Cafezal

A nova idade do arábica

Novo estudo propõe marco temporal mais preciso para o surgimento da espécie e demonstra a diversificação histórica das cultivares modernas

Por Cristiana Couto

Em abril, a revista científica Nature Genetics publicou um artigo que atualiza o surgimento da espécie arábica e a história das suas diversas cultivares modernas. Segundo os 73 autores do trabalho, que
reuniu 40 instituições de quase vinte países (entre eles o Brasil), as informações do genoma dos cafés arábica atualmente cultivados no mundo são importantes para voltar no tempo e traçar um caminho
mais preciso da longa história evolutiva da espécie – responsável por cerca de 70% da produção mundial de café.

Isso porque a compreensão detalhada das origens e da trajetória do arábica é crucial para desenvolver novas cultivares de espécie mais bem adaptadas às mudanças climáticas. Por isso, Salojärvi,J. et al. fazem um apanhado desse rico itinerário, que move pesquisadores há duas décadas (o novo genoma de referência do arábica permitiu, ainda, a identificação da região que abriga genes responsáveis pela
resistência à ferrugem e a área no genoma que os regula). O que a Espresso traz nestas páginas é esse caminho e o novo marco temporal do evento que inaugura a existência do arábica.

A origem do arábica

O arábica é uma espécie híbrida, ou seja, surgiu de um cruzamento (natural) bem sucedido entre duas espécies diferentes, Coffea canephora e Coffea eugenioides. Diferentemente da genética das outras 124 espécies que compõem o gênero Coffea, o arábica recebeu, de cada um dos pais, não apenas um, mas dois conjuntos de cromossomos (a representação científica para esse fenômeno é 2n=4x=44). Essa duplicação genômica não é um evento raro entre os vegetais: espécies como o trigo (Tripticum spp.), o algodão (Gossypium L.) e o repolho (Brassica oleracea) também a apresentam.

A mais recente comprovação dos pais dos cafés arábicas foi feita em 2023, mas essa sugestão de filiação não é nova. Desde o fim dos anos 1990, cientistas tentam atestar esse cruzamento – cujo nome técnico é hibridação –, quando e onde ele ocorreu, e muitos foram os estudos feitos em busca dessas respostas, já que ter garantias inequívocas de quem são os cafés-pais do arábica é fundamental para compreender sua
história evolutiva.

As datas mínimas e máximas atribuídas ao evento de nascimento do arábica, porém, variaram nessas duas décadas entre 10 e 50 mil anos até 543 e 1,08 milhão de anos. Neste novo artigo e na esteira das técnicas mais modernas de análise genômica, os estudiosos propuseram um período menos amplo: entre 350 e 600 mil anos.

A trajetória da espécie

Embora não se saiba onde a hibridação ocorreu, o progenitor selvagem mais próximo foi encontrado no planalto da Etiópia oriental, no vale Great Rift. Depois de milênios na Etiópia, as sementes de plantas da espécie arábica são cultivadas no Iêmen e torradas pelos árabes até começarem a espraiar-se, lentamente, pelo mundo.

No século XVII, chegam à Índia, levadas pelos monges sufi (árabes). Um século depois, os holandeses conseguem plantar a espécie na Indonésia (sudeste da Ásia) – criando, assim, as plantas fundadoras do grupo contemporâneo da linhagem típica. Esse e os movimentos seguintes envolveram, porém, um número pequeno de plantas e sementes. Em 1706, uma dessas plantas viajou até o jardim botânico de Amsterdã, num evento amplamente reproduzido por fontes históricas, e iniciou a propagação de arábicas no Caribe e, posteriormente, na América do Sul.

Enquanto isso e de forma independente, outra potência econômica da época cultivou arábicas na ilha de Bourbon (atual Reunião). Segundo fontes consultadas pelos autores do artigo, uma única planta sobreviveu e, na década de 1720, originou o grupo bourbon. Este grupo e o grupo típica é que criaram a base a partir da qual derivam todas as variedades de arábica que circulam atualmente no planeta – com exceção de algumas poucas variedades silvestres (ou seja, não domesticadas) das florestas subtropicais da Etiópia.

Essa origem “estreita” explica porque as variedades de arábica têm baixa diversidade genética. Mas não é só por esta razão. Pela sua particularidade genética, a espécie arábica tem a capacidade de se autofecundar.

Autocompatibilidade: uma ferramenta evolutiva

A ciência ensina que a duplicação do material genético de um organismo pode originar novas espécies, aumentando a diversidade genética no mundo e conferindo, muitas vezes, novas habilidades para a adaptação a novos ambientes, o que, potencialmente, traz vantagens evolutivas. No gênero Coffea, poucas variedades têm essa habilidade, ou seja, de fecundar a si mesmas, não dependendo, assim, de um parceiro.

Pesquisadores referidos no artigo da Nature Genetics e que estudaram 23 espécies do gênero Coffea acreditam que a quebra da autoincompatibilidade (ou seja, o aparecimento da capacidade de autofecundação a partir de pais auto-incompatíveis) é uma estratégia de sobrevivência que garante a reprodução da espécie quando o número de parceiros disponíveis é limitado – o que aconteceu durante as mudanças ambientais na África Oriental no último milhão de anos, período em que a espécie arábica surgiu. Também sugerem que um dos ancestrais do C. arabica possuía uma certa aptidão para essa mudança, o que já pode ter facilitado sua sobrevivência.

A disponibilidade recente de técnicas acessíveis de sequenciamento genômico em larga escala permitiram a reconstrução, com alta precisão, de eventos de hibridação com base em diferenças sutis na sequência do genoma entre espécies híbridas – como é o caso dos cafés arábica – e seus parentes. Soja e baunilha, por exemplo, tiveram sua origem identificada por técnicas assim, que, por acessarem um grande número de regiões do genoma, fornecem mais informações sobre a história evolutiva de uma espécie do que a análise de sequências de genes individuais. E várias outras técnicas avançadas de filogenia (ramo que estuda a relação evolutiva entre grupos de organismos por meio de sequenciamento de dados moleculares) podem ser combinadas a estas, o que, para os cientistas, projeta cenários promissores.

No caso do arábica, a combinação entre a autocompatibilidade e a replicação da espécie a partir de apenas duas linhagens ao longo de milhares de gerações acabou por resultar em plantas suscetíveis a várias doenças e pestes, como a ferrugem, por exemplo.

Assim, estudiosos sugerem que, como medida de mitigação dos efeitos climáticos sobre os cafés arábica, sejam feitas seleções genéticas observando os parentes selvagens diretos dos arábicas cultivados
– familiares estes que, mais próximos, muitas vezes apresentam características mais favoráveis para o melhoramento de uma espécie cultivada do que os que são distantes.

Texto originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto

Cafezal

Como as altas temperaturas estão afetando os cafezais no Brasil?

Especialista em fisiologia vegetal explica o funcionamento da planta em clima muito quente; produtores acreditam em mais perdas em 2025

Por Cristiana Couto (colaborou Angela Ruiz)

A seca prolongada e as altas temperaturas vêm preocupando produtores de café pelo país, levantando alertas sobre possíveis quebras, inclusive, na safra de 2026. A Espresso conversou com especialistas e produtores para entender como a condição climática atual está afetando os cafezais, e qual a previsão do tempo para os próximos dias nas diversas regiões produtoras.

O dia em que a chuva parou

“O clima vinha bem até o fim de janeiro, com temperaturas amenas, bom para o desenvolvimento dos frutos, podendo melhorar as previsões da safra de 2025”, resume Jean Vilhena Faleiros, CEO da Eldorado Specialty Coffees, na Alta Mogiana, sobre as dificuldades de 2024 que, entre março e outubro, resultaram em mais de duzentos dias sem chuvas. Mas, no início de fevereiro, as chuvas pararam (4/2, em algumas regiões, 5 e 6/2, em outras). “Alguns lugares alcançaram temperaturas 15% acima da média”, relata Faleiros, que também é presidente do Instituto Brasileiro dos Cafés de Origem e da Associação dos Cafeicultores da Alta Mogiana. 

Em Araxá, no Triângulo Mineiro, Daniela Burger Aguiar, empresária à frente da Fazenda Congonhas, faz relato semelhante. “Nesta época, sempre chovia. Choveu muito em dezembro, mas agora parou. Estamos há 30 dias sem chuva”, preocupa-se ela.

Perdas e torcidas

Desde 2021 o Brasil enfrenta problemas climáticos na cafeicultura, com quebras subsequentes de safra. “Vamos torcer para que o clima fique bom, para vermos como será a de 2026, pois a de 2025 já está comprometida”, diz Faleiros. “Antes, quando ficava muito quente, chovia à noite, refrescando. Agora, nem isso temos. Tem dois anos que o clima está adverso e afetando todas as lavouras, principalmente o café”, relata Daniela, que também produz outras culturas. 

