Cafezal

“Novo rearranjo da exportação de café é liderado pelo Brasil e isso está na mão das cooperativas”

Marco Valério Brito, presidente da Coccamig, deseja profissionalizar ainda mais as cooperativas de café e alçá-las como referência em ESG, compliance, rastreabilidade e carbono zero

Marco Valério Brito, presidente da Coccamig

Por Mariana Grilli

A Organização das Nações Unidas (ONU) consagrou 2025 como o Ano das Cooperativas, com o objetivo de reafirmar a importância do cooperativismo para a sociedade. Segundo o órgão internacional, são três milhões de cooperativas no mundo todo, que funcionam com o trabalho de um bilhão de cooperados. No Brasil, a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) considera 4.509 cooperativas, sendo a maior concentração no ramo agropecuário, com 1.179 delas. Destas, 97 trabalham com café.

Esta sinergia entre cooperativismo e cafeicultura marca a vida de Marco Valério Brito, presidente da Coccamig (Cooperativa Central de Cafeicultores e Agropecuaristas de Minas Gerais). Nascido em Três Pontas (MG), ele respira café desde a infância, já que um lado da família contribuiu para a implantação da cafeicultura no município mineiro, enquanto o outro lado trabalhou com a comercialização dos grãos.

Depois da adolescência, Marco Valério se afastou do café por alguns anos para trabalhar no mercado financeiro, mas logo estava envolvido com exportações da commodity. Em 2015, optou por seguir os passos do pai e do avô, tornando-se produtor. Foi presidente da Cocatrel (Cooperativa dos Cafeicultores da Zona de Três Pontas) por nove anos e, em seguida, assumiu a liderança da Coccamig, que em 2025 completa 40 anos.

Em entrevista para a Espresso, ele avalia que a cafeicultura tem passado por uma sofisticação nas operações, e que o papel dele à frente da presidência é elevar o nível de profissionalização das cooperativas que integram a Coccamig para um crescimento contínuo e conjunto, desde o campo até a comercialização.

Espresso: Quando começa a sua história com o café?

Marco Valério: Nasci em Três Pontas (MG) e até a adolescência vivi na fazenda, já acompanhando o café. Depois, fui estudar em Belo Horizonte e trabalhar com o mercado financeiro. Naturalmente, comecei a olhar a bolsa de Nova Iorque, a ficar curioso e passei a trabalhar com o mercado futuro. Aí, trabalhei com várias operações do mercado financeiro ligado ao café. Mais tarde, surgiu a oportunidade de trabalhar em Brasília, no Ministério da Indústria e Comércio, e um dos assuntos era o recém-fundado Departamento Nacional de Café que, teoricamente, substituiria o Instituto Brasileiro de Café (IBC), extinto pelo [então ex-presidente] Collor em 1990. Então, tomei mais conhecimento do mercado de café exportador. Em 2014/15, decidi sair do mercado financeiro, comprar uma fazenda de café e voltei a frequentar mais Três Pontas. Alguns meses depois, surgiu o convite de assumir a Cocatrel em três mandatos consecutivos. Foram surgindo outros convites, para o Conselho Nacional do Café, Sescoop [Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado de São Paulo], conselho do Cecafé e, então, o de presidir a Coccamig.

Como você vê a relação entre café e cooperativismo?

É difícil desassociar cafeicultura e cooperativismo, que estão muito entrelaçados, juntamente com o mercado financeiro, e as pessoas têm pouco conhecimento disso. Diferentemente de outras commodities, o café tem um lado muito grande de profissionalização, como os processos de sofisticação de hedge, além do trabalho com as cooperativas de crédito. É muito difícil desassociar ambos, porque a cafeicultura é feita por pequenos produtores, e uma empresa multinacional tem dificuldade de obter café em lugares distantes. Então, essa intermediação é difícil e esse gap tem sido ocupado pelas cooperativas. As pessoas falam que querem ter a própria produção e torrefação, mas isso é muito romântico. É preciso ter uma logística de indústria, há questões jurídicas, e as cooperativas foram se sofisticando e se profissionalizando para preencher esta lacuna. Então, essa união entre cafeicultura e cooperativismo profissionaliza produtores de todos os tamanhos.

Na sua avaliação, quais as premissas de uma cooperativa?

Ser transparente, profissionalizar e falar de sucessão são passos importantes, e quem não fizer isso não sobrevive. Nessa era de geração de dados e acessibilidade, as distâncias estão menores e as cooperativas isoladas vão sentir. Se você não tiver bons números financeiros nem padrões de medição, se não implantar sistemas e trabalhar com grandes auditorias não irá demorar para estar fora do mercado. Quando cheguei na Coccamig trouxe muitos cursos e seminários, disseminando informações e capacitando os colaboradores. Antes, os produtores estavam afastados [uns dos outros] e a cooperativa fazia esse papel de intermediária, mas é importante aproximar os cafeicultores dessa necessidade de honrar compromissos e compreender o mercado financeiro.

A Coccamig tem 17 associadas e mais duas devem entrar em breve. Qual é o perfil destas cooperativas?

A Coccamig é formada por três grupos distintos de cooperativas, com diversificação de faturamento, regiões, tamanho, área, terroir e produções distintas de café. É importante dizer que estes perfis diferenciados enriquecem a cafeicultura brasileira e que todas, independentemente do tamanho, têm seu valor.

O que deve ser feito para evitar que a cafeicultura fique concentrada apenas na mão das grandes cooperativas?

Ao longo dos anos, em todas as áreas, o mundo vem reduzindo o número de empresas compradoras, exportadoras e cooperativas. Com essa consolidação do mercado, a gente percebeu, no passado, que as cooperativas maiores estavam comprando e fazendo fusões com as menores, e estas cooperativas pequenas estavam com dificuldades nas operações por questões de escala. E, às vezes, as cooperativas de nicho, de uma região muito específica, como Canastra ou Mantiqueira, estavam sendo encapadas por uma cooperativa grande, e aquelas histórias estavam se perdendo. Então, um dos objetivos da Coccamig é dar viabilidade para negócios de menor porte. Por isso, as feiras e exportações em conjunto e as missões internacionais dão escala e visibilidade a elas, e isso perpetua a singularidade daquela pequena cooperativa. Nos últimos cinco anos, a gente vem percebendo que esse esforço ajuda a preservar as pequenas cooperativas que dão particularidade ao café brasileiro.

Como isso está organizado? Os cooperados interagem de maneira interdependente?

Muitas vezes o cooperado faz parte de duas, três cooperativas. Há uma concentração de cooperativas no Sul de Minas, mas há na Zona da Mata, no Cerrado, então, naturalmente, há uma intercooperação. Tem todo um processo de estimular a intercooperação, e percebemos um avanço grande, até porque o cooperado observa modelos de gestão e acaba levando novas práticas para as outras. A Coccamig está sistematizando isso por meio de informação e nivelamento de capacitação. Estamos indo para a World of Coffee na Indonésia [que acontece em maio], propondo rodadas de negócios, parametrizando o programa de desenvolvimento de gestão das cooperativas, inclusive dando prêmios às melhores. Não é fácil, mas estamos avançando e percebemos que há uma cobrança dos próprios dirigentes de adotar práticas que são boas para todo mundo.

