Cafezal •
Passando o bastão: histórias sobre sucessão familiar na cafeicultura
Reportagem traz histórias que ilustram a necessidade de pensar o processo sucessório da propriedade rural
*Na data de postagem (1/12), essa matéria estava entre as finalistas do 4º Prêmio de Jornalismo Cafés do Brasil do Conselho Nacional do Café (CNC)
Por Lívia Andrade
A sucessão familiar no agronegócio é um tema sensível – e na cafeicultura não é diferente. Nem sempre os filhos crescem acompanhando os pais na lida no campo, especialmente quando se mudam para estudar na cidade. Não por acaso, programas dedicados à sucessão no campo vêm ganhando força em diferentes estados brasileiros. Um exemplo é Herdeiros do Campo, que nasceu no Senar Paraná e hoje também é aplicado no Espírito Santo. Em São Paulo, o Senar desenvolve o Sucessão Familiar Rural e, em Minas Gerais, a Emater lançou este ano o Futuro no Campo, para capacitar jovens e fortalecer a permanência no meio rural.
Para retratar os caminhos – planejados ou não – dessa transição entre gerações, a Espresso ouviu cinco famílias que passaram (ou estão passando) pelo processo de sucessão na cafeicultura.
Há aquelas cujos pais optam, em vida, por repartir a propriedade entre os filhos. Há quem escolha estruturar os bens em holding e organizar as regras de governança a serem seguidas. E há quem só se veja diante da sucessão após a morte dos pais. As histórias a seguir ilustram diferentes formas de lidar com a transição, que é inevitável.
Família Lacerda
O vascaíno Onofre de Lacerda, 78 anos, começou a vida como meeiro, plantando milho, cebola, batata, feijão e criando algumas vacas. Depois de 12 anos, comprou o primeiro pedaço de terra no Caparaó, serra que liga o Espírito Santo a Minas Gerais e abriga o Pico da Bandeira. Assim, ele e a esposa, Maria, criaram oito filhos (cinco mulheres e três homens), que desde cedo ajudavam os pais na lavoura.

Onofre Lacerda (com a camisa do Vasco) e a família, que atualmente está envolvida com o universo cafeeiro
Em 1979, o patriarca deu início ao cultivo de café. “Naquela época, tinha pouco cafezal por aqui, a produtividade era baixa, 12 sacas por hectare”, conta Júlio Barros, extensionista rural da Emater-MG. Mas a instituição mineira iniciou um trabalho voltado ao aumento de produtividade na região. Superada essa etapa, o foco passou a ser a qualidade dos grãos e a organização de concursos.
A virada veio em 2010, quando os Lacerda venceram o 1º concurso da região. De lá para cá, não pararam mais. “Temos mais de 200 prêmios, entre municipais, regionais, estaduais, da Abic e também o Coffee of the Year”, diz Amanda Lacerda, tecnóloga em cafeicultura e neta de Onofre.
Hoje em dia, sete filhos e três netos trabalham com café especial. Mas nem sempre foi assim. “Em 2000, a família estava quase 100% voltada ao café e veio a baixa dos preços. Nos anos seguintes, fizemos visitas com o Sebrae às Montanhas do Espírito Santo para ver como o pessoal estava driblando a crise”, lembra José Alexandre Lacerda, um dos filhos. “O pai sempre foi uma pessoa antenada e acreditou que daria certo produzir o café especial. Hoje colhemos os resultados”. Além disso, Onofre Lacerda seguiu à risca as orientações da Emater-MG – uma parceria que, segundo a família, o fez sentir-se valorizado como produtor rural.
No início, os filhos não acreditaram. “No primeiro concurso regional da Emater, o pai mandou três amostras e nos convidou para a festa de premiação, mas era período de colheita e não fomos. Achávamos difícil ganhar, eram 400 amostras de mais de 20 municípios”, lembra Zé Alexandre.
À tarde, Onofre e Maria chegaram com a notícia de que tinham ganhado os dois primeiros lugares na categoria descascado e o primeiro na categoria natural. “Então, nosso café é bom!”, comemorou o filho, quando foi advertido. “Pode ter sido acidente, temos que trabalhar para repetir o resultado”, disse Onofre.
