Mercado

Na corrida pela EUDR

Enquanto Brasil investe em tecnologia para adequar-se às exigências europeias, países africanos pedem apoio na geração de dados para cumprir a nova lei

Por Mariana Grilli

A nova regulamentação da União Europeia para produtos livres de desmatamento (EUDR) está dando novas diretrizes ao comércio global de café. Com a exigência de rastreabilidade e conformidade ambiental, países exportadores como Brasil e Etiópia, e importadores como Itália e Alemanha, estão se mobilizando para garantir a comercialização dentro das novas exigências. 

Vanúsia Nogueira, diretora-executiva da Organização Internacional do Café (OIC), esteve viajando por países da América Central e relata com satisfação as evoluções já conseguidas pelos países da região.  “Cabe salientar que a Costa Rica já trabalha há algum tempo com sistemas de mapeamento e rastreabilidade e tem compartilhado suas experiências com os demais países”, conta Vanúsia à Espresso.   

Ao olhar para a América do Sul, a Colômbia já está bastante bem preparada para cumprir os requisitos da EUDR, por também se tratar de um país onde o mapeamento de áreas de café já existia. O mesmo acontece com o Brasil, maior exportador mundial de café, que tem investido fortemente em tecnologia para garantir conformidade com a EUDR. 

Marcos Matos, diretor-geral do Cecafé, apresentou os marcos técnicos à Comissão Europeia, em um evento em Bruxelas, na Bélgica, incluindo a Plataforma de Monitoramento Socioambiental Cafés do Brasil, uma iniciativa colaborativa com a Serasa Experian. Essa ferramenta digital aproveita a análise avançada de dados para mapear mais de 300 mil fazendas de café, rastreando riscos de desmatamento, práticas trabalhistas e transparência da cadeia de suprimentos.

“Dessa maneira, o Cecafé terá condições de apresentar mais elementos relacionados à cafeicultura brasileira e contribuir com dados técnicos nas discussões. Os trabalhos estão acelerados e, até junho, deve ser definida a questão do nível de risco por país. A partir daí, o foco será na implementação do EUDR, no final de dezembro deste ano”, diz Matos.

A Europa consome mais café do que qualquer outro país ou bloco no mundo, e especialistas afirmam que a nova regra é uma ferramenta potencialmente poderosa para promover a agricultura sustentável. Ao mesmo tempo, ela representa o que alguns estão chamando de uma “pressão verde” que impõe grandes encargos a milhões de pequenos agricultores em países em desenvolvimento. 

É o caso de países africanos. Os meios de subsistência de quase 12 milhões de pequenos cafeicultores em toda a África estão ameaçados à medida que o continente corre contra o tempo para cumprir o novo regulamento europeu.

Em maio, líderes da indústria cafeeira de toda a África e Europa reuniram-se em Kampala, Uganda, para a Conferência Regional sobre “Prontidão EUDR no setor cafeeiro africano – onde estamos agora e o que resta a fazer?”. O evento, organizado pela GIZ Uganda no âmbito da Iniciativa Equipe Europa (TEI), visa avaliar o progresso da África e preparar as partes interessadas para o pleno cumprimento do EUDR. 

Com cerca de 60% de sua produção destinada ao mercado europeu, Uganda enfrenta desafios para se adequar à nova regulamentação. O país tem trabalhado na criação de mapas detalhados de uso da terra e na implementação de sistemas de rastreabilidade via GPS para garantir que sua produção seja livre de desmatamento. Exportadores devem fornecer coordenadas precisas das fazendas e comprovar que não houve desmatamento após 2020, sob risco de multas e destruição de cargas não conformes.

“Todos os países africanos, em geral, estão buscando se preparar para apoiar os clientes europeus nos cumprimentos da regulação EUDR. Uganda não é um membro da OIC, mas tenho recebido informações de que estão bem organizados para atender aos requerimentos também”, comenta Vanúsia Nogueira, diretora-executiva da OIC.

Embora Angola não esteja entre os maiores exportadores de café, o país vê na EUDR uma oportunidade para reposicionar sua produção no mercado europeu. Pequenos produtores estão sendo incentivados a adotar práticas sustentáveis e a investir em certificações ambientais. O governo angolano tem buscado parcerias internacionais para viabilizar a adaptação às novas exigências, promovendo treinamentos e infraestrutura para rastreabilidade.

Já a Etiópia é o maior produtor de café da África, e o cultivo representa cerca de 35% da receita do país. A variedade arábica é originária de lá, e, não por acaso, mais de um terço do café da Etiópia é exportado para a Europa. O país, portanto, também tem se dedicado a pensar soluções para gerar dados sobre as áreas cafeeiras e atender aos requisitos de transparência aos europeus. No entanto, para isso, os produtores estão alegando necessidade de apoio tecnológico para cumprirem o prazo de dezembro de 2025 para grandes produtores e junho de 2026 para pequenos agricultores. 

“Claro que os dados são muito importantes para nós, mas o que estamos dizendo é que precisamos de apoio. É muito desafiador e caro, e não temos nenhuma ajuda”, afirmou Dejene Dadi, chefe da União das Cooperativas de Produtores de Café de Oromia – a maior cooperativa de café da da Etiópia, localizada na região oeste do país. Apesar desta relevância, a realidade é que provavelmente não será possível preparar todas as propriedades dentro do prazo sem apoio.

Ainda segundo o jornal The New York Times, até março, tinham sido mapeadas 24 mil propriedades, sendo que o custo de mapear uma propriedade é de cerca de US$ 4,50. Autoridades europeias irão verificar as remessas cruzando os dados atuais de geolocalização com imagens de satélite de referência e mapas de cobertura florestal.

Jodie Keane, economista da ODI Global — uma organização de pesquisa com sede em Londres — afirmou que a União Europeia e as grandes redes de café deveriam fazer mais para apoiar os pequenos agricultores. “Todos queremos evitar o desmatamento, mas se você vai aplicar esse padrão a produtores rurais, terá que fazer um grande trabalho de campo, de conscientização. Terá que investir em ensinar a fazer diferente, para que eles não sejam simplesmente excluídos da cadeia de suprimentos”, disse ao jornal americano. 

