A paixão pelo café continua a mesma, mas o que mudou nos últimos anos foi o perfil de muitos consumidores da bebida, que passaram a ter mais curiosidade sobre a origem daquilo que estão consumindo. Hoje é possível encontrar nas gôndolas dos supermercados pacotes com informações além das tradicionais. Região em que foi produzido, nome do cafeicultor e mesmo o da propriedade são dados que já estampam algumas embalagens conhecidas. Se você for mais a fundo e procurar por cafés de microtorrefações, por exemplo, ou direto do produtor, encontrará até informações sobre a espécie e a variedade daquele fruto, a altitude do local em que ele foi cultivado e o processo utilizado no pós-colheita: natural (seco com casca), cereja descascado (seco sem a casca e com a mucilagem) ou lavado
(seco sem a casca e sem a mucilagem).
Outra informação possível de encontrar diz se aquele café foi destaque em algum concurso de qualidade, o que é interpretado como algo bacana, uma vez que mostra que ele foi provado e avaliado positivamente por profissionais. Esses concursos podem abranger regiões específicas ou todo o Brasil, como é o caso do Prêmio Ernesto Illy de Qualidade Sustentável do Café para Espresso, do Cup of Excellence, do Florada Premiada – 3corações e do Coffee of the Year – agora, sim, chegamos ao assunto principal desta matéria!
Criado em 2012, o Coffee of the Year tem como objetivo principal reunir os melhores cafés do Brasil e eleger os grandes destaques do ano nas categorias arábica e canéfora. Isso incentiva o desenvolvimento e o aprimoramento da produção nacional, difunde conhecimentos sobre as etapas de produção e joga luz sobre as origens produtoras. De lá para cá, a premiação já recebeu inúmeras amostras vindas de diferentes regiões brasileiras e alavancou negócios de diversos pequenos produtores que foram destaque nas edições.
“Se eu te falar que foi uma mudança incrível que aconteceu na minha família e na nossa produção de café…”, conta Afonso Lacerda, vencedor do COY na categoria arábica nos anos de 2016 e 2018. Ele, ao lado de sua esposa, Altilina, e de outros familiares, cultiva o fruto na famosa Dores do Rio Preto (ES), no Caparaó Capixaba, no Sítio Forquilha do Rio. Quarta geração de cafeicultores, Afonso começou a participar no segundo ano de realização do concurso. “Quando comecei, lá em 2013, não tinha experiência nenhuma. Fiquei até meio perdido no meio daquela feira daquele tamanho.” Hoje, depois de acumular dois troféus, ele é conhecido não apenas em sua região, mas também nos corredores da Semana Internacional do Café (SIC), o maior evento de café do Brasil e palco da premiação do COY. Apesar de cultivar cafés especiais desde 2010, ele conta que sentiu uma grande diferença nos negócios depois de ganhar as duas edições do prêmio. “Passamos a ser muito mais valorizados. As vendas de café só alavancaram de lá pra cá. Não precisamos mais correr atrás de compradores para comprar nossos cafés. Antes de terminar a colheita já está tudo vendido”, comemora.
Afonso e Altilina Lacerda, vencedores do COY na categoria arábica nos anos de 2016 e 2018
Outros produtores também vivenciaram a mesma experiência. No lado mineiro do Caparaó, Clayton Barrossa Monteiro, cafeicultor da Fazenda Ninho da Águia, foi o vencedor do concurso nos dois anos anteriores às premiações de Afonso, em 2014 e 2015. Com uma produção de 300 sacas por safra, ele conta que se apresentar como o melhor café do Brasil é um destaque muito grande. “A gente aproveitou bem essa visibilidade. Estamos em uma região que é turística, então recebemos muita gente aqui na fazenda, que acabou virando um ponto de referência e visitação. Hoje já temos cafés nas melhores cafeterias do mundo e com um destaque bem bacana, contando a nossa história e valorizando a nossa região.”
Mas, em meio a tanto café – uma vez que estamos no país que mais produz o grão no mundo –, como se manter em destaque? Desde 2013, ano em que enviou a primeira amostra para o Coffee of the Year, Clayton aponta o fato de estar sempre se reinventando como o maior aprendizado: “Melhorar a cada ano, buscar uma variedade diferente, tentar manter o padrão de qualidade e conseguir ter uma surpresa a mais para os seus clientes. Tem espaço para todo mundo, mas você tem que manter o seu em destaque também. Isso cria uma responsabilidade e as pessoas esperam que você vá se manter ali entre os melhores”.
