Mercado

A vez das bebidas vegetais no café brasileiro

Depois de garantir lugar nas prateleiras dos supermercados brasileiros, as bebidas vegetais ganham espaço nas cafeterias e nas xícaras dos consumidores de cafés especiais. Questões éticas, ambientais e de saúde explicam o crescimento global do consumo de leites à base de plantas. Entre baristas e apreciadores da bebida, o rol de motivos inclui também critérios como sabor e textura.

O comércio global de bebidas vegetais cresceu cerca de 70% entre 2015 e 2020, enquanto sua venda no Brasil avançou 15% em um ano – entre 2021 e 2022 (os dados são da Euromonitor, fornecedor de pesquisas de mercado). Nas cafeterias brasileiras, os leites vegetais estão em alta: de redes como The Coffee, We Coffee e Sterna Café a casas em várias capitais – Heimen Café (Rio de Janeiro), Messkla (Florianópolis), King of the Fork e Botanikafé (São Paulo), Kaffe (Recife), Royalty Quality Coffee e Manana Cafés (Curitiba), Dude Coffee Company (Porto Alegre), para citar algumas –, todas têm a bebida como opção.

Nos últimos anos, o nicho tem sido atendido por diversas marcas, como Nude, NotCo, Naveia e A Tal da Castanha, além da Ades (da Coca-Cola Company, que no rebranding de 2018 aumentou a oferta de opções) e da Nature’s Heart (da Nestlé).

O surgimento de novas marcas e tecnologias na fabricação de bebidas vegetais permite ao barista combinar qualidade e sabor – além da soja, há opções feitas a partir de aveia, coco, amêndoa, castanha-de-caju, castanha-do-pará e arroz. Isso porque, até pouco tempo, o acesso a esses produtos no Brasil era difícil, e, quando estavam disponíveis, não eram bem aceitos por conta do sabor, considerado pouco atrativo, e do preço, também nada convidativo (bebidas vegetais custam, em média, três vezes mais do que leites de vaca).

Com alternativas, as cafeterias conseguem atender um público mais diverso. Mas, para além do sabor e da qualidade na xícara, a escolha por trabalhar com ou por consumir bebidas vegetais indica, mais do que tudo, responsabilidade.

O normal pode ser vegetal

O aumento da busca por leites vegetais não se limita ao crescimento de movimentos como vegetarianismo, veganismo e flexitarianismo. Há tanto motivações éticas e ambientais, como a conscientização quanto à crueldade contra os animais e às mudanças climáticas, quanto questões econômicas, como gastos de água e de energia na fabri cação do produto. Existem, ainda, preferências por hábitos saudáveis – como evitar a ingestão de hormônios e antibióticos que podem estar no leite de origem animal – ou questões médicas, como ter intolerância ou alergia à lactose.

Até 2030, o mercado mundial de leites à base de plantas, avaliado em US$ 10,1 bilhões em 2022, pode alcançar US$ 25,3 bilhões. A análise, feita em 2023 pela Fact & Factors, provedora de pesquisas de mercado, prevê ainda uma taxa de crescimento anual de 10,2% nos próximos anos, sendo ela mais expressiva na região da Ásia-Pacífico. Segundo análise da Allied Market Research de 2020, a expansão do mercado de produtos plant-based é resultado da busca por alimentos com menor impacto ambiental, de alto valor nutricional e de consumo consciente.

Em 2023, um artigo publicado na Nature Food, a partir de extensa revisão de dados sobre regime alimentar com 55 mil pessoas de 119 países, indicou que dietas veganas geram 75% menos emissões de gases do efeito estufa e têm 46% menos impacto quanto à poluição da água.

No Brasil, 46% dos brasileiros já excluem, voluntariamente, a carne de sua rotina em, pelo menos, uma refeição da semana (os dados, de 2021, são da Inteligência em Pesquisa e Consultoria – Ipec). Além disso, uma pesquisa do Ibope em 2018 indicou que 14% da população do país declarou-se vegetariana – um aumento de 75% em relação a 2012.

O Brasil é o terceiro maior produtor de leite de origem animal do mundo. São mais de 34 bilhões de litros por ano, produzidos em 98% dos municípios brasileiros, segundo o MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária). Não é à toa que as alternativas ao leite de vaca só chegaram ao Brasil na década de 1990 (confira Bebidas vegetais históricas, ao lado).

O hábito de beber leite e utilizá-lo em preparações ajuda a explicar o interesse aparentemente tardio do Brasil pelas bebidas vegetais. Levantamento feito em 2022 pela GFI Brasil (The Good Food Institute) indica que 73% dos brasileiros consomem laticínios pelo menos três vezes por semana, 14% a mais do que em 2020. O leite de vaca também está presente em 62% dos lares do país, com a mesma frequência.

Aveia: ela é o momento

No rol das opções veganas, o leite de aveia tem sido preferido pelos profissionais do café. Além do baixo impacto ambiental do cultivo de aveia em relação às plantas em geral, o leite feito dela destaca-se pelo sabor mais suave e doçura equilibrada e por agradar vários perfis.

“A bebida de aveia é ‘neutra’, casa com cafés de diferentes tipos sensoriais e agrada também quem toma leite de origem animal”, explica a barista Keiko Sato, da Punga Cafés Especiais, em São Paulo, referindo-se à doçura natural do leite de aveia. A professora, consultora e mestre de torra também acredita que, assim como café, os tipos de leite devem ser pensados observando a harmonia da bebida final e de acordo com o público que frequenta a cafeteria.

“A bebida de aveia proporciona a mesma experiência sensorial de uma preparada com leite de vaca”, diz o barista mineiro Eduardo Olímpio, campeão brasileiro de latte art em 2023. “Temos clientes que nem percebem a diferença, de tão complexa e rica que foi a experiência de tomar um cappuccino vegetal”, garante ele, que atualmente é embaixador da Naveia.

“É o único produto vegano que conseguiu ‘furar a bolha’’’, acredita a sueca e vegana Alexandra Soderberg, CEO e fundadora da Naveia ao lado do marido, o brasileiro e também vegano Felipe Chagas. A Naveia surgiu em 2020 após visitas a feiras de alimentação saudável pela Europa e pesquisas sobre a fabricação da bebida à base do cereal. Um dos processos na produção de leite de aveia é a enzimação. A técnica utiliza enzimas para quebrar o amido da aveia, o que melhora seu sabor e confere dulçor sem a adição de açúcares.

Uma questão de sustentabilidade

A escolha da aveia como base da única bebida vegetal da marca também contempla questões econômicas. “Utilizamos menos água e energia para produzi-la”, diz Alexandra. Um dos estudos da marca contabiliza, por exemplo, que o consumo diário de 200 ml de leite de vaca corresponde à utilização de mais de 45 mil litros de água em sua produção. Em contraste, a ingestão cotidiana da mesma quantidade de leite de aveia equivale ao gasto de pouco mais de 3,5 mil litros de água na sua fabricação.