Calor de efeito 

Mas não é só o estresse hídrico que aflige os cafeicultores. As altas temperaturas, que acompanham a falta de chuvas, não só já provocaram perdas na safra atual, que vinha sofrendo danos desde 2024, como podem também afetar a safra de 2026. 

Segundo Paulo Mazzafera, especialista em fisiologia vegetal e professor-sênior do Instituto de Biologia da Unicamp, essa combinação está sendo ruim para a granação (desenvolvimento dos frutos), que acontece nessa época. “Se fosse só a falta de chuva, teríamos grãos pequenos, menores, mas com aumento da temperatura, o que estamos observando é a morte da semente no interior do fruto”, explica ele, referindo-se aos grãos denominados chochos.

“Sempre tivemos veranicos, os períodos com falta de água, mas eles nunca vieram acompanhados de temperaturas tão altas como estamos vendo”. “A questão é que viemos de vários problemas desde a geada [de 2021], que foi grave e um divisor de águas”, emenda Marco Valério Brito, presidente da Coccamig. “O mercado está sensibilizado”, diz.

Como se isso não bastasse, o que se vem observando há algum tempo nas lavouras, conta Mazzafera, é a queima de folhas por conta das temperaturas elevadas. “Quando a folha fecha os estômatos por causa da alta irradiação e por falta de água, a planta deixa de transpirar”, explica. Essa transpiração da água, porém, é um mecanismo de retirada de calor da folha. 

Essa falta de retirada de energia pela transpiração da água, ensina Mazzafera, faz com que a temperatura da folha aumente a níveis realmente muito altos. “Isso começa a gerar a morte de tecidos”, conclui. Além das folhas, diz o especialista, há também relatos da queima de frutos por fora. 

A tal da poliembrionia

Além de grãos chochos, cafeicultores têm observado o aparecimento de grãos concha. “No fruto de café existem duas lojas, e em cada uma contém um ovário”, ensina Mazzafera. Ele diz que, com o aumento de temperatura, dá-se  o fenômeno denominado poliembrionia, ou seja, o aparecimento de mais de uma semente por loja. 

Consequentemente, as sementes ficam entremeadas umas às outras e isso dá o que se convencionou chamar de grão concha. “Além das perdas para o cafeicultor durante o beneficiamento, pelo fato de o grão concha ser menor, ele também atrapalha a torra, pois vai queimar e conferir o gosto amargo ao café”, lembra ele. 

Para o cientista, a perda de café já é certa, apesar das previsões de chuvas que se aproximam. “Seria muito bom se chovesse. Mas esses grãos que já estão morrendo e os que estão formando conchas já são uma perda, não há como reverter”, afirma. 

E a chuva? 

Segundo a Climatempo, algumas áreas cafeicultoras vão se beneficiar da umidade trazida pela chuva nos próximos dias. “Neste final de primeira quinzena de março, estamos observando que a umidade começou a aumentar por causa de áreas de instabilidades que estão se espalhando por São Paulo e sul de Minas Gerais”, explica a meteorologista Nadiara Pereira. Nessas áreas, diz ela, as instabilidades ganham força e trarão chuvas regulares e com volumes “significativos” nos próximos dez dias. 

Essas chuvas mais volumosas, de acordo com a Climatempo, devem cair sobre a zona da Mata Mineira e chegar até o sul do Espírito Santo na próxima semana (entre 18 a 22 de março). 

Aos poucos a chuva vai avançar. “Nas áreas mais ao sul da região sudeste, Alta Mogiana, sul de Minas e as principais áreas de arábica vão sentir uma melhora tanto em condições de temperatura quanto em aumento das chuvas”, prevê a meteorologista. 

Mas esse avanço não deve cobrir todas as áreas cafeeiras. “Espírito Santo, áreas mais ao norte de Minas e interior da Bahia ainda vão continuar com altas temperaturas e tempo mais seco”, diz Nadiara. 

Nem tudo são flores 

Mazzafera diz que vai ser difícil avaliar o impacto da seca em diferentes regiões, já que as plantas reagem de formas distintas. Um exemplo é a diferença na exposição solar: as partes da lavoura que recebem o sol da tarde, mais intenso, tendem a sofrer mais do que aquelas que recebem a luz da manhã, que é mais amena. “É cedo para contabilizar perdas, depende da região”, afirma Brito. “O não enchimento dos frutos pode ter impactado no tamanho do grão. Mas se as chuvas chegarem, vai regular o ciclo do café e minimizar as perdas”, torce ele. 

Além das perdas já computadas com a morte dos frutos, cafeicultores e especialistas temem pela safra de 2026. “Nessa época do ano ocorre a diferenciação das gemas”, explica Mazzafera, referindo-se às estruturas que vão formar as florzinhas do café. 

“Nós veremos isso quando retornarem as chuvas, e não sabemos se essa alta temperatura afetou essa diferenciação. Não dá para ver ainda, e esse é um outro problema que pode acontecer”, alerta. “O negócio agora é esperar que a chuva venha para que aqueles cafés não fiquem com peneira muito baixa por causa de efeito na granação. Não dá pra prever muito bem o que vai acontecer, quantificar, mas que vai haver perda, vai haver perda”, lamenta Mazzafera.

Faleiros preocupa-se com as consequências desse calor para o comércio dos grãos. “O cenário de preços do café e de estoque precisam de uma estabilidade de pelo menos dois anos para mudar”, calcula. “Vínhamos com estoque bom, que supriu o mercado em 2022, após a geada de 2021. Hoje, por causa da quinta safra ruim, não tem estoque em nenhum lugar do mundo”, alerta. 

Apelo à sustentabilidade

Por fim, Mazzafera ressalta, em publicação recente, que esses impactos das altas temperaturas e da escassez de chuvas na fase da frutificação já eram previstos e sugere, nas próximas safras, o uso de práticas integrativas como irrigação, nutrição balanceada, controle de pragas e doenças, utilização de plantas de cobertura, adição de matéria orgânica e de tecnologias que aprofundem o sistema radicular para minimizar as perdas.

“Além disso, práticas conservacionistas bem estabelecidas e a utilização de agentes biológicos, biofertilizantes e bioestimulantes, são pilares indispensáveis para sustentar uma cafeicultura rentável em tempos de desafios climáticos severos”, escreveu. 

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Exportações de café verde em janeiro caem 14,2% no mundo todo, diz OIC

Relatório aponta terceiro mês seguido de queda nas exportações globais; Vietnã lidera recuo, enquanto África cresce; já as exportações de arábica do Brasil recuam 1%

Da Redação

As exportações globais de café verde em janeiro somaram 9,72 milhões de sacas – queda de 14,2% em relação às 11,32 milhões de sacas exportadas no mesmo mês de 2024, diz o relatório mensal da OIC (Organização Internacional do Café), que analisa os eventos recentes na indústria global do café. Foi o terceiro mês seguido de retração, após 12 meses de crescimento (entre novembro de 2023 e outubro de 2024).

A queda recente se explica, diz a OIC, pelo crescimento, no ano cafeeiro 2023/24, de 12,3% das exportações (que atingiram 124,39 milhões de sacas) – o maior volume já registrado pela OIC e o maior aumento absoluto da história, com um acréscimo de 13,63 milhões de sacas.

Já as exportações totais de café (verde, torrado e solúvel) somaram 10,83 milhões de sacas no mesmo mês – uma redução de 13,3% em relação aos 12,49 milhões de sacas exportadas em janeiro de 2024, diz o relatório mensal de fevereiro da OIC (Organização Internacional do Café).

Este é o terceiro mês consecutivo de queda nas exportações globais desses cafés, depois de 13 meses seguidos de crescimento. O resultado disso, segundo o boletim, foi o decréscimo de 4,9% nas exportações acumuladas no ano cafeeiro 2024/25 (42,79 milhões de sacas contra 45,01 milhões no mesmo período do ano anterior), sendo a Ásia e Pacífico os principais responsáveis (27,1% nos 12 meses até janeiro de 2025).

A queda acentuada dos robustas

No mundo, a maior queda das exportações de janeiro foi entre os robustas, que recuaram 27,5% (de 5,1 milhões de sacas em janeiro de 2024 para 3,7 milhões de sacas em janeiro de 2025). Segundo a OIC, essa queda acentuada foi impulsionada pelo Vietnã – responsável por recuar 43,8%. Isso reflete um dado atípico de janeiro do ano passado, quando o Vietnã registrou seu maior volume mensal de exportação de grãos verdes já registrado.

Ajudando a compensar parte dessa queda dos robustas, Indonésia e Uganda tiveram um aumento de 230% (250 mil sacas) e 20,4% (80 mil sacas), respectivamente.

