Ásia conquistaram a primeira e a segunda colocações no campeonato. Como você se sente sendo o primeiro campeão asiático e japonês? O que você espera que mude nesses mercados com essa grande vitória?
Ser um barista campeão mundial nunca foi só um sonho meu, mas também de países asiáticos. Eu sempre sonhei em um dia ser o primeiro barista asiático campeão mundial. Então, quando eu ouvi meu nome, não pude acreditar… Eu estava ganhando o troféu das mãos do meu respeitado mestre, Pete Licata. Acho que consegui mostrar que eu tinha paixão pelo café e dedicação a ele; a língua, de maneira alguma, foi uma barreira. Eu penso que essa vitória vai motivar países asiáticos a aprender mais sobre café e vai dar a eles a fé de que, se você trabalhar muito, pode alcançar qualquer coisa que quiser na indústria do café.
Você tem algum conselho para os baristas que buscam participar do WBC?
Não esqueça a sua paixão pelo café e dedicação a ele. Pergunte a você mesmo: você ama café? E se sim, por que você ama café? Por que você quer compartilhar essa paixão? Na apresentação tudo se resume a lógica, paixão e algo que você realmente quer dizer. Na rotina de campeonato, você precisa estar consciente de que 0.5 ponto de diferença decide quem ganha. Tenha a certeza de que a coisa mais importante é a qualidade do café na xícara, porque simplesmente você é um barista. Você precisa extrair o melhor espresso que puder. Um espresso de qualidade é contar aos juízes a sua história diretamente no coração deles. Vá em frente! Se você realmente deseja, pode alcançar qualquer coisa.
CAMPEONATO MUNDIAL DE BARISTAS – 2014
Campeão: Hidenori Izaki, Japão
2º lugar: Kapo Chiu, Hong Kong
3º lugar: Christos Loukakis, Grécia
4º lugar: Craig Simon, Austrália
5º lugar: Maxwell Colonna-Dashwood, Reino Unido
6º lugar: William Hernandez, El Salvador
(Texto originalmente publicado em 2014 na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).
TEXTO Danilo Lodi • FOTO Lucas Albin/Agência Ophelia