Quais práticas? Dê um exemplo.

Uma cooperativa sozinha consegue uma determinada condição para insumos, mas 17 cooperativas reunidas com uma central de compras conseguem outras condições. Por exemplo, temos uma central de compras de fertilizantes que já conseguiu cerca de 18% de redução do preço. Isso acaba impactando os negócios. É possível transpor isso para sistemas operacionais, aluguel de carros, área jurídica, o que torna as coisas mais fáceis, e as cooperativas percebem que isso traz resultados.

Ao longo destas quatro décadas da Coccamig, como você vê os avanços nas cooperativas afiliadas?

Sou um entusiasta do café, me sinto honrado em trabalhar com algo que é fascinante e delicioso. O Brasil tem cafés de todas as qualidades, ele resume o mundo da cafeicultura. O país tem todas as características de café do mundo, tem volume, segurança, geralmente cumpre as entregas, muito porque as cooperativas fazem esse papel. Sem dúvida, a governança das cooperativas melhorou muito, com cursos de capacitação, oficinas técnicas, gestão estatutária, processos mais bem definidos. Essa complexidade a cada ano nos faz olhar mais para o futuro, atentos a tendências.

Ao final de 2025, a lei antidesmatamento da União Europeia (EUDR) deve começar a valer e o café é uma das cadeias envolvidas. Como isso influencia o trabalho de vocês?

Ano passado fizemos um seminário sobre a EUDR e o próximo, em meados de abril, será sobre carbono zero. O papel da Coccamig não é gerenciar o cooperado, mas dar o tom dos negócios com base nos mercados internacionais. É papel nosso popularizar novos conceitos, e o quesito de rastreabilidade também entra nessa discussão. Já a agenda do carbono está sendo atropelada pelo papel do Brasil na nova ordem de exportação do café, e as cooperativas têm hoje a capacidade de liderar este movimento. Hoje, o trabalho que estamos fazendo é o de conseguir mostrar o valor real da retenção de carbono que a cafeicultura tem.

O que é esta nova ordem de exportação?

As cooperativas fizeram o dever de casa nas últimas décadas. Dos anos 1990 até 2000, o preço do café caiu, o Brasil perdeu espaço, a Colômbia ganhou espaço e o mercado ficou à deriva. De 2000 a 2010, surgiram os cafés especiais, que se consolidam. De 2010 até agora, houve uma grande profissionalização das cooperativas, e, nos últimos três anos, houve uma inversão de mercado com as guerras da Ucrânia e Rússia, a covid-19 e a logística ruim. Agora estamos vivendo uma fase de ESG, compliance, rastreabilidade e carbono zero. Esse novo rearranjo da exportação de café é liderado pelo Brasil e isso está na mão das cooperativas, mas para isso elas têm que trabalhar em sintonia.

Como o preço atual do café pode contribuir para o crescimento das cooperativas?

Eu sinto que, a partir da pandemia, as cooperativas passaram a ter mais poder por terem o controle dos estoques. Com o pós-pandemia, está acontecendo uma mudança de preços nominais, e as cooperativas estão sabendo aproveitar este momento com propriedade. Com esse aumento histórico de preços, é claro que torna o ambiente mais “perigoso”, o hedge, mais perigoso. As proteções estão muito alavancadas, mas, naturalmente, as cooperativas devem se colocar como players mais importantes. Elas entraram definitivamente como peça-chave para todo o mercado.

Você acredita que os preços se mantenham em alta ao longo de 2025?

Temos que entender que o mercado está trabalhando sem referências do passado. Isso porque o mercado está invertido há muito tempo, ou seja, os cafés que existem no mundo ainda estão na origem, há pouco café nos terminais dos países consumidores em comparação aos níveis históricos. Ainda entram nessa conjunção fatores como inflação e juros, os problemas climáticos dos últimos anos e uma oferta mais reduzida. O produtor está mais capitalizado e administrando melhor a oferta de venda. E ainda existe o problema logístico mundial. Então, nos próximos seis meses vamos observar o câmbio, a especulação de novas geadas e a nova safra entrando. A partir da entrada da safra, pode ser que o mercado comece a se acomodar aos poucos, encontre novos patamares de preços mais reduzidos, mas é uma análise dinâmica que pode mudar, inclusive por conta das safras da Colômbia, do Vietnã e da África.

E quanto ao consumidor brasileiro, os preços elevados podem prejudicar a “reputação” do café?

O consumidor de hoje é muito diferente, os millenials aprenderam a tomar café de uma nova maneira, como a monodose e o movimento de home baristas. Tudo isso teve impacto na redução de consumo, e agora teremos que ficar atentos ao preço desse café extraforte tradicional, porque pode haver uma acomodação no consumo. É importante dizer que as cooperativas têm se colocado nesta discussão, fazendo o que chamamos de “cafetequização”, ou seja, temos condições de ter cafés muito bons com preços acessíveis sendo oferecidos por novos entrantes no mercado. Esta também é uma possibilidade que as cooperativas vêm explorando, de lançar cafés com margens menores, colocando no mercado local e atendendo esse público que quer cafés melhores. Também precisamos falar da escalada de consumo de cafés especiais, cafés com novos atributos e origens. Então, temos um momento de abertura de movimento e de modelo de consumo diferente, inclusive a retomada das cafeterias. Também vemos isso na Ásia.

Falando em Ásia, a China tem se mostrado cada vez mais interessada na importação de café. Como você avalia o cenário?

É claro que estamos acompanhando este comportamento, e é de interesse do Brasil atender a esta demanda. Mas também é importante observar que alguns países concorrentes optaram por assinar a Nova Rota da Seda com a China, como Peru e Uganda, que estão produzindo bem e têm investimento externo. Hoje, há muitas origens de café, principalmente na África, pois estão tendo muito investimento, a tecnologia está vindo forte com novas variedades e novos terroirs, então, daqui para frente, a competição vai ser muito mais acirrada.

Quem acompanha o mercado de café sabe que a questão logística é um ponto sensível. Na sua opinião, há riscos para o Brasil?

A questão dos portos é um problema no Brasil, e não vejo essa política de infraestrutura como prioridade. E esse é um dos maiores problemas do café brasileiro. Nosso café é percebido como complexo, rico, com profundidade de nuances, a governança tem melhorado, mas o problema de logística ainda persiste. Essa logística ainda nos penaliza, e vejo o Estado ainda muito moroso e sem capacidade de investir. Esse é o nosso maior desafio. E os nossos concorrentes estão avançando: a China, por exemplo, vem controlando muitos portos na África e acabou de inaugurar portos no Peru também, ou seja, ela já está aqui, na América do Sul.

Aos 40 anos de Coccamig, como é renovar a força do cooperativismo entre os colaboradores jovens?

