Cafezal

A revolução dos robustas amazônicos

De lavouras arcaicas a grãos premiados, Rondônia vira vitrine de sustentabilidade em cafés na Amazônia

Por Cristiana Couto, de Rondônia

Quando a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30) abrir as discussões em Belém, em novembro, cientistas e cafeicultores de Rondônia estarão preparados para apresentar como o café do estado é um exemplo de cultivo sustentável e regenerativo em plena floresta amazônica.

Na AgriZone – espaço montado pela Embrapa Amazônia Oriental e parceiros para apresentar tecnologias desenvolvidas pela instituição para a agropecuária brasileira –, uma vitrine com 3 mil mudas de café, além de palestras, vídeos e degustação vão jogar luz sobre a revolução protagonizada pelos robustas amazônicos.

Definido como mudança profunda, acelerada e às vezes radical, o termo revolução, aqui, não é exagero. Em 15 anos, uma cultura extrativista e com preço definido pela contagem de defeitos tornou-se altamente produtiva, 100% rastreável e sensorialmente atrativa. “Para a COP30, levaremos resiliência climática por meio da genética e agregação de valor por meio da qualidade e da sustentabilidade”, resume o engenheiro agrônomo Enrique Alves, pesquisador da Embrapa Rondônia e pioneiro na transformação da qualidade dos robustas amazônicos.

Pesquisas e dados estatísticos da denominação de origem Matas de Rondônia – primeira DO de canéforas sustentáveis do mundo, com dez mil das 17 mil famílias cafeicultoras do estado e responsável por mais de 80% de sua produção – baseiam as afirmações.

Em maio, um dos estudos do projeto CarbCafé, criado em 2023 pela Embrapa em parceria com o Sicoob (Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil), a Caferon (atual Associação dos Cafeicultores da Amazônia Legal) e a UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), demonstrou que os cafezais da denominação sequestram 2,3 vezes mais carbono do que emitem, removendo quase 4 toneladas de CO2 da atmosfera por ano.

Foto: Maria Eloiza

A produtividade também impressiona: em 2011 eram 9 sacas por hectare; em 2025, a estimativa é de 54,8, a maior do país. Nas Matas de Rondônia, chega a 68,5 sacas, segundo o CarbCafé. O salto de mais de 500% ocorreu mesmo com a redução de mais de 80% da área cultivada desde 2001, quando atingiu 318 mil hectares.

Mas o estudo mais contundente – especialmente diante da exigência do EUDR – é o que comprova que não há relação entre a cafeicultura e a degradação recente da floresta em Rondônia. Publicado em 2024, ele mapeou 100% das fazendas das Matas de Rondônia com imagens de satélite (entre 2020 e 2023) e mostrou desmatamento zero em sete dos 15 municípios da DO. No total, o café ocupa apenas 0,8% do território (34,4 mil ha), contra 46% de pastagens e 52% de florestas preservadas, mais da metade em terras indígenas. “Quando as pessoas olham para lavouras em Minas e Espírito Santo, não pensam que já foram florestas. Na Amazônia, essa é sempre a primeira impressão”, observa o pesquisador.

“Não dá para produzir café na Amazônia sem comprovação científica, senão viramos alvo fácil de narrativas”, alerta Juan Travain, presidente da Caferon, que após exportar para a Coreia do Sul enfrentou questionamentos na internet sobre desmatamento.

Juan Travain, presidente da Caferon – Foto: Divulgação

A revolução do café em Rondônia combina ciência, tecnologia e sustentabilidade. Introduzida nos anos 1970 por migrantes do Espírito Santo, Paraná e Minas, em movimento incentivado pelo governo militar, a cultura ultrapassou 300 mil hectares, mas perdeu espaço para pastagens nos anos 2000 com a queda de preços e produtividade. A retomada ocorreu entre 2010 e 2020, com melhoramento genético, propagação clonal, irrigação e manejo preciso, e se fortaleceu recentemente com semimecanização da colheita e processamentos fermentativos.

Com produtividade e qualidade consolidadas, cresce o investimento dos cafeicultores em sustentabilidade. Uso racional da água, sistemas agroflorestais, bioinsumos, drones e recuperação de áreas degradadas já são práticas comuns em Cacoal, município referência em qualidade e conhecido como capital do café em Rondônia. “Quando, por meio da inovação, conseguimos gerir melhor os recursos naturais, isso é sustentável”, resume Travain, parceiro de pesquisas.

Fertirrigação e biofábrica

Na aterrissagem em Cacoal já se avistam os cafezais da Selva Café. A fazenda, que abriga parque aquático, hotel e indústria de laticínios, reserva 220 hectares ao café. Nas Matas de Rondônia, a irrigação deixou de ser auxiliar e virou base da produção: 97,2% das propriedades da região são irrigadas, segundo Alves.

Café em área regenerada, no Selva Café – Foto: Divulgação

Para preservar a água, Travain adotou a nutrirrigação, que injeta adubo de forma automatizada e em doses programadas conforme a necessidade da planta. O sistema tem sensores de umidade do solo, qualidade da água e equilíbrio nutricional da planta, com monitoramento em tempo real. “Com ele, fazemos 120 adubações anuais”, explica o cafeicultor, sócio de três irmãos e um amigo e hoje referência em tecnologia na região. Entre as vantagens estão uso eficiente de água e fertilizantes, melhor aproveitamento das raízes superficiais, corte de custos e ganho em produtividade: economia de 30% em adubo, até 50% em água e previsão de uma média de 140 sacas por hectare em 2025, contra 104 no ano anterior, quando uma das lavouras ainda não estava 100% sob o sistema.

As práticas se somam à instalação de tanques para captação de chuva, uma biofábrica e uma usina de compostagem. Na biofábrica, são produzidos os fungos trichoderma – aplicado por irrigação ou drone contra fusariose – e beauveria, alternativa biológica a defensivos químicos. Produzidos na própria fazenda, chegam ao campo no auge da reprodução, o que garante mais eficiência. Já na usina, resíduos como rúmen, pó de serra, cama de frango e palha de café se transformam em compostos para recuperar solos degradados: hoje, 100% da área da Selva Café está restaurada.

A cafeicultura é considerada estratégica para recuperar áreas degradadas por pastagens nas Matas de Rondônia, que somam 1,88 milhão de hectares. Segundo Alves, considerando a média de sacas produzida por hectare no estado, se apenas 25% dessa área fosse convertida em lavouras, a produção passaria de 25 milhões de sacas – volume próximo ao do Vietnã, líder mundial na produção de canéforas.