Além disso, entram na equação da fabricação da bebida Naveia preocupações ambientais. “O cultivo da aveia é regenerativo, com rotação de culturas”, detalha a empresária, referindo-se às técnicas agroecológicas adotadas pelos produtores que plantam o cereal para a marca no Rio Grande do Sul.

Sustentabilidade também dirige as ações da Nestlé. Entre elas estão obter 30% das matérias-primas das bebidas vegetais de quem aplica práticas regenerativas até 2025, reduzir 1/3 do plástico virgem das embalagens até 2025 e ter 100% das embalagens desenhadas para reciclagem ou reutilização”. Já a NotMilk consome, em seu processo produtivo, 83% menos água e emite 80% menos CO2 do que a produção de leite animal”, diz Ana Vinha, gerente de comunicação da NotCo. A empresa, que usa inteligência artificial, pesquisadores e chefs no desenvolvimento dos produtos, é parceira do EuReciclo, o
que significa que 100% das embalagens são compensadas.

Zerar a emissão de carbono é, para Giovanna Meneghel, da Nude, um compromisso com o planeta. O pensamento permeia a concepção da empresa, criada há três anos e que também adota a rotação de culturas. Cerca de 45% de toda a pegada de carbono gerada pela cadeia produtiva da bebida de aveia vem do campo. Por isso, a Nude compra créditos, mas a meta de Giovanna é zerar essas emissões. Seu outro objetivo é ser sustentável para o bolso do consumidor, o que esbarra em questões fiscais.

“A produção de leite vegetal tem 40% a mais de impostos do que a de leite animal”, explica ela. “Assim, ter incentivo governamental é importante para baratear os custos de produção e, com isso, fazer com que o valor final do produto seja acessível a todos’’, completa.

Por isso, a marca criou a Base Planta, associação em parceria com A Tal da Castanha, NotCo, Positive Company e Vida Veggie, para buscar incentivo fiscal para a indústria de alimentos à base de plantas. Já a Nude desenvolve o Mostra sua Pegada, movimento voltado à sustentabilidade e que reúne 28 empresas, criado para divulgar o baixo impacto ambiental desses produtos e promover sua produção responsável.

Linha do barista e produto artesanal

Além do sabor neutro, os baristas costumam preferir o leite de aveia por sua textura, aspecto fundamental nas técnicas de vaporização de um leite – seja ele de origem animal ou vegetal. “A crema das marcas disponíveis no mercado brasileiro são estáveis, homogêneas e elásticas o bastante para fazer bebidas clássicas com ótima apresentação”, explica Keiko.

“Temos crescido significativamente com a variedade Barista, à base de aveia e que potencializa a performance em latte art sem roubar a predominância sensorial do café”, diz Leonardo Tauil, head of marketing coffee and beverages da Nestlé Professional.

Até pouco tempo, porém, uma das dificuldades das marcas era quebrar o preconceito dos profissionais do café em relação às alternativas vegetais. “Os baristas geralmente diziam que a bebida era ruim e que vaporizava mal”, recorda Alexandra. Já os donos das cafeterias, lembra a empresária, pensavam não existir público para elas. “E não existe mesmo, se você não permitir que as pessoas conheçam um novo produto’’, argumenta.

Entre as ofertas comerciais, a bebida de aveia também foi a escolhida por Gabriela Barretto, chef e proprietária do Futuro Refeitório, em São Paulo, exigente quando o assunto é sabor e valor de um ingrediente. “Encontramos uma bebida de aveia que nos contentou em termos de paladar e que é feita de maneira cuidadosa, sem excessos de industrialização’’, explica a chef.

Mas no caso do leite de coco, que ela harmoniza com os cafés torrados na casa (um casamento não tão óbvio), o jeito foi fabricá-lo. “Não encontramos um produto que nos agradasse em termos de sabor e textura, além do fato de que os disponíveis têm altas concentrações de conservantes e estabilizantes’’, explica Gabriela, que o produz diariamente. “O coco é um ingrediente brasileiro de fácil acesso, que combina bastante com algumas receitas do café. Fazemos nosso leite com coco seco e água de coco verde, em uma máquina específica para produzir leite vegetal’’, detalha. Esse trabalho tem um preço e no cardápio, o valor adicional é especificado. “Fabricar costuma ser mais barato do que comprar pronto, mas existe o custo da mão de obra e o de produção”, calcula Gabriela.

Na arena

Em 2023, numa decisão histórica, a World of Coffee Events alterou algumas regras e liberou o uso de bebidas vegetais no Campeonato Mundial de Barista. Deixar que elas façam parte da mise en place de competidores e competidoras proporciona mais liberdade criativa e permite explorar novas formas de trabalhar com o café. A presença dessas bebidas nas competições possibilita, também, que alternativas vegetais alcancem um público maior e possam quebrar preconceitos.

Pensando nisso, a marca Nude investiu em um time de baristas embaixadores, que prova, opina sobre a qualidade do produto e o promove, além de participar de campeonatos pelo Brasil. Para Pedro Lisboa, head of coffee relations da empresa, a aceitação desses profissionais foi imediata. “A vaporização, a quantidade de crema, de bolhas e de microbolhas são aspectos importantes”, detalha Lisboa. “A gente queria criar um produto que deixasse o barista feliz’’, comenta.

Bebidas vegetais históricas*

Fazer leite à base de plantas não é novidade. Há uma longa história de bebidas vegetais produzidas por diferentes culturas ao redor do mundo. Na Europa medieval, a mais comum era feita de amêndoas. No
inverno, período de baixa produção de leite animal, a bebida extraída dessa oleaginosa ajudava os europeus a sobreviverem às baixas temperaturas.

Várias receitas medievais tinham como opção substituir o leite animal pelo de amêndoas, que entrava no preparo de sopas, caldos, mingaus e molhos. A medicina antiga também contemplou seu uso como medicamento (assim como o de todos os alimentos). Em sua riqueza teórica, ela classificava ingredientes de acordo com suas qualidades e os designava a determinadas pessoas, que, por sua vez, tinham perfis também distintos. Assim, alguns alimentos eram considerados “quentes” ou “frios”, o que não estava relacionado à temperatura de serviço, mas a uma de suas qualidades. Na leitura dos religiosos, porém, alimentos quentes tinham o poder de aumentar o desejo sexual. Por isso, a Igreja Católica proibiu seu consumo em datas sagradas. O leite de vaca estava entre eles. Nos séculos XVII e XVIII, a bebida de amêndoas tornou-se uma opção para esses dias de restrição alimentar.

Os chineses produzem bebidas vegetais há milênios. A extração do leite de arroz consistia, basicamente, em macerar os grãos e filtrá-los. Além da bebida de arroz, os asiáticos também consomem leite de soja – que, até pouco tempo, foi uma das poucas opções acessíveis nas prateleiras para vegetarianos, veganos e intolerantes à lactose. A soja é consumida na China desde 220 a.C. e seu uso como bebida data do século XIV. A técnica para obtê-la consistia na trituração e no cozimento dos grãos para extrair seu líquido nutritivo.