A guinada da família aconteceu em 2012, com a conquista do 1º lugar no Concurso de Qualidade de Café de Minas Gerais. “Estávamos ganhando concursos desde 2010, mas não tínhamos vendido café com valor agregado. Naquele ano, o café custava R$ 380 a saca e vendemos nove sacas a R$ 1 mil e uma saca a R$ 2,5 mil”, conta Zé Alexandre. O mesmo lote foi vencedor do 9o Concurso da Abic, vendido a R$ 3 mil a saca.
Mesmo em meio às conquistas da família, Onofre mantinha os herdeiros com os pés no chão. “Quem está no topo tende a cair. Temos que trabalhar para não ficar para trás”, repetia o patriarca, que comandou os cafezais até 2020. Naquele ano, decidiu formalizar a sucessão: repartiu os 49 hectares entre os filhos, com tudo registrado em cartório, como manda a lei.
Hoje, cada herdeiro cuida de seu próprio pedaço, mas todos se ajudam na colheita – e os netos de Onofre refinam o trabalho na ponta final. João Vitor, filho de Zé Alexandre, tornou-se Q-Grader e avalia os microlotes da família. Ele e as primas criaram uma marca de café e participam de eventos como o São Paulo Coffee Festival, vendendo diretamente ao consumidor. A família também mantém duas cafeterias no Caparaó e, com apoio do Sebrae, passou a oferecer turismo de experiência, recebendo visitantes para vivenciar a colheita. Onofre continua por perto, espalhando sabedoria – e o amor pelo café e pelo Vasco da Gama. Segundo a esposa, ele só tira a camisa do time para dormir.
Família Ramos
Do plantão ao plantio. Este é o lema da enfermeira e, agora, produtora rural Érika Fernanda Ramos, 46 anos. Em 2022, a primogênita de José Francisco, o Ica, e Neiva Noemi viu sua vida virar de ponta-cabeça. Com especialização em UTI, nefrologia, auditoria e gestão, Érika vivia uma nova fase profissional como gerente de nutrição clínica da empresa do irmão, no Pará.
Como de costume, foi passar as férias na casa dos pais, no Sítio Três Barras, em Campos Gerais (MG). Lá, percebeu que a pressão de Ica – hipertenso até então controlado – estava alta. Adiou a volta para casa e levou o pai ao cardiologista, que o encaminhou imediatamente para exames. Mas, sem um diagnóstico definido, Ica começou a perder peso, sentir dores e entrou em depressão. Érika insistia com os médicos, que respondiam: “Já fizemos todos os exames de rastreamento. Não há tratamento. Vamos encaminhá-lo para cuidados paliativos, para controle da dor”. Em 90 dias, Ica faleceu, ao lado da esposa e da filha primogênita. Seus outros filhos, Everaldo e Marcela, que moravam no Pará, não chegaram a tempo de se despedir.
Após o sepultamento do pai, Érika voltou para a roça e, ao lado da mãe, parou diante do terreiro. O café, com a chuva, tinha mofado. “Não sabia o que fazer, se lavava, se colocava no secador, se espalhava assim mesmo”, lembra ela, que aos seis anos partiu para a cidade estudar e morar com a avó. “Terminamos a safra de 2022 aos trancos e barrancos”.
A enfermeira permaneceu em Campos Gerais, apagando um incêndio atrás do outro. O funcionário do pai pediu demissão. A mãe, ainda em choque, tentava reunir forças para assumir as finanças da família – tarefa difícil, já que o marido era um homem à moda antiga: não usava planilhas, guardava na cabeça todos os custos, gastos e lucros. Por dentro, Érika estava desesperada, mas se manteve firme para transmitir segurança à matriarca. Foi então que estacionou o carro do pai na Cooxupé, cooperativa da qual ele era associado. “Cheguei dirigindo o carro dele e o pessoal veio me abraçar e dizer: ‘Érika, a cooperativa é uma família. Sinta-se em casa, estamos aqui para ajudá-la’”.
O acolhimento ajudou-a a se reerguer. Dois meses depois da morte do pai, contratou um agrônomo. “Abri o jogo com ele: vamos começar do zero, nosso único histórico são os dados da cooperativa e o conhecimento da minha mãe”, relembra. “Percorremos os cafezais para contar os pés, ver a situação da lavoura”.
Com os bens ainda bloqueados, a família entregou o café à cooperativa e fez compras em nome da mãe, também cooperada. Inventário acertado, a família abriu a Agroramos, uma empresa com as cotas de Érika e de Everaldo. “Minha irmã arrendou a parte dela e me tornei a gestora”, diz Érika.