A gente participa de feiras e eventos, reposicionando a cooperativa para os jovens, saindo de uma visão “cringe”, fora de moda. É essencial modernizar a forma de se comunicar, repaginar, tirar essa percepção de que cooperativismo é só para a velha guarda. Há cinco anos, a Coccamig não tinha redes sociais. Fizemos uma mudança para trazer pessoas alinhadas a esse novo momento, uma comunicação mais moderna, sem perder a essência do cooperativismo. O papel da Coccamig é ter interlocução com os cooperados, e por isso é importante dinamizar, estar nas redes sociais e mostrar que cooperativismo tem uma base de contribuição mútua que se estende por diferentes gerações.

Quais são seus objetivos como presidente da Coccamig?

Meus principais objetivos são ter a possibilidade de colocar o café brasileiro em outro patamar de preço, para ser benéfico ao produtor e à sociedade. Quando a cooperativa vai bem, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da cidade melhora, a vida do produtor melhora, as cidades têm mais negócios e turismo. O cooperativismo possibilita expandir e perpetuar a cultura do café. Outro objetivo é fazer com que as cooperativas tenham capacidade maior de interlocução, porque se elas organizarem isso vão alavancar o café brasileiro, o que vai ser ótimo para o país e para o produtor. Meus objetivos são holísticos e meu mandato dura mais um ano e meio, e ainda posso me reeleger.

Para 2025, alguma meta específica?

Pela primeira vez na história, o setor está unido, porque percebeu que é possível dar um salto em posicionamento e preço, além de avançar na percepção do mercado lá fora e do próprio mercado interno. Então, para 2025, o foco é manter o profissionalismo, e mostrar, com evidências, a sustentabilidade do café brasileiro e de nossa região. Não adianta o agricultor fazer a própria auditoria, mas é preciso uma chancela de quem está comprando, então a parte de governança, rastreabilidade e auditorias externas seguirá sendo prioridade. Além disso, no trânsito mundial, a complexidade é ampla, com origens e storytellings, por isso temos que reforçar e contar nossas boas histórias.

Texto originalmente publicado na edição #87 (março, abril e maio de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Mariana Grilli

Cafezal

Mandaguari conquista selo de origem para seu café especial

Com a Denominação de Origem concedida pelo INPI, região no Noroeste do Paraná torna-se o 18º território reconhecido pela qualidade do café e aposta no turismo rural para fortalecer sua identidade

O Café de Mandaguari, no Noroeste do Paraná, recebeu nesta terça (1) o selo de Indicação Geográfica (IG) na categoria Denominação de Origem (DO), concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O reconhecimento consolida a reputação da região como produtora de cafés especiais e valoriza o trabalho de cerca de 200 propriedades familiares distribuídas nos municípios de Mandaguari, Marialva, Jandaia do Sul, Apucarana, Cambira e Arapongas.

Com mais este selo, o Brasil chega a 137 IGs registradas – 18 delas dedicadas ao café, o produto com mais indicações geográficas. 

O selo é resultado de um trabalho iniciado em 2022, com apoio do Sebrae/PR, do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná), da Secretaria da Agricultura (Seab), da UTFPR e da recém-formada Associação dos Produtores de Café de Mandaguari (Cafeman). As Indicações Geográficas (IGs) são instrumentos coletivos que valorizam produtos tradicionais intimamente ligados a um território. No caso de uma denominação de origem, as qualidades ou características do produto são essencialmente atribuídas ao ambiente natural e humano da região — como solo, clima, altitude e saber-fazer local.

A Indicação Geográfica (IG) traz diversas vantagens às regiões produtoras, como o resgate e a valorização da cultura local, estimulando o envolvimento dos agricultores com a atividade e incentivando que as novas gerações permaneçam no campo, garantindo renda e sustentabilidade dentro das propriedades. Além disso, a IG fortalece a articulação entre lideranças locais, produtores e associações na preservação do patrimônio regional, ao mesmo tempo em que amplia o acesso a mercados nacionais e internacionais, promovendo o desenvolvimento econômico e social do território.

Quanto a Mandaguari, a região aposta no turismo rural como forma de consolidar sua imagem no setor cafeeiro, com iniciativas como a Rota do Café, que permite ao visitante conhecer todo o ciclo produtivo do grão.

TEXTO Redação

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Torrinha (SP) é a nova IP de cafés

O município de Torrinha, no estado de São Paulo, é a mais nova indicação geográfica brasileira para cafés. O anúncio foi publicado hoje pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), e a modalidade concedida é a de Indicação de Procedência (IP).

A IP concedida reconhece Torrinha, que tem cerca de 240 pequenos cafeicultores, como um centro tradicional de produção de café arábica, valorizando sua reputação e o saber fazer local, sem, no entanto, exigir exclusividade de características naturais.

Segundo a documentação apresentada pela Cafenato (Associação dos Produtores de Café Natural do Bairro do Paraíso do Alto de Torrinha), o município produz café desde o século XIX, produção essa intensificada com a imigração europeia e a instalação de ferrovias e crescimento urbano. O cultivo de café se dá em altitude média de 800 m, e a maioria dos produtores da cidade estão há pelo menos três gerações trabalhando com o grão. 

O café é tão importante para a cultura local que todos os anos, no último domingo de novembro, é celebrada a Missa do Cio da Terra, em agradecimento à colheita e quando os produtores oferecem uma saca do café colhido. Torrinha tem cerca de 10 mil habitantes.

A cidade ainda promove, anualmente, um concurso de qualidade, e teve cafés premiados no concurso estadual de qualidade em 2015 e 2023. 

TEXTO Redação

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Palestras na Expocafé mostram como o cafezal pode reagir às mudanças climáticas

No segundo dia da feira de Três Pontas (MG), palestras embasadas por pesquisas científicas destacaram estratégias para aumentar a resiliência do cafeeiro, mitigar pragas e reduzir emissões de carbono, em meio aos efeitos do aquecimento global

Por Cristiana Couto

O segundo dia de palestras da Expocafé, principal feira do agronegócio brasileiro voltada à cafeicultura que acontece em Três Pontas (MG), foi de intenso aprendizado. O ponto comum das palestras, feitas durante o simpósio organizado pela Cocatrel (Cooperativa dos Cafeicultores da Zona de Três Pontas) em parceria com a Ufla (Universidade Federal de Lavras), foram as oportunidades e desafios da cafeicultura em meio às mudanças climáticas. Apresentações, baseadas na ciência, para ninguém botar defeito.

Na conversa sobre “Resiliência do café às mudanças climáticas”, conduzida pelo agrônomo e professor titular da Ufla José Donizeti Alves, um dos maiores aprendizados foi o de que, em situação pós-estresse, o cafeeiro se recupera apenas parcialmente. A partir dessa constatação, Donizeti expõe a principal estratégia para aumentar a resiliência do pé de café exposto nos últimos anos “pressões muito grandes” do meio ambiente, que é o aumento da produção de energia. “Existe um descompasso entre a produção de energia e o gasto dela na planta”, sintetiza o especialista. Segundo seus estudos relacionados à fisiologia do café, fornecer energia aos pés de café significa investir no crescimento das folhas e das raízes, que, como pontuou, não se limita mais – em vista do estresse ambiental a que o café vem se submetendo atualmente – a manejos como nutrição balanceada e sanidade da cultura. “Esqueça o calendário tradicional e olhe para o calendário fenológico da planta”, ensinou o especialista.