Já as exportações de arábica do Brasil caíram 1% (passando de 3,59 milhões para 3,55 milhões).

Também os estoques certificados de café robusta em Londres diminuíram 4,9% entre janeiro e fevereiro de 2025, fechando fevereiro em 720 mil sacas. Já os de arábica tiveram uma queda mais acentuada – 7,5% (ou 840 mil sacas).

Para saber mais:

Em termos continentais, enquanto as exportações da América do Sul em janeiro caíram 4,2% (de 5,41 para 5,18 milhões de sacas, queda esta impulsionada pelo Peru, que recuou 58,9%), a África cresceu 7,1% (de 1,03 milhão para 1,1 milhão de sacas) e o México e a América Central, 10,9% (atingindo 1,1 milhão de sacas).

O crescimento do volume das exportações na África – o maior desde 1997, quando somaram 1,12 milhão de sacas – foi impulsionado pela Costa do Marfim e por Uganda (os dois maiores exportadores africanos de robusta), cujas exportações combinadas cresceram 28,1%.

Torrado cresce 1,4%

As exportações totais de café solúvel também caíram: o recuo foi de 5,2% em janeiro (1,05 milhão de sacas, em comparação com 1,1 milhão de sacas no mesmo mês em 2024). O mesmo não aconteceu com os cafés torrados, cujo aumento foi de 1,4%, atingindo 60.532 sacas. 

O recorde do I-CIP

O I-CIP atingiu novos recordes em fevereiro –  354.32 centavos de dólar por libra-peso (preços nominais), um aumento de 14,3% em relação a janeiro –, com a maior média mensal já registrada e superando o recorde de março de 1977 (305,13). O I-CIP (Índice Composto de Preços da OIC) representa uma média ponderada dos preços diários dos cafés comercializados no planeta e serve como um indicador de referência para o mercado internacional.

A OIC deu duas possíveis razões para essa retração dos preços iniciada em meados de fevereiro: a primeira delas é que, em 10 de fevereiro, a ICE aumentou os requisitos de margem em até US$ 3.046 para contratos de arábica com vencimento em março de 2027. Isso pode ter levado alguns traders a liquidarem suas posições por conta do aumento dos custos operacionais. A segunda razão é que a divulgação de resultados negativos em pesquisas de negócios e confiança do consumidor feitas em fevereiro nos EUA e na União Europeia impactou negativamente a confiança dos consumidores.

Tudo isso pode ter desencadeado uma realização de lucros, levando a uma retração nos preços. Esse movimento, ainda, foi sustentado por fatores como fluxo de caixa (necessidade de liquidez e o aumento da demanda por créditos comerciais, que elevam os custos e riscos das operações), incertezas resultantes do anúncio de aumentos tarifários pelos EUA, estimativas preliminares aparentemente positivas da safra 2024/25 do Vietnã (que podem ter aliviado preocupações sobre um possível déficit de oferta) e clima favorável (espera-se que o fenômeno La Niña substitua o El Niño intenso de 2024).

Fonte: OIC (Organização Internacional do Café)

TEXTO Redação

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“Robótica e automação reduzem dependência de trabalho humano no café”, diz especialista em IA

Em entrevista à Espresso, Anderson Rocha explica o que é revolução de convergência e suas diversas aplicações na agricultura cafeeira

Por Cristiana Couto

Você conhece a revolução de convergência? Se nunca ouviu falar deste conceito, esta entrevista vai te ajudar a entendê-lo. “Essa revolução tem um impacto profundo na forma como vivemos, trabalhamos e enfrentamos desafios globais, como mudanças climáticas e segurança alimentar”, garante Anderson Rocha, professor titular no Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com destacada atuação nas áreas de IA e aprendizado de máquina. 

Cofundador e coordenador do Laboratório de Inteligência Artificial, Recod.ai, da Unicamp, seu trabalho sobre IA tem sido reconhecido internacionalmente. A seguir, ele explica o que é a revolução de convergência e suas aplicações em várias áreas de conhecimento, especialmente na agricultura cafeeira.

Espresso: O que é a revolução de convergência?

Anderson Rocha: Revolução de convergência refere-se à integração de várias tecnologias emergentes – como inteligência artificial (IA), Internet das Coisas (IoT), biotecnologia, nanotecnologia, robótica e blockchain – para criar soluções interdisciplinares que resolvam problemas complexos e transformem setores econômicos. Essa convergência vai além de avanços isolados; ela potencializa o impacto de cada tecnologia ao combiná-las, permitindo inovações que eram impossíveis anteriormente. Essa revolução tem um impacto profundo na forma como vivemos, trabalhamos e enfrentamos desafios globais, como mudanças climáticas e segurança alimentar.

Quais as áreas que estão sendo mais impactadas por essa interação de tecnologias e por quê?

Na agricultura, com IoT e IA, sensores monitoram lavouras em tempo real, otimizando o uso de recursos como água e fertilizantes, bem como detectam problemas no solo e nas plantações como pragas e doenças, permitindo a tomada de decisão orientada a dados. Blockchain garante rastreabilidade, enquanto drones e robótica automatizam operações agrícolas. Nesse sentido, por exemplo, temos trabalhado em parceria com a Psyche Aerospace, empresa 100% brasileira, que tem a missão de revolucionar a agricultura a partir da inteligência artificial, robótica (com drones e hovers) e internet das coisas. 

Na área da saúde, a biotecnologia e a IA estão transformando diagnósticos, tratamentos personalizados e o desenvolvimento de medicamentos. Aqui, por exemplo, a hub de inteligência artificial para saúde e bem-estar, Viva Bem, ligada à Recod.ai, nosso lab de IA, procura detectar os primeiros sinais de problemas de saúde para promover o bem-estar. Trabalhamos com a detecção precoce de stress, ansiedade, hipertensão, diabetes e outros problemas.

Tecnologias como IA e IoT melhoram, também, a eficiência das redes elétricas e facilitam o gerenciamento descentralizado de energia renovável. Outro exemplo está numa exploração mais adequada, segura e objetiva do pré-sal brasileiro. Temos pesquisas para o pré-sal em que desenvolvemos soluções para identificar problemas de forma eficiente, resolvê-los pontualmente e maximizar a produção. Tudo a partir de sensores (IoT) e IA.

Já no ramo da indústria e manufatura, a robótica, combinada com IoT e IA, está criando “fábricas inteligentes”, mais eficientes e sustentáveis. Na área das finanças, ainda, a blockchain está revolucionando pagamentos, contratos inteligentes e cadeias de valor globais.

Essas áreas são impactadas porque enfrentam desafios que exigem maior eficiência, automação e transparência, algo que a interação de tecnologias pode oferecer.

De que maneira as tecnologias envolvidas na revolução de convergência podem ser (ou são) aplicadas para melhorar a eficiência e a sustentabilidade na produção do café?

A convergência tecnológica oferece diversas soluções. Uma delas é o monitoramento do solo e do clima a partir da IoT e da IA: sensores e algoritmos preveem padrões climáticos e necessidades do solo, permitindo irrigação e fertilização mais precisas, reduzindo desperdícios, como a Psyche Aerospace busca fazer, por exemplo. Outra solução está no uso de blockchain para a rastreabilidade, que é garantir que o café siga padrões de sustentabilidade e qualidade ao longo da cadeia de suprimentos, aumentando a transparência e fortalecendo o valor do produto para consumidores conscientes. Mais dois exemplos: na automação de colheita e manejo, máquinas inteligentes (robótica e drones) podem realizar a colheita com maior eficiência, reduzindo custos e perdas. Por fim, em termos de redução de impactos ambientais, a IA pode modelar práticas agrícolas que otimizam o uso de energia e reduzem emissões, enquanto a biotecnologia desenvolve variedades de café mais resistentes a pragas e mudanças climáticas.Essas tecnologias melhoram tanto a produtividade quanto a sustentabilidade, respondendo às demandas de consumidores e reguladores.

Quais desafios da agricultura em geral, e da cafeicultura em particular, poderiam ser melhor abordados pela integração de tecnologias emergentes? Há exemplos no Brasil ou globalmente?

Na agricultura, de modo geral, as tecnologias podem ajudar a prever e mitigar impactos climáticos, como secas ou temperaturas extremas. Ao mesmo tempo, soluções baseadas em IoT e IA combatem o uso ineficiente de recursos, ao otimizar o uso de água, energia e insumos. Outro desafio é o desperdício na cadeia de suprimentos, e o uso de blockchain aumenta a eficiência e reduz perdas ao longo do transporte e armazenamento.