A perspectiva dos importadores

A União Europeia diz estar comprometida em fornecer todo o apoio necessário aos pequenos produtores, e pediu que cooperativas, empresas e governos também os apoiem. Em um comunicado divulgado em 15 de abril, o bloco informou que, com base no retorno dos países parceiros, alocou 86 milhões de euros para apoiar os esforços de adequação à nova regra.

A Alemanha está aumentando as importações de café após o estabelecimento da lei de produtos livres de desmatamento. Isso porque o próprio país reconhece que pode haver uma defasagem no abastecimento se os países fornecedores de grãos não conseguirem se adequar às exigências da União Europeia a tempo de a EUDR ser implementada. Isto é, a Alemanha precisa garantir os estoques do país, para não correr o risco de ficar impedida de comprar de fornecedores que estejam fora dos novos padrões impostos. 

A Itália desempenha um papel crucial como um dos maiores importadores e torrefadores do mundo. Empresas italianas estão pressionando fornecedores a garantirem conformidade com a EUDR, exigindo certificações e auditorias rigorosas. Grandes marcas de café têm investido em cadeias de suprimento mais transparentes e sustentáveis, garantindo que os grãos utilizados em suas misturas atendam aos novos padrões ambientais.

Andrea Illy, presidente da illycaffè, esteve no Brasil em maio e falou com a imprensa sobre as movimentações de importação, a partir da nova lei. “Houve um momento maior de importação da Europa em antecipação à EUDR”, afirmou ele.

Quando questionado se os estoques da companhia sofreram algum tipo de alteração devido à nova legislação, Andrea disse que não há muita visibilidade de onde estão os estoques de grãos pelo mundo, por isso a estratégia de compra da empresa italiana é diferenciada. “Estoques são fenômenos contingentes, historicamente não se tem muita visibilidade, pois é difícil interpretar os volumes globais, eles não são quantificados, não se sabe onde estão. Alguns estoques são deixados no país produtor, outros no importador”, disse. 

Exatamente para driblar esta adversidade e garantir a origem do café adquirido, a illycaffè compra diretamente dos agricultores, sem intermediários. “Por isso, nossa estratégia é completamente diferente e não houve mudança ou ampliação de fornecedores devido à EUDR”, esclareceu Andrea Illy. 

Com a implementação da EUDR prevista para dezembro de 2025, os países exportadores de café estão em uma corrida para garantir que suas cadeias produtivas sejam sustentáveis e rastreáveis. A adaptação à nova regulamentação não é apenas uma exigência legal, mas também uma oportunidade para fortalecer a imagem do café como um produto ambientalmente responsável no mercado global.

Texto originalmente publicado na edição #88 (junho, julho e agosto de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Mariana Grilli • FOTO Rica Ramos

Café & Preparos

4ª edição do São Paulo Coffee Festival tem palestras e workshops com especialistas

Entre os dias 27 e 29 de junho de 2025, a Bienal do Ibirapuera recebe a 4ª edição do São Paulo Coffee Festival, evento que reúne apaixonados por café, profissionais do setor e curiosos em busca de novidades do universo cafeeiro. Com ingressos a partir de R$ 35 (meia-entrada), o festival promete uma programação intensa de palestras, workshops e rodas de conversa.

Entre os destaques está o espaço O Laboratório, com temas que exploram tendências e novas experiências no setor. Na sexta-feira, às 15h, o público poderá acompanhar “Rotas do Café de São Paulo: uma conversa sobre um projeto de valorização e turismo”, com representantes das secretarias de Turismo e de Desenvolvimento Econômico do estado. Às 16h, Flávia Pogliani (The Little Coffee Shop) compartilha dicas em “Abrindo sua cafeteria: por onde começar?”. Já às 18h, o debate gira em torno de “A ascensão do solúvel: um novo mercado a ser explorado”, com nomes como Barbara Velo (Nescafé), Juliana Ganan (Tocaya) e Eliana Relvas (Abics). No sábado, vale conferir os bate-papos “Sobre cafés e cogumelos, conheça essa nova onda” (14h), “O que é a nova tendência do mercado ready to drink” (16h) e a palestra “Canéforas de especialidade – um elefante na sala”, sobre a nova roda de sabores dos cafés canéfora desenvolvida por pesquisadores brasileiros e apresentada pelo cientista Lucas Louzada.

No domingo, há temas ainda mais diversos, como a produção de vinhos por cafeicultores apresentada em “Um olho no café, outro no vinho: produções lado a lado”, às 11h, com a cafeicultora Mariana Del Guerra e Matheus Cassimiro, da empresa de mudas Vitácea Brasil, e a importância do cacau brasileiro em “Sustentabilidade e sabor: como o bean to bar valoriza o cacau brasileiro”, às 12h, um bate-papo com os chocolateiros Josiane Luz (Luzz Cacau), Mariana Basaure (Majucau) e Bruno Laseviscius (Associação Bean to Bar Brasil). Confira a programação completa aqui.


O Espaço Senac também movimenta o festival, com encontros que combinam café a outros ingredientes e harmonizações. Entre as atrações estão “Harmonização de café com queijos do Brasil” e “Cerveja, café e cacau: unindo três paixões nacionais”. No domingo, o público poderá conhecer mais sobre “Leites vegetais: explorando sabores e possibilidades” e “Foodpairing: combinando cafés de maneiras inusitadas”, entre outros temas (confira os horários aqui).

Com apoio institucional do governo paulista, o evento também traz as Rotas do Café de São Paulo, projeto turístico lançado em abril e que valoriza regiões produtoras e seus atrativos turísticos, como fazendas, museus e torrefações. O espaço apresentará as cinco rotas de café paulista que reúnem cerca de 60 atrativos turísticos. São elas: Mantiqueira Vulcânica, Circuito das Águas Paulista, Cuesta, Itaqueri e Tietê, Mogiana Paulista e Alta Paulista.

O Sebrae, um dos patrocinadores do festival, participa com uma ativação especial que apresenta cafés de oito regiões — incluindo as paulistas com Indicação Geográfica (IG), como Alta Mogiana, Região de Pinhal, Região de Garça, Vale da Grama e Torrinha, além de origens mineiras.