Em “Manejo do cafeeiro em condições climáticas adversas”, o agrônomo Geraldo Andrade Carvalho explicou como tecnologias mais sustentáveis ajudam a diminuir populações de pragas na lavoura cafeeira e mitigar as mudanças climáticas. Exemplos são a utilização de cercas vivas e de fertilizantes foliares. “Controlar pragas é trabalhar com técnicas de forma integrada, não só inseticidas”, lembrou Guimarães, referindo-se à boa adubação e ao uso de variedades mais resistentes a pragas. 

Expocafé 2025 – Foto: Isa Cunha

Rubens José Guimarães também deu uma aula magna, em sua fala sobre “Influência das mudanças climáticas no manejo das principais pragas do cafeeiro”, ao elencar soluções inovadoras – como a utilização de filme de polietileno, como alternativa às coberturas vegetais, e casca de café, que evita o nascimento de plantas daninhas – ao lado de práticas sustentáveis, como adubação de liberação lenta e gesso agrícola, entre outras. “O importante é aproveitar o que já é bom combinado com técnicas modernas”, ensina ele, citando também a utilização de biochar, quitosana (biopolímero obtido de crustáceos que induz a produção de substâncias de defesa na planta) e polímeros retentores de água.

Agricultura regenerativa e sequestro de carbono, claro, não ficaram de fora. Ademir Calegari, engenheiro agrônomo da Faem-Ufpel (Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel da Universidade Federal de Pelotas), contribuiu com um conhecimento profundo sobre cobertura de plantas e o uso de biológicos durante sua exposição sobre Avanços da agricultura regenerativa”. “O melhor jeito de recuperar solos degradados é utilizar múltiplas espécies [de cobertura]”, ensinou ele, referindo-se a estudos que combinam trigo-mourisco, braquiária, crisópide e outras plantas de cobertura com ativos biológicos e o aumento de produtividade em cafezais de diversas fazendas. 

Carlos Eduardo Cerri, professor titular do departamento de ciência do solo da Esalq/USP, também esclareceu qualquer dúvida sobre pegada de carbono que pudesse haver na plateia com sua palestra “Balanço de carbono em cultivo de café”. “O principal desafio da humanidade é o aquecimento global”, lembrou Cerri. Durante sua exposição, o especialista discriminou os diferentes gases de efeito estufa, a capacidade de cada um aquecer a terra e as diferenças do Brasil em relação ao mundo nas taxas dessas emissões a partir de diversas atividades, como a agricultura. “É importante esclarecer os benefícios que a agricultura traz, quando bem conduzida, para as emissões de carbono”. sobre o tema, mostrou, a partir de estudos, que a cafeicultura mineira, sob manejo sustentável, tem um balanço de carbono negativo de 10,5 t CO2eq/ha, ou seja, mais sequestra do que emite gases de efeito estufa (GEE). 

A Expocafé termina nesta quinta (29) com a 5ª edição da Expocafé Mulheres, espaço construído com base nas demandas das produtoras. A programação, que valoriza o papel feminino no campo, terá foco em inovação, tecnologia e equidade na cafeicultura.

A realização e promoção comercial são da Cocatrel e da Espresso&Co, com apoio da Universidade Federal de Lavras (Ufla) e da Prefeitura Municipal de Três Pontas.

TEXTO Cristiana Couto

Cafezal

Tem uma abelha no meu café

Pesquisadores comprovam que a biodiversidade é essencial para a manutenção de colmeias, produtividade e qualidade sensorial do café polinizado

Por Cristiana Couto

Mudanças climáticas, degradação de áreas florestais e o consequente declínio da população de abelhas tem motivado pesquisadores de todo o mundo a debruçar-se, nos últimos anos, sobre os efeitos da polinização no café. Depois do interesse pela influência das abelhas sobre a produtividade, a última década viu um incremento nos estudos com foco na biodiversidade da paisagem e na qualidade do café polinizado.

Para entender a importância desses estudos e sua aplicação no campo, a Espresso conversou com cientistas, startups e produtores. A resposta para os dilemas atuais enfrentados pela cafeicultura em
relação às abelhas – os insetos mais importantes na polinização do café – é uma só: integração de manejos.

“O cafeicultor precisa melhorar a paisagem, manejar abelhas e adotar boas práticas no uso de defensivos químicos para aumentar a sustentabilidade da sua produção”, ensina o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente (SP) e especialista em abelhas e polinização Cristiano Menezes. “Se ele fizer um planejamento ótimo, pode equilibrar o máximo de produção e, ainda, restaurar o habitat natural. É uma vertente importante de mudança”, acrescenta.

O café é um dos cultivos mais bem estudados no mundo em polinização. Há trabalhos acadêmicos no Brasil, na Costa Rica e no México, e no continente africano, berço de arábicas e canéforas.

Publicações recentes destacam, por exemplo, que não só as abelhas melíferas ou africanizadas (Apis mellifera) aumentam a produtividade do café, mas uma diversidade de espécies nativas – no Brasil, existem quase 2 mil espécies de abelhas, e cerca de 20 mil espalhadas pelo planeta.

Outro estudo, concluído no segundo semestre de 2024 sobre a introdução de abelhas manejadas em fazendas de café, reforça as evidências de que a polinização assistida – ou seja, a introdução de colmeias de abelhas durante a floração – aumenta a produtividade e a qualidade do café, elevando o sensorial da bebida em até 6 pontos e o valor da saca, em 13,15% (um ganho de US$ 25,40 por saca).

Colmeias em campo

O trabalho foi feito entre 2021 e 2023 em fazendas de arábica em São Paulo e Minas Gerais. “Esse estudo reforça a integração de ações no campo, ao avaliar o impacto do manejo de abelhas na produtividade do café, crucial para milhões de famílias rurais”, diz Menezes, que liderou a pesquisa e contou com a parceria da Agrobee, empresa brasileira que conecta apicultores, meliponicultores (criadores de abelhas sem ferrão do gênero Melipona) e cafeicultores, da empresa de tecnologia agroquímica Sygenta e da Esalq-USP, entre outras.

Mesmo com dados consistentes na literatura sobre as vantagens da biopolinização, há desafios. “Por muito tempo, negligenciou-se o papel dos polinizadores na cadeia do arábica”, diz Guilherme Sousa,
CEO e sócio da Agrobee. “Nos cursos de agronomia, a polinização não é um tema tão bem trabalhado como é o combate às pragas”, reforça a bióloga Marina Wolowsky, também especialista em polinização. Isso, somado ao fato de que o arábica é uma planta autocompatível, ou seja, capaz de se autofecundar, tornou o assunto, muitas vezes, irrelevante.