Ao longo dos séculos, sua produção foi aprimorada. Uma das inovações foi a introdução do tofu, provavelmente durante a Dinastia Tang (618-907 d.C.), que é um derivado da bebida de soja coagulada. Os grãos são mergulhados em água, depois moídos até o ponto de pasta, que é então cozida para realçar os sabores e filtrada. Há, ainda, a opção de saborizá-la com açúcar, baunilha e outros ingredientes.

A produção das bebidas vegetais espalhou-se pela Ásia, chegando a países como Japão e Coreia. Com a
globalização, a bebida de soja tornou-se popular em todo o mundo.

*Fonte: Dupuis, E. Melanie. Nature’s perfect food – how milk became America’s drink (New York University Press, 2002)

Texto originalmente publicado na edição #83 (março, abril e maio de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Letícia Souza • FOTO Daniel Ozana/Studio Oz

Mercado

3ª edição do São Paulo Coffee Festival traz palestras e workshops com especialistas

A 3ª edição do São Paulo Coffee Festival tem aulas e workshops de dar água na boca, além de um público maior. O evento, que acontece nos dois pisos da Bienal de São Paulo entre sexta (21) e domingo (23), deve reunir mais de 15 mil pessoas para assistir, entre outras atrações, painéis, aulas e degustações em que o café especial é protagonista. 

Seguindo o formato original – criado em Londres há mais de dez anos –, há espaços específicos e gratuitos para a bebida, como o Latte Art ao Vivo, onde baristas apresentam ao público técnicas de vaporização e desenhos com leite. Entre as atrações estão o campeão mundial de barista, o brasileiro Boram Um, e os campeões brasileiros Daniel Vaz e Emerson Nascimento.

Importantes nomes do universo do café comandam discussões interativas no O Laboratório, também aberto a quem estiver passeando pelo festival. Há desde bate-papos com os criadores dos métodos Bruta, Pressca e Aram, como com grandes indústrias e redes de cafeterias, como Orfeu Cafés Especiais, 3corações e The Coffee. Conversas sobre as diferenças entre as espécies arábica e canéfora, com os produtores Paula Paiva (Fazenda Recanto, MG) e Lucas Venturim (Fazenda Venturim, ES), e uma conversa sobre terroirs no vinho, no café e no cacau, com Tuta Aquino (Chocolates Baianí – SP), Ariel Kogan (Tão Longe, Tão Perto – SP), e Thiago Furlaneto (Federação do Cerrado Mineiro – MG) engordam a programação.

Outro destaque é o Sensory Experience, que acontece em duas salas,  cada uma delas para até 15 pessoas. Temas como sons do café e aromas, respectivamente explorados por Ana Argenta (Argenta Cafés) e a especialista em cafés Letícia Paiva, além de uma degustação de cafés diferentões do IAC (Instituto Agronômico de Campinas), com o pesquisador da instituição Gerson Giomo, e de grãos fermentados, com a mestre de torra Silvia Magalhães (SM Cafés – SP), enriquecem a experiência sensorial de baristas e interessados. Outros ingredientes aliados do café – como o leite de aveia, apresentado por Pedro Lisboa (Nude – SP), e o drinque Espresso Martini, a cargo de Marco De la Roche (Mixology News – SP) – também estarão em cena. 

Os ingressos, disponíveis na plataforma Ticket360, custam R$ 80 (diário), R$ 160 (passaporte três dias) e R$ 170 (VIP diário). 

Serviço
São Paulo Coffee Festival 2024
Quando: 21, 22 e 23 de junho
Horário: das 14h às 21h (sexta) e das 10h às 18h (sábado e domingo)
Onde: Fundação Bienal de São Paulo (Av. Pedro Álvares Cabral, s/n – Vila Mariana, São Paulo – SP)
Mais informações: www.saopaulocoffeefestival.com.br 

TEXTO Redação • FOTO Agência Ophelia

Barista

8ª Copa Barista divulga ordem dos competidores

Faltam menos de dez dias para mais uma Copa Barista. A competição acontece, novamente, durante o São Paulo Coffee Festival, nos dias 21, 22 e 23 de junho, na Bienal do Ibirapuera, na capital paulista.

Assim como nos anos anteriores, alguns competidores são selecionados como “cabeças de chave”, ou seja, não passam pela etapa classificatória, indo diretamente para as oitavas de final. A ordem dos chaveamentos foi definida por meio de sorteio. Confira os nomes:

Sexta-feira (21/6)

Classificatórias
15h30 Debora Lais Nascimento x Pétrea Miharu* – Classificatória 1
16h10 Geosvaldo Silva x Marcos Vinícius Lugue – Classificatória 2
16h50 Bruno Couto x Giovanni Dezen – Classificatória 3
17h30 Gabriel Ribeiro x Henrique Wogel – Classificatória 4

Oitavas de final
18h10 Renan Dantas x Matheus Magalhães – Oitavas 1
18h50 Marcel Ribeiro x Elis Bambil – Oitavas 2
19h30 Hugo Silva x Monique Gomes – Oitavas 3
20h10 Daniel Silva x Danilo Favero – Oitavas 4

Sábado (22/6)

Oitavas de final
11h Amanda Albuquerque x vencedora da classificatória 1 – Oitavas 5
11h40 Tiago de Mello x vencedor da classificatória 2 – Oitavas 6
12h30 Stefanie Soejima x vencedor da classificatória 3 – Oitavas 7
13h10 Thiago Sabino x vencedor da classificatória 4 – Oitavas 8

Quartas de final
15h Vencedor da oitavas 1 x vencedor da oitavas 5
15h40 Vencedor da oitavas 2 x vencedor da oitavas 6
16h20 Vencedor da oitavas 3 x vencedor da oitavas 7
17h Vencedor da oitavas 4 x vencedor da oitavas 8

Domingo (23/6)

Semifinais
11h30
12h30

Finais
15h30 Disputa de 3º e 4º lugares
16h30 Final

*A competidora Isadora Gelk, por motivos pessoais, não poderá participar da Copa Barista. Pétrea Miharu, a próxima da lista, entra para a competição em seu lugar.

TEXTO Redação • ILUSTRAÇÃO Filipe Grimaldi

Mercado

Santo Grão apresenta microlote 100% laurina da Fazenda Daterra

O Santo Grão apresenta seu novo café feito 100% de laurina. Em evento exclusivo, a Espresso pôde degustar a novidade, chamada Cafeína?. Na xícara, a bebida traz acidez alta, corpo licoroso e notas de frutas tropicais, como o pequi.