SPCF 2025
Quando: de 27 a 29 de junho de 2025
Onde: Bienal do Ibirapuera (Parque Ibirapuera, portão 3 — av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, São Paulo, SP)
Quanto: ingressos a partir de R$ 35 (meia-entrada), à venda no site.

Mercado

Baianí e criador da Bruta lançam barra inédita de café de origem no São Paulo Coffee Festival

Barra sólida derrete na boca como chocolate; primeiro lote, que será apreciado no evento, terá entre 100 e 150 unidades

Por Cristiana Couto

Imagine uma barra que derrete na boca como chocolate, mas tem sabor de café. Essa é a proposta da Bruta by Baianí, criada a partir da parceria entre a  chocolateria tree to bar Baianí e Eduardo Rodrigues, criador da máquina de espresso manual Bruta. Composta por café, manteiga de cacau e açúcar, a barra inaugura um novo jeito de saborear o café — em pedaços, no formato sólido e com textura aveludada. O lançamento acontece entre 27 e 29 de junho, durante o São Paulo Coffee Festival, em edição limitada de 150 unidades (a R$ 30 cada).

A barra busca unir a intensidade sensorial do café ao refino do processo de fabricação do chocolate. “Com essa qualidade e esse cuidado, acreditamos ser a primeira barra do mundo com café de origem e manteiga de cacau de origem”, afirma Rodrigues, idealizador do projeto.

O primeiro lote da Bruta by Baianí leva café da fazenda Surubi, na  Mantiqueira de Minas – um blend de arara e mundo novo, variedades cultivadas a 1.050 m, e de processamento natural –, fornecido e torrado pela torrefação paulistana Garagem do Café, e manteiga de cacau da fazenda Santa Rita, no Vale Potumuju, sul da Bahia, do casal Tuta e Juliana Aquino, fundadores da Baianí. “Acho que reunir dois produtores com conceitos alinhados em inovação, sustentabilidade e, principalmente, em alto valor sensorial faz toda a diferença — unimos nosso cacau de origem com os cafés especiais escolhidos pelo Edu”, resume Tuta Aquino.

A inspiração surgiu em 2019, quando Rodrigues viu na internet um barista japonês criando uma barra para levar seu espresso ao público sem o uso de máquina de extração. A ideia de Rodrigues amadureceu e, cerca de um ano atrás, o projeto tomou forma em parceria com Baianí, referência na produção de chocolates de origem.

O processo de produção da barra de café (que pesa 40 g) é similar aos chocolates da Baianí: os três ingredientes são refinados por 36 a 48 horas em uma mélanger –   moinho de pedra usado na produção do chocolate bean to bar que tritura e mistura os ingredientes até que eles atinjam textura ultrafina, com granulometria entre 18 e 24 micras. A massa passa, então, por temperagem, processo que confere a ela brilho e estabilidade. “A barra foi pensada para ter um derretimento gostoso, com aquela sensação de algo que você pode deixar no paladar por mais tempo”, explica Aquino.

Cada lote da Bruta by Baianí trará cafés de diferentes origens. A estrutura da barra, segmentada em pequenos pedaços, foi pensada para fácil fracionamento, já que o sabor é mais intenso do que o do chocolate tradicional.

A venda inicial será exclusiva no e-commerce e na loja física da Baianí (rua Américo Brasiliense, 953, Chácara Santo Antônio), com novo valor a ser definido. Após o festival, há planos de estender a distribuição para parceiros selecionados. 

Café & Preparos

Cafeteria temporária de Twin Peaks fica no Deli Market até 6/7

*Texto atualizado em 23/6/2025

Fãs da cultuada Twin Peaks podem sentir-se um pouco “dentro” da série ao visitar a cafeteria RR Diner, lugar preferido do protagonista da trama, Dale Cooper, que está montada temporariamente na lanchonete Deli Market, em Pinheiros. A atração, chamada The DineRR Experience, é uma ação da Mubi, que exibe a série na plataforma desde 13 de junho em comemoração aos 35 anos de seu lançamento. 

A cafeteria fica até 6 de julho na capital paulista (antes do Brasil, a ação aconteceu na Argentina, por apenas um dia). No Deli Market, os amantes da série podem provar o cardápio do personagem, uma fatia de torta de cereja e uma xícara de café, por R$ 48,50 e, ainda, registrar a visita na cabine de fotos instantânea ali montada e tentar arrematar um brinde na claw machine (como um poster, que a Espresso conseguiu pinçar com as garras do equipamento na sexta, 20, dia da visita) – as brincadeiras estão inclusas no combo café-torta.  

Mas não espere por um café ultra especial – a bebida, filtrada e fornecida pelo Botanikafe, é apenas correta. O espaço também é pequeno, e a fila na porta pode ser grande. Vale fotografar as peças retrô, que decoram com charme o lugar.

Além dos 30 episódios das duas temporadas, que passaram na TV aberta em 1990 e fizeram enorme sucesso, a Mubi também exibe os 18 episódios de Twin Peaks: a Limited Event Series, de 2017, com a presença de vários atores das primeiras temporadas, o filme Twin Peaks: Fire Walk with Me (traduzido como Twin Peaks: os Últimos Dias de Laura Palmer), de 1992 e o filme Twin Peaks:The Missing Pieces (que entrou no ar no domingo, 22/6).

Criada por David Lynch (1946-2025) e Mark Frost, Twin Peaks mistura suspense policial, drama psicológico e elementos surreais ao tratar da investigação do assassinato de Laura Palmer (papel de Sheryl Lee), uma estudante popular da pacata e fictícia cidade norte-americana que dá nome à série pelo agente do FBI Dale Cooper (interpretado por Kyle MacLachlan). À época, recebeu elogios de calibre, como “televisão na fronteira da arte”, do crítico do The New York Times, John O’Connor, e  “a coisa mais original que a televisão americana produziu em anos”, do também crítico Howard Rosenberg, do Los Angeles Times, que chamava a atenção para o tom sombrio, a trilha sonora hipnotizante e os personagens excêntricos. 