Entre os desafios específicos da cafeicultura, a biotecnologia e a IA podem prever surtos de pragas e doenças e desenvolver plantas resistentes. Blockchain e sensores garantem, por sua vez, a manutenção da qualidade nos cafés, via rastreabilidade e padronização. Outra questão importante relaciona-se à sazonalidade e à mão de obra, e a robótica e a automação podem reduzir a dependência de trabalho humano em períodos críticos. No Brasil, o melhor exemplo é a startup Psyche Aerospace, que usa IA e IoT para monitorar condições agrícolas e otimizar a produção de diferentes culturas. Em termos globais, empresas como IBM Food Trust utilizam blockchain para rastreabilidade em cadeias alimentares, incluindo o café.

Uma das tecnologias emergentes é a blockchain, já utilizada na rastreabilidade do café. Mas o que é, como ela funciona e por que é tão importante?

Blockchain é uma tecnologia de registro descentralizado que armazena informações de forma imutável em blocos encadeados. Cada bloco contém dados, um timestamp (marcador de tempo) e um link para o bloco anterior, formando uma cadeia.

Todas as transações são transparentes, ao serem registradas em um livro-razão público ou privado. A tecnologia utiliza criptografia para proteger os dados, tornando quase impossível alterar ou hackear o sistema. Além disso, ela não depende de um único servidor ou autoridade central, o que torna a tecnologia descentralizada. Ela é importante na rastreabilidade do café por que dá transparência, ao permitir que se saiba a origem do café, desde a fazenda até o consumidor final, confiança, ao reduzir fraudes e certificar práticas sustentáveis, além de valorizar o produto, já que dá às marcas uma vantagem competitiva ao promover sustentabilidade e qualidade.

Uma cooperativa de café no Brasil, por exemplo, pode registrar no blockchain informações sobre práticas de cultivo, transporte e certificações, permitindo que compradores internacionais confiem na origem e na qualidade do produto.

TEXTO Cristiana Couto

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Conheça os 10 países que mais produzem café no continente africano

O café ocupa uma posição importante na economia da África, sendo a segunda maior fonte de receita para muitos países, atrás apenas do petróleo bruto. 

Como o continente africano produz 12% do café mundial – em 2022, as exportações do produto foram avaliadas em mais de US$ 3,6 bilhões –, sua influência no mercado global é inegável. 

O futuro do café africano parece promissor, tanto economicamente quanto culturalmente. O continente é conhecido por sua grande diversidade de sabores, moldada pelos diferentes climas e práticas de cultivo.

Etiópia

A Etiópia desempenha um papel fundamental na produção global. Como maior produtor do continente, o país produz 472 mil toneladas de café anualmente, ocupando a 5ª posição mundial.

Famosa por sua região de Sidamo, a Etiópia contribui com 4,5% da produção global de café, cerca de 7,6 milhões de sacas. O café etíope não é apenas um produto, mas também uma parte essencial da cultura do país.

Uganda

O país ocupa a décima posição entre os maiores produtores de café do mundo, com uma produção anual de 209 mil toneladas.

Cerca de 80% do café cultivado é da variedade robusta, que cresce em regiões de baixa altitude. Apesar dos desafios climáticos enfrentados por seus cafeicultores, além das pragas, a Uganda continua sendo importante na indústria global do café.

Ruanda

Em 2023, o país produziu 250 mil sacas e cerca de 98% de seu café é arábica, cultivado principalmente nas regiões de Kivu Lake Borders, Central Plateau, Eastern Plateau e Mayaga.

Muito valorizado em mercados como EUA, Europa e Ásia, o café ruandês representa 24% das exportações agrícolas do país e sustenta em torno de 400 mil pequenos produtores.

Quênia

O país ocupa a 19ª posição no ranking global e é conhecido principalmente por seu arábica de alta qualidade.

O setor cafeeiro queniano conquistou forte reputação devido ao seu rigoroso processamento em estações de lavagem. Com mais de 600 mil pequenos agricultores, o cultivo se dá em altitudes elevadas no Monte Quênia e na Cordilheira Aberdare.

Tanzânia

Em 2023, o país ocupou a 15ª posição mundial na produção de café, mas, de acordo com o USDA, a previsão é de que a Tanzânia alcance 1,3 milhão de sacas até 2028.

Embora o setor tenha passado por períodos de crescimento lento desde 1995, os recentes aumentos na produção foram impulsionados pela reabilitação de plantações antigas e pela demanda consistente da União Europeia.

Costa do Marfim

Apesar da queda na produção, a Costa do Marfim ainda é um dos maiores produtores de café da África.

Segundo a Organização Internacional do Café (OIC), a produção média anual do país gira em torno de 120 mil toneladas. Entre 2020 e 2021, caiu para cerca de 100 mil toneladas, mas em 2023/2024 voltou a crescer, alcançando 1,3 milhão de sacas, segundo o USDA.

Burundi

A cafeicultura fornece renda para cerca de 600 mil famílias, o que representa 40% da população. Embora sua produção seja menor que a de outros países da África Oriental, o café burundinense é altamente valorizado por sua qualidade e sabor diferenciado.

No entanto, estima-se que o cultivo do país caia até 2028, passando de 139 mil sacas em 2023 para apenas 91 mil sacas, uma redução média anual de 6,7%.

Guiné

Em 2020, a Guiné ocupou a 34ª posição no ranking global de produtores de café. Apesar de modesto, seu cultivo é essencial para muitos cafeicultores locais. As principais regiões produtoras incluem Fouta Djallon Plateau, Ziama Massif e Monte Nimba.

Grande parte da produção guineense é de robusta, mas algumas fazendas menores também cultivam arábica.

República Democrática do Congo

O país produz 13% arábica e 87% robusta. Nos anos 1980, o café foi a segunda commodity mais lucrativa, atrás apenas do cobre. No entanto, conflitos violentos e instabilidade política levaram à queda drástica da produção.

Em 1993, a RDC produzia 120 mil toneladas de café, mas esse número despencou para apenas 8 mil toneladas em 2016.

Camarões

O país desempenha um papel modesto na produção global de café, ocupando a 54ª posição em volume de vendas. Entre 2018 e 2022, sua participação foi de apenas 0,1%.

Mesmo assim, os cafés camaronenses são bastante procurados em países como Argélia, França, Bélgica e Portugal. O país, que cultiva tanto arábica quanto robusta, tem seus arábicas altamente valorizados pelos sabores delicados e aromas florais.

TEXTO Redação / Fonte: www.businessday.ng 

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Livro explora as indicações geográficas brasileiras para café

Foto: Marcelo Coelho

A imagem de cafezais plantados em sistema agroflorestal na região do Norte Pioneiro do Paraná, uma indicação de procedência para cafés, é do fotógrafo Marcelo Coelho para o livro A Revolução do Café Brasileiro – Regiões com Indicação Geográfica, que explora, por meio de fotografias e textos em português e inglês, a cultura e o valor de 14 indicações geográficas brasileiras (as recentes IGs Chapada Diamantina e Vale da Grama). Ao longo de mais de 250 páginas, a obra detalha características e técnicas
de cada terroir, dados socioeconômicos das IGs, histórias de alguns produtores e perfil sensorial dos grãos.

“A obra traz uma abordagem do protagonismo do produtor e das regiões cafeicultoras com IG”, diz Juliano Tarabal, diretor-executivo da Federação dos Cafeicultores do Cerrado e que edita o livro ao lado do pesquisador da Embrapa Rondônia Enrique Alves. “Nossa expectativa é que ele seja uma ferramenta de promoção do café brasileiro nas regiões com indicação geográfica”, diz ele. “É impossível vender o
Brasil como um país único, sem apresentar essa diversidade de cafés”, acredita. Os textos são de Michelle Dufour, e há artigos introdutórios de diversos autores.

Onde comprar: www.cafestore.com.br

TEXTO Redação

Cafezal

Fevereiro quente preocupa cafeicultores e pode impactar safra

Pesquisadores do Cepea apontam que as chuvas frequentes desde outubro de 2024 têm favorecido o desenvolvimento da safra 2025/26. No entanto, as previsões para fevereiro indicam um cenário preocupante: precipitações abaixo da média e temperaturas elevadas, fatores que podem comprometer o ciclo final da produção.

Embora as chuvas recentes tragam otimismo, a safra já foi impactada pelo calor e pela seca ao longo de 2024, e a evolução das temperaturas nos próximos meses será determinante para a qualidade do café colhido. O excesso de calor, além de prejudicar o perfil sensorial dos grãos – que demandam noites amenas para desenvolver uma bebida equilibrada –, pode acelerar a secagem dos frutos ainda no pé, comprometendo a produtividade e a rentabilidade dos cafeicultores.

Diante desse cenário, o setor segue atento às condições climáticas, ciente de que a estabilidade térmica nos próximos meses será essencial para garantir uma safra de qualidade.