Recomposição agroflorestal

Quando os pais cogitaram vender a propriedade em Novo Horizonte D’Oeste, Geanderson Gambarte, então com 23 anos, largou o emprego em Goiás e voltou para casa. Em poucos anos, a área de café saltou de 3 para 9 hectares e a produtividade mais que dobrou, de 50 para 125 sacas por hectare. A virada veio com manejo sustentável e tecnologia. “Em 2021, Poliana Perrut nos apresentou os cafés especiais. Nem sabíamos o que era isso, mas a produção estava doente”, lembra. A consultora, que também é cafeicultora, viveirista e uma das lideranças em café da região, ajudou a equilibrar a lavoura. “O uso consciente dos produtos e equipamentos é fundamental”, ensina Poliana. Hoje, a família produz microlotes premiados que já alcançaram 92 pontos.

Geanderson Gambarte

O drone substituiu o atomizador costal e reduziu tempo, mão de obra e aplicação de químicos. “Antes gastava sete dias para pulverizar, hoje em quatro horas o drone faz o mesmo serviço”, diz Gambarte. Com tensiômetro, o consumo de água e energia caiu pela metade: na seca, cada talhão passou de duas horas para uma hora de irrigação semanal. Toda a água da fertirrigação vem de um reservatório próprio.

A transformação inclui recomposição florestal, plantio de ipês entre os pés de café – criando microclima para o cafezal –, recuperação de nascentes, pastagens e criação de abelhas para polinização. “As árvores ocupam o espaçamento de apenas uma planta de café. Os cafés ficam mais à vontade, o solo perde menos umidade, e ainda há ganho paisagístico”, avalia o cafeicultor. O sítio agora se chama Recanto dos Ipês. Ao lado das placas solares que abastecem a propriedade, Geanderson ergue um armazém para processar a próxima safra e planeja reformar a casa dos pais, onde tudo começou.

Qualidade, natureza e família

Embora a área de café em Rondônia seja pequena, sua relevância econômica e social é enorme. Terceira maior economia do estado, a cultura deve gerar neste ano um VBP de R$ 5 bilhões. “O café garante renda e qualidade de vida em pequenas áreas. E, quando há qualidade de vida, o jovem permanece no campo”, afirma o pesquisador Enrique Alves.

Um estudo socioeconômico do CarbCafé mostra que a idade média do cafeicultor caiu de 53 para 47 anos em 15 anos, em um cenário em que 95,5% das propriedades são classificadas como familiares.

A história da família Da Luz, em Cacoal, é um retrato dessa renovação. Desde 1986, quando deixou o Espírito Santo, João da Luz investiu no conilon no sítio Coração de Mãe. Nos anos 2000, adotou plantas mais produtivas e, em 2019, passou a apostar nos robustas amazônicos e em cafés diferenciados, como os fermentados.

Família Da Luz – Foto: Maria Eloiza

A fermentação, adotada recentemente, ampliou a complexidade e a diversidade sensorial dos robustas – hoje, mais da metade dos lotes enviados a concursos passam pelo processo. “Em 2016 começamos os testes e vimos que a fermentação podia variar de 10 a 20 dias, mais do que no conilon e no arábica”, explica Alves. Em 2019, já havia 10% de cafés fermentados em Rondônia. “O robusta amazônico fermentado é uma identidade do nosso café”, afirma.

Os concursos impulsionaram a virada. Em 2022, Da Luz venceu o Concafé (Concurso de Qualidade e Sustentabilidade do Café de Rondônia) e ficou em 2º lugar no Coffee of the Year, durante a Semana Internacional do Café. Em 2024, alcançou o 1o lugar nacional em torra no concurso da CNA. Os prêmios, que incluíram um trator e um torrador, e a chegada de equipamentos como secador de fogo indireto (via Caferon), tensiômetro e energia solar, elevaram a produção: hoje, 30% dos cafés da família são especiais e seguem para capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Velho e Brasília. “O café especial levou a gente a um lugar que nunca imaginamos”, reflete o cafeicultor.

Muito antes de a palavra sustentabilidade ganhar força, Da Luz já reflorestava nascentes. “Quando chegamos, não tinha água”, lembra ele, que a fornece aos vizinhos. A propriedade também abriga um meliponário, hoje cuidado pela filha e pelo genro, que voltaram à fazenda após o sucesso do negócio. “Cada passo é para unir qualidade, natureza e família”, diz ele, que mira 120 sacas por hectare, contra a média atual de 90 a 100. “Produtividade é fazer as coisas certas desde o começo. Meu pai sempre dizia: ‘cuide da terra mais do que de você, porque tudo depende dela’.”

Café na floresta

Para os Paiter Suruí, plantar café é também preservar a floresta – nas reservas indígenas de Matas de Rondônia, as áreas de floresta nativa primária alcançam 1,2 milhão de hectares.

Em 2024, na 6ª edição do concurso Tribos – projeto da 3corações em parceria com Embrapa e instituições como a Funai –, um microlote de Rafael Mopimop Suruí recebeu a inédita nota média de 95 pontos. Cultivado na aldeia Linha 9, na Terra Indígena Sete de Setembro, em Cacoal, o café do cacique já havia figurado entre os melhores em edições anteriores. “Acho que é porque a gente não trabalha com químico”, diz ele, que faz colheita e seleção manual, além de fermentar os frutos, técnica introduzida pela 3corações.

Rafael Suruí – Foto: Enrique Alves

Hoje, todas as 28 famílias da aldeia cultivam café. Há cinco anos, a aldeia de Rafael criou uma cooperativa. Os Paiter Suruí têm três delas, que vendem 100% do café para a 3corações. Desde o lançamento em 2019, o Projeto Tribos comprou 520 mil quilos de café – uma média de 1,5 mil sacas por ano. “O café mudou nossa vida. Tem jovem que queria emprego na cidade e agora quer trabalhar com café especial na aldeia, para ser autônomo”, comemora Rafael, cujo sonho, agora, é poder conduzir todo o processo dos seus cafés.