The DineRR Experience (no Deli Market)
Onde: R. Cunha Gago, 841, Pinheiros (São Paulo)
Quando: quinta, sexta e sábado, das 1h30 às 16h. Terça, quarta e domingo, das 11h30 à meia-noite
Quanto: R$ 48,50 (fatia de torta de cereja e café + cabine fotográfica e máquina de garras)

TEXTO Redação

Café & Preparos

Campeonato Torrefação do Ano Brasil 2025 abre inscrições até 26/6

Torrefações de todo o país podem se inscrever; primeira fase da prova é feita na própria empresa e a final acontece na Semana Internacional do Café, em novembro

As inscrições para o Campeonato Torrefação do Ano Brasil 2025 estão abertas até quinta (26/6). O evento, organizado pela Atilla Torradores, busca incentivar a criatividade e estimular a consistência de torra, o aprimoramento da análise sensorial e outras habilidades importantes para a área, além de entregar conhecimento ao público e promover a troca de experiências entre os participantes. A inscrição custa R$ 350.

Na primeira fase, as instituições inscritas recebem dois cafés crus (cada torrefação recebe 1,5 kg de cada café), que serão torrados na própria torrefação. Depois, as amostras torradas são enviadas à Atilla, e um corpo de juízes fará cupping para avaliar os exemplares. As 20 mais bem posicionadas seguem na disputa.

A fase final, com torras feitas em torradores Atilla, acontece na SIC (Semana Internacional do Café), entre 5 e 7 de novembro, no Espaço Torra Experience, no Expominas, em Belo Horizonte. No dia 5/11, os finalistas fazem torras de treino e no dia 6/11, desenvolvem as torras oficiais.

No dia 7, depois que os juízes fizerem as avaliações nas modalidades cupping e espresso, acontece a premiação. A campeã ganha uma Atilla Bancada de 2ª Geração. Os cafés especiais dessa edição vêm da Fazenda Santa Cruz, em Paraguaçu (MG), da produtora Josiani Moraes.

Para informações, inscrições e regulamento, clique aqui.

TEXTO Redação • FOTO Agência Ophelia

Barista

São Paulo Coffee Festival divulga chaveamento da 9ª Copa Barista

A 9ª edição da Copa Barista está chegando! Nos dias 27, 28 e 29 de junho, 20 baristas de diferentes partes do Brasil disputam a competição, que acontece novamente no São Paulo Coffee Festival, na Bienal do Ibirapuera.

Assim como nos anos anteriores, alguns competidores são selecionados como “cabeças de chave”, ou seja, iniciam direto nas oitavas de final. A ordem de chaveamento foi definida por meio de sorteio. Confira os dias e horários de cada chave:

Nesta edição, os competidores têm 14 minutos para apresentar aos juízes, nesta ordem, duas unidades de: café filtrado no método Melitta, cappuccino servido na xícara Stanley (fornecida pela organização) e drink alcoólico e gelado com Licor 43 Original. Confira aqui o regulamento da edição.

O grande vencedor da 9ª Copa Barista será conhecido na tarde no domingo (29) e levará para casa o prêmio em dinheiro no valor de R$ 6.500 e um cupom de vale-compras de R$ 550 no site da Café Store.

TEXTO Redação

Mercado

Confira as reportagens e notícias da última edição da revista Espresso

O chá, que vem ganhando espaço no universo das cafeterias do país, é o tema escolhido para a capa desta edição da Espresso. Estabelecimentos em diferentes regiões vêm ampliando seus cardápios, que exploram a diversidade sensorial da bebida e sua versatilidade em drinques. Em sintonia com a busca por bem-estar e com a produção nacional atenta ao movimento, o chá desponta como uma alternativa elegante nos estabelecimentos nacionais.

Também nesta edição, exploramos a emergência no mercado de cafés raros, cujos sabores distintos atraem consumidores e despertam a atenção de especialistas. A reportagem mostra o trabalho de produtores brasileiros e de cientistas de vários países na busca e exploração de perfis sensoriais únicos de variedades outrora esquecidas e de espécies até hoje pouco exploradas, revelando, também, uma aposta em manutenção da biodiversidade do gênero e na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas na cafeicultura.

Conversamos ainda com Eduardo Carvalhaes, do Escritório Carvalhaes, tradicional empresa de corretagem de cafés especiais em Santos, que analisa o papel histórico do Brasil no comércio de café e os desafios do setor diante das novas exigências do mercado global. Rastreabilidade, certificações e tecnologia são, para nosso entrevistado, temas centrais para garantir o protagonismo brasileiro nos próximos anos.

A edição traz também uma análise sobre o cultivo de café fora do cinturão tradicional, como na Austrália e na Califórnia. A reportagem, produzida pela parceira 5th Wave, mostra como as mudanças climáticas e a busca por qualidade têm levado produtores a explorar regiões antes consideradas inadequadas, com destaque para o agroturismo.

Por fim, pesquisadores brasileiros acabam de desenvolver a primeira roda de sabores para o café canéfora, identificando mais de cem descritores sensoriais e abrindo novas possibilidades para a valorização dessa espécie no mercado de cafés especiais.

Boa leitura!

Mercado

Turismo e lucro crescem em regiões cacaueiras com Indicação Geográfica

Frutos no cacaueiro

Por Lívia Andrade

O azul do mar em contraste com o verde da vegetação é a paisagem que salta aos olhos de quem chega de avião em Ilhéus, no Sul da Bahia. A exuberante floresta deve-se à cabruca, cacau plantado sob a sombra da Mata Atlântica, sistema de cultivo responsável por manter a mata em pé.

Esse patrimônio agroflorestal é um dos requisitos que caracteriza a qualidade das amêndoas do Sul da Bahia – região que, depois de obter sua indicação de procedência (IP), tenta, agora, conquistar uma denominação de origem (DO). A valorização do cacau movimenta Linhares, no Espírito Santo, que também faz seu pedido de DO, e Tomé Açu (PA), que tem visto o turismo crescer desde a obtenção de sua IP há cinco anos. 