Produzido na Fazenda Daterra, em Patrocínio (MG), no Cerrado Mineiro, a 970 metros de altitude, o microlote passou por processo natural de fermentação anaeróbica, e descansou em tanques de inox por 60 horas. “Este café foi feito em um método de processamento que ressalta notas frutadas, que nos lembrou pequi e seriguela. É muito macio e tem um caráter levemente alcoólico”, destaca Natália Braga, responsável pela torra do microlote.

O nome do lançamento faz referência à principal característica da variedade: um café naturalmente com baixo teor de cafeína – 0,6%, de acordo com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) –, inferior ao de outras cultivares de arábica. “A baixa quantidade de cafeína contribui muito para uma percepção quase nula de amargor”, comenta a mestre de torra do Santo Grão.

A novidade custa R$ 105 (200 g, moído ou em grãos) na loja virtual e nas unidades da rede em São Paulo (SP), onde também pode ser degustado na xícara.

TEXTO Gabriela Kaneto • FOTO Gabriela Kaneto

Mercado

Duas novidades no portfólio da Mantissa Café

No dia 22 de maio, em evento realizado na cafeteria temporária da Mantissa Café, na Casa Decor, em Campinas (SP), a Espresso pôde conhecer e experimentar os dois lançamentos da marca: as variedades arara e catuaí amarelo. 

Ambas foram cultivadas a 1.200 metros de altitude na Fazenda Mantissa, em Campestre (MG), Sul de Minas. “O arara foi um café que se destacou muito, despontando em concursos. Então, resolvemos acrescentar a variedade e aumentar a família”, destaca Leonardo Custódio, Q-Grader e supervisor de qualidade na Agro Fonte Alta, fazenda que faz parte do grupo. 

Na xícara, o arara se apresenta como um café doce, com notas de rapadura e toque floral, corpo licoroso, finalização longa e acidez cítrica. Já o catuaí amarelo traz notas que remetem a frutas amarelas, com finalização prolongada e corpo aveludado. 

Os dois cafés podem ser encontrados no site da Mantissa por R$ 27 (250 g) e R$ 54 (500 g). 

TEXTO Gabriela Kaneto • FOTO Gabriela Kaneto

Café & Preparos

Café e design: collab brasileira lança porta-filtro cônico de cerâmica

A parceria entre a marca de cerâmicas Bíon e a loja Koffi, da barista Maíra Teixeira, resultou na criação de um novo método de preparar café: o Koffíon é um porta-filtro cônico de cerâmica produzido artesanalmente.

Seu formato em V, com ranhuras internas, foi pensado para auxiliar o fluxo circular da água durante a extração – e evitar, assim, a superextração da bebida. Já a cerâmica ajuda a manter a temperatura por mais tempo.

A combinação do filtro de papel cônico (como o da V60) e de cafés de moagem média resulta, segundo a collab, em 400 ml de uma bebida mais doce e encorpada, por conta do bico de saída projetado para ajudar no tempo de contato entre o café e a água. O equipamento vem com um suporte de ferro para sustentá-lo e uma jarra de cerâmica.

O Koffíon está à venda no site da Bíon por R$ 479,90 (inclui um pacote de filtro de papel V60).

TEXTO Gabriela Kaneto • FOTO Divulgação

Cafezal

Sustentabilidade e ESG: como o café se enquadra nesses temas?

Claudia Leite tem mais de 25 anos no ramo de comunicação e sustentabilidade e se tornou referência no tema, consolidando a estratégia global e catalisando ações relevantes

Claudia Leite – Foto: Wilian Jackson

O café fazia parte da sua vida desde a infância, lá no sudoeste de Minas Gerais. Ela cresceu em meio às produções de café. Dali, Claudia Leite iniciou uma carreira promissora, até se tornar diretora da Hilo Estratégia e Propósito.

“Vim de São Sebastião do Paraíso, e na minha infância e adolescência eu tive contato com a realidade da cafeicultura, com diferentes produtores e produtoras e tudo que eu pude estudar depois, no Brasil e no exterior, foi importante, mas nada se compara a entender o dia a dia desses produtores, saber os desafios que realmente temos. Isso me trouxe afeição e identificação com o café, depois eu consegui me reconectar com isso na minha trajetória profissional, mas no sentido de buscar cada vez mais valorizar as origens dos cafés, as histórias e as pessoas que existem por trás dessa cultura que a gente bebe”, conta a especialista.

Ela que sempre focou a sustentabilidade conta que em 2006 já trabalhava havia dez anos na Nestlé, quando então foi convidada a trazer a Nespresso para a América Latina. O objetivo da marca era ter cafés de alta qualidade, sustentáveis, já porcionados, e ali se dedicou a estudar muito sobre como vender café a quem mais produz café, que é o Brasil.

“De todas as estratégias comerciais e de comunicação que eu recebi como incumbência na época, um dos maiores desafios foi entender e conhecer mais sobre sustentabilidade, e apoiar no desenvolvimento desse conceito considerando a realidade local do Brasil como o maior produtor mundial e o maior fornecedor para a marca, além de saber como isso poderia ser entendido, potencializado e também comunicado. Eu já realizava muitas atividades como cidadã no meu dia a dia, mas isso é distinto de uma abordagem profissional como responsabilidade dentro de uma grande indústria. Entendi como tudo funcionava na prática. É diferente de hoje, que todo mundo fala de sustentabilidade, de ESG (sigla em inglês para responsabilidade social, ambiental e de governança). Na época não tinha toda essa importância e destaque, mas eu consegui mostrar como o tema poderia funcionar na cadeia do café.’’

O tema sustentabilidade é debatido em diversos eventos e palestras. Claudia diz que ele sempre existiu e foi ganhando diferentes contornos ao longo da história, e que é uma nova forma de fazer negócios, atender a demandas e garantir que as próximas gerações possam usufruir de uma sociedade em equilíbrio. A visão é complexa e de longo prazo.

“Isso envolve redução da pegada de carbono, conservação de água, energia e recursos, direitos humanos, responsabilidade social e corporativa, criação de novos produtos e serviços como um diferenciador para os nossos negócios. Já o ESG eu entendo como uma forma muito didática de trazer um conjunto específico de critérios ambientais, sociais e de governança para obter métricas específicas. Seu foco é o impacto, o risco da natureza do nosso negócio e da operação, características do nosso setor. Podemos definir como investimento responsável – já que a sigla veio originalmente do mercado financeiro –, que identifica os retornos ajustados ao risco e a oportunidades de investimentos. Hoje o ESG já é aplicado em outros setores, que estão nessa busca para que seus negócios sejam cada vez mais sustentáveis em termos ambientais, de gestão de pessoas e com boa governança e transparência.’’

E o café?

Claudia destaca que o produtor sabe que tem uma relação muito próxima com o meio ambiente, o solo, pois é de baixo para cima e de dentro para fora que os nutrientes são levados para a planta ter a melhor produção em termos de volume e qualidade, além desse olhar para as condições do entorno. Por manter essa relação de longa data naturalmente, a especialista enxerga a produção do café como favorável a boas práticas de sustentabilidade também.