Com o bloco na rua

Ganhar concursos é vitrine para qualquer produtor. No caso dos robustas amazônicos, eles integram a estratégia da Caferon para projetar a denominação de origem. “Quando o problema era ambiental, comprovamos que não havia desmatamento. Quando foi qualidade, mostramos com provadores que nossos cafés têm qualidade. Cada dificuldade a gente transformou em ativo”, resume Travain.

Em 2016, o governo do estado, em parceria com diversas instituições, criou o Concafé, primeiro concurso estadual de qualidade e sustentabilidade. No mesmo ano, a Caferon levou Rondônia à Semana Internacional do Café (SIC). “Levamos um café amazônico numa feira praticamente de arábicas, e as pessoas iam ao nosso estande com a expectativa de beber um café ruim”, lembra Alves. Desde então, o concurso já atraiu degustadores de diversos países e gerou negócios internacionais.

Outra frente de promoção foi levar cafés a embaixadas brasileiras, como a de Londres, em 2024. “Foi um evento disruptivo. Mostramos que o café da Amazônia é sustentável e de qualidade, e isso abriu caminho para novos negócios”, afirma o presidente da Caferon. Logo depois, uma rede de cafeterias em Londres destacou aqueles cafés em sua linha de produtos.

Foto: Maria Eloiza

A estratégia inclui ainda resolver gargalos logísticos. “Somos os primeiros a exportar café pela Amazônia Legal. Agora, estamos inaugurando a rota do porto em Lima”, destaca, referindo-se à Rodovia Interoceânica, corredor terrestre que leva o café de Rondônia ao Peru, e ao porto de Chancay, que encurta o transporte marítimo até a Ásia.

Hoje, os café das Matas de Rondônia são exportados para países como China, EUA, Rússia e Coreia do Sul. Nos últimos três anos, a exportação pulou de mil para mais de 500 mil sacas – mais de 20% de todo o café produzido no estado.

Na semana de apuração desta reportagem, onze torrefadores russos visitaram a região. A organizadora do grupo, Valentina Moksunova, da Hummingbird Coffee, decidiu apostar nos canéforas para fugir do clichê do café brasileiro associado apenas ao arábica. Em 2024, importou a primeira leva de robustas amazônicos. “Todo mundo compra do Sul de Minas, mas quis oferecer algo realmente único e novo. E, na Rússia, onde os consumidores comuns preferem cafés com menos acidez, os robustas amazônicos são a resposta: tem um sabor puro, que pode ser aceito por um público maior”, explica.

Turismo sustentável

Desde que venceu o Concafé em 2017, Ronaldo Bento, do Sítio Rio Limão, em Cacoal, passou a frequentar feiras e eventos em busca de mais qualidade e sustentabilidade para seus cafés e para Rondônia. “O estado era conhecido por ter o pior café. Eu disse: não, temos que mudar isso”, conta. No ano seguinte, levou os filhos: “São eles que vão seguir esse caminho novo”.

Em 12 hectares, cinco famílias do clã Bento dividem as tarefas da produção. Referência em qualidade e turismo rural sustentável, a propriedade recebe até 2,5 mil visitantes por mês, produz 800 sacas por safra e mantém torrefação própria, vendendo direto ao consumidor em cidades como Belém, Manaus, São Paulo e Rio de Janeiro. “Nossa produção ainda é pouca para atender a esse mercado, que é muito grande”, avalia.

Cafezal do Sítio Rio Limão, da Fazenda Bento, em Cacoal – Foto: Heitor Delpupo

Parceiro da Embrapa em pesquisas, Ronaldo Bento adota o pacote tecnológico completo: fertirrigação guiada por análise de solo e folha, secadores de fogo indireto, fermentações controladas, energia solar e bioinsumos. O resultado é colheita com até 90% de frutos maduros. Áreas de pastagem e nascentes também foram recuperadas com o plantio de quase 300 árvores nativas, como castanheiras, ipês e açaí. “Hoje o tanque de água está reflorestado e as árvores já estão formadas”, diz.

Com a demanda crescente, a família passou a beneficiar e torrar café de outros produtores e prepara a expansão do negócio. “Das 50 sacas torradas da primeira safra, chegamos a mais de mil. A indústria ficou pequena, precisamos crescer para atender mais parceiros também”, comemora.

Proteção da fronteira e da floresta

Outros estados da Amazônia já olham para Rondônia como modelo. O Acre, com mil cafeicultores e mais de 80% da floresta preservada, vem investindo na transformação de sua cafeicultura, seguido por Roraima e Amazonas.

Para Enrique Alves, a história que esses cafés levam à COP30 traduz o princípio básico da sustentabilidade: “a necessidade das gerações atuais não pode se sobrepor à das gerações que virão”. Ele lembra que, se no passado a colonização tinha como foco proteger a fronteira, hoje o desafio é outro: proteger a floresta. Com a sustentabilidade no DNA da DO Matas de Rondônia e 10% de cafeicultores do estado trabalhando a qualidade dos cafés, Alves garante: “Não há produtor de robustas finos que não esteja comprometido a transformar o discurso da produção sustentável em boas práticas”.

Alves e Travain também torcem para apresentar novos resultados no evento, como o estudo do CarbCafé que compara o estoque de carbono no solo de florestas, pastagens e cafezais. “Hoje temos um arcabouço científico que ajuda a cafeicultura a evoluir”, diz Alves. A próxima etapa do projeto testa 64 clones, em parceria com os agricultores, para obter cultivares mais produtivas, adaptadas e com melhor perfil sensorial. “Estamos enviando grãos torrados para a Nigéria como exemplo do que pode ser feito com o robusta no lugar mais próximo de seu centro de origem”, acrescenta.

Texto originalmente publicado na edição #89 (setembro, outubro e novembro de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto

Café & Preparos

Atlas de James Hoffmann ganha nova edição

A terceira edição do aclamado The World Atlas of Coffee, do barista inglês e campeão mundial James Hoffmann, está prestes a ser lançada. Ampliada, a obra, programada para ser publicada em novembro, é referência no setor ao reunir informações detalhadas sobre variedades, principais regiões produtoras e história do cultivo em mais de 30 países produtores de café, destacando as características que fazem com que cada origem tenha sua qualidade particular.

Além de explorar a produção de café pelo mundo, o livro traz informações básicas sobre cultivo, importância da torra e da água na extração da bebida, métodos de preparo e desenvolvimento das máquinas de espresso. Entre as novidades, capítulos sobre descafeinação e a inclusão de novas origens, como Austrália, Japão e Porto Rico.

