O país tem um dos maiores e mais vibrantes mercados de cafeterias focadas em qualidade do mundo. Mas o que está por trás dessa obsessão da nação do Leste Asiático, e quanto tempo os operadores podem sustentar esse crescimento estratosférico?

Por Tobias Pearce (5THWAVE)
Poucas nações no mundo abraçaram o café e sua cultura com tanto entusiasmo quanto a Coreia do Sul. Dados do governo mostram que, no final de 2023, havia mais de 100 mil cafeterias em todo o país, gerando, coletivamente, ₩ 15.5 trilhões (US$ 11,2 bilhões) em vendas e empregando cerca de 270 mil trabalhadores.
Com uma população de 52 milhões de pessoas, há aproximadamente uma cafeteria para cada 520 cidadãos no país. Cerca de um terço desses estabelecimentos são redes de cafés, e dados do World Coffee
Portal mostram que o segmento cresceu 6,9% e superou 31.130 pontos de venda nos 12 meses até novembro de 2023 – com uma média de quase 10% de crescimento anual nos últimos cinco anos.
A rede de cafés líder de mercado, Ediya Coffee, abriu centenas de unidades nos últimos 12 meses e, agora, opera mais de 4 mil lojas, seguida pela Mega Coffee, com mais de 3 mil estabelecimentos, e pela Compose Coffee, com 2,6 mil pontos. Com 1,9 mil lojas, a Coreia do Sul é o terceiro maior mercado global da Starbucks, atrás dos EUA e da China. Tal é a popularidade dos cartões-presente da Starbucks, especialmente no Natal, que o governo coreano estima que a rede possua cerca de ₩ 318 bilhões (US$ 230 milhões) em saldos pré-pagos. “Podemos dizer que a Starbucks é um banco não regulamentado”, disse Kim Jung-tai, ex-CEO do Hana Financial Group, em 2020.

Uma loja da Ediya Coffee em Myeongdong, Seul
A posição da Coreia do Sul como um dos maiores consumidores de café do mundo é ainda mais notável quando se considera a adoção relativamente recente do café em massa no país. O lançamento da mistura para cappuccino – sachês de café instantâneo e leite em pó – pela gigante alimentícia Dong-suh Foods, em 1976, é considerado o pontapé inicial da obsessão por cafeína no país.
“Esse lançamento teve um impacto duradouro na indústria, contribuindo para uma cultura em que pessoas de várias idades apreciam o café. Essa tendência influenciou a percepção de que a bebida deve ser rápida e doce, impulsionando com sucesso a cultura do café durante a rápida industrialização da Coreia do Sul”, diz Wonjin Cho, colunista de café e coautor do aclamado Korea Specialty Coffee Guide.
Esse impacto duradouro é evidente na tendência viral do Dalgona, que varreu o mundo em 2020. A mistura batida de café instantâneo, açúcar, leite e água quente, nascida em Busan na década de 1960, cativou milhões durante os confinamentos da Covid-19 e continua sendo a indulgência favorita em cafés e cozinhas caseiras.
Hoje em dia, a Coreia do Sul também é um mercado em expansão de cafés especiais, com pioneiros locais como Coffee Libre, Terarosa, Namusairo e Bean Brothers competindo com marcas internacionais
renomadas, incluindo Blue Bottle Coffee e Intelligentsia Coffee (dos EUA), % Arabica (do Japão) e The Barn (da Alemanha).
O amor dos sul-coreanos pela bebida mantém em funcionamento uma enorme quantidade de redes de cafés e operadores independentes – mas o que está por trás dessa obsessão cafeinada, e como as cafeterias podem continuar a prosperar em um mercado tão saturado? As pistas podem ser encontradas na complexa história da nação e em suas ricas tradições culturais.

Fila para pedidos na Starbucks do aeroporto Incheon
Competição e excelência
Para Wonjin Cho, a competição e a busca por excelência caracterizam estruturalmente o sul-coreano. “Esse espírito competitivo impulsionou a concorrência construtiva em várias indústrias, colocando a Coreia do Sul na vanguarda em vários campos”, diz ele.
Cercado pelo Japão a leste, pela China a oeste, e separado da Coreia do Norte pela fronteira mais fortemente militarizada do mundo desde o fim da Guerra da Coreia, em 1953, é fácil deduzir por que a sociedade sul-coreana valoriza ferozmente a independência e uma ética de trabalho fundida em ferro.