Ao todo, o Brasil tem quatro origens do cacau chanceladas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), todas elas na modalidade indicação de procedência (IP). Além do Cacau do Sul da Bahia, que se tornou IP em 2018, do Cacau de Linhares, que conquistou o selo em 2012, e de Rondônia (desde 2023), são também amêndoas de procedência as de Tomé Açu, no Pará (desde 2019). 

Um modelo de produção como a cabruca, que acumula 250 anos de saberes de comunidades locais e que predomina em 78% das fazendas cacaueiras (segundo estudo do Instituto Floresta), reflete a valorização do território – algo intrínseco a qualquer pedido de origem. Mas a importância do território é um de uma série de requisitos de qualidade que caracterizam a conquista de uma IG. E o caminho para obter um selo destes envolve um processo longo, que engloba a elaboração de um dossiê com uma extensa documentação e informações sobre o produto, seu local de produção (solo, altitude, clima) e sua qualidade. Primeira origem de cacau reconhecida no Brasil, o Cacau de Linhares entrou com requerimento em 2009, para obter o reconhecimento como IP somente três anos depois. 

“A IP é um selo de origem e de qualidade”, explica Adriana Reis, gerente de Qualidade do Centro de Inovação do Cacau (CIC) e autora do projeto da IG do Cacau do Sul da Bahia. Além de aumentar a reputação do produto e valorizar a cultura local e seu saber fazer, Adriana explica que o selo da IP abre mercado, principalmente para o segmento de cacau especial, e, consequentemente, atrai o turismo.

O selo também reconhece o terroir único do Vale do Rio Doce, em Linhares, uma terra de aluvião alagadiça, que sofre enchentes em determinados períodos do ano, acumulando matérias orgânicas e sedimentos carregados pelo rio. “Isso confere características à nossa amêndoa”, explica Kellen Kiepper de Jesus Scampini, presidente da Associação dos Cacauicultores do Espírito Santo (ACAU), responsável pelo pedido. “Ela é mais rica em manteiga de cacau e resulta num chocolate com um sensorial mais suave”, diz ela. 

É por esta ligação estreita que relaciona território e sabor que Kellen, por meio da ACAU, está começando a reunir documentos para pleitear a denominação de origem. “A IP foi solicitada com o conhecimento que se tinha na época”, lembra. Agora, ela reconhece que, mais do que a tradição na produção de cacau – característica que ajuda a definir uma indicação de procedência –, as amêndoas provenientes dessa terra de aluvião têm características únicas, que não são encontradas em nenhum outro lugar. 

Já no Sul da Bahia, o desafio é pleitear a DO do catongo, uma variedade de cacau com amêndoas brancas originária de uma mutação genética ocorrida na Bahia. “Esta mutação causa albinismo, e estas amêndoas, depois de fermentadas, se tornam caramelo claro, com características sensoriais específicas e um sabor mais suave”, diz Cristiano Sant’Ana, diretor executivo da IG Sul da Bahia, que está pensando em tornar o catongo o tema de seu doutorado, para embasar a solicitação da DO.

“A DO será muito importante para a Bahia”, explica Sant’Ana. “Até onde eu sei, vai ser a primeira DO de cacau do mundo”, declara. Além disso, vai destacar a catongo, variedade única no planeta. “Isso vai gerar uma agregação de valor ainda maior aos lotes desta variedade e, por tabela, melhorar a inserção no mercado de todas as amêndoas do estado”, completa.

Fruto de cacau aberto

Um divisor de águas 

Independentemente da modalidade da IG, o fato é que ela identifica para o mundo o produto e sua região. Champagne, por exemplo, designa o vinho espumante produzido na região homônima na França, assim como o queijo Canastra leva o nome da Serra em que é produzido em Minas Gerais. No caso do Cacau de Linhares, além da notoriedade, a IP tem ajudado os produtores a agregar valor às amêndoas. “Em épocas de preços normais, já registramos mais de 100% de ágio em relação ao cacau commodity”, explica Kellen. 

Para o Sul da Bahia, a conquista de uma IG foi um divisor de águas. “Ela trouxe um grande avanço ao chancelar o que é e o que não é um cacau de qualidade”, frisa Sant’Ana. “Antes do Caderno Técnico da IG do Sul da Bahia, isso não existia”, completa. Outra contribuição, explica Sant’Ana, é a governança do território, que está sob o guarda-chuva de uma federação, que reúne 16 cooperativas e quatro associações, congregando mais de 3,4 mil produtores espalhados por 83 municípios. Graças a uma série de parcerias com universidades e instituições (Sebrae, Ceplac, Instituto Cabruca, Instituto Arapyaú, Centro de Inovação do Cacau, entre outras), a IG lançou um sistema de rastreabilidade do cacau em blockchain, que gerou melhores negócios aos produtores. 

Mais do que agregar valor à amêndoa, a IG certifica e protege o valor cultural de um produto. No caso do cacau, basta pisar no Sul da Bahia para ver referências do fruto em todos os lugares: o cacau enfeita os jardins da prefeitura, dá nome às lojas da cidade, está presente nas decorações, foi enredo de novela e é um ícone vivo da literatura, reconhecido mundialmente nas obras de Jorge Amado.

A mais recente IG do cacau no Brasil foi conquistada por Rondônia em 2023 e envolve todos os 52 municípios do estado. “Além de sua importância econômica, o cacau faz parte do desenvolvimento histórico e cultural do estado, inspirando nomes de municípios como Cacoal, Cacaulândia e Theobroma, este último derivado do nome científico do cacau, uma planta nativa da Amazônia”, explica Marcileide Zirondi, gestora do projeto da IG do Cacau de Rondônia. 

No passado, Rondônia chegou a produzir entre 20 mil e 40 mil toneladas de amêndoas, mas devido à vassoura-de-bruxa (doença endêmica na região amazônica), a produção caiu para 6 mil toneladas, número atual. “Mas o estado tem a meta de ultrapassar 15 mil toneladas por ano”, explica Marcileide, referindo-se ao aumento da produtividade dos atuais 350 kg/ha para 1.000 kg/ha. Segundo ela, esse crescimento será possível através de inovações tecnológicas e capacitação dos 9,6 mil cacauicultores que atualmente cultivam 17.250 hectares”.

