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Na corrida pela EUDR
Enquanto Brasil investe em tecnologia para adequar-se às exigências europeias, países africanos pedem apoio na geração de dados para cumprir a nova lei
Por Mariana Grilli
A nova regulamentação da União Europeia para produtos livres de desmatamento (EUDR) está dando novas diretrizes ao comércio global de café. Com a exigência de rastreabilidade e conformidade ambiental, países exportadores como Brasil e Etiópia, e importadores como Itália e Alemanha, estão se mobilizando para garantir a comercialização dentro das novas exigências.
Vanúsia Nogueira, diretora-executiva da Organização Internacional do Café (OIC), esteve viajando por países da América Central e relata com satisfação as evoluções já conseguidas pelos países da região. “Cabe salientar que a Costa Rica já trabalha há algum tempo com sistemas de mapeamento e rastreabilidade e tem compartilhado suas experiências com os demais países”, conta Vanúsia à Espresso.
Ao olhar para a América do Sul, a Colômbia já está bastante bem preparada para cumprir os requisitos da EUDR, por também se tratar de um país onde o mapeamento de áreas de café já existia. O mesmo acontece com o Brasil, maior exportador mundial de café, que tem investido fortemente em tecnologia para garantir conformidade com a EUDR.
Marcos Matos, diretor-geral do Cecafé, apresentou os marcos técnicos à Comissão Europeia, em um evento em Bruxelas, na Bélgica, incluindo a Plataforma de Monitoramento Socioambiental Cafés do Brasil, uma iniciativa colaborativa com a Serasa Experian. Essa ferramenta digital aproveita a análise avançada de dados para mapear mais de 300 mil fazendas de café, rastreando riscos de desmatamento, práticas trabalhistas e transparência da cadeia de suprimentos.
“Dessa maneira, o Cecafé terá condições de apresentar mais elementos relacionados à cafeicultura brasileira e contribuir com dados técnicos nas discussões. Os trabalhos estão acelerados e, até junho, deve ser definida a questão do nível de risco por país. A partir daí, o foco será na implementação do EUDR, no final de dezembro deste ano”, diz Matos.
A Europa consome mais café do que qualquer outro país ou bloco no mundo, e especialistas afirmam que a nova regra é uma ferramenta potencialmente poderosa para promover a agricultura sustentável. Ao mesmo tempo, ela representa o que alguns estão chamando de uma “pressão verde” que impõe grandes encargos a milhões de pequenos agricultores em países em desenvolvimento.
É o caso de países africanos. Os meios de subsistência de quase 12 milhões de pequenos cafeicultores em toda a África estão ameaçados à medida que o continente corre contra o tempo para cumprir o novo regulamento europeu.
Em maio, líderes da indústria cafeeira de toda a África e Europa reuniram-se em Kampala, Uganda, para a Conferência Regional sobre “Prontidão EUDR no setor cafeeiro africano – onde estamos agora e o que resta a fazer?”. O evento, organizado pela GIZ Uganda no âmbito da Iniciativa Equipe Europa (TEI), visa avaliar o progresso da África e preparar as partes interessadas para o pleno cumprimento do EUDR.
Com cerca de 60% de sua produção destinada ao mercado europeu, Uganda enfrenta desafios para se adequar à nova regulamentação. O país tem trabalhado na criação de mapas detalhados de uso da terra e na implementação de sistemas de rastreabilidade via GPS para garantir que sua produção seja livre de desmatamento. Exportadores devem fornecer coordenadas precisas das fazendas e comprovar que não houve desmatamento após 2020, sob risco de multas e destruição de cargas não conformes.
“Todos os países africanos, em geral, estão buscando se preparar para apoiar os clientes europeus nos cumprimentos da regulação EUDR. Uganda não é um membro da OIC, mas tenho recebido informações de que estão bem organizados para atender aos requerimentos também”, comenta Vanúsia Nogueira, diretora-executiva da OIC.
Embora Angola não esteja entre os maiores exportadores de café, o país vê na EUDR uma oportunidade para reposicionar sua produção no mercado europeu. Pequenos produtores estão sendo incentivados a adotar práticas sustentáveis e a investir em certificações ambientais. O governo angolano tem buscado parcerias internacionais para viabilizar a adaptação às novas exigências, promovendo treinamentos e infraestrutura para rastreabilidade.