Com o hábito de trabalhar por muitas horas, o café e a cultura das cafeterias tornaram-se parte essencial do cotidiano dos sul-coreanos ao oferecer uma maneira prazerosa e econômica de se revigorar. Só em 2011 a Coreia do Sul adotou oficialmente a semana de trabalho de cinco dias, e, em 2018, o máximo de horas de trabalho semanais foi reduzido de 68 para 52.
Mesmo assim, eles ainda trabalham, em média, 1.915 horas por ano, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em comparação com 1.791 horas nos EUA e 1.607 no Japão.
“O termo ‘competitividade’ pode ter uma conotação negativa, mas também pode ser visto como algo que incorpora um senso de responsabilidade e diligência”, diz Cho.
A busca pela excelência teve papel crucial na transformação do país em um dos principais inovadores industriais e culturais do mundo. Nos anos 1960, a renda per capita da Coreia do Sul era inferior à de
países como Haiti, Etiópia e Iêmen e 40% abaixo da renda per capita da China.
No entanto, o chamado milagre sul-coreano assistiu ao surgimento de conglomerados empresariais (em coreano, chaebol), incluindo a Lucky Chemical Company (que mais tarde se tornou a gigante da eletrônica LG) e a Samsung na década de 1970. Depois disso, o crescimento econômico foi, em média, de 6,4% até 2022. Hoje, a economia de ₩ 2,24 quatrilhões (US$ 1,72 trilhão) da Coreia é a quarta maior da Ásia e a 14a do mundo.
Seguindo a mesma trajetória ascendente, o mercado de cafeterias do país requer um exército de baristas, torrefadores e Q-Graders qualificados para apoiar essa gigantesca indústria. Por isso, a associação de cafés do país é uma das poucas diretamente financiadas pela Speciality Coffee Association (SCA).
Após o lançamento do sistema de diplomas da SCA na Coreia do Sul, em 2011, existem agora cerca de 400 treinadores SCA autorizados (authorized SCA trainers ou ASTs, em inglês), representando um
quinto dos 1,8 mil ASTs no mundo.
O entusiasmo dos sul-coreanos por competições de café é enorme, especialmente depois que Jooyeon Jeon se tornou o primeiro campeão mundial de barista do país, em 2019. Fora das competições, não é
incomum ver donos de cafeterias exibindo certificados e prêmios atrás do balcão como símbolos de sua dedicação à excelência.
“Os sul-coreanos estão dispostos a estudar e aprender mais, por isso o interesse na educação sobre café sempre foi muito grande. Mesmo que as pessoas não trabalhem nesta indústria, elas ainda querem saber mais sobre o que estão bebendo todos os dias”, diz Cera Jung, gerente da SCA na Coreia do Sul.

Prateleiras com cafés ready-to-drink na 7-Eleven
A onda sul-coreana
Os fortes laços econômicos e culturais da Coreia do Sul com os EUA e o ocidente continuam a ressoar profundamente entre os consumidores e têm uma influência significativa nos negócios, na moda, na mídia e nas tendências culinárias.
Criado nos EUA, mas agora vivendo na Coreia do Sul como gerente-geral da Blue Bottle Coffee, Ryan Suh é um exemplo de como o mercado de café da Coreia do Sul é um dos mais vibrantes e bem-sucedidos do mundo. Ele concorda que a curiosidade dos sul-coreanos por tendências estrangeiras desempenhou um papel central na ascensão meteórica das cafeterias. “Essa parte do mundo sempre foi fortemente influenciada pela cultura ocidental, e isso se reflete nas décadas em que marcas multinacionais foram recebidas com uma demanda inicial enorme.”
Suh, que abriu a primeira loja da rede da Califórnia em 2019, diz que ela começou a todo vapor, e ao final do primeiro ano já empregava 80 membros de equipe em tempo integral e gerava cerca de ₩ 8 milhões em vendas.
Ao lembrar de sua primeira viagem ao Japão com a Blue Bottle, em 2017, Suh conta que cerca de 40 a 50% dos clientes do Aoyama Café, em Tóquio, eram visitantes sul-coreanos. “Não tivemos escolha a não
ser entrar na Coreia do Sul, porque os sul-coreanos nos escolheram”, afirma.