O cacau é estratégico para Rondônia. “É uma planta nativa, que contribui para a preservação ambiental, se adaptando aos sistemas agroflorestais e promovendo a conservação de áreas de preservação permanente e reservas legais”, diz a gestora, destacando que as amêndoas do estado possuem características únicas de sabor e consistência, com qualidades físico-químicas diferenciadas, como o teor de manteiga e o ponto de fusão, essenciais para a produção de chocolates com diversos perfis de sabor e textura.

“A IG trouxe visibilidade ao cacau do estado, o que incentivou alguns produtores e chocolateiros a aprimorar a qualidade e a diferenciação de seus produtos”, explica Mercileide. “Embora seja um processo gradual, alguns agricultores de ponta já colhem os frutos, como Deoclides Pires da Silva, que conquistou prêmios nacionais de melhor cacau em 2022 e 2023”, completa. Agora, a Associação dos Cacauicultores e Chocolateiros de Rondônia (Cacauron), com o apoio do Sebrae e outras 12 instituições, está trabalhando no planejamento estratégico da cadeia para os próximos dez anos.

Cacau no sistema cabruca

Alavanca para o turismo 

A IG também é um catalisador do desenvolvimento regional, fomentando o turismo e os novos negócios. No Espírito Santo, a IG de Linhares fez multiplicar o número de fábricas de chocolate artesanal e uma série de outros produtos vinculados ao fruto, como nibs temperado, mel de cacau e aguardente de cacau. Por falar nesta última, ela tem o nome de Cacauhuatl e é produzida pela Velho Carvalho, empresa do marido de Kellen, que fechou uma parceria com a suíça Billy&Bugga para fabricação de chocolate feito com amêndoas de Linhares e Cacauhuatl, que será vendido na Suíça e no Brasil. Todo este movimento fomentou o turismo de experiência em Linhares. “Estamos com quatro fazendas abertas à visitação com hospedagem e refeição, e a ACAU está mobilizando a governança para avançar mais nesta área”, diz a presidente da associação.

No caso de Tomé Açu (PA), cidade colonizada por imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil em 1929, o incentivo para pleitear a IG do cacau foi dado por Masaaki Yamada, professor da Universidade Agrícola de Tokyo, que, em seu doutorado, estudou o sistema agroflorestal de Tomé Açu (Safta), caracterizado pelo consórcio de cacau com outras árvores, como andiroba, e palmeiras, como açaí e dendê. “Em conversa com a diretoria da Camta (Cooperativa Agrícola Mista de Tomé Açu), o pesquisador sugeriu que tentássemos um diferencial, para resguardar e proteger o nosso cacau num mercado tão exigente e competitivo”, diz Silvio Shibata, ex-presidente da Associação Cultural e Fomento Agrícola de Tomé Açu (ACTA), que esteve na coordenação da IG.

De lá para cá, a cidade exportou amêndoas finas com o selo para a Meiji, segunda maior chocolateria do Japão, e passou a receber turistas interessados em conhecer os Saftas, modelo de produção, que ajuda a preservar a floresta na Amazônia. “Hoje, na Rota da Imigração Japonesa – Experiências e Vivências, os visitantes têm a oportunidade de conhecer a história da cooperativa Camta e algumas propriedades com Saftas”, explica Shibata, referindo-se às propriedades como Fazenda Konagano, Casa Suzuki, Agroforestal Sakaguchi, Fazenda Oppata e Fazenda Inada.

O fruto também é um chamariz de visitantes para o Sul da Bahia. “Existe uma influência direta, o cacau atrai os turistas interessados em conhecer mais sobre a história, andar por uma lavoura de cacau e degustar um chocolate”, diz Sant’Ana. Hoje em dia, a região tem várias propriedades abertas ao turismo: Fazenda Irerê, Fazenda Capela Velha, Fazenda Provisão e Chocolate Hotel, entre outras. 

Uma das mais badaladas é a Dengo Origem, fazenda da marca de chocolate Dengo que é sinônimo de qualidade no Brasil. A propriedade fica no caminho de Ilhéus no sentido Itabuna e oferece ao visitante uma imersão no universo cacaueiro – uma experiência do cacau ao chocolate. Num tour guiado, o turista conhece o viveiro de mudas, caminha pela cabruca (onde o cacau é sombreado, também, por árvores frutíferas como jaca e banana, que servem de insumo para as barras de chocolate), “quebra um cacau” e experimenta a polpa que envolve a semente.

Além disso, tem a oportunidade de provar o mel do cacau, conhecer o processo de fermentação e secagem das amêndoas e experimentar chocolates de várias intensidades de sabor. Apesar de bons exemplos, o setor de turismo no Sul da Bahia tem um caminho a trilhar. “Ainda não é como o Vale dos Vinhedos, que tem toda aquela organização entre o setor de turismo e serviços”, finaliza Sant’Ana.

O que é Indicação Geográfica (IG)? 

É uma ferramenta de valorização e um meio de proteger uma região reconhecida por ter tradição na produção de um certo produto, que se destaca por sua qualidade diferenciada e tipicidade.

As modalidades de IGs

1) Indicação de Procedência (IP) valoriza o “saber fazer” e a notoriedade pública de uma região na produção de um determinado produto. Este selo protege a relação entre o produto e sua reputação, em razão da sua origem geográfica.

2) Denominação de Origem (DO) reconhece uma região pela tradição e qualidade na elaboração de um determinado produto e chancela que o produto oriundo daquela localidade tem características singulares, não encontradas em outros lugares.