Por outro lado, vantagens ambientais, sociais e econômicas da biopolinização, claras aos cientistas, vêm cativando, aos poucos, a atenção do setor. “Ser sustentável no café é rentável para o agricultor”, analisa Guilherme Castellar, jornalista da Associação Brasileira de Estudo das Abelhas, a A.B.E.L.H.A. Pesquisas de mercado pelo mundo indicam, também, que os consumidores de café demandam, cada vez mais, por cafés diferenciados, mais sustentáveis em termos socioambientais.

Uma ferramenta de sustentabilidade

Se a rentabilidade econômica não deixa de pesar na balança do cafeicultor, a vegetação nativa ou a restauração de áreas degradadas é vital para a manutenção – e incremento – sustentável dos seus ganhos. Modelos climáticos indicam que, até 2050, 90% dos municípios brasileiros sofrerão com a perda de polinizadores, comprometendo a polinização de diversas culturas agrícolas – entre elas, o café.

Para mitigar esses efeitos, pesquisas recentes buscam entender as relações entre o ambiente natural, as comunidades de abelhas e a produtividade dos cafezais. Elas geram conhecimento que auxilia projetos como o de Menezes e serviços de aluguel e treinamento de abelhas.

O que os cientistas estudam, ainda, é como são essas complexas relações entre abelhas e plantas em áreas produtoras de arábicas e canéforas do país. Nessa chave, avaliam a polinização da abelha africanizada – que, até até pouco tempo, dominou o conhecimento acadêmico sobre polinização de café – e das espécies nativas.

Produtividade e floresta em pé

Os cientistas já sabem que florestas próximas aos cafezais aumentam a produtividade do plantio. E, se uma revisão acadêmica de 2022, feita por Moureaux e colaboradores e que reuniu publicações científicas sobre vários países produtores, mostrou um incremento de 18% na produção de arábica pela biopolinização, pesquisas brasileiras têm encontrado que a produtividade de uma colheita em sistemas agroflorestais pode chegar a 30% com o apoio delas. “Quanto mais próximo os cafezais estiverem de fragmentos florestais, maior a diversidade de espécies de abelhas e maior a produtividade do café”,
resume Menezes.

Foi o resultado que Marina encontrou ao estudar os cafezais no Sul de Minas. “Descobrimos que quanto mais heterogênea for a paisagem maior será a diversidade de espécies e o número de abelhas que visitam as plantas de café”, explica ela, referindo-se ao termo técnico paisagem como o conjunto composto por área plantada, fontes de água e floresta. “A floresta diversa é importante para que as abelhas se movimentem e explorem outras categorias de paisagem”, detalha.

Mas as abelhas não visitam os cafezais somente na época da florada. Elas ficam de olho, também, nas flores que nascem nas entrelinhas e bordas dos cafezais – prática comum em agricultura regenerativa e manejos orgânicos. “Essas plantas floridas servem de recurso para as abelhas continuarem forrageando na área de cultivo”, diz Marina, referindo-se às plantas tecnicamente chamadas ruderais, que crescem espontaneamente nesses lugares e que muitos costumam tomar por ervas daninhas. “Queríamos entender melhor o manejo do cultivo de café, por isso, não fizemos o estudo apenas durante os dias de florada”, explica ela, que observou o comportamento das abelhas por trinta meses.

Ao todo, 62 espécies de abelhas visitaram 67 espécies de plantas nas entrelinhas dos pés de café. “Há, portanto, um incremento na produção quando há, também, cobertura vegetativa no entorno do cultivo”, conclui a especialista. Isso porque a cobertura das entrelinhas, aliada à manutenção de florestas e ao uso de áreas inúteis, como barrancos, ajuda a melhorar a construção de ninhos e colmeias. “Esse manejo de paisagem é o que o cafeicultor pode fazer para aumentar a riqueza de polinizadores na produção”, explica Menezes.

Outro manejo importante é o de insumos agrícolas. “Não adianta ter uma paisagem perfeita e aplicar um produto incompatível com a vida das abelhas”, pondera ele. Segundo o cientista, é preciso escolher produtos químicos compatíveis, cujas doses, métodos e cronologia de aplicação em campo sejam adequados – antes ou depois da florada, aplicações no pé e não nas folhas das plantas e no fim do dia
ou de noite são alguns desses parâmetros. “Não estamos pregando que o cafeicultor se torne orgânico, mas que ele use da forma mais racional possível os pesticidas para gerar o mínimo de impacto ambiental”, conclui.

A importância da paisagem na cafeicultura aumenta se soubermos um pouco mais da vida das abelhas. “A paisagem serve de abrigo e oferece recursos nutritivos e relacionados à reprodução delas”, ensina Marina. Além do néctar e do pólen, florestas, matas e outras coberturas vegetais são fonte de resinas e óleos que elas usam para a construção de seus ninhos. Além disso, a distância que elas têm que percorrer para buscar alimento e o tamanho do seu corpo influenciam a visita das abelhas às flores – quase diariamente, elas definem suas rotas. “Mais recursos sustentam maior número de abelhas, e populações maiores polinizam mais”, conclui a pesquisadora.

Abelhas solitárias ou sociais?

Um dos clássicos estudos científicos sobre biopolinização, feito em 2003 por Alexandra-Maria Klein, da Universidade de Friburgo, na Alemanha, já mostrava que abelhas solitárias – definição para um grupo de abelhas que vive em turmas menores e têm comportamentos específicos – são mais eficientes que as africanizadas na polinização dos cafezais. “Esse trabalho foi importante porque a gente tinha uma visão de que as abelhas africanizadas resolveriam tudo”, conta Menezes. “Na verdade, as Apis precisam de muitas visitas às flores para deixar nelas o pólen”, detalha ele.

Por outro lado, as abelhas solitárias compensam seu menor número visitando flores mais rapidamente e num fluxo maior entre uma e outra. “Elas fazem seus ninhos e os abandonam ou simplesmente morrem, sem ter contato com as próximas gerações. Daí a importância do manejo da paisagem, já que várias abelhas solitárias não conseguimos manejar”, explica Menezes (mais de 95% das espécies de abelhas polinizadoras não são criadas).

Jataí em flor de café

Um dos estudos mais recentes comprovou a relação direta entre diversidade de abelhas e de paisagem. Foram estudadas 24 áreas de cultivo de café no Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná e em Minas Gerais e encontradas 50 espécies visitantes em flores de arábica e 45 em flores de canéfora. O estudo, de Maria Cristina Gaglianone e outros pesquisadores, compõe o livro digital A Ciência das Abelhas, publicado este ano pela A.B.E.L.H.A. e que reúne pesquisas de 2019 a 2022, numa iniciativa inédita de financiamento público-privado para esse tipo de investigação.

Outro trabalho, feito em 2016 em regiões cafeicultoras do leste paulista, onde há fragmentos de mata atlântica, chegou a resultados semelhantes. Nele, a ecóloga Fernanda Teixeira Saturni destaca que áreas de café próximas a florestas e matas nativas são mais ricas em espécies de abelhas sem ferrão – cuja presença aumentou em 28% a maturação dos frutos.