TEXTO Redação

Cafezal

Coffee of the Year: o prêmio que conecta café, história e mercado

Com recorde de 570 amostras inscritas, o Coffee of the Year 2024 consagrou o Espírito Santo como destaque nas categorias arábica e canéfora, reforçando o papel do prêmio na valorização de produtores, regiões e tendências da cafeicultura brasileira

O Coffee of the Year (COY) não é apenas um prêmio. Em sua 13ª edição, o concurso é o reconhecimento máximo do talento, da dedicação e da inovação dos cafeicultores na produção de arábicas e canéforas brasileiros de excelência – já foram premiados mais de 180 produtores.

Em 2024, o Espírito Santo subiu ao pódio. Foram premiados Paulo Roberto Alves, do Sítio Campo Azul, em Divino de São Lourenço, região de Caparaó, na categoria arábica, e Antônio Cezar Demartini Landi, do Sítio do Pedrão, de Jerônimo Monteiro, no Sul do Espírito Santo, na categoria canéfora.

O COY também gera oportunidades de negócios: a escolha dos melhores arábicas e canéforas não apenas valoriza o trabalho dos produtores campeões, mas impulsiona o desenvolvimento das regiões onde esses cafés são cultivados, abrindo portas para novos mercados e fortalecendo os já existentes (confira a degustação com os cafés vencedores ao final da reportagem).

Este ano, o evento quebrou seu recorde de inscrições, com 570 amostras de 33 regiões de café, refletindo o crescente interesse dos cafeicultores pela premiação e a diversidade dos grãos brasileiros.

Como o COY acontece

A escolha de um café para uma competição pelo produtor se dá muito antes da prova. Ela envolve uma série de etapas, que incluem planejamento no campo, manejo da colheita, definição do processamento do grão e curadoria final rigorosa, com seleção de lotes e provas sensoriais. Este trabalho meticuloso é o que transforma um simples lote de café em um potencial campeão, capaz de destacar não só a qualidade do grão, mas também a dedicação e o talento por trás de sua produção.

Depois do recebimento dessas amostras, elas são provadas tecnicamente por profissionais Q-Graders e R-Graders no Instituto Federal do Sul de Minas, em Machado (MG), que selecionam 180 amostras finalistas – 150 cafés arábicas e 30 cafés canéfora. Estes cafés são provados em duas salas de cupping e em diferentes rodadas durante os três dias da Semana Internacional do Café, por centenas de compradores, que têm a oportunidade de negociá-los diretamente com os produtores.

Ao mesmo tempo, os dez cafés arábica e cinco canéforas mais bem pontuados dessa seleção participam da votação dos visitantes da SIC, que decidem, nos dois primeiros dias e em prova às cegas, os campeões do ano nas duas categorias. Os produtores vencedores recebem menção honrosa e os dois campeões são anunciados e premiados na tarde do terceiro e último dia da SIC.

Era uma vez…

Em tempos de valorização do produtor e de sua história, vale lembrar como nasceu o Coffee of the Year. Em 2011, durante a consolidação do mercado de cafés especiais no Brasil e a ascensão de movimentos que destacavam os produtores, a Espresso idealizou uma forma de criar conexões mais próximas entre esses profissionais e os visitantes da feira de negócios Espaço Café Brasil — evento que viria a se transformar na Semana Internacional do Café. Essa proximidade era vista como essencial para valorizar o produto e promover os cafés especiais no mercado nacional.

Foi nesse contexto que a primeira sala de cupping foi montada, reunindo cafeicultores de São Paulo e Minas Gerais. A iniciativa fomentou o compartilhamento de conhecimento entre produtores e especialistas do setor, pavimentando o caminho para algo maior. Em 2012, nascia oficialmente o prêmio Coffee of the Year Brasil, uma competição nacional que seleciona os melhores cafés por meio de especialistas e permite que os visitantes também os provem e avaliem. O caráter inovador da iniciativa estava justamente em aproximar os brasileiros dos cafés de alta qualidade, que, até então, eram conhecidos quase exclusivamente por provadores e exportadores.

Em 2013, já consolidado como SIC e sediado em Belo Horizonte, o evento se expandiu, e o prêmio ganhou maior visibilidade e diversidade. Ano após ano, o COY foi ganhando relevância e tornando-se uma vitrine de tendências, como a inclusão da categoria canéfora (2016), a concessão de prêmios a café com fermentação induzida (2020 e 2021) e a projeção de pequenos produtores e seus microlotes. O prêmio, também, é essencial ao projetar regiões – como a quase desconhecida região do Caparaó, em 2012.

Hoje em dia, o COY é uma referência no setor, reconhecendo a excelência independentemente da espécie de café, região ou escala de produção.

A Espresso conversou com os campeões do Coffee of the Year 2024. Estreante no concurso e produtor de especiais há seis anos, Paulo Roberto Alves venceu com um catuaí vermelho de 90,25 pontos. “Meus filhos são provadores, e incentivam a fazer café especial”, diz ele. Já Landi, que participa regularmente do COY, esteve na lista dos 15 finalistas de canéfora em 2023 antes de subir ao pódio este ano com um conilon de 86,42 pontos. “O principal destaque do café de concurso é ser feito com cuidado”, ensina Landi. A seguir, o bate-papo:

Espresso: Quais foram os maiores desafios que vocês enfrentaram nesta safra e como eles foram superados?

Antônio Cezar Landi: O maior desafio nessa safra foi a seca. Ficamos seis meses sem chuva, sorte que temos um sistema de irrigação com tensiômetro, automatizado em algumas áreas já, então isso ajuda muito a superar este desafio. E o mercado de café, que é um negócio meio doido. Uma hora dá prejuízo, outra hora dá dinheiro demais. Então esses foram os desafios, que ninguém sabe o que vai dar. Mas o principal posso destacar que foi a falta de chuvas, mas graças a Deus deu para superar.

Paulo Roberto Alves: Foram muitos desafios. Pra gente ‘panhar’ café, tem que saber, pra não estragar. Depois, na secagem, tem que ter muito cuidado para não estragar no terreiro. Começa a chover, tem que ter cuidado. Esse ano não teve muita chuva aqui na região, foi até bom para o café. Mas nos outros anos, no ano passado, por exemplo, choveu muito. Este ano foi até bom, deu muito sol. Aqui eu tenho cinco mil pés de café e planto catuaí vermelho e amarelo. No COY eu inscrevi o vermelho.

Por que vocês acham que seus cafés se destacaram no concurso este ano?

Landi: Primeiramente é o cuidado com o fruto depois de colhido. Eu faço a colheita e quem faz esse cuidado todo, inclusive a secagem, é minha esposa. Então, o principal [fator] é o cuidado. E o segundo eu acredito que seja a nutrição. Uma planta bem nutrida te dá um fruto já pronto, basta você ter cuidado depois, no pós-colheita.

Alves: A concorrência foi grande. Os meus filhos são provadores e trabalham no laboratório da Caparaó Jr. Eles incentivam a gente a fazer o café especial, ensinam como tem que fazer, dão toda a instrução. Eles provaram o café e viram a pontuação que deu, viram que era uma pontuação boa.

Os campeões do COY 2024: Paulo Roberto Alves (à esquerda) e Antônio Cezar Landi (à direita)

Que conselhos vocês dariam a outros produtores que aspiram alcançar o sucesso nos concursos de cafés especiais?

Landi: Fazer o seu melhor e participar dos concursos. Tentar uma vez, ou dez, quantas vezes for preciso. Você tem que insistir e nunca parar de tentar.

Alves: Quem quiser fazer, pode fazer. A nossa região tem potencial. Quanto mais gente produzir café especial, pra gente é bom, né? Aqui no município tem pouca gente que produz café especial. Deve ter umas cinco ou seis pessoas só. O pessoal acha difícil fazer, acha que dá muito trabalho. Mas pode fazer sem erro que o resultado não é ruim não. Deve ter uns seis anos, mais ou menos, que produzo café especial. Criamos nossa marca, a Sítio Campo Azul. Vale muito a pena produzir café especial, ainda mais depois de ter ganhado o COY, vale mais ainda.

Como essa premiação impacta a região de vocês?

Landi: O impacto é positivo. A região ficou conhecida. Jerônimo Monteiro praticamente não era conhecida por cafés especiais. Só a nossa comunidade, com sete famílias, que faz café especial.

Alves: Mudou muito, principalmente o tratamento do pessoal. Até as autoridades e o prefeito, que não visitavam muito, vieram aqui. Para chegar aqui na minha cafeteria tem 400 metros de chão, aí eles vieram e prometeram fazer o passamento até a cafeteria. Tudo isso depois que ganhei.

Vocês pretendem inscrever novas amostras na próxima edição do concurso?

Landi: Com certeza. Se Deus permitir, nós queremos participar sempre que possível. Ano que vem e nos próximos. Mesmo que não ganhe, mas sempre disputando.