“Em termos de governança, a propriedade rural é um empreendimento, uma empresa. Então, se não fizer direito, vai haver prejuízos e riscos de dar errado. Recomendo sempre começar pelo básico bem-feito, pois não é algo pedido só pelo café especial ou por fazendas grandes, está sendo demandado por todo mundo, e se a gente conseguir medir esse controle e essa gestão profissional por meio da governança – e sei que isso é um desafio pra quem está no campo –, vamos saber o impacto do trabalho da cafeicultura na geração de renda, no desenvolvimento local, que são benefícios que a gente tem com a produção de café.”

Em relação ao meio ambiente, Claudia destaca o fato de que o Brasil conta com um código florestal bastante claro, mas que, em alguns pontos, ainda pode deixar o produtor receoso do que pode ser feito ou posto em prática. Nesse sentido, o caminho é fazer o melhor uso do meio e restaurar a paisagem na qual você está, cuidando do solo, da água, dos recursos naturais, evitando erosão, e assim manter um ambiente equilibrado.

No que diz respeito ao lado social, a legislação no Brasil é rigorosa. Por isso é importante entendê-la. Some-se a isso a pressão e a restrição de mercados que querem saber como a produção está sendo feita, e que portanto criam barreiras caso as regras não estejam sendo respeitadas. Ter acesso à informação e à assistência técnica é fundamental e ajuda nesse trabalho para que as pessoas sejam tratadas com respeito e tenham seus direitos preservados. Um descuido pode pôr em risco toda a credibilidade do setor.

“O produtor pensa muito na manutenção financeira, mais operacional, e a isso se soma a responsabilidade do seu negócio de garantir formação e capacitação contínua, além de fazer análise do solo, usar corretamente os adubos, reduzir o uso de compostos nitrogenados, manejar matéria orgânica, garantir a ciclagem de nutrientes para ter biomassa de carbono, ter cuidado com erosão – principalmente em regiões de montanhas – e, na parte social, o compromisso que se tem de cuidar das pessoas, antecipar problemas e não ter o produtor como um agente isolado desse problema. Todos são interdependentes e devem contribuir, pois fazem parte da solução: cooperativas, sindicatos, torrefadores, empresas.”

Crédito de carbono

A especialista explica que isso movimenta milhões no mundo hoje e funciona da seguinte maneira: uma organização que emite os gases paga para outra que gera créditos para neutralizá-lo. Assim, o carbono que foi emitido em um lado acaba sendo compensado no outro. Por isso ele tende a se comportar como uma commodity mesmo, trazendo oportunidade de novos negócios e até de fonte de renda para diferentes públicos, como pequenos produtores rurais, comunidades tradicionais, o que fortalece as cadeias produtivas.

E esse mercado deve crescer ainda mais, pois organizações e até mesmo países precisam compensar o que produzem enquanto outros são capazes de sequestrar o carbono. “Tem um estudo da WayCarbon que mostra que há segmentos com grande potencial e oportunidades para o Brasil e que podem movimentar algo entre cerca de 500 milhões de dólares e 100 bilhões de dólares, e gerar 8,5 milhões de empregos até 2050. A regulação no País é de maio de 2022 e estamos entendendo como podemos participar desse mercado’’, pontua.

Agricultura regenerativa

Claudia fala muito de práticas que tenham o olhar para a recuperação de solos empobrecidos e a garantia de bom uso dos mesmos. Ela valoriza os micro-organismos que estão presentes no solo, que são fundamentais para a vida na terra, ainda que não se possa ver essa microbiota a olho nu.

Para o futuro da cafeicultura, Claudia Leite acredita na visibilidade do que já é feito de bom e no fortalecimento do que temos de destaque. “Planejar as ações com intencionalidade e medir o bom impacto gerado pela produção de cafés, seja para as pessoas, seja para o meio ambiente, buscando sempre o equilíbrio na produção. É fundamental melhorar a comunicação da porteira pra dentro e da porteira pra fora, para valorizar o orgulho que a gente tem de produzir café, de estar envolvido em toda essa cadeia, gerando dignidade, bem-estar, autoestima em tantas pessoas que estão envolvidas em todo esse processo, reconhecendo o valor dessa cultura que a gente bebe’’, finaliza.

Atente para:

• Realizar rotação de culturas, evitar o cultivo excessivo de mais uma planta na mesma terra, cobrir a terra de cultivos o ano todo para protegê-la, reduzir a evaporação e a perda de água, e para não haver pouso na entressafra, evitando a erosão.

• Arar menos os campos, reduzir drasticamente o uso de fertilizantes e pesticidas e pensar no bem-estar animal e em práticas justas de trabalho para os produtores.

• Um estudo do Instituto Rodale concluiu que os benefícios são grandes, levando-se em conta somente a produção de alimentos. O agronegócio vai ser capaz de sequestrar 100% das emissões de carbono de todo o mundo, pois o alimento tem a capacidade de reverter as mudanças climáticas.

• Manter boas práticas de cultivo, conhecer as dinâmicas de produção, saber que a planta e o solo são vivos e que as necessidades podem variar entre os anos.

• Fazer correções de nutrientes de um ano para outro pode ser necessário para melhorar a saúde da planta, além de fazer uso eficiente de produtos, manejo de solo e uso racional de recursos hídricos.

• Planejar bem a colheita e o pós-colheita para garantir que não se perca o trabalho de um ano todo.

• Além de tudo isso, trabalhar a possibilidade de redução de custos e de mais qualidade.

Texto originalmente publicado na edição #80 (junho, julho e agosto de 2023) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Natália Camoleze

Cafezal

Práticas sustentáveis ampliam retenção de carbono na cafeicultura capixaba

Estudo liderado pelo Cecafé avalia o impacto das práticas agrícolas conservacionistas no balanço de carbono da produção conilon, demonstrando melhorias significativas na retenção de CO2

Pesquisa sobre a produção de conilon no Espírito Santo mostra que práticas sustentáveis podem aumentar significativamente a retenção de carbono. Se a produção tradicional deste grão no estado já retém mais carbono do que emite – os dados apontaram para uma remoção de 3 toneladas de CO2 por hectare ao ano – com práticas sustentáveis, essa capacidade sobe para 8,24 toneladas.

O estudo “Balanço de GEE do Café Conilon Capixaba”, liderado pelo Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil) e apresentado nesta quarta, 29, analisou as mudanças no manejo agrícola para práticas mais conservacionistas, resultando em um impacto positivo significativo no balanço de carbono.

Em colaboração com o Programa de Desenvolvimento Sustentável da Cafeicultura do ES (a Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca) e sob condução científica do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) e de Carlos Eduardo Cerri, da Esalq, o estudo destaca a eficácia de técnicas como o retorno de resíduos pós-colheita ao solo e o uso de adubos orgânicos, contribuindo ainda mais para um balanço carbono negativo e para um impacto ambiental positivo.