Por dentro das IGs do cacau

Sul da Bahia
Região: 83 municípios (como Ilhéus, Camamú, Canavieiras e Itabuna)
Variedades: todas
Sistema de produção: no mínimo 50% de cacau cabruca
Padrão: mínimo de 65% de amêndoas totalmente fermentadas, livre de impurezas

Cacau de Linhares
Região: uma determinada área no interior do município de Linhares
Variedades: todas
Sistema de produção: Cabruca, Sistema Agroflorestal (SAF), Pleno Sol
Padrão: amêndoas premium, amêndoas especiais

Cacau de Tomé Açu
Região: município de Tomé Açu
Variedades: todas
Sistema de Produção: Sistema Agroflorestal de Tomé Açu (SAFTA)
Padrão: Amêndoas tipo 1, 2 e 3

Cacau de Rondônia
Região: todos os 52 municípios do estado
Variedades: todas
Sistema de Produção:  SAFs
Qualidade: mínimo de 65% de amêndoas totalmente fermentadas, livre de impurezas

Texto originalmente publicado na edição #86 (dezembro, janeiro e fevereiro de 2025) da revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Lívia Andrade

O café e o carioca

Por Cristiana Couto

Em 1808, a chegada da família real e da corte portuguesa ao Brasil transforma profundamente a vida de seus habitantes, especialmente a dos que vivem na cidade do Rio de Janeiro. O impacto do comércio global foi visível com a abertura dos portos, no mesmo ano, que estreitou o contato entre o Brasil e a Europa, facilitando o intercâmbio de mercadorias, como o café.

O café começa a ganhar importância como item de exportação e a consolidar-se como um produto essencial para a economia do país, especialmente a partir de 1820. 

Muitos viajantes europeus que chegaram ao Brasil nesta época documentam suas impressões sobre a bebida. Alguns deles mencionam o papel crescente do café na economia brasileira, especialmente à medida que a cultura cafeeira se expande nos anos subsequentes. Mas os visitantes estrangeiros destacam, também, o papel que o grão tem no desenvolvimento cultural e social do país.

Já bastante consumido em toda a Europa e nos Estados Unidos, o café começa a ser produzido em larga escala no Brasil, e os estrangeiros passam a descrever as imensas plantações e os primeiros impactos desse ciclo na urbanização e modernização das regiões produtoras. 

Entre esses visitantes havia comerciantes, artistas, diplomatas, escritores e naturalistas. Estes últimos vinham de vários países com o objetivo de desvendar cientificamente não só a natureza brasileira, mas também os homens que habitavam o país. 

Por volta de 1812, informa a historiadora brasileira Ana Maria Martins em seu livro História do Café, o inglês John Mawe registra a presença da planta na região da Mantiqueira. Outro depoimento sobre o cafezal e seu impacto na paisagem brasileira é dado pelo naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, em seu trajeto entre o Rio de Janeiro e São Paulo, em 1819. “Quanto mais me aproximo da capitania do Rio de Janeiro, mais consideráveis se tornam as plantações”, nota. “Há apenas uns vinte anos que se começou por aqui a cultivar o café que hoje faz a riqueza da zona.” 

De fato, no final do século XVIII, os cafezais eram poucos, plantados em chácaras e quintais. Por isso, seus grãos eram oferecidos como produto raro, um verdadeiro luxo para as mesas mais refinadas – e com todo o imaginário que se criava em torno de um item vindo de um lugar tão distante e exótico como o Oriente. 

Afinal, após a chegada da família real portuguesa, o Rio de Janeiro absorveu, ainda mais, os reflexos da “civilização e cultura da velha e educada Europa”, como vários estrangeiros se referem ao “velho continente” em contraste com os “trópicos”. Para se ter uma ideia, segundo o historiador Luiz Felipe de Alencastro (no primeiro capítulo do segundo volume da coleção História da Vida Privada no Brasil), a chegada da corte trouxe consigo, nos anos seguintes, mais de 15 mil pessoas – em 1821, o Rio de Janeiro conta com 79 mil habitantes, contra 43 mil em 1799. 

Maria Graham, escritora britânica que esteve no Brasil entre 1821 e 1823, faz diversas observações sobre a cultura, a sociedade e o comércio do país – e a influência europeia, assim como seu valor superior em relação aos países do “novo mundo”, é bastante clara. Em seu livro Journal of a Voyage to Brazil (Diário de uma Viagem ao Brasil) ela traz um retrato amplo de suas experiências e percepções da vida urbana no Rio de Janeiro e de suas interações com figuras importantes da época. E o café não ficaria de fora. 

Uma visita à ópera, na parte “alta” da cidade e cuja vista era a “mais magnífica imaginável”, Maria Graham relata como “as senhoras e os cavalheiros portugueses, decididos a esquecer o palco por completo” – segundo ela, os atores eram “ruins” e a orquestra, “tolerável” –, ficavam “rindo, comendo doces e bebendo café, como se estivessem em casa”. 

No começo do século XIX, são comuns as descrições do consumo de café pela elite carioca após o jantar, depois do serviço de um vinho do Porto ou da Madeira. “Terminado o seu jantar, tem por hábito as nossas classes abastadas tomarem café”, escreve o artista francês Jean-Baptiste Debret em sua obra Voyage Pittoresque et Historique au Brésil (Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil). 

Debret é um dos que mais detalha a vida cotidiana da cidade do Rio de Janeiro – talvez por ter permanecido por muito tempo na capital, entre 1816 e 1830, quando veio ao país como integrante da missão artística francesa para estabelecer a Academia de Belas Artes no Rio de Janeiro.

Diz ele sobre a presença dos estrangeiros e as mudanças de hábitos na cidade: “O grande número de estrangeiros, duplicando a população do Rio de Janeiro, aumenta consideravelmente o consumo atual do leite, o qual, em combinação principalmente com o café e o chá, é de uso generalizado […]”.

Em História do Café no Brasil e no Mundo, o estudioso José Teixeira de Oliveira informa que, em 1792, a cidade já contabiliza 32 casas de café, embora reclame não haver nenhum registro de como seriam esses estabelecimentos. “É desoladora a falta de informações sobre a vida urbana no Brasil colônia […]. Ninguém fixou para a posteridade a imagem daqueles cafés”, avalia.

Debret relata a existência dos cafés no que era, então, o largo do palácio. Lugares de encontro “de todos os estrangeiros”, dois deles eram cafés franceses.

A influência dos europeus nas primeiras décadas do século XIX estimula, ainda mais, a elite carioca a seguir os modos de vida do velho continente. Por outro lado, a escalada do aumento na produção do café faz com que a bebida se torne cada vez mais popular na cidade. 