Alves: Vou me inscrever de novo, se Deus quiser. Vou fazer [qualidade] para me inscrever de novo e torcer para ganhar.

Depois da agitação da SIC, a equipe da Espresso provou os cafés finalistas premiados no Coffee of the Year (COY). Assim como nas garrafas térmicas disponíveis no evento, as dez amostras de arábica e as cinco de canéfora foram torradas pela equipe do IF Sul de Minas, do campus Machado (MG) e preparadas no método filtrado (hario v60).

Para a avaliação, o time usou como base o novo Protocolo Brasileiro de Cafés Torrados, desenvolvido pela Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC). Os critérios levados em consideração foram complexidade de odor e de sabor, características sensoriais, doçura, corpo, acidez e intensidade, esta última definida pelo protocolo como “percepção de persistência de sabor na boca”. Confira as nossas anotações a seguir.

Texto originalmente publicado na edição #86 (dezembro, janeiro e fevereiro de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto e Gabriela Kaneto • FOTO NITRO/Semana Internacional do Café

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Carvão biológico: entenda o que é biochar e por que ele é tão importante

Feito, entre outros materiais, das cascas do café, o biocarvão ajuda a cafeicultura a ser mais resiliente e a mitigar mudanças climáticas

O biocarvão, ferramenta promissora para a agricultura eficiente e de baixo impacto ambiental, tem mobilizado cientistas e empresas no Brasil – especialmente o que é feito de resíduos do café. Sua produção em larga escala no país vem sendo protagonizada pela NetZero, e a JDE Peet’s Brasil, recentemente, comunicou investimentos na sua utilização.

Estudos científicos sobre biocarvão ganharam força na última década, mas ainda são poucos os trabalhos sobre os que são feitos da casca do grão, especialmente em condições de campo. Pesquisadores e empresários ouvidos para esta reportagem garantem, porém, que sua aplicação é a alternativa mais efetiva para melhorar a qualidade do solo e para o sequestro de carbono na cadeia do café.

A natureza do biocarvão

Biocarvão (ou biochar, em inglês) é o termo usado para o carvão vegetal feito a partir de qualquer matéria-prima orgânica, em altas temperaturas, na ausência ou com pouco oxigênio disponível e aplicado no solo, com o qual interage profundamente.

Os benefícios são inúmeros. “O biocarvão melhora as composições química, física e biológica do solo”, resume o engenheiro agrônomo Cristiano Andrade, doutor em solos e nutrição de plantas e especialista em matéria orgânica do solo da Embrapa Meio Ambiente. “Ele permite que o solo possa reter mais água e mais nutrientes”, ensina Leônidas Carrijo de Melo, doutor em ciências do solo da Escola de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e especialista em biocarvão.

Em termos físicos, o biocarvão aumenta a porosidade da terra, aprimorando sua aeração. “Isso melhora o ambiente para o desenvolvimento das raízes”, explica Andrade, que trabalha há mais de dez anos com biocarvões.

O melhor desenvolvimento das raízes, por sua vez, aprimora a absorção de nutrientes na terra, ao mesmo tempo em que o próprio biocarvão atua como fonte nutritiva. Segundo Andrade, alguns tipos de biocarvão são materiais ricos em fósforo, potássio, cálcio e magnésio, alimentos importantes para a planta. Seu uso diminui ou, até, dispensa alguns fertilizantes.

Sequestrando carbono

Responsáveis por potencializar a produção dos cultivos desde o fim do século XIX, os fertilizantes usam combustíveis fósseis para sua produção e têm o nitrogênio (N) como um de seus ingredientes-base. Mas, na forma de óxido nitroso (N2O) – resultante da transformação microbiológica no solo (desnitrificação) e que é liberado na atmosfera –, ele se torna quase 300 vezes mais poluente do que o carbono na forma de CO2.

Num país que figura como o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo e sendo a agropecuária a maior emissora de gases do efeito estufa (greenhouse gases, em inglês, ou GHG), o uso de biocarvão é, de fato, um recurso significativo.

Mas o biocarvão tem sido valorizado, principalmente, por sua capacidade de sequestrar, ou seja, de reter o carbono no solo por um longo tempo. O relatório do IPCC de 2018 já alertava para o fato de que a redução nas emissões dos GHG não é suficiente para limitar o aquecimento global em 1,5ºC, e listou o biocarvão entre as tecnologias capazes de sequestrar carbono de maneira importante para mitigar as mudanças climáticas.

O principal componente químico do biocarvão é o carbono. Termicamente alterado pelo processo de pirólise (veja ao final da reportagem, no texto “A química do carvão”), o biocarvão pode durar dezenas de anos no solo, o que cria na terra um grande estoque de carbono. “Se o carbono fica no solo, ajuda a reduzir os gases do efeito estufa”, lembra Andrade. “O biocarvão interfere diretamente no ciclo de carbono da natureza”, resume Melo, da UFLA.

A UFLA é parceira da JDE Peet’s Brasil – empresa líder mundial na produção de cafés e chás que agrupa várias marcas, como Café Pilão e Café do Ponto – na investigação dos benefícios do biocarvão na cafeicultura. O estudo, que está sendo realizado numa fazenda da NKG Fazendas Brasileiras, em Santo Antônio do Amparo (MG), e é conduzido pelo grupo de pesquisas coordenado por Melo, busca avaliar o efeito do biochar da casca de café na produtividade da cafeicultura, definir suas dosagens e verificar seu impacto na qualidade sensorial da bebida.

“Precisamos de inovações e tecnologias escaláveis para que os produtores possam produzir cafés com pegada de carbono zero”, explica Bruno Ribeiro, coordenador de compras responsáveis da companhia. Por isso, a JDE Peet’s comunicou, em julho, que está incentivando o uso do biocarvão de casca de café entre cafeicultores brasileiros, o que ajuda a promover a economia circular ao utilizar os resíduos de café na cadeia que os produz. “Esse estudo pode ser uma solução para aumentarmos o conhecimento sobre biochar na cafeicultura, já que há pouca informação sobre essa tecnologia”, analisa.

Não é adubo

O uso de sobras do café na lavoura não é novidade. Muitas fazendas utilizam as cascas secas como adubo há décadas. Mas biocarvão não é adubo, mas um condicionador de solo – que contribui para melhorar suas propriedades. Depois de uma complexa teia de processos químicos, o produto pode aumentar a eficiência dos fertilizantes. “Queremos que o biocarvão melhore a interação do solo com o adubo, man-
tendo o nitrogênio disponível para a planta por mais tempo, o que resulta em maior eficiência do adubo e seu uso em menor quantidade”, explica Melo, referindo-se à perda de quase metade da quantidade de fertilizante aplicado no solo por lixiviação, volatilização e desnitrificação (outro objetivo da pesquisa que ele coordena é, justamente, avaliar a possibilidade de redução da adubação nitrogenada).

A redução do uso de fertilizantes nas lavouras de café varia com as práticas locais e o tipo de solo. “Mas ela pode ser significativa, da mesma ordem de grandeza do aumento da produtividade”, afirma Olivier Reinaud, cofundador e diretor geral da greentech francesa NetZero, primeira empresa a produzir biocarvão no Brasil e única no mundo a fazê-lo das cascas do café.

Segundo Reinaud, além de fazer a lavoura produzir mais e de reduzir os custos do produtor com o uso de adubos, o biocarvão também agrega valor às culturas. “Já estamos vendo grandes empresas comprando culturas produzidas com biochar com um prêmio de preço para reconhecer sua maior sustentabilidade”, comenta. “Essa é uma grande oportunidade para os agricultores”.

Até 2020, não era possível certificar créditos de remoção de carbono de indústrias de biocarvão. Assim, os projetos tinham como única fonte de receita a venda do produto aos agricultores. As grandes empresas que compram esses créditos só desembolsam dinheiro para adquirir os que são certificados. A NetZero tem rastreabilidade na produção de seu biocarvão, e conseguiu certificação para emitir os créditos. “Para ter seus créditos comercializados, o biocarvão deve ser produzido com especificações, como temperatura adequada, por exemplo, para que se tenha a garantia de que ele é estável e que volta para o solo”, explica Melo. O dinheiro da compra dos créditos viabiliza o negócio, que, ao final, traz retorno econômico para os produtores de café.

Escala industrial

Pioneira na produção industrial de biocarvão de cascas de café, a NetZero conta com uma fábrica em Camarões e duas no Brasil, em Lajinha (MG) e em Brejetuba (ES) – esta, inaugurada em junho. Criada em 2021 e sediada em Paris, a NetZero é quem vende o bio carvão que a JDE Peet’s Brasil usa em seus estudos.