A nova edição do livro já está disponível no site da Amazon, em caráter de pré-venda, por US$ 39,99.

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

Cafezal

“O café é um exemplo concreto de porque devemos preservar a biodiversidade”, diz botânico inglês

O botânico inglês, Aaron Davis

Por Cristiana Couto

Santo Graal ou El Dorado? Não importa a metáfora sugerida para uma descoberta científica importante. No mundo do café, ambos os termos parecem descrever bem o trabalho incansável do botânico Aaron Davis, chefe de pesquisa em café no Royal Botanic Gardens, em Kew, Londres, e uma das maiores autoridades no mundo em espécies de café.

Com mais de duas décadas de estudos na área, que incluem a identificação e a classificação de espécies de café, além de estudos moleculares e outros que envolvem conservação de espécies e seu desenvolvimento sustentável, Davis vem colocando a importância das espécies selvagens na ordem do dia.

Ele já descreveu vinte espécies do grão e revisitou a taxonomia do gênero Coffea. Em 2018, tal qual um caçador da arca perdida (outra metáfora), Davis liderou um estudo coletivo que reidentificou a rara espécie C. stenophilla crescendo em florestas (ameaçadas) de Serra Leoa, na África Ocidental, onde foi historicamente cultivada há um século. “É uma espécie que quebra as regras, pois produz, em baixas altitudes, um café semelhante ao arábica e suporta períodos de seca mais longos do que os canéforas”, explica o botânico à Espresso.

Certo de que a biodiversidade do café é o caminho para a sobrevivência e evolução da indústria cafeeira diante das mudanças climáticas, Davis avança para além de publicações científicas e de depoimentos em grandes veículos midiáticos que buscam respostas para os desafios atuais do setor. “Em um momento em que o foco está voltado para a segurança alimentar e a superação de déficits de renda para os agricultores, é preocupante que as matérias-primas [cafés] para possíveis soluções estejam altamente ameaçadas de extinção”, escreveu ele, em artigo na Nature, publicado em 2022.

Por isso, entre seus projetos recentes está o trabalho conjunto com comunidades agrícolas de Serra Leoa para desenvolver o cultivo de C. stenopyilla, na esperança de que uma indústria nacional beneficie os produtores locais. Davis acredita que, em breve, esta e outras espécies, como liberica e excelsa, estejam no mercado como um produto de valor. A seguir, a entrevista com o botânico, feita por email.

Espresso: Você é amplamente reconhecido como um dos principais especialistas em taxonomia, conservação e resiliência climática das espécies de café. O que despertou seu interesse pelo café e como sua trajetória profissional nos Royal Botanic Gardens se desenrolou?

Aaron Davis: Meu interesse por café começou em 1996, quando eu era um pesquisador de pós-doutorado e estava investigando as espécies de café selvagens de Madagascar. Fiz parceria com o eminente botânico de Madagascar, Franck Rakotonasolo, e, ao longo de dez anos, viajamos extensivamente pelo país estudando as espécies de café em seus habitats naturais.

Foi um período de grande entusiasmo, principalmente porque havia muitas novas espécies interessantes a serem descritas. Descrevemos mais de 20 novas espécies, só de Madagascar. A partir daí, passei a estudar as espécies selvagens da África e da Ásia, trabalho que faço até hoje. Em 2010, comecei a me interessar e a me preocupar com o café e as mudanças climáticas. Desde 2018, meu trabalho tem se concentrado em usar espécies de café selvagens e pouco exploradas para desenvolver opções de cultivo resistentes ao clima para os produtores de café.

Davis coleta amostras selvagens em Madagascar

Como as mudanças climáticas estão afetando, de maneira específica, as espécies de café?

As mudanças climáticas estão afetando negativamente as espécies de café selvagens devido à perda de adequação climática para seu crescimento e sua reprodução, embora a principal ameaça à sua existência seja o desmatamento e a perda de habitats naturais. O cultivo de café está sendo impactado de várias maneiras, principalmente pelo aumento das temperaturas, além da duração, severidade e imprevisibilidade dos episódios de seca. Chuvas intensas e intempestivas também têm sido um grande problema.

Que medidas estão sendo propostas para mitigar esses efeitos?

Em termos de adaptação, os produtores estão modificando suas fazendas, onde isso é possível e acessível. Por exemplo, eles estão irrigando ou adicionando sombra aos cultivos, e alguns estão plantando outras variedades ou diferentes espécies de café (se disponíveis) ou, até mesmo, migrando do café para outras culturas. O café também está se deslocando geograficamente, com novas áreas de cultivo estabelecidas em regiões mais frescas e úmidas, principalmente em altitudes mais elevadas.

Seu trabalho destaca a importância das espécies de café selvagens para enfrentar os desafios das mudanças climáticas. Quais espécies têm potencial para serem cultivadas em climas mais quentes e secos?

Muitas espécies podem ser cultivadas com sucesso em temperaturas mais altas em comparação com arábica e canéfora, mas a maioria tem baixa produtividade – ou seja, não são aceitáveis para a maioria dos produtores – e produzem cafés que não seriam aceitos pela maioria dos consumidores. Atualmente, estamos focando principalmente em três espécies: excelsa, liberica e stenophylla, mas também estamos pesquisando várias outras. Sabemos que excelsa e liberica podem performar bem ao longo da cadeia de valor, especialmente a excelsa.

Você frequentemente menciona que o mercado de cafés precisa se adaptar a novas espécies e práticas agrícolas. Quais são os maiores desafios que os produtores enfrentam ao adotar espécies menos conhecidas com potencial de cultivo?

Um dos principais desafios é o acesso ao material – sementes ou mudas – para o plantio. Há também o custo de aquisição do novo material e a necessidade de atender aos participantes da cadeia de valor já estabelecida. Além disso, enfrentamos o desafio de que algumas dessas espécies alternativas não são reconhecidas pelo mercado relacionado a commodities, e não existem ainda protocolos específicos de classificação e degustação.

Você crê que as variedades selvagens de arábica e canéfora são cruciais no contexto desafiador do aquecimento global?

Eu diria o oposto. Elas são úteis para melhorar a resistência a doenças, aumentar a produtividade, melhorar o sabor e desenvolver a diversidade sensorial do café, mas não para desenvolver potencial de resiliência climática.