No entanto, o país também está traçando seu próprio caminho cultural. Hallyu, ou “onda sul-coreana”, descreve a difusão internacional da cultura desde os anos 1990, após o fim do regime militar e a liberalização da indústria cultural – um desenvolvimento que permitiu que indústrias criativas como cinema, televisão, moda e, claro, o K-pop prosperassem.
Em 2023, mais de 100 milhões de álbuns físicos de K-pop foram vendidos na Coreia do Sul. Doze anos após o sucesso global de Gangnam Style, o gênero continua atraindo o grande público e gera quase US$ 1 bilhão em vendas internacionais todos os anos.
Em julho de 2023, a Starbucks colaborou com o grupo de K-pop Blackpink ao criar um frappuccino temático e uma linha de mercadorias de edição limitada em nove mercados da Ásia-Pacífico, que, dizem, esgotaram em três horas após seu lançamento on-line. Em 2023, a Mega Coffee lançou uma campanha com o grupo de K-pop ITZY, e a Compose Coffee se uniu a Kim Taehyung, estrela do BTS.

Um pôster promocional do Compose Coffee apresentando V do popular grupo de K-Pop BTS
“Os grupos de K-pop foram projetados desde o início para serem exportados para o mundo. Eles são divertidos, nostálgicos e orientados para a comunidade, e eu já vi a influência cultural do K-pop, dos cosméticos e da comida sul-coreana ao redor do planeta”, observa Suh.
Me encontre para um café
Quando a Starbucks entrou no país, em 1999, o conceito de “terceiro lugar” para socializar, realizar reuniões ou simplesmente recarregar as energias conquistou muitos consumidores, já cativados pelo café instantâneo e ansiosos para dar o próximo passo em direção às bebidas premium e à cultura do espresso.
“Historicamente, os sul-coreanos não tinham muitos lugares para passar o tempo fora de casa, em comparação com a sociedade ocidental. Eles não costumam convidar pessoas para suas casas, então a cafeteria se tornou o local para encontrar amigos ou fazer reuniões – tudo pelo preço acessível de uma xícara de café. Isso também trouxe o consumo diário da bebida, que virou um hábito”, explica Matt Lee, gerente-geral da La Marzocco Korea.
Trabalhando com a La Marzocco desde que a empresa começou suas operações na Coreia do Sul, em 2012, Lee testemunhou de perto o rápido desenvolvimento do mercado de café no país. Nos primeiros anos, a La Marzocco encontrou um nicho entre os operadores de cafés especiais, focados na qualidade e no prestígio de possuir uma máquina da empresa. “La Marzocco era considerada uma ‘máquina dos sonhos’ cara naquela época”, diz ele.
“Contudo, à medida que as pessoas começaram a reconhecer a qualidade que nossas máquinas podiam oferecer, vimos cada vez mais clientes querendo ter uma La Marzocco em suas cafeterias. Agora, até mesmo as empresas de franquia querem servir café especial e mostrar aos clientes que também valorizam a qualidade”, completa.
Lee diz que o mercado de cafeterias da Coreia já parecia saturado 12 anos atrás. No entanto, a enorme escala tornou-se mais complexa, com muitas cafeterias especiais introduzindo torrefação de pequenos lotes e bebidas de café infusionadas para se manterem à frente da concorrência.
“O amor dos coreanos pelo café continua crescendo, e a busca por melhor qualidade também. O mercado está saturado, mas continua em expansão – não sei qual o seu limite”, afirma.
Ao destacar que, em 2023, o número de cafeterias superou o de restaurantes fast-food pela primeira vez desde 2013, Wonjin Cho afirma que a criação de novos distritos comerciais e complexos de apartamentos
levou a um excesso de propriedades, que costumam ser ocupadas por cafeterias.
“Esses espaços vagos são frequentemente preenchidos por cafeterias, que são vistas como lucrativas e relativamente fáceis de operar. No entanto, muitas fecham rapidamente se não conseguirem acompanhar as rápidas mudanças nas tendências ou se muitos concorrentes abrirem um estabelecimento nos arredores delas”, diz ele.
