Um processo extremamente doloroso tem transformado nossas vidas. Aqui no Brasil já são 12 meses em pandemia, tempo suficiente para transformar os hábitos, padrões de comportamento, padrões de consumo, forma de trabalhar, de pensar, de interagir, enfim, tempo suficiente para promover transformações, e na era digital estas transformações são exponenciais e disruptivas, em alguns casos é como pegar uma pagina em branco e reescrever tudo de novo, mas, como disse o francês Lavoisier alguns séculos atrás, “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.
Vivemos uma grande transformação no mundo todo e no café não é diferente. Para falar em transformações no mundo do café, inevitável recorrermos as bem traçadas “3 ondas de consumo do café”, descritas em 2003 por Trish Rothgeb, uma experiente profissional do seguimento de consumo de café, membro da World Barista Championship. Trish foi assertiva em olhar para o café ao longo dos anos em que esta cadeia se desenvolveu, e de forma muito didática fazer uma leitura dos principais marcos e reuni-los em 3 grandes movimentos, 3 grandes ondas que ditaram as tendências baseado no comportamento dos consumidores e da indústria.
Você se lembra como foi? Vamos dar uma relembrada?
Primeira onda do café
Cronologicamente, a 1º onda de consumo do café vem lá dos idos de 1800, quando o café começa a ter uma maior exploração por parte da indústria, e quando começa seus primeiros ensaios para se tornar uma bebida global e consumida em larga escala, digamos que algo ainda embrionário.
Neste momento, o que era importante era tornar esta bebida conhecida, disseminar seu consumo, realizar sua inserção no mercado, viabilizá-la como negócio.
Neste contexto, as características que constituem a 1º onda do café, são preços baixos, um produto sem nenhuma diferenciação, sem origem, voltada para construir um mercado de massa e com um predomínio do café instantâneo. O máximo que se buscava nesta onda em termos de inovação eram as embalagens, tentando as tornar atrativas aos olhos dos consumidores. E foi assim por um bom tempo, um mercado e estratégias que visavam disseminar o consumo do café, e foi o que aconteceu. Tivemos dentro desta onda praticamente o início do marketing no café, quando em 1959 a Federação dos Cafeicultores da Colômbia, inicia a busca pela diferenciação lançando a lendária Marca “Juan Valdez”. Nesta onda não tivemos um epicentro muito caracterizado, foi um movimento quase global, polarizado nos principais mercados consumidores EUA e Europa simultaneamente.
Segunda Onda do café
Aqui iniciamos um caminho sem volta para o consumo de cafés de qualidade. Epicentro: Estados Unidos da América. Local Exato: Seattle. Ano: 1971, surge a Starbucks. O nome Starbucks foi inspirado no Romance Moby Dick do escritor estadunidense Herman Melville, cujo livro evocava um romance em alto-mar e a tradição dos navegadores que primeiro comercializaram o café. Histórias a parte, o simbolismo da Starbucks como propulsora da 2º onda do café, ladeada por uma outra hoje gigante Peet’s Coffee, vem da grande disseminação em cadeia do hábito de se tomar café fora do lar por meio das cafeterias, que começam então a surgir em redes, se posicionando como o “terceiro lugar”, um ponto de encontro ou descanso das pessoas, uma parada para o café entre o trabalho e o lar. Nesta onda começamos a perceber uma significativa elevação da qualidade do café arábica, o foco na origem, evidenciando inicialmente o país de produção daqueles grãos, os diferentes estilos de torra começam a nascer e terem relevância e a inserção do café espresso também ganha uma projeção muito grande.
Todo este movimento provocado pela 2º onda, a época, foi uma espécie de “iluminismo” no café, uma mudança cultural que começava a tratar esta bebida como algo especial, surgindo dai a expressão e o conceito de “café especial”, cunhado por Erna Knutsen em 1974, conceituando café especial aqueles originados de microclimas geográficos especiais, que produzem grãos com perfis sensoriais únicos e exclusivos. Erna foi uma norueguesa, que na época trabalhando em uma importadora de cafés em São Francisco, Califórnia/USA, foi uma das primeiras mulheres a trabalhar com venda de cafés verdes. Erna foi reconhecida pela Specialty Coffee Association como a fundadora da indústria de cafés especiais, tendo um protagonismo muito grande neste mercado, vindo a falecer em 2018 com 96 anos de idade.
Como visto, esta onda marcou o “nascimento” dos cafés especiais e se estendeu por um bom tempo, disseminando o consumo de cafés com o atributo da qualidade sendo colocado em evidência, se leia mais…
TEXTO Juliano Tarabal, superintendente da Federação dos Cafeicultores do Cerrado Mineiro • FOTO Justus Menke