Trabalhos como estes são importantes porque mapeiam espécies de abelhas em regiões cafeicultoras e ajudam no planejamento do cultivo nessas áreas. Isso é ainda mais urgente com o impacto atual das variações de clima na cultura do café. “Preservar estas áreas de vegetação nativa tem o potencial de melhorar questões como água e temperatura e outros serviços que a biodiversidade pode agregar”,
analisa Marina. “Isso favorece não só a conservação de áreas, mas ajuda também o produtor”, diz ela, sobre a menor necessidade do uso de fertilizantes e do combate às pragas. “O café é um reduto atrativo para as abelhas”, destaca.

Para integrar manutenção de polinizações, sustentabilidade e produtividade no cultivo do café, Menezes e dois pesquisadores buscam, agora, financiamento público para o desenvolvimento de uma ferramenta que reúne os manejos de paisagem, de insumos e de polinizadores aliados à produção e comercialização de cafés.

“Estamos estruturando esses quatro eixos a partir de indicadores de performance, fáceis de monitorar e que trazem qualidade à produção, para auxiliar o cafeicultor”, explica Menezes. A ferramenta é uma reconfiguração do projeto Apoia-novoRural (Avaliação Ponderada de Impacto Ambiental de Atividades do Novo Rural), criado em 2003 pela Embrapa e que auxilia a gestão agrícola sustentável a partir de indicadores. “Vamos começar pelo café pela robustez dos resultados acadêmicos. É colocar o manejo integrado da polinização em prática”, ressalta ele, que pretende começar, no primeiro semestre de 2025, os primeiros exercícios de campo para testar esses indicadores. “O caminho integrativo é mais complexo, mas vai entregar ao agricultor múltiplos benefícios e atingir a tão sonhada sustentabilidade ambiental, econômica e social”, acredita.

Abelhas de aluguel

A polinização assistida é uma estratégia não apenas viável, mas indicada para aumentar a produtividade, a qualidade e a sustentabilidade do café, especialmente em áreas com monoculturas extensas, onde a diversidade de espécies é baixa.

“A presença desses polinizadores pode incrementar a produtividade, em média, 18%, o equivalente a 3 sacas por hectare, mas já tivemos casos em que a produtividade chegou a 30%”, diz Sousa, que desde 2018 aluga colmeias de abelhas aos cafeicultores.

Nos últimos anos, a Agrobee vem sendo procurada por empresas do setor, como Nescafé e Nespresso, para a polinização assistida. “A agenda de agricultura sustentável está muito ativa”, explica ele. “A polinização é o maior potencial produtivo sustentável a ser desbloqueado na cafeicultura”, reflete.

As vantagens são muitas. Aumentar a presença de abelhas nos cafezais ajuda a diminuir o abortamento das flores, uniformizar o amadurecimento dos frutos, reduzir grãos chochos e aumentar a peneira, gerando frutos mais doces.

Em setembro, a startup fechou um projeto, em parceria com a Expocaccer e com o Banco do Brasil, que oferece incentivo financeiro para os agricultores que queiram conhecer o serviço de polinização. “Queremos inserir as abelhas nas grandes cadeias agrícolas, e gerar mais receitas para o agricultor e para os criadores de abelhas”, diz Sousa, que já trabalhou em mais de 100 áreas de cultivo em regiões como Sul de Minas, Cerrado Mineiro e Alta Mogiana e tem mais de 60 mil colmeias cadastradas. A startup oferece, inclusive, um selo de café polinizado para que os produtores os estampem em suas embalagens.

Só para se ter uma ideia da potencialidade do serviço de polinização assistida, cada hectare de café recebe quatro colmeias de abelhas. Se a decisão (sempre baseada em polinizadores que já existem na área de manejo) for pela Apis mellifera – a mais comum na polinização assistida de cafés no Brasil –, as colmeias podem abrigar, até, 200 mil abelhinhas por hectare, que permanecem na lavoura entre 12 e 15 dias. Já seis colmeias da mandaguari (gênero Scaptotrigona), menores, liberam por hectare cerca de 180 mil indivíduos.

Sousa desenvolve seus protocolos de manejo no campo, como número e posicionamento das colmeias, baseado em estudos acadêmicos. O norteador da polinização assistida são os talhões com maior potencial para a bebida. “Precisamos adequar o serviço de polinização à realidade de cada produtor”, explica ele, que já trabalhou com mais de seis espécies, cujas colmeias são monitoradas com um aplicativo combinado à Inteligência Artificial.

Como treinar sua abelha

Abelhas podem ser ensinadas. É isso o que faz o ecólogo e neurocientista João Marcelo Robazzi, da startup brasileira pollintech, criada há três anos. O treinamento de abelhas (denominado polinização guiada) torna a polinização mais eficaz e pode ser uma ajuda e tanto para a polinização assistida.

“Criamos a empresa na esperança de que as abelhas polinizem mais e melhor”, conta Robazzi, que tem como sócias a entomóloga Marcela Barbosa, especialista em polinização, e Maria Imaculada Zucchi, pesquisadora da Apta, e que trabalha com genética de plantas. “É um processo de ganha-ganha: o produtor aumenta a produtividade sem aumentar a área plantada e as abelhas encontram mais alimento e de forma mais rápida”, emenda Marcela. “Usamos a natureza para resolver o problema da produtividade”, completa ela.

Apis mellifera em flor de café

Para conseguir alimento, as abelhas se guiam pelo perfume, formato e cor das flores, criando uma memória olfativa. Mas não é nova a ideia de treinar abelhas: pesquisadores fazem isso desde a década de 1970 e há empresas no Brasil que treinam esses insetos para polinizar culturas de clima temperado. A particularidade da pollintech é treinar abelhas para uma cultura tropical como o café. “A ideia é treinar esse estímulo de odor associado ao açúcar”, explica o neurocientista. “Depois de algum tempo, ela aprende que aquele odor representa alimento”.

Para desenvolver a “isca” para a abelha africanizada – a primeira espécie que pretendem treinar –, a equipe desenvolveu biomoléculas, com odor semelhante ao perfume da flor do cafeeiro, e treinou as abelhas em laboratório. Agora, eles investem nos testes de campo com a biomolécula em duas fazendas no Sul de Minas – Santa Amélia, em Guaxupé, e Três Meninos, em Passos.

As áreas experimentais somam cinco hectares. Ao todo, estão sendo observadas 30 colmeias de Apis, com cerca de 20 mil abelhas cada uma. Até o fechamento desta edição, a equipe aguardava a frutificação dos pés de arábica. O próximo passo é medir a eficiência das abelhas treinadas a partir do número de indivíduos que visitam as flores, da frutificação (pelo tamanho, peso e formato das sementes) e, ainda, fazer a análise química do grão de pólen e do mel.