Não foi fácil. A enfermeira enfrentou julgamentos, mas se agarrou ao apoio de quem lhe estendeu a mão. Aos poucos, foi se inteirando da situação da propriedade e organizando tudo em planilhas, para facilitar a gestão. O empenho logo chamou a atenção na Cooxupé: “Lá vem a filha do Ica. Ela é igual a ele – pergunta tudo, faz contas, é o Ica estudado”, diziam os funcionários, em tom de carinho e admiração.
Seu comprometimento rendeu-lhe um convite para representar a unidade de Campos Gerais no Encontro de Mulheres Cooperativistas, realizado em Florianópolis em 2024. Lá, ouviu uma frase que a marcou: “Herdeiro recebe a herança e faz o que quiser com ela. Sucessor arregaça as mangas e dá continuidade ao legado.” Foi o empurrão que faltava. Desde então, Érika se dedica a honrar a tradição da família, já na quarta geração de produtores rurais.
Aos 134 mil pés de café do sítio de 39 hectares, somou mais 60 mil pés. A expectativa era colher 450 sacas este ano, mas a seca derrubou a produção para 200 sacas. “Ano que vem temos a possibilidade de chegar a 1,8 mil sacas”, anima-se. “Embora não fosse minha vocação, me entreguei de boa vontade para aprender e honrar os calos que meus pais criaram nas mãos para me educar”, finaliza.
Família Croce
Inspirar e empoderar é o propósito da Fazenda Ambiental Fortaleza (FAF). A empresa familiar, que cultiva café em sistema agroflorestal, orgânico e regenerativo, criou a FAF Coffees – seu braço de exportação – com uma rede de 450 produtores parceiros, colaboradores e clientes que acreditam ser possível transformar o mundo por meio do café. A história começou em 2001, quando Silvia Barreto herdou a propriedade em Mococa (SP). Na época, ela, o marido, Marcos Croce, e os filhos Daniel, Felipe e Rita viviam nos Estados Unidos.
Adepta da alimentação orgânica desde os anos 1980, Silvia converteu a fazenda para o sistema, priorizando a saúde do solo e a produção de alimentos saudáveis, mesmo com a queda inicial na produtividade. Em 2004, Marcos Croce, que trabalhava com comércio exterior, viu potencial para cafés orgânicos no mercado norte-americano e começou a vender para torrefações de cafés especiais, com a ajuda de Felipe na conquista de clientes. O movimento chamou atenção dos vizinhos, que pediram a Marcos para exportar seus cafés.
Enquanto isso, os herdeiros estudavam nos EUA. Felipe cursava empreendedorismo com um professor que tinha uma torrefação de cafés especiais. Empolgado, contou que a família cultivava café, mas ouviu: “Brasil não me interessa, é café barato, usado para saborização”. O choque, no entanto, lhe rendeu um trabalho na torrefação, onde provava café toda semana.
Com a crise financeira de 2007/2008 e o aumento dos custos no Brasil, o negócio da família enfrentava dificuldades. “A fazenda entrou na minha vida de forma caótica. Tranquei a faculdade e fui morar lá em 2009 para ajudar”, conta Felipe. “Meus pais eram do meio ambiente, do orgânico, mas o café bebia inconsistente”.
Nos primeiros anos na fazenda, Felipe focou em qualidade, seguindo a tendência que via nos EUA: pessoas comprando alimentos no mercado e café em torrefações especiais. Enquanto isso, Marcos levava clientes da Suécia, Noruega e EUA para conhecer a FAF. “Meu pai tem a incrível capacidade de unir pessoas e vender um sonho”, diz Felipe.
Jovem, ele achava difícil viver no interior. Mudou-se para São Paulo e passou a dividir o ano entre Brasil e exterior. Formou-se em Portugal, trabalhou na Noruega, Suécia e Austrália, sempre buscando abrir mercado para o café. “O Brasil era esnobado pelos geeks, e os tradicionais impunham um limite de preço”, lembra. A solução foi buscar novos entrantes no setor, sem dogmas. “90% dos nossos clientes começaram em 2010. Crescemos juntos, vendendo sustentabilidade na vertical da qualidade e na horizontal do manejo.”
A FAF, que começou exportando café de alguns vizinhos, hoje comercializa a produção de 450 famílias em diferentes estágios de sustentabilidade. Conta com agrônomos convencionais e regenerativos. “O caminho do meio sempre é melhor”, diz Felipe. Eles atuam nas comunidades, implantando unidades de referência como modelo para outros produtores.
Ao longo do percurso, porém, Felipe, único filho com vocação para produtor, pensou em desistir muitas vezes. Ficou até 2013, quando a mãe assumiu o comando. Só retornou em 2018, quando, para evitar desgastes, a fazenda foi dividida em setores. “Hoje, arrendo a parte da fazenda que produz café e tenho minha equipe e maquinários”, diz.
Silvia toca outras produções, como leite, mel, banana e outras frutas que, processados, são oferecidos na hospedaria da fazenda. “Minha mãe quer proporcionar para as pessoas um pouco de sua vivência de infância, saudável, cercada de natureza”, explica.
Nos últimos anos, os Croce iniciaram o processo de sucessão. Felipe passou a cuidar das finanças, das parcerias com produtores e dos contratos. “Estou refinando os processos para ter uma estrutura mais organizada”, diz. Sócio do pai na FAF Coffees, valoriza a presença ativa do patriarca. “Talvez mais do que ele gostaria, mas enfrentamos geadas, secas… e meu pai é ótimo em transmitir essência para as pessoas.”
Com o tempo, Felipe passou a admirar ainda mais os pais. “Filhos querem inovar, pais têm o pé no chão. O equilíbrio está no meio”, diz. “Trabalhar com a família é difícil, a comunicação pode ser complicada, mas é um luxo ter ao lado pessoas em quem se pode confiar.”
Família Germano
Neto de italianos, filho de mineiro e paulista, Antônio Germano da Silva, 58, nasceu no Paraná vendo a família formar cafezais. Em 1984, migraram para o Acre e tentaram plantar café, sem sucesso. Silva montou uma empresa e trabalhou anos na cidade, até ver o casamento e a família ruírem. Lembrou então do conselho do pai sobre a importância de se trabalhar em família.
Casou-se de novo e, em 2009, voltou à propriedade rural em Brasiléia (AC). Tirou o capim, reflorestou 30 hectares, plantou 2 mil castanheiras, árvores medicinais e café conilon, que não se adaptou bem. A retomada da família com o café veio em 2022, ao ver uma propaganda sobre o robusta amazônico e decidir apostar.

Para Antônio Germano, trabalhar junto com os familiares e em harmonia com a natureza é o segredo para uma vida próspera
Hoje, ele, a esposa, Elizângela, e os seis filhos cultivam 20 hectares de café em sistema agroflorestal, consorciado com plantas medicinais como mariri e chacrona – ambas a base do chá ayahuasca, que a família doa a comunidades terapêuticas por seu valor espiritual e medicinal. “Não podemos vender mistérios da natureza”, diz Silva, fundador da Sociedade União do Vegetal Núcleo Cristo Rei, de inspiração cristã e foco em autoconhecimento e educação ambiental.
Nos últimos três anos, passaram a plantar clones de robusta amazônico e hoje somam 60 mil pés. “Este ano, colhemos 25 mil plantas e estimamos 350 sacas beneficiadas”, diz. Os filhos atuam em todas as etapas da produção. “É uma família unida, comprometida e cheia de potencial”, afirma Michelma Neves de Lima, da Seagri (Secretaria de Estado da Agricultura).
Atualmente, todos os filhos moram e trabalham na propriedade, até os casados, com casa e pedaço de terra próprios. Cada um cuida de uma área, mas todos se ajudam no manejo e contratam reforço quando preciso – todo o processo é manual e a secagem, feita no terreiro.
Em 2024, a família entrou no universo dos cafés especiais, participando de cursos da Emater e capacitações da Seagri com a Embrapa. Desde então, conta Michelma, têm se destacado em concursos como o QualiCafé e o Florada Premiada da 3corações.
Para o patriarca, o segredo é ensinar o valor do esforço. “Se o filho recebe o bem sem aprender a dar valor, o ditado ‘pai nobre, filho rico e neto pobre’ vira realidade”, diz. No sistema da família Silva, todos dividem os ganhos e ainda fazem renda extra produzindo clones de café para outros produtores.
