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8 de março: O café sempre foi um assunto de mulheres
Se você buscar na memória, é provável que tenha lembranças acerca da bebida e envolvendo um parente próximo – uma mãe ou avó –, que preparava o café para a família pela manhã, enquanto arrumava todos para irem à escola. Ou, até mesmo, de um lanche em torno da mesa, combinado com biscoitos, pães, cadernos para fazer lição e muito jogo de cintura para manejar a rotina – muitas vezes solitária e sobrecarregada.
Desses momentos em família, muita coisa pode surgir. Não é raro relatos de baristas que conectam suas histórias de vida para justificar a escolha profissional. Talvez como uma forma de retornar às origens, talvez como uma maneira de elevar a experiência do “servir ao outro”.
Mas, para além desses momentos de afeto, é importante dizer: as mulheres estão presentes em toda a cadeia produtiva do café. Em um nicho dominado por homens, elas são empreendedoras, baristas, produtoras, competidoras, mestres de torra, professoras, atendentes ou gerentes.
Para ressaltar e reverenciar a participação feminina no mercado de cafés, neste 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, conversamos com algumas profissionais cujo trabalho merece sua atenção.
Patrícia Rigno, proprietária da Cafeteria Rigno, em Vitória da Conquista (BA)
Ela já trabalhou com moda, foi funcionária pública, mas se encontrou no café. Patrícia vem de uma família de produtores premiados da Bahia. Há oito anos, ela, seu marido e as filhas mudaram-se para Vitória da Conquista para abrir uma cafeteria – que hoje conta com duas unidades. E ela ainda arranja tempo para administrar um restaurante.
Patrícia conta que, durante sua trajetória, enfrentou algumas dificuldades em ser creditada por suas opiniões: “Sempre tiveram aqueles que preferiam ouvir meu esposo e não a mim. Eu lido com um pulso firme, mostrando meu valor e minha capacidade”, comenta. “Hoje posso falar que estou muito bem colocada no meu lugar de liderança e que ser mulher só agrega valor ao meu objetivo. Assim, consigo inspirar e impulsionar outras mulheres”.
Quem trabalha em restaurante já deve ter ouvido a frase: “Quero falar com o dono”, quando um cliente está insatisfeito. Automaticamente, projetamos uma figura masculina, mas que pode ser quebrada ao recebermos Patrícia Rigno. Ela conta que essa situação tem se tornado menos frequente: “Acredito que ainda há aquela surpresa inicial, mas que hoje já se tornou muito mais comum”, diz ela, ao se referir a mulheres na liderança, como Gabriela e Karina Barretto, no Futuro Refeitório, e Isabela Raposeiras, no Coffee Lab, restaurantes reconhecidos e premiados na cidade de São Paulo.
Quando inquirida sobre se o mercado de café está mais feminino, Patrícia diz: “Tenho visto cada vez mais mulheres em lugares de destaque. Reforço, aqui, o Projeto Florada, conduzido pela 3corações, que deu voz a diversas mulheres que trabalham na produção de cafés em diversos lugares do Brasil”, reflete. “Acredito que elas sempre estiveram na cadeia produtiva, pois cresci vendo as ‘apanhadeiras de café’ fazerem toda a diferença na colheita em Piatã (BA) e minha mãe costurando pacotes de cafés para vendermos nosso produto”, completa Patrícia, que, hoje em dia, tem orgulho de estar nessa posição e de poder ver, cada vez mais, mulheres conquistando respeito e notoriedade. “O futuro do café é feminino!”, arremata ela.
Carolina Xavier, barista na Versado Café, em Recife (PE)
Por meio da gastronomia, Carolina teve acesso ao mundo dos cafés e, desde então, não parou de aprender. Atualmente, trabalha no Versado Café, em Recife (PE).
A barista conta que o cenário de cafés na cidade é vibrante. Com a abertura de novas cafeterias e torrefações, a bebida tem alcançado novos públicos. Por lá, Carolina observa que os balcões destes espaços têm cada vez mais mulheres. Mas ela faz um alerta: “Infelizmente, nos cargos de gerência, esse cenário diminui bastante. Pouquíssimas mulheres ocupam essas posições, principalmente mulheres negras. Mesmo que elas tenham experiência, são lugares com maior participação masculina”, conclui.