A expectativa é a de que, nas áreas que tiverem abelhas treinadas, colham-se frutos mais densos, refletindo, consequentemente, na qualidade da bebida. “A ideia é oferecer abelhas treinadas às fazendas para que, quando as flores de café abrirem, elas já saibam o que procurar”, explica o ecólogo.

O apicultor Edson Henrique de Souza, da Fazenda Quilombo, em Altinópolis (MG), que participa do experimento com suas caixas de abelhas, notou a mudança no peso das colônias – sinal de aumento da quantidade de pólen e mel – e no comportamento das abelhas. “Depois de vinte minutos soltas no cafezal, as abelhas campeiras [operárias] já estavam buscando especificamente a flor do café, num ritmo maior de trabalho”, relata ele.

A qualidade na xícara

Até pouco tempo atrás, os efeitos da atividade das abelhas sobre a qualidade do café na xícara não eram explorados pela pesquisa acadêmica. No entanto, os cafeicultores que já utilizavam a biopolinização sabiam que ela resultava em frutos maiores e mais densos, o que dá qualidade à bebida.

Mas essa história vai além. Cafés polinizados por esses insetos têm sua composição química alterada – positivamente. Dois trabalhos brasileiros pioneiros sobre o tema foram feitos em 2022 e 2023 pelas cientistas Solange Cristina Araújo, Aline Theodoro Toci e outros pesquisadores-colaboradores. “Estes são os primeiros trabalhos desse tipo que encontrei na literatura acadêmica”, garante Aline, química especialista em aromas da Universidade Federal da Integração Latino-Americana em Foz do Iguaçu, Paraná.

As pesquisas mostraram que flores polinizadas por abelhas geram frutos com maior quantidade de compostos bioativos, como ácidos clorogênicos, trigonelina e cafeína, do que as que não foram biopolinizadas. Esses compostos, além de agirem como ferramenta de defesa das plantas, funcionam como precursores de aromas. “Nossa hipótese é que os grãos de café polinizados estão geneticamente melhor preparados para a defesa da cultura contra ataques de agentes externos”, explica ela.

Os resultados obtidos pavimentam o caminho para investigações futuras – avaliar, por exemplo, o efeito da biopolinização na composição dos principais precursores de voláteis e compostos bioativos no café arábica. “O café é uma das bebidas mais aromáticas que existem”, lembra Aline. “Podemos perceber que ele está sendo preparado a 500 metros de distância só pelo aroma”.

Quer ler mais sobre o tema? Clique aqui.

Texto originalmente publicado na edição #86 (dezembro, janeiro e fevereiro de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto

Cafezal

Brasil deve colher 65 milhões de sacas de café em 2025/26, projeta USDA

Alta de 0,5% sobre a safra anterior é puxada pelo avanço do robusta no Espírito Santo e na Bahia; clima extremo reduz arábica no Brasil e chuvas afetam produção na Colômbia

A produção total de café do Brasil para o ano-safra 2025/26 está estimada em 65 milhões de sacas, segundo relatório anual do USDA. O volume representa um aumento de 0,5% em relação à safra anterior (64,7 milhões).

A produção de arábica está estimada em 40,9 milhões de sacas — uma redução de 6,4% em relação ao ciclo anterior — enquanto a de robusta/conilon deve alcançar 24,1 milhões de sacas.

A leve alta na produção total é atribuída ao crescimento do robusta na Bahia e no Espírito Santo — avanço de 15% sobre os 21 milhões de sacas registrados em 2024/25 — graças ao clima favorável e ao uso crescente da irrigação. Esse incremento deve compensar a queda no arábica, cujas principais regiões produtoras — especialmente Minas Gerais — enfrentaram seca severa e temperaturas extremamente altas até o final de 2024 e início de 2025.

A produção de arábica também foi afetada por um ano negativo do ciclo bienal, quando a planta apresenta floração mais fraca como forma de recuperação da safra anterior.

Líder nacional na produção de robusta (com cerca de 70% do total brasileiro e 20% da oferta global), o Espírito Santo deve registrar uma safra recorde, com aproximadamente 70% das lavouras irrigadas.

No Vietnã, a produção está estimada em 31 milhões de sacas, impulsionada por investimentos no manejo da cultura e no uso de insumos. As exportações devem crescer, resultado da expansão nos envios de café torrado e solúvel para os mercados asiáticos – 3,3 milhões de sacas. A previsão da produção vietnamita inclui 30 milhões de sacas de robusta e apenas 1 milhão de arábica.

Já na Colômbia, a produção de arábica deve cair 5,3% – para 12,5 milhões de sacas, devido principalmente às fortes chuvas. Essa retração ocorre após uma fase de recuperação impulsionada pelo fenômeno El Niño, que acelerou o crescimento dos cafeeiros e favoreceu a umidade do solo em sistemas jovens. Como consequência, as exportações colombianas devem recuar para 11,8 milhões de sacas.

TEXTO Redação

Cafezal

Três regiões mineiras se destacam no 34º Prêmio Ernesto Illy de Qualidade do Café

A illycaffè realizou a cerimônia de premiação do 34º Prêmio Ernesto Illy de Qualidade Sustentável do Café para Espresso na noite de ontem (09), em São Paulo (SP). Minas Gerais foi o destaque da edição, com os três vencedores vindos das regiões Matas de Minas, Chapada de Minas e Sul de Minas.

Dimas Mendes Bastos (Matas de Minas), Fazenda Sequóia (Chapada de Minas) e Leda Terezinha Castellani Pereira Lima (Sul de Minas) vão representar o Brasil no 10º Prêmio Internacional de Café Ernesto Illy, que será realizado em Roma, no segundo semestre, e que reúne 27 cafeicultores selecionados de 9 países que fornecem grãos para a illycaffè.

Durante a premiação, também foram revelados os produtores vencedores regionais (Cerrado Mineiro, Chapada de Minas, Matas de Minas, Sul de Minas, São Paulo e Região Sul) e os ganhadores do Prêmio Classificador do Ano. 

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

Cafezal

Café regenerativo pode aumentar a renda dos agricultores em 62%, aponta pesquisa

Estudo internacional aponta que práticas regenerativas podem elevar a renda dos cafeicultores brasileiros, reduzir emissões e impulsionar exportações

O Brasil participou de um estudo global, conduzido pela organização internacional TechnoServe, que destaca os benefícios da agricultura regenerativa na produção de café arábica e robusta. O relatório, intitulado “Regenerative Coffee Investment Case” e publicado em abril, analisa nove dos principais países produtores de café e revela como práticas agrícolas sustentáveis podem transformar a cadeia produtiva do setor. 

Além do Brasil, o relatório fornece uma análise detalhada do Vietnã, da Colômbia, de Honduras, Indonésia, Uganda, Etiópia, Peru e Quênia, abrangendo fazendas que produzem cerca de 70% do café mundial.

A iniciativa contou com o apoio de parceiros, como as multinacionais Nestlé e JDE Peet’s, além da Fundação Rudy & Alice Ramsey. Essas colaborações foram fundamentais para viabilizar a pesquisa e promover a adoção de práticas regenerativas em larga escala. 