As duas fábricas da NetZero ficam próximas da Coocafé (Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Lajinha), que conta com mais de dez mil cooperados. Isso porque o modelo de negócio da empresa francesa é formar parcerias: os custos da produção e do transporte da biomassa e do biocarvão são divididos entre os cooperados e a empresa. Cerca de 800 produtores associados fornecem a biomassa para as duas usinas. Em contrapartida, dispõem, sem custo, de parte do biocarvão, e compram outro tanto com desconto. “Produzir biocarvão com cooperativas é um modelo excelente”, acredita Andrade.

A implantação de uma fábrica em área próxima à fonte que fornece o resíduo e faz, posteriormente, uso do biocarvão reduz os custos de transporte e simplifica a logística. O engenheiro agrônomo Jefferson Carneiro, especialista em biocarvão e que trabalha com a startup francesa para produzir dados científicos que ajudem na compreensão do biocarvão de café, destaca a importância do modelo. “A parceria entre indústria, instituições de pesquisa e produtores é necessária para o avanço na cafeicultura e no desenvolvimento desses produtos”, afirma.

“O biochar é uma solução altamente estratégica para uma potência agrícola como o Brasil, pois o produto atende à maioria dos desafios atuais da agricultura”, comenta Reinaud. Um deles é o custo: biocarvão é um produto caro para ser feito em larga escala. Embora sua produção artesanal seja relativamente fácil, diz ele, sua elaboração em escala industrial com segurança e qualidade é bem mais complexa.

A maior parte da produção de biocarvão está na América do Norte, na Europa e na China. “São empresas que geralmente produzem quantidades menores de biocarvão, a um custo bem mais elevado, utilizando resíduos de madeira em vez de resíduos agrícolas como matéria-prima e sem usar um modelo de economia circular”, pontua.

É difícil avaliar a quantidade de biocarvão fabricada no mundo, pois a produção industrial existe há pouco tempo. “Por enquanto, os volumes são bem pequenos, mas estão crescendo rapidamente, com o surgimento de muitos projetos em todo o mundo agora que o biocarvão foi totalmente reconhecido cientificamente e que modelos como o da NetZero estão tornando a produção em grande escala mais acessível”, analisa o diretor geral. Nas duas fábricas, a empresa planeja produzir 8,5 mil toneladas de biocarvão por ano.

Por dentro do biocarvão

A maioria dos estudos sobre biocarvão ainda são feitos fora do país. Na Colômbia, dados de um experimento com o produto na cafeicultura animam Carneiro.

“Após um ano de aplicação, a produtividade dos cafezais aumentou 33%. Esse aumento se manteve nos dois anos seguintes do experimento”, detalha ele, que é doutor em ciências do solo na área de fertilidade e nutrição de plantas e conduz os experimentos de biocarvão de café da NetZero na Fazenda Recanto, em Machado, no Sul de Minas.

É em Machado, aliás, que a empresa francesa planeja, ao lado da Eisa Interagrícola (uma das maiores tradings de café e algodão do país e subsidiária do grupo suíço ECOM), construir sua terceira fábrica brasileira.

Os experimentos na Fazenda Recanto ainda estão em fase inicial, mas a NetZero também conduz pesquisas em outras propriedades. Um exemplo são os testes feitos em Afonso Cláudio (MG). O produtor Carlos Tristão de Souza, da Fazenda Bom Jardim, comemora os primeiros resultados: um aumento de até 70% na produção de frutos maduros em 400 pés de café arábica plantados a 320 m de altitude e nos quais utilizou o biocarvão. Isso resultou em 40 sacas a mais por hectare, segundo divulgou a NetZero em seu Instagram.

Reportagem de 2023 da revista Pesquisa Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) informa que, em estudos controlados feitos na última década, o uso de biocarvão aumentou a produtividade agrícola em até 50%, o crescimento das raízes em 30% e reduziu em cerca de 20% o uso de fertilizantes. Andrade cita outros deles: “Estudos de meta-análise [que analisam estatisticamente vários estudos independentes sobre o mesmo tema para integrar e sintetizar seus resultados] indicam que o biocarvão foi responsável por uma redução média de 50% na emissão de N2O do solo”, conta.

Já o IAC (Instituto Agronômico de Campinas) e a Embrapa Meio Ambiente ampliaram os estudos com biocarvão de café ao aproveitar a borra, gerada na produção de café solúvel, e o pergaminho, que sobra do despolpamento. Incorporados ao solo, ambos foram eficientes na redução de contaminação por metais pesados e melhoraram a qualidade da terra.

Outra vantagem do produto é a ausência da emissão de metano, que ocorre durante a decomposição da palha (como também é chamada a casca residual) do café como adubo convencional. Por fim, há a praticidade – apenas uma aplicação na lavoura pode ter efeito por vários anos (por causa da estabilidade do material no solo).

Porém, utilizar biocarvão não é tão simples, pois varia de acordo com suas propriedades, definidas em função do tipo de matéria-prima e de parâmetros como tempo e temperatura da queima. Há, também, obstáculos a ultrapassar, como o desconhecimento do produto.

“Precisamos apresentar o produto aos agricultores, e eles precisam ser convencidos”, diz Reinaud. “Quanto mais informação técnica e estudos com maior embasamento e conhecimento científico, mais segurança para os produtores testarem uma nova tecnologia”, concorda Ribeiro. Reinaud, porém, garante que a adoção do biocarvão está aumentando rapidamente. “Todos os resultados que estamos obtendo são muito consistentes com a literatura [científica]”, alegra-se.

Outra questão é seu registro. “Não há uma legislação específica para biocarvão no MAPA”, explica Melo. O produto da NetZero conseguiu ser registrado em 2023 como biochar de casca de café, mas seguindo a legislação de condicionador de solo. Se ela ou alguma empresa quiser produzir biocarvão a partir do pergaminho, por exemplo, terá que começar o registro, literalmente, do zero. “Há um movimento de pesquisadores que enviaram manifestações sobre isso ao ministério”, adianta Andrade.

Mas os benefícios do biocarvão ultrapassam, e muito, essas dificuldades transitórias. Ao oferecer uma abordagem viável e inovadora para a captura de carbono, a melhora da qualidade do solo e a promoção da economia circular, o biocarvão já é uma ferramenta do presente para enfrentar os desafios climáticos – especialmente no Brasil, abundante em resíduos agrícolas e em potencial de pesquisa e de produção industrial.

Para saber mais: A química do carvão

A pirólise (do latim, quebra pelo calor, ou seja, decomposição térmica) de resíduos orgânicos resulta em um composto definido como biocarvão. Em altas temperaturas e baixa concentração de oxigênio (ou total ausência dele), a pirólise produz um biocarvão altamente estável e rico em carbono. “Entre 550 e 600°C, o carbono da biomassa da casca de café se transforma e permanece no solo”, explica Melo. Essa estabilidade a que Melo se refere resulta de sua composição química – as chamadas estruturas aromáticas.

Estruturas aromáticas são anéis hexagonais (a representação química é semelhante a uma colmeia de
abelhas) formados por uma cadeia fechada de carbonos denominados estruturais, pois, sendo difíceis de quebrar (e, portanto, estáveis), não ficam disponíveis para serem degradados por microorganismos, permanecendo “trancados” no solo por centenas de anos.

Durante a pirólise – que acontece em fornos/pirolisadores em cerca de 20 minutos –, fatores como
o pH, a concentração de macronutrientes (potássio, fósforo, cálcio e magnésio) e o acúmulo de carbono
em sua composição mudam. Os resultados do uso da formulação também variam, dependendo das
características da matéria-prima, da temperatura de pirólise e sua duração, além da relação entre ela e o ambiente em que foi aplicado.

Já se sabe, por exemplo, que em biocarvões derivados de madeira, o alto teor de carbono estável aumenta a quantidade deste elemento químico no solo. Já, os derivados de esterco servem como fonte
de nutrientes. Biocarvões de resíduos de culturas agrícolas, como o café, têm potencial para cumprir
as duas funções.

Como não se pode medir diretamente (ou de maneira simples) a qualidade de um solo – leia-se seu funcionamento, como, por exemplo, a capacidade de reter ou não a água –, os agrônomos utilizam indicadores para avaliá-lo. Um deles é a quantidade de carbono ou de matéria orgânica contida nele.

Texto originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto (com colaboração de Gustavo Paiva) • FOTO Divulgação • ILUSTRAÇÃO Pamella Moreno

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Café com Origem: a Chapada de Minas na rota da Indicação Geográfica

Entre as regiões produtoras de café visitadas pela Espresso este ano, um dos destaques foi a Chapada de Minas, que conhecemos em novembro. A convite do Sebrae, decolamos em São Paulo e pousamos em Belo Horizonte, seguindo por mais cinco horas de estrada até o nosso destino final: a cidade de Capelinha, no Vale do Jequitinhonha, Nordeste de Minas Gerais.

