
Em pouco mais de uma semana, tivemos quatro fatos importantes em todos os países latino-americanos onde se debate ou já se implementa a economia dolarizada. A reeleição do empresário liberal Daniel Noboa no Equador, o anúncio do retorno da presença militar norte-americana no Canal do Panamá, o final do controle cambial de Javier Milei na Argentina e a recepção na Casa Branca de Nayib Bukele, presidente salvadorenho, alçado à categoria de grande aliado dos Estados Unidos.
Na esteira da campanha pela dolarização da economia argentina com Javier Milei, das tarifas de importações de Donald Trump e do cenário econômico interno brasileiro, com desvalorização do real e alta da inflação, já há quem questione como seria o impacto, na economia do café, do aumento de países dolarizados. Seria esta uma alternativa para o descontrole inflacionário? Aumentaria a integração com a economia norte-americana? Seria viável no Brasil?
O governo do ultra-liberal Javier Milei na Argentina completou um ano. Eleito como um outsider, anti-sistema e representante da nova extrema direita sul-americana, ele declarou durante a campanha que uma das principais medidas, caso fosse eleito, seria a de dolarizar a economia argentina.
A medida seria uma tentativa de colocar um freio na inflação galopante, ajudar no pagamento da altíssima dívida externa e trazer estabilidade econômica. Por outro lado, os críticos da dolarização apontam que esta seria uma medida desesperada e populista, onde os países perdem autonomia, delegando ao Banco Central dos Estados Unidos as próprias decisões de política econômica.
Ainda, os países dolarizados perderiam o controle cambial e a capacidade de liquidez para, possivelmente, auxiliar instituições financeiras necessitadas de apoio.
Com tal proposta na mesa da presidência do nosso maior vizinho, seria natural que algumas sugestões e divagações aparecessem do lado brasileiro. Como todo tema político e econômico recente, ainda mais envolvendo o presidente Javier Milei, o debate tem sido polarizado. Mas o que isso significaria, na prática, para a agricultura brasileira? Como o produtor seria afetado caso isso ocorresse?
Por isso, aproveito a oportunidade de que, neste ano de 2025, dois produtores de café da América do Sul completam 25 anos de dolarização. Existe ainda um terceiro caso, o Panamá, passível de abordagem na cafeicultura, mas o país possui uma economia dolarizada desde sua independência, 121 anos atrás, e, portanto, não seria um exemplo representativo como os outros.
Começando pelo caso mais representativo, El Salvador já chegou a ser um dos maiores produtores de café do mundo no final do século XX, mas, nas últimas décadas, enfrentou uma queda acelerada na produção de café e perdeu protagonismo para seus vizinhos. No final do século, o país viveu crises inflacionárias, aumento da violência e instabilidade política. Depois da adoção da moeda estadunidense, a economia estabilizou-se, chegando até mesmo a um ponto de estagnação. A criação de empregos também emperrou e o país perdeu muita mão de obra jovem, rural e masculina, principalmente para os Estados Unidos. Além disso, as remessas de dólares provenientes dos imigrantes resultaram em menor efetividade, já que os destinatários das remessas também passaram a gastar em dólar.
Do lado das contas públicas, o saldo não foi extremamente positivo: se por um lado, a dívida pública de El Salvador passou a ser melhor controlada, o país, que já possuía pouca competitividade e eficiência, tornou-se pouco atrativo e caro para o investimento estrangeiro. El Salvador perdeu protagonismo para seus vizinhos, produzindo hoje menos café do que todos eles. Segundo dados da Organização Internacional do Café (OIC), na última safra antes da aprovação da dolarização (1999-2000), o país colheu 3,5 milhões de sacos de café. Hoje, tem dificuldades em produzir 0,5 milhão. De lá para cá, a indústria cafeeira perdeu mais de 70 mil empregos e lembra, com nostalgia, da época em que o café era responsável pela metade do produto interno bruto do país.
Enquanto isso, no Equador, a situação parece menos dramática, mas, ainda assim, desalentadora. Em um contexto similar, o país viveu, literalmente, uma erupção de problemas no final dos anos 1990, envolvendo crise econômica e política, além das consequências da erupção do vulcão Pichincha, situado a apenas alguns quilômetros do centro de Quito. A erupção forçou uma evacuação em massa da população e culminou com pedidos da sociedade por mudanças significativas e imediatas na política.
Uma das sugestões de mudança econômica foi o abandono da moeda e a adoção do dólar como divisa oficial. O que foi prontamente atendido por um governo que buscava uma resposta simples, fácil e rápida para todos os problemas econômicos. De lá para cá, a economia se estabilizou, bem como a inflação e a taxa de desemprego.
Porém, no campo do café, o Equador ainda não decolou. Mesmo sendo o único país sul-americano que, ao lado do Brasil, consegue ter um fluxo de produção estável e operante tanto na produção de canéfora como de arábica, o país continua estagnado na casa das 400 mil sacas de cafés produzidas.
O caso panamenho é um pouco distinto, já que desde a sua independência da Colômbia, em 1903, o país possui uma moeda nacional automaticamente atrelada ao dólar: o balboa. Mas, mesmo assim, muitas das características econômicas encontradas nos outros países citados se encontram no território do canal: baixa inflação e dívida controlada, porém, pouca competitividade, ineficiência e falta de atrativos para investimentos estrangeiros.
O crescimento, nos três casos, é naturalmente baixo, e existe pouca margem de manobra para a criação de empregos. Tanto que, em todos estes países, a migração de população jovem, especialmente rural e masculina, ainda é preocupantemente alta, resultando em falta de mão de obra no campo.
De todo modo, a transição para o dólar é sempre muito difícil, mesmo para economias pequenas. Ao contrário de todos eles, a Argentina é parte do G20, grupo das vinte maiores economias do mundo, e possui 54 milhões de habitantes, o que faria a conversão ao dólar uma tarefa muito mais complexa e demorada do que a dos outros casos citados.
E, ainda, com um agravante: o país ser dependente da exportação de matérias-primas concorrentes dos Estados Unidos (trigo, carne, soja, petróleo etc.). Logo, a conversão, que já seria muito difícil de ser realizada, ganha ares absurdos, já que o país não possui dólares nem para pagar as próprias e, ainda, estaria concorrendo diretamente com os Estados Unidos, usando a moeda norte-americana em setores em que os estadunidenses são bastante eficientes.
Dolarizar uma economia é simples de dizer, e muito difícil de fazer. Não à toa é sempre sugerida por populistas de propostas fáceis e superficiais. Em todos os casos, existiram ganhadores e perdedores, pontos positivos e negativos para a economia do país. No entanto, fica evidente que a produção de café, em todos os casos citados, esteve do lado perdedor. Não há evidências de que seria diferente por aqui. Lembrando ainda que, no caso salvadorenho, dada a atual decadência da produção local, podemos dizer que a dolarização pode ter sido ainda mais devastadora para a cafeicultura do que os treze anos de guerra civil.
Gustavo Magalhães Paiva é formado em relações internacionais pela Universidade de Genebra e é mestre em economia agroalimentar. Atualmente, é consultor das Nações Unidas para o café.
TEXTO Gustavo Paiva