Redes focadas em valor
Apesar de sua ascensão aparentemente incontrolável, o mercado de cafeterias da Coreia do Sul não ficou imune aos desafios econômicos mais amplos. O Banco da Coreia do Sul prevê que o crescimento econômico desacelere para uma média de 0,6% na década de 2030 e contraia 0,1% ao ano na década de 2040. Com o envelhecimento da população e o baixo crescimento salarial pressionando as rendas disponíveis, as redes de cafeterias focadas em valor se fortaleceram para garantir que mais coreanos possam continuar consumindo café.
“Muitos previram que o crescimento do café de baixo custo não duraria devido ao aumento dos custos de matérias-primas e mão de obra causados pela inflação. Apesar dessas previsões, a demanda por esse tipo
de café aumentou continuamente por causa da crise econômica prolongada. Esse setor viu um crescimento explosivo nos últimos anos, com adolescentes, incluindo estudantes dos ensinos médio e fundamental, agora participando do mercado”, diz Cho.
A rede de cafés Mega Coffee abriu sua primeira loja em 2015, e expandiu-se rapidamente. Segundo dados da Comissão de Comércio Justo da Coreia do Sul, havia, em 2022, 1.184 locais da Mega Coffee no país, mais de 2.150 em 2023 e 3 mil em maio de 2024. O concorrente focado em valor, Compose Coffee, também viu seu portfólio crescer de 725 lojas licenciadas em 2020 para 2.571 atualmente.

Mega Coffee, uma das maiores cadeias de café da Coreia do Sul
Porém, enquanto grandes redes de café se beneficiam da redução de riscos e das taxas de licenciamento para a expansão de franquias, seus operadores, muitas vezes, deparam-se com descontos agressivos impostos pelas sedes. Em julho de 2024, um proprietário de loja licenciada, que preferiu não se identificar, disse a repórteres sul-coreanos que 38% das receitas geradas por um café americano quente de ₩ 1,500 (US$ 1,10) são perdidas por causa dos custos de produção.
“O modelo de franquia muitas vezes se beneficia por meio da expansão agressiva, aumentando a receita com taxas de franquia, design de interiores e custos de treinamento. No entanto, os franqueados
sofrem com a diminuição dos lucros e o aumento de lojas fechadas devido à intensa concorrência.”
Do leite saborizado de banana ao café com queijo e grain lattes – uma infusão do popular pó multigrãos coreano, Misutgaru –, a inovação de bebidas na Coreia do Sul tem dado mais do que algumas reviravol-
tas estranhas e incríveis ao longo dos anos. “Um aspecto único da cultura sul-coreana é a rapidez com que as tendências vêm e vão, então empreendedores, artistas e criadores estão sempre otimizando para o
próximo grande sucesso”, diz Ryan Suh, da Blue Bottle.
A bebida mais vendida da Blue Bottle no país é o nola float, uma versão inovadora do café gelado de Nova Orleans com sorvete de máquina por cima, que representa cerca de 10% das vendas totais da marca no país.
Cera Jung também observa que o entusiasmo dos consumidores por novas tendências tem sido um catalisador chave para o desenvolvimento da indústria, ao incentivar a experimentação e a inovação em busca da próxima grande novidade no café. “Mesmo que seja caro, as pessoas no país querem experimentar coisas novas para aprimorar sua experiência. Elas gostam de cafés de origem única e sabores distintos, mas também estão interessadas em novos métodos de processamento, como o café infusionado. Qualquer coisa nova, diferente e que valha a pena experimentar, estamos a par e trabalhando para”, diz Jung.
No entanto, o café gelado é o campeão indiscutível do mercado de cafeterias na Coreia do Sul. A Starbucks Coreia relata que mais de três quartos de todas as bebidas servidas são frias ou com gelo, com esse número ainda em torno de 60% durante os meses de inverno. “Tudo gira em torno de bebidas geladas quando o assunto é café ou até mesmo bebidas não cafeinadas”, afirma Jung.
O trabalho árduo, a competição e o desejo de descobrir as últimas tendências transformou a paixão dos sul-coreanos pelo café em uma indústria de causar inveja no mundo.
Seja como arte a ser dominada, bebida a ser saboreada, marca para inspirar ou uma bebida para construir relações, o café é o ponto focal de inúmeras interações na sociedade coreana – e uma obsessão nacional que não mostra sinais de desacelerar.
Texto originalmente publicado na edição #86 (dezembro, janeiro e fevereiro de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.
TEXTO Tobias Pearce (5THWAVE)