O estudo aponta que, no Brasil, a implementação de práticas agrícolas regenerativas pode resultar em um aumento de até 62% na renda dos pequenos produtores de café, melhorando significativamente sua qualidade de vida e estabilidade financeira. Também registra uma redução de até 46% nas emissões de gases de efeito estufa, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas e, ainda, um incremento de 30% nas exportações de café, impulsionado pela melhora na qualidade e sustentabilidade do produto.

Além disso, o relatório destaca que a transição para práticas regenerativas no Brasil exigiria um investimento médio de US$ 560 milhões por ano durante sete anos, destinado a assistência técnica e financiamento para apoiar os pequenos produtores.

O estudo da TechnoServe no Brasil avaliou o impacto da agricultura regenerativa a partir da modelagem de diferentes perfis de pequenos produtores, com base em produtividade, área cultivada e acesso técnico. Utilizou simulações técnico-econômicas para estimar os efeitos da transição sobre produtividade, custos, renda e emissões, com apoio de dados primários, entrevistas com especialistas, fontes públicas e referências de boas práticas agrícolas.

Impacto global da agricultura regenerativa

Em termos globais, o estudo da TechnoServe revela que a adoção de práticas regenerativas – como cobertura do solo com plantas de cobertura, adubação orgânica e compostagem e manejo integrado de nutrientes – tem o potencial de beneficiar 3,2 milhões de pequenos produtores, aumentar as exportações em US$ 2,6 bilhões e reduzir as emissões em 3,5 milhões de toneladas de CO₂ por ano. Esses números evidenciam o potencial transformador da agricultura regenerativa não apenas para o Brasil, mas para toda a cadeia global de produção de café.

O relatório da TechnoServe, porém, reforça a importância de investimentos estratégicos e parcerias colaborativas para promover uma agricultura mais sustentável e resiliente. 

TEXTO Redação

Cafezal

SCA e Federação Colombiana fecham parceria para cafés especiais

Anunciado na Specialty Coffee Expo 2025, acordo prevê uso da metodologia CVA para avaliar o valor do café colombiano, com foco em rastreabilidade, diferenciação e conexão com as tendências globais do mercado

A Associação de Cafés Especiais (SCA) e a Federação Colombiana de Cafeicultores (FNC) assinaram um Memorando de Entendimento (MoU) com o objetivo de aprimorar a rastreabilidade, a diferenciação e o reconhecimento global dos cafés especiais colombianos.

A parceria, anunciada na Specialty Coffee Expo 2025, em Houston, concentra-se na implementação da metodologia de Avaliação do Valor do Café (CVA) da SCA no setor cafeeiro do país. A FNC treinará equipes técnicas e provadores na aplicação da CVA, integrará a coleta de dados na origem e explorará uma adoção mais ampla dos cafés colombianos. A SCA apoiará esse esforço com assistência técnica, treinamento, aplicação personalizada da CVA e promoção global dos resultados.

Germán Bahamón, CEO da FNC, enfatizou o impacto potencial desta colaboração, afirmando que a adoção de ferramentas inovadoras como a CVA abre caminho para um maior reconhecimento e alinhamento com as preferências do mercado, beneficiando os cafeicultores colombianos.

O acordo inclui, ainda, o desenvolvimento de uma plataforma digital dedicada ao café colombiano, a fim de aprimorar o rastreamento de dados, a análise e a comunicação dos atributos do café. Além disso, a SCA colaborará com a FNC compartilhando dados da CVA para informar os produtores colombianos sobre as tendências e preferências do mercado em evolução.

TEXTO Redação / Fontes: Comunicaffe International, SCA, Qahwa World

Cafezal

Flores de conilon podem virar chá e diversificar a renda do cafeicultor, aponta estudo

Pesquisa brasileira publicada na revista Foods revela o potencial sensorial e funcional das infusões feitas com flores desta variedade de Coffea canephora, ricas em compostos bioativos

As flores de café da variedade conilon são uma matéria-prima promissora para a produção de infusões, segundo estudo brasileiro publicado na revista científica Foods de março (a referência completa ao trabalho está no final da reportagem).

O estudo – que analisou flores secas de seis genótipos diferentes de conilon e que é um dos primeiros do gênero – chegou a resultados que apontam para o potencial sensorial e funcional da infusão das flores desta variedade de canéfora. “As infusões possuem aroma e sabor extraordinários, e, portanto, tem potencial para ser usado para um chá de ótima qualidade”, diz o engenheiro agrônomo Fábio Luiz Partelli, doutor em produção vegetal e um dos autores do estudo.

Muitos compostos que impactam o aroma e o sabor do café também trazem benefícios para a saúde, podendo ajudar na prevenção ou tratamento de doenças (os denominados compostos bioativos). São eles a cafeína, a trigonelina e os ácidos clorogênicos (AGC) – estes últimos, um subgrupo dos ácidos fenólicos – que funcionam como antioxidantes e têm ações antiinflamatórias.

Na pesquisa, os cientistas identificaram 38 compostos orgânicos voláteis  – responsáveis por aromas como amadeirado, herbal e floral — nas infusões (nas flores secas, este número salta para 85), e um menor teor de cafeína, se comparado ao teor encontrado nos grãos do café. Esses teores, porém, variaram de acordo com o genótipo da flor, mas, em geral, foram bem extraídos e em quantidade substancial.

De acordo com os autores do artigo, o estudo se insere num contexto de busca crescente por novos produtos alimentares de origem vegetal e um interesse cada vez maior por subprodutos do café. Por isso, abrem caminho não só para a diversificação da cadeia cafeeira, mas, também, para o aproveitamento de subprodutos dela, geralmente descartados.

“Estamos há anos estudando a diversidade do café conilon, considerando a parte agronômica, como produção, tolerância e rendimento”, explica Partelli, que trabalha no Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), e que compartilhou seu desejo de investigar a diversidade química da variedade com colegas da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). “Essa equipe do Rio fazia alguns trabalhos com chá, daí conversamos e vimos que seria bacana estudar esse potencial em flores de canéfora”, diz ele.

Partelli – que desconhece qualquer produção comercial de infusão de flores de canéfora – acredita que a bebida pode ser mais uma fonte de renda para o produtor, principalmente se ele estiver envolvido com turismo rural. “Quem sabe um dia podemos exportar chá de flores de café para a China ou a Inglaterra”, diz ele.

O pesquisador reforça, porém, que o trabalho é inicial, e há alguns desafios a vencer, como definir os melhores genótipos (clones), a melhor temperatura e tempo de secagem das flores, a embalagem e principalmente, os desenvolvimentos necessários para transformá-lo num produto.

Para saber mais:

Juliana de Paula, Sara C. Cunha,Fábio Luiz Partelli, José O. Fernandes and Adriana Farah. “Major bioactive compounds, volatile and sensory profiles of Coffea canephora flowers and infusions for waste management in coffee production”. Foods, 14(6), 911.

TEXTO Redação