Porque a conservação de espécies selvagens de café é importante e quais tipos de conservação existem hoje?

É bem simples: a conservação é importante para a sustentabilidade na cafeicultura porque esses são os recursos para o desenvolvimento de novas variedades de café. Na Etiópia, existem reservas florestais dedicadas a conservar a diversidade genética do café arábica, como as Reservas da Biosfera de Yayu e Kafa. Populações de outras espécies selvagens estão em áreas protegidas, como parques nacionais. Há, também, coleções de germoplasma de café selvagem, que contêm uma gama limitada de espécies de café, mas a manutenção desses bancos de genes é difícil e cara. Com pelo menos 60% das espécies de café ameaçadas de extinção, as medidas para proteger as espécies de café são, atualmente, extremamente inadequadas.

Quais são as principais razões para a taxa de risco de extinção de cafés (60%) ser tão alta em comparação a outras culturas?

Uma das principais razões é que muitas espécies de café têm populações pequenas e áreas de distribuição restritas. Algumas espécies estão confinadas a uma única floresta ou trecho de floresta, por exemplo.

As espécies são geralmente difíceis, caras e arriscadas de conservar fora dos bancos de germoplasma ativos. Por quê?

Mesmo que populações de café selvagem existam em áreas protegidas, elas ainda estão em risco. Invasões para cultivo e habitação, extração de madeira e gestão inadequada são problemas comuns enfrentados pelas áreas protegidas no mundo. Cuidar dessas áreas protegidas tem um custo alto. Basta observar os problemas manifestados na COP16 [Davis refere-se à conferência de biodiversidade da ONU, em 2 de novembro em Cali, Colômbia, em que houve pouca evolução em acordos sobre biodiversidade, como a implementação do Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, com apenas 22% dos países envolvidos apresentando novos planos devido a limitações de tempo e financiamento].

Sobre o alto risco de extinção das espécies selvagens, quais delas devem ser priorizadas para conservação e desenvolvimento de cultivo?

Idealmente, seria bom conservar todas as espécies. Se a prioridade for para o desenvolvimento de cultivos, seriam os dois grupos, dos três que classificamos, chamados grupos de prioridade 1 e de prioridade 2 que, basicamente, englobam todas as espécies africanas [O grupo de prioridade 1 é composto pelas espécies arábica, canéfora, liberica e eugenioides, e inclui suas variantes cultivadas e selvagens. O segundo grupo prioritário tem 38 espécies, e inclui todas as outras espécies africanas].

No Brasil, há um crescente reconhecimento da importância de revisitar cafés “esquecidos” em bancos de germoplasma ativos. Como isso está acontecendo globalmente?

Coleções de germoplasma ao redor do mundo, hoje em dia, estão examinando quais espécies suas coleções contêm, além de arábica e robusta. No Royal Botanic Gardens, em Kew, estamos avançando em estratégias, ações, recursos e tecnologia para identificar qualquer uma das 132 espécies de café existentes e, em alguns casos, suas origens selvagens, o que seria um empreendimento essencial para as coleções de germoplasma.

Você mencionou um renovado interesse pela espécie liberica em toda a indústria do café. Por que essa espécie em particular?

Primeiramente, é preciso esclarecer, inclusive historicamente, que o termo liberica inclui dois cafés distintos: o excelsa (Coffea liberica var. dewervrei, ou apenas C. dewevrei) e o liberica (Coffea liberica var.
liberica). Esses dois cafés são mais tolerantes ao calor e à seca do que arábicas e canéforas. A espécie excelsa está ganhando mais espaço do que os cafés liberica, por oferecer melhores retornos aos produtores e ter um sabor mais “semelhante ao café”. Em geral, as notas de cupping são mais altas para excelsa do que para liberica: com processamento cuidadoso, os cafés excelsa podem alcançar mais de 85 pontos. No entanto, alguns cafés liberica são excepcionais, sendo ideais para métodos de preparo em casa e para espressos (meu favorito).

Por que o café liberica, que teve relativo sucesso no final do século XIX, deixou de ser cultivado?

Por três razões. A primeira delas é porque o Brasil estava produzindo tanto café no início do século XX que a competição se tornou intensa para nações produtoras menores. A segunda, porque o café robusta era altamente produtivo e popular entre produtores e comerciantes, preenchendo e expandindo a fatia de mercado no início do século XX. Por fim, o liberica (var. liberica) é mais difícil de processar do que arábicas e robustas e menos rentável, devido às baixas taxas de conversão de frutos cereja para café beneficiado. Some-se a isso o fato de que o excelsa só ficou amplamente disponível no início ou meados do século XX, quando arábicas e robustas já haviam conquistado suas fatias de mercado.

Como esse interesse atual nos cafés liberica está sendo traduzido em ações?

Para excelsa, estamos constatando uma expansão considerável em Uganda e no Sudão do Sul, além de percebermos um interesse crescente no Vietnã, na Tailândia e na Indonésia. Para liberica, a expansão é claramente visível na Malásia (incluindo o estado de Sarawak), enquanto a produção na África foi reiniciada ou está aumentando em alguns países.

O botânico estudando arábicas selvagens no Sudão do Sul

Por que a espécie recém-identificada Coffea stenophylla é considerada uma alternativa para cultivo?

Coffea stenophylla é “a espécie que quebra as regras”, porque produz um café semelhante ao arábica em baixas altitudes (cerca de 400 m acima do nível do mar), onde as temperaturas são muito mais altas do que para o arábica (5 a 6,8 °C mais altas na média anual), e porque pode suportar períodos de seca mais longos do que os cafés canéfora. Essa espécie tem uma produtividade menor do que arábica ou canéfora, mas acreditamos que isso pode ser melhorado. Em duas ocasiões, provadores Q-graders me disseram que o C. stenophylla de Serra Leoa é indistinguível do arábica bourbon cultivado em alta altitude em Ruanda. Concordo totalmente. Na primeira degustação, achei que o café havia sido rotulado ou misturado incorretamente, mas em ambas as ocasiões não havia café de Ruanda na sala de prova.

Existem outras espécies que estão sendo cultivadas ativamente?

O café ibo (Coffea zanguebariae) e o racemosa (Coffea racemosa) são cultivados em Moçambique e na África do Sul. Essas espécies produzem um café de sabor similar, que pode ser excepcional, embora nem todos apreciem. Em muitos países, povos indígenas colhem e preparam espécies selvagens de café pouco conhecidas.