A pesquisa não só demonstra a eficácia das práticas sustentáveis na cafeicultura, como também aborda as mudanças no uso do solo – como a de pastagens para o plantio de conilon –, que ampliam ainda mais a retenção de carbono. O estudo avaliou as emissões de gases de efeito estufa e o sequestro de carbono nas propriedades.

Além de destacar o papel da cafeicultura capixaba na mitigação das mudanças climáticas, a pesquisa sublinha a importância de adaptações nas práticas agrícolas frente às novas regulamentações globais antidesmatamento e às exigências de mercados sustentáveis, como a EUDR.

O estudo reforça, ainda, a relevância do Programa de Desenvolvimento Sustentável da Cafeicultura do Espírito Santo, lançado e tocado pelo estado capixaba desde 2022, e que vem fomentando práticas ESG (ambientais, sociais e de governança) com o objetivo é adequar as propriedades à sustentabilidade. O programa, com 27 projetos, pretende adaptar 8 mil propriedades até 2026 com um investimento de R$ 5,45 milhões, promovendo práticas sustentáveis e ESG. Essas ações buscam melhorar o desempenho econômico dos produtores, conservar recursos naturais e atender à demanda global por produtos sustentáveis, com destaque para a capacidade de sequestro de carbono das fazendas avaliadas.

Para concluir, os resultados do estudo também ressaltam o potencial de sinergia entre a cafeicultura e os investimentos verdes. Iniciativas como a recuperação de pastagens degradadas não apenas reforçam o compromisso ambiental, mas também posicionam o Espírito Santo como um líder em práticas de café sustentável globalmente. Este esforço coletivo demonstra o papel vital do setor agrícola no enfrentamento dos desafios climáticos e na preservação de recursos naturais para as futuras gerações.

Confira a apresentação dos resultados aqui. O texto completo está no site do Cecafé.

TEXTO Cristiana Couto • FOTO Agência Ophelia

Cafezal

“Nosso negócio é uma fábrica a céu aberto, vulnerável ao clima”, diz o cafeicultor Lucas Venturim

Em entrevista à Espresso sobre a quebra de safra no Espírito Santo, o premiado produtor de conilons capixaba diz que os preços de canéfora no mercado têm que subir, senão os cafeicultores terão de “fechar a porteira”

Lucas Venturim, cafeicultor na Fazenda Venturim

O mercado interno e as bolsas internacionais começam a sentir os efeitos das mudanças climáticas na safra 2024/25 no Espírito Santo. Em entrevista à Espresso, Lucas Venturim que, ao lado do irmão Isaac, produz premiados conilons na fazenda que carrega o sobrenome da família, em São Domingos do Norte, traça um panorama dos efeitos das mudanças climáticas na região, por calor e chuva fora de época.  

O que está acontecendo para que haja a quebra de safra no Espírito Santo?

Venturim: Este ano, estamos enfrentando as consequências da quebra de safra. Em julho do ano passado, no final do inverno e durante nossa colheita no Espírito Santo, em lugar do típico inverno seco, as chuvas caíram entre julho e agosto. Isso fez com que os pés de café, já estressados pela seca nos meses mais frios de maio e junho, “pensassem” que a primavera estava começando e iniciaram a floração.

Contudo, as chuvas não pararam, o que é prejudicial para nós que cultivamos conilon. Ao contrário do arábica, o conilon depende fortemente da polinização cruzada, seja por abelhas ou pelo vento. Chuva sobre as flores abertas significa que o pólen é lavado – dizemos que a chuva “mela” a flor. Além disso, as abelhas e outros insetos polinizadores não voam nesse tempo. O resultado é que essa chuva precoce comprometeu a polinização dessas floradas, que foram frequentes devido às chuvas irregulares. Em muitas delas, a chuva causou danos tanto à qualidade do café, por falta de homogeneidade na frutificação, quanto à efetividade da polinização.

Quando esperávamos que começasse a chover, no início da primavera e do verão, não choveu. Parou de chover em um período que, geralmente, é chuvoso. Novembro e dezembro são os meses mais chuvosos do ano para nós, assim como janeiro. E enfrentamos uma grande estiagem, de setembro até meados de dezembro. Foram meses extremamente quentes, sem nenhuma chuva. Isso causou abortamento e má formação dos frutos que tinham sido polinizados. Vimos muitos frutos caindo logo depois, em janeiro. As chuvas voltaram ao normal em janeiro e fevereiro, mas já era tarde demais, pois muitos frutos já haviam sido perdidos ou estavam mal formados. Portanto, o que estamos colhendo agora reflete essas anomalias que tivemos no meio do ano passado, resultando, infelizmente, em uma safra ruim, como esperado.

O que vocês estariam fazendo e obtendo, nessa época do ano, em  uma safra regular?

V: Em termos das atividades, tudo está acontecendo conforme o esperado.

Iniciamos a colheita no período habitual. No entanto, estamos observando uma quantidade significativa de frutos mal formados. Frequentemente, ao colher um fruto aparentemente maduro, descobrimos que ele está sem semente ou com a semente murcha e mal formada, o que é especialmente evidente no processo de descasque do café.

Estamos enfrentando uma perda considerável durante o processamento. Há muitos frutos compostos apenas por casca, sem qualquer semente presente.

Além da má formação, já enfrentávamos problemas com a frutificação e a polinização, o que dificultou a fixação das floradas. 

Trata-se de uma combinação de fatores que está impactando o rendimento de modo negativo.

Quais as consequências para os produtores e para os mercados nacional e internacional?

V: A consequência é isso, a frustração de safra. Nós já vínhamos de uma safra pequena no ano anterior. Então, esperávamos que esse ano a safra fosse boa, porque as plantas estavam descansadas, vamos dizer assim. E realmente a lavoura está bonita, porque choveu bem em janeiro e fevereiro, como disse. Mas não tem realmente muitos frutos. E vamos ter uma quebra de safra considerável na região (eu não saberia dizer em termos de Brasil). Nossa economia gira em torno do café, porque todos aqui produzem o grão.

Essa quebra já começou a refletir nos mercados nacional e internacional. Só este ano, a bolsa de valores em Londres, que é referência para os cafés canéfora, chegou a subir 45%. Acredito que o Vietnã vai enfrentar o mesmo problema, porque o período de florada já passou com a seca forte que enfrentaram. Então, quando eles forem colher os frutos, mais perto da virada do ano, acredito que essas mudanças climáticas irão interferir. 

O pessoal diz que o preço do canéfora subiu. Mas não subiu tanto a ponto de compensar uma frustração de safra nos dois últimos anos. Nós perdemos meia safra. Se somarmos a perda do ano passado e a perda mínima deste ano, que ainda vai ser apurada (pelo que já vimos, será de pelo menos meia safra), é uma quebra considerável. E não temos margem para absorver isso. Então, o preço de mercado tem que subir para compensar o produtor, senão ele terá que fechar a porteira, porque não vai ter mais como tocar a fazenda.