Já a Etiópia é o maior produtor de café da África, e o cultivo representa cerca de 35% da receita do país. A variedade arábica é originária de lá, e, não por acaso, mais de um terço do café da Etiópia é exportado para a Europa. O país, portanto, também tem se dedicado a pensar soluções para gerar dados sobre as áreas cafeeiras e atender aos requisitos de transparência aos europeus. No entanto, para isso, os produtores estão alegando necessidade de apoio tecnológico para cumprirem o prazo de dezembro de 2025 para grandes produtores e junho de 2026 para pequenos agricultores.
“Claro que os dados são muito importantes para nós, mas o que estamos dizendo é que precisamos de apoio. É muito desafiador e caro, e não temos nenhuma ajuda”, afirmou Dejene Dadi, chefe da União das Cooperativas de Produtores de Café de Oromia – a maior cooperativa de café da da Etiópia, localizada na região oeste do país. Apesar desta relevância, a realidade é que provavelmente não será possível preparar todas as propriedades dentro do prazo sem apoio.
Ainda segundo o jornal The New York Times, até março, tinham sido mapeadas 24 mil propriedades, sendo que o custo de mapear uma propriedade é de cerca de US$ 4,50. Autoridades europeias irão verificar as remessas cruzando os dados atuais de geolocalização com imagens de satélite de referência e mapas de cobertura florestal.
Jodie Keane, economista da ODI Global — uma organização de pesquisa com sede em Londres — afirmou que a União Europeia e as grandes redes de café deveriam fazer mais para apoiar os pequenos agricultores. “Todos queremos evitar o desmatamento, mas se você vai aplicar esse padrão a produtores rurais, terá que fazer um grande trabalho de campo, de conscientização. Terá que investir em ensinar a fazer diferente, para que eles não sejam simplesmente excluídos da cadeia de suprimentos”, disse ao jornal americano.
A perspectiva dos importadores
A União Europeia diz estar comprometida em fornecer todo o apoio necessário aos pequenos produtores, e pediu que cooperativas, empresas e governos também os apoiem. Em um comunicado divulgado em 15 de abril, o bloco informou que, com base no retorno dos países parceiros, alocou 86 milhões de euros para apoiar os esforços de adequação à nova regra.
A Alemanha está aumentando as importações de café após o estabelecimento da lei de produtos livres de desmatamento. Isso porque o próprio país reconhece que pode haver uma defasagem no abastecimento se os países fornecedores de grãos não conseguirem se adequar às exigências da União Europeia a tempo de a EUDR ser implementada. Isto é, a Alemanha precisa garantir os estoques do país, para não correr o risco de ficar impedida de comprar de fornecedores que estejam fora dos novos padrões impostos.
A Itália desempenha um papel crucial como um dos maiores importadores e torrefadores do mundo. Empresas italianas estão pressionando fornecedores a garantirem conformidade com a EUDR, exigindo certificações e auditorias rigorosas. Grandes marcas de café têm investido em cadeias de suprimento mais transparentes e sustentáveis, garantindo que os grãos utilizados em suas misturas atendam aos novos padrões ambientais.
Andrea Illy, presidente da illycaffè, esteve no Brasil em maio e falou com a imprensa sobre as movimentações de importação, a partir da nova lei. “Houve um momento maior de importação da Europa em antecipação à EUDR”, afirmou ele.
Quando questionado se os estoques da companhia sofreram algum tipo de alteração devido à nova legislação, Andrea disse que não há muita visibilidade de onde estão os estoques de grãos pelo mundo, por isso a estratégia de compra da empresa italiana é diferenciada. “Estoques são fenômenos contingentes, historicamente não se tem muita visibilidade, pois é difícil interpretar os volumes globais, eles não são quantificados, não se sabe onde estão. Alguns estoques são deixados no país produtor, outros no importador”, disse.
Exatamente para driblar esta adversidade e garantir a origem do café adquirido, a illycaffè compra diretamente dos agricultores, sem intermediários. “Por isso, nossa estratégia é completamente diferente e não houve mudança ou ampliação de fornecedores devido à EUDR”, esclareceu Andrea Illy.
Com a implementação da EUDR prevista para dezembro de 2025, os países exportadores de café estão em uma corrida para garantir que suas cadeias produtivas sejam sustentáveis e rastreáveis. A adaptação à nova regulamentação não é apenas uma exigência legal, mas também uma oportunidade para fortalecer a imagem do café como um produto ambientalmente responsável no mercado global.
Texto originalmente publicado na edição #88 (junho, julho e agosto de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.