Com efeito, relata Debret, “todos os dias, inúmeras vendedoras de café torrado circulam nas ruas da capital”. Essas vendedoras de ganho, como as mulheres escravizadas ou libertas eram chamadas, não deixavam, porém, de diferenciar o produto para a venda. “As que pertencem a senhores opulentos ou cuidadosos vendem o café em pó dentro de pequenas latas com tampa”, relata o francês. Já as “mais modestas contentam-se em transportar o café em vasilhas de porcelana ou barro e medi-lo com uma colher de pau ou de estanho” (o moinho, ainda pouco utilizado na capital, era substituído por um grande pilão de madeira).

A relação da bebida com a sensação de alerta que ela gerava parece não ter passado despercebida pelos proprietários rurais brasileiros. No interior, relata Debret, os cafeicultores acrescentam, nos almoços “de seus trabalhadores negros, uma infusão de café sem açúcar”.

De maneiras e propósitos diferentes, a bebida atravessou toda a população carioca a partir das primeiras décadas do século, avançando cada vez mais pelo país conforme as plantações se espraiam pelo território e as condições de transporte melhoram. Os relatos de viajantes europeus sobre o café são uma documentação rica para essa época e revelam, portanto, a conexão cultural que se desenvolveu em torno dele no Brasil. 

Coluna originalmente publicada na edição #86 (dezembro, janeiro e fevereiro de 2025) da revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto • FOTO Eduardo Nunes

Café & Preparos

Q-Graders podem atualizar certificação com protocolo CVA até dezembro

Curso CVA for Cuppers tem dois dias de duração e investimento de R$ 2.500

Em maio, a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) oficializou uma parceria com a Specialty Coffee Association (SCA) e assumiu a operação do programa educacional da entidade no país. O acordo inclui a implementação do Coffee Value Assessment (CVA) como protocolo nacional para avaliação de cafés especiais – Colômbia e Indonésia também passaram a integrar, formalmente, o novo padrão internacional. O CVA, como já anunciado, substitui o antigo protocolo SCA, lançado em 2004.

Na prática, isso significa que todos os cursos da SCA — voltados a produtores, provadores (cuppers), torrefadores, gestores de qualidade e consumidores — passam a ser oferecidos e certificados pela BSCA em território nacional. “Para além do CVA, a parceira SCA e BSCA se propõe a ampliar o acesso aos programas de treinamento e educação para a comunidade brasileira”, explicou Vinícius Estrela, diretor-executivo da BSCA. A associação também está responsável pela tradução completa dos materiais e provas para o português, promovendo acesso amplo ao conteúdo.

Em encontro com jornalistas na semana passada, Carmem Lúcia Chaves de Brito, presidente da BSCA, afirmou que o CVA reconhece a singularidade dos cafés brasileiros. “Se avaliarmos nossos cafés única e exclusivamente com uma nota, estaremos diminuindo o que o Brasil tem para entregar ao mundo”, disse.

“Queremos mais pessoas nos países produtores que saibam o valor do café”, defende Yannis Apostolopoulos, CEO da SCA, durante o mesmo encontro. “E queremos tornar o conhecimento mais acessível para todos”, completa. 

Segundo Apostolopoulos, a ideia de a BSCA assumir os cursos da SCA é formar uma comunidade de conhecedores de cafés especiais, com destaque, especialmente, para instrutores locais e consumidores. “Esperamos ter mais instrutores locais, e não trazê-los dos Estados Unidos”, diz ele. “Vamos deixar disponível no mercado brasileiro um treinamento de nível internacional que conecta as duas pontas, produzindo assim uma grande revolução no consumo de café especial”, completa Carmem Lúcia. 

Até 31 de dezembro deste ano, profissionais já certificados como Q-Graders podem atualizar sua certificação para o novo protocolo fazendo o curso CVA for Cuppers, com dois dias de duração e investimento de R$ 2.500. A formação já começou a ser feita em Curitiba e Campinas, e inclui capitais como Varginha, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro. De acordo com Estrela, mais de 60 turmas já estão previstas.“A BSCA tem organizado com escolas parceiras e instrutores habilitados cerca de 60 turmas para o CVA for Cuppers, para que a comunidade brasileira possa se atualizar e obter o fast track, com prazo até dezembro, para se tornarem Q Evolved”, disse Estrela. 

O Q Evolved é o novo curso para Q-Graders, baseado integralmente no CVA, com seis dias de duração e ainda em desenvolvimento, que será lançado mundialmente em 1o de outubro de 2025. A expectativa da BSCA é ambiciosa: formar mais de 2 mil novos profissionais ou consumidores qualificados até o final de 2026. 

Um protocolo para o valor do café

O Coffee Value Assessment é uma metodologia desenvolvida pela SCA que propõe uma avaliação mais completa do café, indo além da análise sensorial tradicional ao considerar dimensões descritivas, afetivas, físicas e extrínsecas.

Para democratizar o acesso, a SCA implantou recentemente uma política global de precificação com base na renda de cada país, medida por PIB e paridade de poder de compra (PPP). O Brasil foi enquadrado no grupo intermediário, com valores ajustados à realidade nacional. “A partir da nova política de preços da SCA e da parceria com a BSCA, os brasileiros receberão um desconto de quase 50% no valor devido à SCA”, afirma Estrela. Para mais informações ou inscrições, basta entrar em contato com a BSCA pelo email cursos@bsca.com.br.

Fomento ao consumo 

Para a BSCA, a iniciativa vai além da qualificação técnica. É também uma estratégia de fortalecimento do consumo interno e da imagem do café brasileiro no mundo. Segundo os cálculos da associação, o Brasil consome hoje 1,5 milhão das mais de 10 milhões de sacas de cafés especiais produzidas. “É fundamental que tenhamos um diálogo comum com o mercado global, para que o mundo entenda o que o Brasil tem a oferecer”, defende Carmem Lúcia.

Além disso, a entidade observa um interesse crescente dos brasileiros por cafés especiais — evidenciado pelo aumento de baristas em campeonatos, a ascensão de novas marcas e cafeterias, a expansão das certificações e o fortalecimento de políticas públicas ligadas ao turismo de cafés.

“Esse novo sistema de avaliação traz um respeito maior ao consumidor e também ao setor de produção”, conclui a presidente da BSCA. 

TEXTO Redação
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