A gente tenta compensar, caprichando nos cafés que conseguimos colher. Vamos tentar fazer o melhor possível quanto à qualidade para poder tirar dos frutos seu melhor potencial. É o que dá para fazer.

Lucas e seu irmão, Isaac Venturim (à esq.)

Quais as soluções para minimizar efeitos assim no futuro?

V: É difícil dizer, principalmente devido à questão climática, sobre a qual temos pouca influência. Mesmo com previsões meteorológicas que não oferecem muita antecedência, as opções de ação são limitadas. Por exemplo, nossa lavoura é totalmente irrigada.

Utilizamos sistemas de irrigação avançados, do tipo israelense, que maximizam o uso da água e otimizam a fertirrigação, com nutrientes aplicados por meio da água, como se fosse uma hidroponia. Também intercalamos árvores entre as culturas para reduzir a temperatura média e a evapotranspiração, além de adotar diversas práticas de preservação de água e sustentabilidade.

Trabalhamos com polinização assistida, introduzindo mais abelhas durante a florada para melhorar a polinização. Mas, frente ao clima, essas medidas apenas mitigam o problema e não oferecem soluções definitivas. Por exemplo, a irrigação melhora a situação em comparação a sistemas não irrigados, mas não substitui a sombra natural das nuvens. Mesmo irrigando os cafezais, se a temperatura atingir 42ºC ou 43ºC, a técnica não fará milagres – os frutos serão danificados de qualquer forma.

Continuamos a trabalhar com limitações como esta, conscientes de que estamos à mercê da natureza. Nosso negócio é como uma fábrica a céu aberto, extremamente vulnerável a fatores climáticos.

“A luta também deve ser por uma política de seguro rural mais robusta no país. Atualmente, ela é insuficiente, e deixa o produtor rural totalmente exposto a essas condições climáticas imprevisíveis.”

TEXTO Cristiana Couto • FOTO Agência Ophelia

Mercado

O renascimento dos cafés peruanos

Boom de cafeterias, concursos e cursos profissionalizantes revitalizam a cafeicultura no Peru, cujas características únicas entregam grãos de alta qualidade

O Peru é famoso por sua rica história, culturas milenares, gastronomia diferenciada e paisagens de tirar o fôlego, que se espraiam desde a floresta amazônica até praias deslumbrantes. Mas o que poucos sabem é que, nos últimos anos, o país vem passando por uma transformação no consumo e na produção de cafés.

A qualidade do grão peruano – produzido em 11 das 24 regiões (que são as unidades administrativas do país) e um dos principais produtos de exportação – tem atraído compradores internacionais, e a quantidade de cafeterias que trabalham cafés especiais cresce a cada ano.

As variedades de arábica (algumas antigas, como a típica) são cultivadas em diversas províncias, com altitudes extremas (que chegam a 2.400 m), solos ricos e clima favorável, e são famosas por sua alta doçura. Há décadas apostando em práticas agrícolas e gestão sustentáveis dos cafezais, o Peru é, atualmente, o maior exportador de cafés orgânicos do mundo (o segundo é o México) e o primeiro a fornecer cafés certificados por Fairtrade para a União Europeia. O país também é o quinto maior produtor mundial de arábica, com 4,2 milhões de sacas produzidas, segundo dados da ICO (International Coffee Institute) para a safra 2021/2022.

Esse cenário promissor – que despontou em 2008, na esteira do consumo de cafés especiais na Europa e nos Estados Unidos – tem como importante agente catalisador a Central Café y Cacao del Perú. Em 2017, ao promover a primeira edição da Taza da Excelencia – como é chamado no país o Cup of Excellence, prêmio mais importante de cafés de alta qualidade no mundo –, a associação, que reúne nove mil famílias produtoras de café e de cacau organizadas em 11 cooperativas, contribuiu para alavancar as vendas internacionais dos cafés de qualidade peruanos.

Q-Grader na Central Café y Cacau del Perú

Isso porque a Taza é uma vitrine internacional para os grãos ganhadores do certame. Atualmente, há uma demanda crescente por café peruano na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos. “Também introduzimos programas de Q-Graders e campeonatos de baristas e de torrefadores, além de cursos para formar baristas, o que tem ajudado a gerar e alimentar essa onda de especialidade”, conta o gerente-geral da Central, Geni Fundes Buleje.

Se é uma realidade mundial, em países produtores, a falta de interesse dos jovens pelo campo e pelas práticas agrícolas, também é verdade que certos estímulos são capazes de atraí-los. “Os cursos e prêmios voltados ao café de qualidade têm mudado a mentalidade de muitos deles, que se voltam para suas fincas”, diz Buleje. “A Taza de Excelencia dá visibilidade e prestígio aos produtores, e cursos sobre diferentes processamentos do café instiga a curiosidade dos jovens”, acredita.

Buleje também dirige um projeto, previsto para 2026, destinado a promover o setor de cafés especiais no Peru e que já conta com o auxílio financeiro da Agência dos Estados Unidos para Desenvolvimento Internacional (USAID). “É uma corrente que cresce ano a ano, de maneira lenta mas constante”, afirma.

O café e a cidade

A cena urbana do Peru também reflete, ano após ano, o interesse dos peruanos por seus cafés (diferentemente do Brasil, o Peru permite a entrada de café verde de outros países). Nos últimos cinco anos, o consumo da bebida dobrou no país. É um avanço importante, se considerarmos que, das 400 mil sacas (de 60 kg) consumidas por ano, 53% são de cafés instantâneos, a maioria deles importados do Brasil e da Colômbia. E que o consumo de café no país ainda é baixo – 0,7 kg por pessoa ao ano, ou seja, sete vezes menor do que o consumo per capita brasileiro. Um dos motivos é que os peruanos têm outra bebida quente tradicional, o emoliente, feito de cevada torrada e uma mistura de ervas e especiarias, que é vendida diariamente por toda parte. “O emoliente é o substituto do café nas ruas”, esclarece Buleje.

A perspectiva, porém, é animadora quando se repara no movimento de abertura de cafeterias e de pequenas torrefações que trabalham com cafés especiais. Em 2008, o país contava com apenas um estabelecimento. Atualmente, são cerca de 500 cafeterias – 350 delas na capital, Lima.

“Há 20 anos, não havia nenhuma cafeteria nas cidades das zonas produtoras de café”, reforça Jorge Iglesias, sócio da Central Café y Cacao del Perú. “Hoje, há pelo menos 30 delas nessas cidades. Especialistas costumam dizer que uma cafeteria por semana é aberta no Peru”, completa Iglesias.