Essas espécies pouco exploradas poderiam criar novas oportunidades comerciais. Como você vê o futuro dessas espécies em termos de aceitação no mercado de cafés especiais?

Algumas pessoas irão gostar ou adorar, enquanto outras não. Com a excelsa, descobrimos que alguns consumidores habituais de café, e até mesmo aficionados por cafés especiais, acreditam que estão bebendo arábica, especialmente em cafés destinados a espressos. Acho que blendar espécies além de arábica com robusta se tornará popular. No Reino Unido, já existem blends de excelsa-arábica e excelsa-robusta no mercado.

Texto originalmente publicado na edição #86 (dezembro, janeiro e fevereiro de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto

CafezalMercado

Em 2025, SIC amplia possibilidade de negócios para os cafés brasileiros

Com ambiente profissional de networking e rodadas exclusivas de cupping, evento se consolida como uma plataforma global de negócios entre produtores e compradores 

Conhecida como espaço de conexão da cadeia cafeeira, a Semana Internacional do Café, que acontece entre 5 e 7 de novembro em Belo Horizonte, amplia a estratégia este ano com a criação de uma sala dedicada às Rodadas de Negócios, estruturada exclusivamente para gerar parcerias, contratos e novas oportunidades comerciais.

A iniciativa é voltada especialmente para produtores de cafés brasileiros que queiram apresentar seus lotes, dialogar diretamente com compradores nacionais e internacionais e ampliar sua inserção em diferentes mercados. Para participar, é necessário agendamento prévio.

A novidade está conectada aos projetos de convites a compradores internacionais para a SIC, ampliando o alcance dos produtores junto a players do mercado global. Ao mesmo tempo, fortalece o espaço para empreendedores nacionais ampliarem sua atuação, encontrarem novos canais e acessarem informações valiosas sobre tendências e exigências do mercado.

Paralelamente à Rodada de Negócios, a SIC 2025 consolida-se como vitrine dos grãos brasileiros com as tradicionais Salas de Cupping, onde produtores apresentam a safra atual, destacando  a diversidade e a qualidade do café no país.

Neste espaço, classificadores, compradores e torrefadores provam amostras selecionadas, estabelecendo padrões de qualidade e abrindo espaço para negócios que vão do mercado interno às exportações.

Nas Salas de Cupping também são apresentadas as 180 melhores amostras (arábica e canéfora) do Prêmio Coffee of the Year deste ano, oriundas de diferentes regiões brasileiras, o que permite que compradores nacionais e internacionais conheçam a diversidade de origens e perfis sensoriais dos cafés do país. 

Semana Internacional do Café
Quando: 5 a 7 de novembro
Onde: Expominas – Belo Horizonte (MG)
Credenciamento e mais informações: semanainternacionaldocafe.com.br 

TEXTO Redação • FOTO NITRO/Semana Internacional do Café

Mercado

Parlamentares dos EUA querem apresentar projeto para excluir café do tarifaço

Proposta bipartidária tenta barrar sobretaxa de 50% sobre café brasileiro, que encareceu o produto para consumidores nos Estados Unidos, informa o jornal Washington Post

Parlamentares dos Estados Unidos apresentaram nesta sexta-feira (19) um projeto de lei para excluir o café das tarifas de 50% impostas pelo governo Donald Trump a produtos brasileiros. A medida, de caráter bipartidário, é liderada pelo republicano Don Bacon (Nebraska) e pelo democrata Ro Khanna (Califórnia), informou o Washington Post.

O texto propõe retirar da lista de sobretaxas o café torrado, o descafeinado, as cascas e peles do grão, além de outros substitutos que contenham o grão. O objetivo, segundo os autores, é aliviar a pressão inflacionária sobre consumidores americanos, que já enfrentam alta nos preços de alimentos.

As tarifas sobre o Brasil foram anunciadas em julho e atingiram praticamente todas as exportações do país para os EUA, exceto uma lista reduzida de produtos. No caso do café, os preços internacionais dispararam desde então, com alta estimada em cerca de 50% nas cotações de arábica negociadas em Nova York.

Embora a proposta reflita insatisfação dentro do Congresso, sua aprovação não é considerada certa. A maioria republicana na Câmara tende a apoiar o endurecimento comercial de Trump, e o texto ainda precisará ser votado no Senado.

O governo brasileiro, por sua vez, já levou o caso à Organização Mundial do Comércio e contratou um escritório de advocacia nos EUA para contestar as tarifas, segundo a Reuters.

TEXTO Redação

Café & PreparosMercado

Amazônia é destaque da edição #89 da revista Espresso

Às vésperas da COP30, que colocará Belém no centro das discussões globais sobre clima e sustentabilidade, esta edição da Espresso traz para a capa a história de Celesty Suruí, jovem barista e cafeicultora indígena de Rondônia. Em entrevista exclusiva, ela mostra como o café se tornou ferramenta de memória e afirmação cultural do povo Paiter Suruí, conectando produção indígena à preservação da floresta e à construção de novos futuros.

Da mesma região amazônica vem outra transformação notável: a revolução dos robustas de Rondônia. A reportagem, assinada por Cristiana Couto, coordenadora de conteúdo da revista, acompanha como grãos antes vistos como comuns alcançaram padrões internacionais de qualidade, com produtividade recorde e reconhecimento sensorial. Uma virada sustentada por ciência e tecnologia, comprovada pelo balanço positivo de carbono e pelo desmatamento zero nas áreas cultivadas. Para mostrar essas mudanças na xícara, organizamos uma degustação inédita com diferentes clones e processamentos.

No mesmo compasso da sustentabilidade, exploramos o cacau agroflorestal do Pará, modelo de recuperação de áreas degradadas que garante renda a milhares de agricultores familiares e reforça o protagonismo da Amazônia em sistemas produtivos resilientes.

A edição também abre espaço para histórias de sucessão familiar, revelando os desafios e estratégias de produtores que planejam o futuro das propriedades. Mostramos ainda a tendência que aproxima moda e café, em iniciativas que unem luxo, experiência e pertencimento. E, em parceria com a revista inglesa 5th Wave, publicamos reportagem de Tobias Pearce sobre a nova revolução cafeeira em Paris.