Clayton Barrossa Monteiro, cafeicultor da Fazenda Ninho da Águia, vencedor do concurso em 2014 e 2015, na categoria arábica
Assim como os cafeicultores, o Coffee of the Year se reinventou e começou a ditar tendências, como é o caso da inclusão da categoria canéfora, em 2016 – até então uma novidade entre os concursos de qualidade –, e das menções honrosas para fermentação induzida arábica e fermentação induzida canéfora, em 2020 e 2021. Em 2022, o concurso registrou um número recorde de amostras inscritas: 500, vindas de 32 regiões produtoras. Isso reflete não somente diversidade, qualidade e tecnologia dos cafés brasileiros, mas também o interesse dos produtores em participar de concursos e aprimorar suas produções.
“Você não necessariamente precisa ganhar. Só de participar, com o seu nome sendo destaque, as pessoas já começam a te conhecer. Ganhando essa visibilidade, se souber aproveitar, com certeza terá uma melhoria grande nos negócios”, destaca Clayton. Já Afonso aconselha ser importante dar o primeiro passo, pois a experiência levada do concurso vale a pena: “Sempre falo para os meus amigos produtores que tem que participar, que só ganha quem participa. Às vezes as pessoas falam: ‘não participo porque meu café não é tão bom’. Mas às vezes a pessoa não sabe provar, não sabe se o café dela é bom de verdade. Ela tem que aprender a provar, acreditar no trabalho e botar o café na competição. Aprendi que você não pode desistir nunca. Você só vence uma competição se você estiver disputando”.
Como funciona o Coffee of the Year
O concurso visa premiar cafeicultores que investem em suas lavouras e se dedicam a oferecer aos compradores uma bebida com qualidade. “A preparação começa no início da colheita. Vai colhendo e provando cada lote para descobrir qual é o melhor para participar, qual tem o perfil mais adequado para cada competição”, comenta Afonso. Depois de selecionada, a amostra (de 5 quilos) é enviada ao IF Sul de Minas – Campus Machado, onde parte fica retida para contraprova e parte é disponibilizada para a comissão julgadora e para as salas de cupping da Semana Internacional do Café.
Todas as amostras de café verde inscritas e recebidas são numeradas e codificadas, sem nenhuma identificação do produtor. “As amostras de café verde são classificadas quanto ao aspecto, à seca, à cor, à porcentagem de peneiras, ao tipo, ao teor de umidade e à qualidade da bebida. Passam por avaliação física, que tem caráter eliminatório, e, em seguida, por avaliação sensorial, para fins de classificação”, destaca Leandro Paiva, coordenador no concurso. As amostras de café que não atendem aos requisitos mínimos exigidos são desclassificadas, enquanto que as amostras selecionadas para participar da SIC são torradas pelos organizadores da competição dentro dos padrões de cupping profissional.
“O processo de seleção dos cafés que integrarão o prêmio se dá pela análise às cegas pela comissão julgadora, que avalia dez itens de qualidade, seguindo os protocolos da Specialty Coffee Association (SCA) de avaliação sensorial, que são aroma, sabor, aftertaste (retrogosto), acidez, corpo, uniformidade, balanço, xícara limpa, doçura e nota total”, explica o coordenador. Essa avaliação é feita por profissionais Q-Graders e R-Graders licenciados pela Coffee Quality Institute (CQI), vindos de diferentes partes do Brasil.
As quinze melhores amostras classificadas, dez de arábica e cinco de canéfora, vão para a final do concurso. Durante os três dias de feira, elas ficam disponíveis em garrafas térmicas codificadas para que o público visitante possa degustar às cegas e votar em sua favorita em cada categoria. Ao final, somam-se as notas dos avaliadores profissionais às dos consumidores. Em cerimônia de premiação realizada no último dia de evento, é revelada a ordem de colocação dos cafeicultores finalistas!
Texto originalmente publicado na edição #80 (junho, julho e agosto de 2023) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.
TEXTO Gabriela Kaneto