Esse movimento é impulsionado, especialmente, por uma nova geração que busca por cafés de qualidade. A disponibilidade dos cursos profissionalizantes e os prêmios ajudam a estimular o interesse dos jovens pelo produto.

Nas cafeterias peruanas, espressos e filtrados dividem a atenção dos clientes. “Os métodos filtrados ganham mais adeptos a cada dia, já que são mais fáceis de preparar e custam menos”, analisa o Q-Grader Felipe Aliaga. Dono da cafeteria Ciclos Café, Aliaga serve e comercializa grãos especiais produzidos nas diversas regiões peruanas. Seu principal barista, Antonio Venturo, ganhou este ano o campeonato nacional de barismo. “Nossos principais valores são a alta especialização da equipe e o atendimento ao cliente”, define Aliaga.

Para Harrysson Neira, dono do Neira Café Lab, o consumo interno teve um avanço significativo. “Nos últimos anos, o café tem se fortalecido como estilo de vida em bairros e zonas muito diferentes”, avalia o barista, que também já foi campeão nacional. “Desde a pandemia, houve um aumento no número de cafeterias, de todos os tamanhos e por todo o Peru”, relata.

Fachada da cafeteria Neira Café Lab

Assim como muitas cafeterias de qualidade estabelecidas em países produtores, a Ciclos Café compra os grãos diretamente dos cafeicultores. E a Neira Café Lab oferece, pelo menos, grãos de vinte áreas específicas do país.

Hoje em dia, as regiões peruanas reconhecidas em qualidade, tanto nacional quanto internacionalmente, são Cajamarca, que já teve quatro ganhadores na Taza de Excelencia, e Cusco, que revelou três. No interior dessas regiões, as áreas em voga são as províncias de Jaén e San Ignacio (Cajamarca), e La Convención e Calca (Cusco).

Existem duas Denominações de Origem, ambas em Cusco e registradas no Indecopi (entidade peruana que registra marcas e patentes), mas que, segundo Geni Buleje, ainda não decolaram. São elas o Café Villa Rica, produzido em Pasco, e o Café Machu Picchu-Huadquiña, cultivado em La Convención. “Até hoje essas denominações não funcionam, porque não encontraram uma fórmula para desenvolver a marca”, analisa Buleje.

Como se vê, ainda há muito a ser feito quanto aos grãos especiais, que, apesar do interesse cada vez maior dos consumidores peruanos, representam menos de 2% do consumo total de café no país. Além do mais, aportes financeiros recentes, obtidos com as exportações dos grãos, não escondem desafios, como o alto custo de produção e o abandono do café por culturas mais rentáveis, como a coca. Essa expansão de consumo, pela qual pessoas como Buleje, Aliaga e Neira tanto lutam, é um dos pilares para o país sustentar o seu produto, manter o equilíbrio dos recursos naturais e melhorar a qualidade de vida dos produtores.

E, de quebra, promover com segurança a emergência de outras regiões produtoras, como Inkahuasi, em La Convención (veja em Algumas regiões produtoras). Pouco conhecido no mercado, os cafés de Inkahuasi têm raízes antigas e calcadas na tradição – uma história que, como todas aquelas atreladas a produtos de valor, conquista qualquer consumidor.

Algumas regiões produtoras

Cajamarca: Ao norte do Peru, cobrindo a porção final dos Andes peruanos e beneficiando-se do clima equatorial, os cafezais de Cajamarca entregam frutos de alta qualidade, com diferentes microlotes e a partir de múltiplas variedades. Os principais territórios são San Ignacio, Jaén e Chirinos, que utilizam diferentes métodos de processamento. Nos últimos anos, após a infestação pela ferrugem (La Roya), houve substituição de variedades. Muitos dos pequenos produtores daqui organizam-se em cooperativas.

Junín: Localizada na Selva Central, com clima equatorial (quente e úmido), típico da selva peruana, é uma região cafeeira histórica. A contaminação por doenças, entre 2014 e 2015, diminuiu sua produção (até então a maior do país) e transformou grandes fazendas (100 ha) em pequenas propriedades (entre 10 e 20 ha), que continuam a cultivar os grãos na floresta. É reconhecida pela certificação Fairtrade. Entre 1980 e 1990, Junín sofreu com a atividade guerrilheira, e os cafezais foram negligenciados. O ressurgimento se deu a partir de 1990. A província de Chanchamayo, conhecida, tem altitudes diversas (entre 700 e 1.800 m). Há áreas de cultivo em solos de origem vulcânica, ricos em minerais e nutrientes.

Cusco: Famosa por atrações turísticas como Machu Picchu, Cusco cultiva café em altitudes que estão entre as mais elevadas do país (até 2.400 m). Embora não produza volume, tem uma rica história cafeeira, e vem experimentando diferentes processamentos do grão.

História do café peruano, lote a lote

Século 18: Em 1794, Gonzales Laguna registra no periódico Mercurio Peruano que plantas “estranhas” foram introduzidas em Lima, em 1760, oriundas de Guaiaquil (Equador), e encontradas, sombreadas, também nos Andes de Huánuco, desde pelo menos 1785. No fim do mesmo século, aquarelas de Baltasar Jaime Martínez de Companõn, bispo de Trujillo, ilustra o café peruano.

Século 19: O cultivo de café ganha importância. Regiões como Chanchamayo são cultivadas, e em 1838, já se registram carregamentos de café de Junín a Lima. Em 1858, a cidade recebe mais de oito mil quilos do grão. Em 1862, Mateo Paz Soldán elogia uma região produtora em Geografía del Perú: “O café de Huánuco, especialmente o de Huertas [hoje, distrito da província de Jauja], é exótico, tão bom quanto o melhor do mundo”. As exportações de café crescem, impulsionando a economia nacional.

Século 20: Em 1914, já se registram elogios aos cafés de Piúras. Nos anos 1920, o Peru torna-se um dos principais exportadores de café da América Latina. Nos anos 1950, diversas regiões cultivam o grão, como Cusco, Puno, Amazonas e Cajamarca. Preços instáveis e redução nas exportações marcam os anos 1970 e 1980. A década seguinte traz o desenvolvimento de certificações orgânicas e de comércio justo.

Algumas variedades

  • Típica: Uma das mais tradicionais, é amplamente cultivada no Peru. Apreciada por seu sabor suave, com notas frutadas e florais.
  • Caturra: Mutação natural da bourbon, é cultivada em várias regiões. De porte compacto (que facilita a colheita), tem sabor doce e suave.
  • Geisha (gesha): De origem etíope, é conhecida no Peru por seu sabor distintivo (florais e cítricos).
  • Catuaí: Resistente a doenças e pragas, é plantada em várias áreas, e produz cafés com notas de chocolate e nozes.
  • Pache: Variedade local, adaptável a diferentes condições de cultivo. Dependendo do terroir, tem vários perfis de sabor.

Texto originalmente publicado na edição #82 (dezembro, janeiro e fevereiro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto • FOTO Divulgação
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