Sempre recebi o exemplo de meus avôs e meus pais da importância em trocar nossos conhecimentos para que outras pessoas tivessem acesso às informações e pudéssemos construir, juntos, uma comunidade melhor. Fiz trabalhos voluntários durante anos de minha adolescência e, depois de “gente grande”, não me engajei mais em nenhuma atividade constante.
Apesar de saber que precisava retomar esse trabalho, deixei o tempo passar. Acredito que essas ações realmente funcionam. Eis que, para reforçar ainda mais essa minha opinião, chega para uma reunião na revista Espresso o Diego Gonzalez, engenheiro florestal, e proprietário do Sofá Café, acolhedora cafeteria nascida em São Paulo. Diego trazia na “mala” um projeto tentador: criar uma escola de baristas para formar jovens de baixa renda.
O ponto de partida havia sido uma viagem, em 2013, onde Diego conheceu a iniciativa da Toms, marca de alpargatas criada pelo americano Blake Mycoskie, que tem como objetivo doar um par de sapatos igual a cada vendido. A empresa, nascida em 2006, tem o impressionante número de 10 milhões de pares doados, em mais de 60 países.
O projeto norte-americano deu um estalo para que Diego desenvolvesse a ideia. Surgiu assim o Fazedores de Café. A missão é simples, porém a execução é complexa: formar jovens baristas em um curso completo de dois meses, aulas diárias pela manhã, para que, depois, por mais um mês, esse profissional faça estágio em cafeterias parceiras e seja inserido no mercado de trabalho.
Para colocar a ideia em prática, Diego encontrou uma turma engajada no Sofá Café. Com a entrada da barista Regina Machado para ministrar o curso, eles foram costurando as parcerias de equipamentos, insumos, cafeterias, divulgação e conhecimento. Tudo muito leve, feito de forma voluntária. Uniram-se a ideia mais de 30 parceiros. Nós, da Espresso, topamos de cara.
Há muita vontade, energia e a certeza de conteúdo muito completo, que passa por ensinamentos de ética, comportamento, serviço de café, elaboração de drinques, prática de extração, até cafeicultura, business de cafeteria, gerenciamento de negócio, técnica de equipamentos. O projeto começou a criar braços, com a força de muitos envolvidos.
Faltava o mais importante, os alunos. A primeira turma do curso se concretizou e teve início em abril, com quatro jovens, vindos de duas instituições paulistanas, Casa do Zezinho, no Parque Santo Antonio, e Centro de Arte e Promoção Social do Grajaú (Caps), ambos na zona sul da cidade. Caíque, Paulo, Luis Guilherme e Ana Carolina estão em aprendizado. Muitas perguntas, desafios e novidades para jovens que nunca tiveram esse contato mais técnico com o café.
Ao voltar para casa, as experiências deles são compartilhadas com as famílias, que querem saber mais sobre o grão e até ler as apostilas. Em maio, o Sofá Café e os parceiros do projeto apresentaram oficialmente o Fazedores de Café em um encontro. Todos os presentes ficaram encantados com a proposta, que é uma semente produtiva nesse mercado tão carente de baristas e de valorização desse importante profissional.
Volto então ao Toms. Como que num passe de mágica, àquela marca de alpargatas sentiu o aroma do café do projeto brasileiro. A empresa norte-americana, nesse ano, ampliou o leque de doações e deu início ao Tom Roasting, onde para cada embalagem de café vendida eles doam uma semana de água potável para uma pessoa que precisa no mundo, através do programa Water For People. São quatro tipos de café, de diferentes regiões, que proporcionam 140 litros de água para alguém em algum ponto da Terra. Hoje são 780 milhões de habitantes que não tem acesso à água limpa. Imagina isso?
O aroma do café abraçou ambos os projetos sociais e mostrou que há imensas possiblidades – em maior ou menor escala – de fazer a nossa parte. Se você se interessou pelos Fazedores de Café, entre em contato com o Sofá Café (contato@sofacafe.com.br) e participe da maneira que puder. Esse não é um projeto somente da cafeteria, mas importante iniciativa para todo o mercado.
(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses junho, julho e agosto de 2014 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).
TEXTO Mariana Proença • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes