Café & Preparos

A xícara pode alterar a percepção do sabor e do aroma do café?

A neurocientista Fabiana Mesquita de Carvalho coletou dados na SIC 2017, ao testar a percepção do público em diferentes modelos de xícara

Se existem taças específicas para diferentes tipos de vinho e copos bastante variados para modalidades de fermentação de cervejas, a xícara de café não pode ser tão diferente. Pensando nisso, a pós-doutoranda pela Universidade de São Paulo (USP), Fabiana Mesquita de Carvalho decidiu colocar a teoria à prova. A pesquisa dela, que vai tratar tanto da forma quanto da cor das xícaras, teve seus primeiros testes na Semana Internacional do Café 2017, de 25 a 27 de outubro, que apoiou o projeto, batizado de Sala Coffee Sensorium. O experimento foi conduzido em colaboração com o professor Charles Spence, da Universidade de Oxford, em Londres, que vai participar da análise e da discussão dos dados.

Fabiana realizou o experimento durante o evento, em Belo Horizonte. Participaram, entre os homens, 60 amadores e 85 profissionais do café e, entre mulheres, 65 amadoras e 66 profissionais. A pesquisadora serviu a mesma bebida em três xícaras de mesma cor e material, mas de formato diferente, enviadas em colaboração pelo mestre de torra Tim Wendelboe, da Noruega. Ela esperava que a percepção das pessoas fosse diversa em cada recipiente, mas o estudo apontou resultados surpreendentes.

No teste, ela usou as xícaras em formatos tulip, split e open. O tipo tulip é em formato cônico, bastante similar às taças de vinho e dá uma impressão maior de doçura. As xícaras split têm um design único, arredondadas na base e com uma borda que se abre para o consumidor: estão relacionadas a cafés mais aromáticos e ácidos. Por fim, as open são as mais tradicionais, em formato de U, e são conhecidas por ressaltar aromas.

Xícaras dos modelos tulip, split e open (Figgjo/Divulgação)

O café usado no teste foi um microlote cedido pela Fazenda Recreio, de São Sebastião da Grama, na região do Vale da Grama (SP). A variedade é bourbon amarelo (CD), de 85 pontos, com aroma de frutas cítricas e melaço, sabores que lembram laranja, com acidez cítrica suave e doçura equilibrada.

“Basicamente, a informação que vem de um sentido, a visão, afeta a percepção de outros sentidos, como o olfato e o paladar”, explica Fabiana. Assim, as formas mais arredondadas se associam ao sabor mais adocicado, enquanto as angulares são relacionadas à acidez e amargor. Em todos os grupos, profissionais ou não, foi observada uma percepção maior de doçura e de acidez nas xícaras split. A xícara tulip, por sua vez, teve percepções de aroma aumentadas.

Os profissionais se saíram melhor nos testes: a maioria afirmou gostar igualmente dos três cafés. Nos grupos de amadores, a xícara split surpreendeu como a pior das três testadas. “A minha explicação é que é uma xícara fora do padrão, não encaixa no nosso conceito de xícara. Acredito que essa não-familiaridade afetou a percepção. Existem estudos que mostram como recipientes diferentes do costume podem alterar o gostar da bebida, principalmente se servida em um vasilhame específico de outra. Por exemplo, café em taça de vinho causa repulsa”, propõe a pesquisadora.

Fabiana e participantes do primeiro teste na SIC. (Bruno Lavorato/Café Editora)

Fabiana acredita que a pesquisa pode ajudar baristas, donos de cafeterias e amantes de café a compreender qual tipo de xícara extrai uma percepção melhor da bebida. Não para encontrar a xícara ideal para se apreciar uma boa extração, mas tipos diferentes para cada necessidade. “Acho que vamos chegar a diferentes xícaras para diferentes perfis de café. A bebida é muito complexa. Claro que não vai ser um modelo de xícara por variedade de grão, mas acredito que conseguiremos determinar grupos de percepções sensoriais para diferentes designs”, comenta.

A pós-doutoranda ainda vai conduzir testes relacionando a percepção de sabor com xícaras de cores diferentes: tons mais quentes se associam à doçura, enquanto os frios, ao amargor. “Ainda não temos estudos sobre os recipientes para o café, e isso depende tanto da associação de gosto, como de elementos culturais. Se eu tivesse conduzido esse estudo na Europa ou na Ásia, os resultados teriam sido os mesmos? Eu não sei. Tem que ver o que é cultural e o que não é, ainda temos um longo caminho pela frente”, defende.

Esta segunda etapa da pesquisa deve acontecer em março, e os dois estudos serão escritos separadamente: o primeiro, sobre formato de xícaras, tem previsão de publicação para janeiro. Ainda está prevista uma terceira etapa, com testes do peso e da textura da xícara influenciando na percepção do consumidor. Embora Fabiana não possa usar a mesma amostra de café nos três testes, ela tem dado preferência a grãos de características parecidas: doces, cítricos e frutados.

TEXTO Clara Campoli

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