Silva também plantou 2 mil castanheiras, uma espécie de poupança para o futuro. “Quando começarem a produzir, meu filho mais novo ainda terá 20 anos. É uma segurança, porque o clima está mudando”, diz, lembrando que a lata é vendida a cerca de R$ 250 e algumas árvores chegam a render 15 latas. Assim, trabalhando com os filhos na agricultura familiar, ele vive o presente enquanto planta as sementes do amanhã.
Família Baracat Sanchez
Evandro Sanchez, filho de usineiro de Catanduva (SP), depois de suceder o pai nos negócios de açúcar e etanol, expandiu seus ganhos com o café na Fazenda Dois Irmãos, no Cerrado Mineiro, hoje com 300 hectares. Desde cedo, incutiu nos cinco filhos o gosto pela terra. Maria Gabriela Baracat Sanchez, a terceira filha, herdou esse apreço. “Nas férias, ele nos levava para andar pelas fazendas”, conta. Não à toa, cursou agronomia em Viçosa e, durante uma greve na universidade, levou as amigas para trabalhar no café.

Gabriela herdou do pai, Evandro, a paixão pelos cafezais e hoje é a gestora da Fazenda Dois Irmãos, no Cerrado Mineiro
Percebendo seu entusiasmo, o pai ensinou-lhe como funcionava a fazenda tão logo ela se formou. “A gente sai da faculdade com muita teoria e pouca prática”, destaca. Em 2001, apresentou-a aos fornecedores como gestora da Dois Irmãos. Desde então, fez pós-graduação em matemática aplicada, mestrado em produção vegetal e aperfeiçoou-se na gestão da propriedade. “Hoje, a fazenda é uma empresa”, orgulha-se Gabriela, que também se tornou Q-Grader, ensinou seus funcionários a provarem cafés e direcionou o negócio para a produção de especiais. “O comprador pode vir aqui todos os anos que vai comprar um café tão bom ou melhor do que o anterior, porque temos controle, processos”, explica.
Há cinco anos, Evandro começou o processo sucessório. Chamou advogado, solicitou levantamento patrimonial e reuniu os herdeiros. “Dessas reuniões só participavam os filhos. Meu pai nunca permitiu a interferência dos cônjuges”, detalha ela.
Após muitas conversas, os irmãos organizaram os bens em holdings, das quais são sócios-herdeiros. “A ideia é que, no evento sucessório, a produção continue com a holding, não mais em nome de pessoas físicas”, explica o advogado Fernando Castellani, especialista em sucessão. “O dono da fazenda original pode manter 100% das cotas em vida e transferi-las depois, ou ainda repassá-las antes de morrer.”
Segundo Castellani, a estrutura de holding patrimonial ou de empresas operacionais ajuda a disciplinar o processo sucessório, trazendo tranquilidade, previsibilidade e regulação de conflitos. Foi exatamente o que Evandro fez: organizou os bens da família em várias holdings. “Tem a holding da parte da terra, a holding da parte industrial, cada setor é uma holding”, explica Gabriela. “Meu pai escolheu esse caminho para preservar não só o patrimônio, mas, o mais importante, a união dos irmãos”, acrescenta.
Gabriela conta que organizar uma holding é um gasto gigantesco – mas menor do que seria uma divisão por herança. Inclusive, a família correu para finalizar o processo ainda este ano, temendo a reforma tributária, que deve aumentar o imposto de sucessão. “Outra vantagem dessa estruturação é direcionar as cotas para os filhos por intermédio de um instrumento societário, chamado acordo de sócios, que estabelece as regras de governança: qual filho manda, quais assuntos são decididos por maioria, quais dependem da opinião de um terceiro, como se age em caso de conflito, como funciona para tomar dívida, pagar, vender, decisões estratégicas”, explica o advogado.
Tudo isso resguarda o patrimônio da família. “Se algum irmão quiser vender, não pode ofertar a terceiros, tem que vender para os sócios e esperar, no mínimo, um ano para o pagamento”, diz Gabriela. Outra trava é que, em caso de morte de um dos sócios, os herdeiros terão direito aos dividendos, não à gestão.
“Me sinto aliviada por estarmos nesse caminho”, conta. “Meu pai sempre ensinou o prazer do trabalho, de cuidar e preservar o patrimônio. E, mais do que isso, o sonho dele é que a gente possa aumentá-lo”, conclui.
Texto originalmente publicado na edição #89 (setembro, outubro e novembro de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.






