A região

A Chapada de Minas é composta por 22 municípios e conta com 40 anos de atividade cafeeira, desenvolvida principalmente por conta da migração de produtores vindos do Paraná após a “geada negra” de 1975, responsável por castigar boa parte dos cafezais do estado.

Até pouco mais de dez anos, não havia organizações sindicais na região. É o que conta Julian Rodrigues, analista de negócios do Sebrae MG, responsável pela Região da Chapada de Minas, um dos guias do nosso roteiro. Ele explica que, em meados de 2012, a cooperativa regional quebrou e deixou um dano de mais de 20 milhões, o que prejudicou muitos produtores.

Julian Rodrigues, analista de negócios do Sebrae MG, responsável pela Região da Chapada de Minas

Anos depois, em 2019, surgiu o Instituto Café da Chapada de Minas, pontapé inicial para a elaboração da estratégia da marca coletiva atual. De acordo com Rodrigues, o próximo passo é obter a Indicação Geográfica na modalidade Indicação de Procedência, que garante o reconhecimento e a valorização da produção local, e fortalece a identidade no mercado. Para isso, o Sebrae, juntamente com representantes da região, estão estruturando as informações necessárias para protocolar o pedido no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial).

“O Sebrae atua na cadeia do café da região da Chapada de Minas há mais de uma década”, menciona o analista. “Nosso trabalho tem como objetivo trazer inteligência para o território e desenvolver as governanças locais, organizando os grupos para que tenham representatividade e senso de pertencimento, e, ao mesmo tempo, proporcionar a eles acessos a mercados de origem controlada”, detalha.

Hoje em dia, a Chapada de Minas é responsável por uma produção que varia de 400 a 900 mil sacas anuais, composta majoritariamente por produtores familiares – apesar de boa parte da área total em produção pertencer a grandes produtores, que também plantam eucalipto. Segundo Rodrigues, a maioria do café produzido ainda é commodity, mas aos poucos o cenário está mudando, e isso pode ser visto nos concursos de qualidade.

“O terroir daqui é diferenciado”

Uma de nossas paradas foi em Aricanduva (MG), na Fazenda Alvorada, bom exemplo de produção focada em qualidade. Este ano, além de conquistar a terceira colocação na categoria natural do 3º Prêmio Chapada de Minas, a propriedade também teve grande destaque em uma das principais premiações nacionais de qualidade, o Prêmio Coffee of the Year, onde alcançou a 5ª melhor posição na categoria arábica.

Fazenda Alvorada, em Aricanduva (MG)

Em nossa visita fomos recebidos pelo produtor Sergio Meirelles, sua filha Raquel e seu genro Orlando, que contaram um pouco sobre a relação da família com o café. “Quem não é otimista, não planta. Agricultura é pra quem tem paixão, pra quem gosta”, comenta Meirelles. Ele, que também é engenheiro agrônomo, comprou a fazenda em 1981. “Só tinha mato”, conta. Atualmente, a fazenda tem 233 hectares, sendo 93 destinados à produção de café e o restante à reserva legal, pasto e plantação de eucalipto.

“Quando viemos pra cá, ninguém sabia o que plantar”, explica Meirelles, dizendo que costumava pegar referências da cafeicultura em Manhuaçu. Porém, as Matas de Minas tinha um clima diferente da Chapada. Foi então que a Epamig ofereceu a ele que fizesse um campo experimental com 15 variedades. De todas essas, duas apresentaram bons resultados: a catiguar MG2 e a MGS aranãs. De lá para cá, já foram quatro experimentos e mais de 100 variedades plantadas. Os resultados ajudaram os cafeicultores a entender melhor quais plantas eram as melhores opções para a região.

Sergio e Raquel Meirelles, da Fazenda Alvorada

Este ano foram 4.200 sacas de café produzidas, mas com o investimento em irrigação (agora são 58 hectares irrigados), a expectativa para o novo ciclo é de crescimento. “O nosso diferencial são as variedades que temos para oferecer. Hoje temos diversidade de processos, o que permite que a gente entregue diferentes características sensoriais aos nossos clientes”, destaca Raquel, que largou a vida em São Paulo e o trabalho na multinacional Nestlé para se dedicar ao cultivo do fruto na propriedade da família.

Com a criação da marca Chapada de Minas, os negócios melhoraram. “Ganhamos identidade, preço e visibilidade. Pudemos explicar melhor onde estamos e o potencial que temos. Isso abriu muitas portas”, comemora Meirelles, que agora exporta café para os Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão, Israel e países da Europa. “O terroir daqui é diferenciado. A partir do momento que as pessoas entenderem que o café daqui tem um perfil único, temos muito a despontar”, projeta Orlando.

“É muito gratificante ver que a nossa produção está sendo reconhecida”

A uma hora de distância,  paramos na grande Fazenda Sequóia, no município de Angelândia (MG), onde fomos recepcionados por Rodrigo Crimaldo, que atua na propriedade desde 1999 e hoje ocupa o cargo de gerente. Enquanto tomavamos uma xícara de café cultivado na própria lavoura, Crimaldo contou sobre a produção local.

Rodrigo Crimaldo, gerente da Fazenda Sequóia, em nossa visita

A história da Sequóia começou em 1975, quando sua área total era de 474 hectares. As primeiras mudas plantadas ali foram de catuaí 62 e catuaí 99. De lá para cá o avanço foi tanto que, hoje, a propriedade conta com 3.906 hectares de área total (sendo 750 destinados ao café) e 13 variedades – do tradicional catuaí ao saboroso gesha.

Com 23 mil sacas produzidas neste ano, a colheita na fazenda, que costuma ser tardia, de junho a julho, foi antecipada para maio devido ao aparecimento de quatro floradas. “O café é muito responsivo ao clima e, nos últimos dois anos, o clima teve uma mudança brusca. Então imagino que, ano que vem, nossa colheita também será complexa”, comenta. Ele projeta que a produção de 2025 fique em torno de 14 mil sacas, devido ao clima e às podas feitas recentemente.

Além da reestruturação nos pés de café, a Sequóia também renovou os processos de pós-colheita nos últimos dois anos. “Aqui chove bastante”, conta Crimaldo. A alta umidade atrapalha a secagem dos grãos no terreiro. Como solução, a fazenda investiu R$ 12 milhões em um maquinário colombiano de processamento “in door”.

A estrutura de alvenaria possui compartimentos que se assemelham a caixas, onde os grãos são alocados. Neste processo de secagem, o ar sai por baixo e, a cada período de tempo programado, uma portinha se abre na parte inferior da caixa, fazendo com que os grãos caiam e sejam posicionados na caixa ao lado, onde ficarão por mais um período desejado, podendo variar de 18 a 36 horas, diminuindo a cada troca de caixa.

Sistema de secagem em caixas da Fazenda Sequóia

Segundo Crimaldo, este sistema resulta em uma secagem uniforme, pois, o café que está menos seco, localizado na superfície, é o que ficará por baixo na próxima caixa. A finalização da secagem é feita em um secador rotativo e, dali, o café segue para as tulhas. Um processo inteiro mecanizado.

Além de resolver o problema das chuvas, o maquinário também diminuiu a porcentagem de café quebrado, de 13% para 3%, uma vez que não passa mais veículos ou pessoas em cima dos grãos no terreiro. “Tenho um produto que passa por menos contaminação e menos risco de fermentação indesejada”, explica. Hoje, os cafés da Sequóia são exportados para mercados como os da Bélgica, Países Baixos, Polônia, Eslovênia e República Tcheca.  No 3º Prêmio Chapada de Minas, a fazenda conquistou o primeiro lugar na categoria natural e o segundo na categoria cereja descascado.

Prêmios acumulados pela Fazenda Sequóia

Mesmo para uma fazenda grande como a Sequóia, o desenvolvimento da marca Chapada de Minas foi algo positivo. “Eu acho que o principal ganho é a visibilidade”, relata o gerente. “Quando se falava em Chapada de Minas, nosso café era confundido com o Cerrado Mineiro ou as Montanhas de Minas. Nós não tínhamos um reconhecimento como produtores de café. É muito gratificante ver que a nossa produção está sendo reconhecida”, comemora.

Paralelamente ao desenvolvimento de marca para a obtenção do selo de Indicação de Procedência, o Sebrae também busca desenvolver tecnicamente os produtores, por meio de treinamentos, capacitações, dias de campo e do programa de assistência técnica e gerencial do Sebrae, o Educampo. “Queremos que esses grupos tenham acesso a outras regiões para entender o que o mercado está fazendo e como isso pode ser ajustado à realidade de cada um”, informa Rodrigues.

TEXTO Gabriela Kaneto