Que esta edição inspire e provoque reflexões sobre como o café pode ser motor de transformação — na floresta, no campo, nas cidades e nas próximas gerações.

Boa leitura!

TEXTO Redação

Cafeteria & Afins

Cult Coffee Roasters – Edimburgo (Escócia)

A Cult Coffee Roasters é uma cafeteria que convida os clientes a se aquecerem nos dias frios e cinzentos de Edimburgo. Localizada no bairro de Newington, a casa fica distante do centro turístico, mas próxima da Universidade de Edimburgo, o que contribui para uma atmosfera descontraída, jovem e diversa.

Em uma rua repleta de edifícios do século XVIII, com estilo georgiano, janelas altas e paredes de pedra, a cafeteria destaca-se por sua fachada moderna. O contraste também pode ser visto no interior da espaço, onde a estrutura industrial, que deixa tijolos e tubulações à mostra, diferencia-se da decoração intimista, com poltronas e sofás antigos e quadriculados que, combinados com a iluminação indireta, fazem do salão uma sala de estar, lugar perfeito para um café quente nos dias chuvosos, tão comuns na cidade.

Os grãos utilizados na casa vêm de diferentes países produtores, como Colômbia, Equador, Guatemala, Indonésia, Índia e Brasil. No dia da visita, a seleção para o coado, preparado na kalita wave, era um blend de cafés lavados do Equador (bourbon, sidra e típica), cultivados por um pequeno produtor na região de Pinchichua, nos Andes, a 1.340 m de altitude.

Os pedidos são feitos e retirados somente no balcão. Assim como em muitas cafeterias do Reino Unido, a bebida foi servida em copos de cerâmica preta – o que impede a experiência visual da cor do café. Apesar disso, o sabor não foi apagado. Suave e adocicado, com notas de frutas vermelhas e cítricas e um leve toque de chocolate ao leite, o café também apresentou acidez brilhante e bem equilibrada, complementada por um corpo médio e sedoso.

O cardápio de comidas da Cult oferece opções leves e saudáveis de toasts, wraps, saladas e bowls, com foco em produtos frescos e ingredientes locais. Pedimos o toast de salmão, que foi preparado com uma fatia generosa de pão artesanal sourdough, crocante por fora e macio por dentro, coberto por fatias finas de um delicioso salmão defumado, cream cheese, nozes picadas, alcaparras e folhas verdes. Para finalizar, escolhemos outro toast, desta vez de banana com pasta de amendoim, canela e calda de espresso da casa, que harmonizou perfeitamente com o espresso feito com um blend de cafés lavados colombianos (caturra e castillo, esse último, uma variedade colombiana). As notas de chocolate amargo, amêndoas e grapefruit agradaram, assim como o corpo e a acidez, que estavam no ponto certo e foram completados por uma surpreendente doçura.

Toast de banana com pasta de amendoim e toast de salmão no pão sourdough

A Cult Coffee Roasters destaca-se por seu compromisso com a torra artesanal de qualidade e pela seleção de grãos. Cada xícara é uma experiência sensorial, sejam espressos intensos ou filtrados delicados. A comida, simples e saborosa, valoriza a qualidade dos ingredientes e está à altura dos cafés de alta qualidade oferecidos na casa.

Nossa conta: £22,6 (R$ 158,20) + taxa de serviço
Filtrado – £6.5 (R$ 45,5)
Espresso – £3.1 (R$ 21,7)
Toast de salmão – £8.3 (R$ 58,1)
Toast de banana – £4.7 (R$ 32,9)

*O valor foi convertido levando em consideração a data da visita (£1 = R$ 7)

A equipe da Espresso visitou a casa anonimamente e pagou a conta.

Informações sobre a Cafeteria

TEXTO Equipe Espresso • FOTO Equipe Espresso

Mercado

Brasileira The Coffee estreia em Sydney e amplia expansão internacional

Rede fundada em Curitiba abre primeira unidade australiana no bairro litorâneo de Manly, de olho em novas lojas na cidade

A rede brasileira de cafeterias The Coffee inaugurou sua primeira loja na Austrália, no subúrbio de Manly, em Sydney, informou o portal especializado Beanscene Magazine. Fundada em 2017 pelos irmãos Alexandre, Carlos e Luis Fertonani, a marca se apresenta como uma cafeteria brasileira inspirada na estética japonesa.

Em oito anos, o negócio saltou para mais de 250 unidades em 13 países, entre eles Áustria, Espanha, França, México, Colômbia, Peru e Emirados Árabes Unidos. Em Sydney, a expansão já está confirmada: segundo o site da rede, uma nova loja deve abrir em Surry Hills.

A chegada da The Coffee acontece no mesmo momento em que a japonesa % Arabica prepara uma loja emblemática em Bondi, outro bairro costeiro da cidade. A entrada de marcas internacionais acirra a concorrência no mercado australiano, considerado um dos mais maduros do mundo no consumo de café.

O movimento faz parte da estratégia de internacionalização da rede curitibana, que pretende alcançar 2 mil unidades até 2028, e prevê novas inaugurações na Bélgica ainda este ano.

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

Marketing pro bono

Por Celso Vegro

Para qualquer agente econômico envolvido no agronegócio café, ao ponderar sobre possíveis estratégias de marketing, a imagem que chega imediatamente à mente é a do mítico personagem Juan Valdez, o exemplo de maior êxito global em favor da excelência do café colombiano. Criado no final dos anos 1950, a imagem do cafeicultor com sua mula (ou burro) tornou-se emblemática para todos os apreciadores da bebida ao redor do mundo. Ademais, por envolver também os demais agentes da cadeia produtiva, consolidou uma identidade do segmento cafeeiro colombiano em seu conjunto.

A estratégia de divulgação da excelência do café colombiano por meio desse personagem tem sido um exemplo estudado pelas agências de marketing e pelos cursos de formação de novos publicitários. Evidentemente, esse êxito somente foi obtido por meio de grande investimento financeiro por parte da Federação Nacional de Cafeicultores de Colômbia (FNC). Desde 2002, o empreendimento é conduzido pela Promotora de Café Colômbia S.A. (Procafecol S.A.), empresa controladora da marca e das franquias e da distribuição varejista de cafés com a marca Juan Valdez.