Ao perguntarmos se ela já sofreu algum preconceito relacionado ao seu gênero, Carolina diz: “Já vivenciei diversas experiências negativas por ser mulher e trabalhar com café. Os homens se sentem um parâmetro para a validação da fala de mulheres, o que acaba criando um ambiente onde nós precisamos provar, em tempo integral, o valor do nosso trabalho”.
Por isso, ela discorda de que o café está recebendo mais mulheres: “Apesar de encontrarmos muitas mulheres trabalhando em cafeterias atualmente, sinto que ainda não se pode dizer que o nicho é feminino. As mulheres sempre foram vistas como preferíveis para trabalhos de colheita na fazenda, algo que acontece até hoje”, conta. “É como se fossemos aptas apenas para atividades como servir ou que exijam um caráter menor de complexidade”, completa.
Cássia Novaes, mestre de torra no Café Por Elas, em São Paulo (SP)
O Café Por Elas tem um time exclusivamente feminino e trabalha apenas com produtoras mulheres. A profissional, que tropeçou no mundo dos cafés por acaso, teve oportunidade de aprender, do zero, a delicada tarefa de torrar os cafés da marca.
Ser um – ou uma – mestre de torra exige responsabilidade, organização e bastante estudo. Esse cargo, inclusive, é frequentemente atribuído a uma figura masculina. “Existem muitas profissionais no mundo do café que gostariam de mudar de área”, diz ela. “É importante que existam oportunidades no mercado de trabalho e que as empresas invistam em qualificar ainda mais essas mulheres”, pondera.
E, para se destacar nesse nicho, com muito jogo de cintura, a mestre conta que as mulheres são vistas como “desqualificadas”, quando, na verdade, não tem escuta. “A minha autoestima me ajuda a ter clareza da minha capacidade e do meu próprio valor”.
Dora Suh, sócia-proprietária do Manana Cafés, em Curitiba (PR)
A barista e sócia do Manana Cafés, em Curitiba, veio do mundo das artes. Formada em design gráfico, ela trabalhou como atendente e teve seu primeiro contato com café ao entrar como funcionária de uma cafeteria. Lá, conheceu Vitor Coelho, seu parceiro na vida e nos negócios.
Perguntamos para Dora como é ser uma jovem mulher (de apenas 27 anos) com tantas demandas: “Ser mulher e ocupar um cargo de liderança é um desafio”, conta ela, que, no início, tinha inseguranças por ser sócia do negócio e ter múltiplas responsabilidades. “Ainda que eu tenha sorte com o público incrível do Manana, as pessoas ficam surpresas quando digo que sou a proprietária”, reflete ela. “Já rolaram situações em que fui questionada por clientes e até profissionais da área sobre escolhas quanto à minha própria marca. Ficava abalada mas, agora, consigo defender minhas ideias”, pontua.
Dora embarcou no mundo das cafeterias e conseguiu unir suas paixões. “Comecei a carreira no café a partir do design. Lá no Manana, uma coisa não existe sem a outra. Não é só sobre a bebida, mas sobre arte, design e o sonho de alcançar mais pessoas com uma xícara de qualidade”, revela. Para ela, o design gráfico é uma ferramenta de comunicação, que propaga informações. “Nesse nicho, ele abre portas e comunica o que só o café especial, sozinho, não seria capaz”.
Aline Codo, sócia-proprietária da 15 Coffee Company, em Sorocaba (SP)
A engenheira Aline escolheu o interior de São Paulo para mudar de vida. Sua trajetória começou quando decidiu fazer uma transição de carreira e ir pra roça. “Visualizei nesse espaço uma oportunidade de aplicar tudo que vivenciei na minha carreira, aliado a experiência da minha família em produzir café por quatro gerações”, explica. A 15 Coffee Company, que é cafeteria, torrefação e escola de barista, surgiu como um caminho para uma transformação do setor na região. “Procuramos educar o consumidor e apresentar a cultura do café, sempre protagonizando quem o produz”.
A empreendedora tem contato direto com outras produtoras, e acredita que a bebida está, aos poucos, dando voz a mais mulheres, principalmente no campo. “O café é uma linda desculpa para uma revolução”, reflete. “Estamos vivenciando essa transformação ao vermos as novas gerações de meninas buscando seu espaço, e as tantas mulheres que já estavam na roça se capacitando, melhorando sua produção e inspirando outras”, relata Aline. Além das cafeicultoras, conta, há um número crescente de mulheres atuando como mestres de torra, baristas e provadoras. “Para quem tem dúvidas, nós estamos apenas começando”, provoca.