Segundo o informe de gestão1 publicado pela controladora, existem aproximadamente 103 mil estabelecimentos que oferecem café colombiano em 38 países. Destes, 584 são cafeterias (216 delas em outros países), com equipe composta por 2.762 colaboradores. Em 2023, o faturamento bruto da empresa foi de R$ 286,08 milhões2, representando avanço de 23,5% frente ao ano anterior. Apesar desse expressivo resultado, houve prejuízo operacional de R$13,09 milhões3! De qualquer modo, sem dúvida, ele continua sendo um tremendo exemplo para o caso brasileiro que, ainda, engatinha quando o assunto é o “marketing dos Cafés do Brasil”.

O resultado não poderia ser diferente. Diante dos mais de 60 anos de emprego da marca Juan Valdez na comercialização do café colombiano no mundo, o Brasil constatou que seu reconhecido papel em suprir com o produto a demanda global foi, paulatinamente, substituído em favor de um de seus principais concorrentes.

Todavia, alcançamos o segundo semestre de 2025 com anúncio que sobressaltou o agronegócio Cafés do Brasil. Unilateralmente, o governo estadunidense adicionou ao café brasileiro 40% de tarifa adicional, que se somaram aos 10% anteriormente estipulados. Sendo o Brasil o principal fornecedor de café naquele mercado, tal medida promove uma desorganização dos negócios.

De imediato, os apreciadores locais, ao recorrerem a novas aquisições de café, perceberam elevação dos preços de varejo do produto. Deve-se considerar que processos inflacionários não consistem em aprendizado dos americanos e, por essa razão, há um choque maior quando se constatam variações substantiva de preços.

Apesar do impacto imediato sobre os embarques brasileiros destinados aos EUA (queda de 17,5% em agosto)4, houve crescimento nas vendas para a Colômbia5, entre outros destinos menos usuais para o café brasileiro. Esse movimento de incremento de embarques para destinos não tradicionais deverá se intensificar, sobretudo para o México e o Canadá. Também o Uruguai é forte candidato a aumentar as importações de café brasileiro.

Diante disso, a população estadunidense percebeu que o que garante seu hábito de consumo a preço justo é o café brasileiro, que, por razões de interesses políticos e não comerciais, foi prejudicado em sua competitividade pela imposição dos 50% de taxa aduaneira.

Ocorre então uma significativa redescoberta entre os consumidores daquele país: o café vem do Brasil!!! Sem qualquer investimento da parte de nossas lideranças, com ou sem a parceria com o governo (Funcafé), o agronegócio Cafés do Brasil foi contemplado no mercado estadunidense com um marketing pro bono6.

A evidência decantada de que aquela bebida que acompanha os apreciadores todos os dias tem origem brasileira traz ganhos para o agronegócio Cafés do Brasil. Estando o país em grande evidência, os consumidores enfrentam restrições ao acesso da bebida (por escassez de suprimento) devido a razões que não decorrem de fatores econômicos. Tal cenário coloca a população americana contra seu governo e, em contrapartida, reúne mais e mais simpatizantes para com a democracia brasileira e sua pujante produção de café.

O momento é propício para que nossas lideranças intensifiquem campanhas para estímulo à procura dos Cafés do Brasil. A onda é favorável, e com um tostão em recursos seria possível conseguir firmar a origem brasileira como central na manutenção desse hábito de consumo tão caro ao povo americano. Mangas arregaçadas e trabalhemos o marketing pro bono dos Cafés do Brasil!

1 Disponível em: https://juanvaldez.com/wp-content/uploads/2024/12/Procafecol_-_Informe_Integrado_2023.pdf   (Acesso em 10/09/2025).

2 Para conversão dos valores foi empregada a paridade cambial de 1.000 pesos colombianos = 1,39 reais brasileiros.

3 Em 2022, o resultado líquido operacional foi de R$19,50 milhões.

4 Ver:  https://www.moneytimes.com.br/volume-exportado-de-cafe-despenca-em-agosto-mas-receita-sobe-com-precos-altos-eua-perdem-lideranca-fets/ (Acesso em 10/09/2025)

5 Disponível em: https://agfeed.com.br/economia/por-que-a-colombia-comprou-quase-6-vezes-mais-cafe-do-brasil/ (Acesso em 10/09/2025)

6 A expressão vem do latim pro bono publico, que significa “para o bem público”.

TEXTO Celso Luis Rodrigues Vegro é engenheiro agrônomo, mestre e pesquisador científico do IEA (Instituto de Economia Agrícola), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

Mercado

Exportações de solúvel para os EUA caem 50% em agosto

Apesar da queda, indústria pode bater recorde e superar 1 bilhão em 2025

As exportações brasileiras de café solúvel aos Estados Unidos despencaram em agosto, primeiro mês de vigência da tarifa de 50% imposta pelo governo Donald Trump. Os embarques somaram 26.460 sacas, queda de 59,9% ante agosto de 2024 e de 50,1% em relação a julho, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics).

“Essa queda brusca frustra a expectativa de um novo recorde [de volume] em 2025”, disse o diretor executivo da entidade, Aguinaldo Lima. No ano passado, o Brasil exportou 4,093 milhões de sacas.

De janeiro a agosto, o país embarcou 2,508 milhões de sacas de café solúvel para 88 países, recuo de 3,9% sobre igual período de 2024. Apesar disso, a receita cambial atingiu US$ 760,8 milhões, avanço de 33% na mesma comparação. A Abics projeta superar US$ 1 bilhão em 2025, o que seria um novo recorde (em 2024, foram US$ 950 milhões).

Os EUA seguem como principal destino do produto no acumulado do ano, com 443,1 mil sacas (-3,7%), à frente da Argentina (236,4 mil, +88,3%) e da Rússia (188 mil, +16,8%). Países produtores como Colômbia (82,7 mil sacas), Vietnã (72,4 mil sacas) e Malásia (68,8 mil sacas) entraram no top 15 dos maiores importadores de solúvel.

No mercado interno, o consumo de café solúvel chegou a 763,6 mil sacas de janeiro a agosto – alta de 4,7% em relação ao mesmo período do ano passado. O avanço foi puxado pelo freeze dried ou liofilizado (+11,3%), enquanto o spray dried (em pó) cresceu 3,9%.

“O mercado doméstico responde bem aos investimentos em qualidade e novos produtos. O café solúvel tem praticidade e preço mais acessível em um cenário de cotações elevadas”, afirmou Lima.

TEXTO Redação • FOTO Felipe Gombossy
Popup Plugin