Conhecer os caminhos que o grão percorre até a xícara ajuda o consumidor a fazer escolhas melhores e que caibam no bolso
Foto: Daniel Ozana/Studio Oz
A internet virou um alvoroço em torno do preço de um café no início do ano passado. À época, uma xícara de Black Jaguar na cafeteria australiana Proud Mary Coffee custava R$ 730. O café em questão era um gesha do Panamá, de processamento natural, e que havia atingido 96 pontos (de um total de 100) em uma avaliação da Specialty Coffee Association (SCA).
Por valores bem menores, questiona-se o preço pago por cafés especiais. Embora as disponibilidades financeiras de cada um e suas preferências devam ser levadas em conta, é preciso, também, entender como se forma o preço de uma xícara (ou grão, ou drinque, ou caneca) de café.
Um dos segredos para entender essa escada dos preços é conhecer o caminho percorrido pelo grão desde o seu plantio na lavoura até o primeiro gole, envolvendo aspectos como tecnologia, ciência, força de trabalho e etapas. Vamos a elas:
Mercado (evolução geral do preço)
Nos últimos anos, o café foi um dos produtos com maior evolução de preço nos supermercados. Entre julho de 2021 e junho de 2022, por exemplo, o café torrado e moído tradicional chegou a subir 88% em São Paulo (dados do programa de proteção do consumidor, o Procon-SP) e 98% em Curitiba (dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese). Entre os fatores que impulsionaram esse aumento estão queda de produção, efeitos das mudanças climáticas e a guerra na Ucrânia, que abalou o mercado de insumos agrícolas.
Embora seja mais difícil avaliar a alta do café especial, ele também é afetado pelos valores do café commodity e por vários motivos que o alteram.
Os preços podem até baixar, mas dificilmente voltarão ao patamar anterior a 2020. No caso dos cafés especiais, a boa notícia é que há mais produtores investindo em grãos de maior qualidade, o que aumenta a oferta e a possibilidade de escolha.
Tempo de produção*
5 anos: desde a germinação da semente até que o cafeeiro esteja pronto para começar a dar frutos suficientes
+ 12 a 15 meses: de espera para a colheita (entre dormência, floração, frutificação e colheita). A dormência e a colheita podem acontecer ao mesmo tempo. Da flor ao fruto maduro, aguardam-se 9 meses
+ 30 dias: de colheita propriamente dita, secagem e chegada ao armazém. Esse tempo varia de acordo com os processamentos escolhidos e as condições climáticas
+ 15 dias: para o descanso do café após o beneficiamento. O tempo de comercialização do café verde pode variar muito mas, em geral, as sacas de uma safra são vendidas até o início da próxima colheita, ou seja, em um ano.
+ 60 dias: esse é o tempo médio para que o café comprado, torrado e vendido ao consumidor em cafeterias, e-commerces ou mercados seja continue fresco.
“Há todo um cuidado desde a escolha da variedade que será plantada em cada local, mas o grande diferencial do café especial para o commodity está no pós-colheita. Depois de colhido, o café é lavado, para separar o café boia (ainda imaturo) do cereja (frutos maduros). Estes últimos são despolpados, separados de possíveis grãos verdes; em seguida, o café é descascado e desmucilado (em um equipamento que lava o café sob pressão de água). Isso retira o excesso de polpa, facilitando na seca, diminuindo a proliferação de alguns fungos e fermentações indesejáveis. O café é levado para ser seco em terreiro coberto. O tempo de seca varia de acordo com o clima. Depois, ele é ensacado e armazenado. Durante o período de armazenamento, é provado (cupping) várias vezes. O lote é pilado (descascado), para posteriormente ser feito o rebeneficiamento (separação por tamanho de grão, a chamada peneira). Só então o café está pronto para ser comercializado” – Thiago Douro (cafeicultor no Sítio Denizar, Marechal Montanhas do Espírito Santo, ES)
Profissionais
No preço de cada café especial que tomamos você está incluso parte do salário de:
– produtor rural (pequeno, médio ou grande)
– quem cuida da lavoura
– quem colhe (muitas vezes alguém contratado por empreitada)
– quem beneficia o café
– quem ensaca
– avaliador, provador, Q-Grader ou coffee hunter
– quem transporta
– quem comercializa o grão verde
– quem torra
– quem faz a embalagem
– toda a equipe do mercado ou loja virtual
Se o café for consumido na cafeteria, some ainda o salário do barista e de toda a equipe de manutenção das máquinas e equipamentos, além de limpeza, segurança etc.
“Para buscar novos cafés, nossos custos se contabilizam por tempo, combustível, pedágio, hospedagem, alimentação e depreciação do carro. Sempre aparece um café que não estava na programação, mas não dá pra perder, certo? Hoje em dia não tenho muitas perdas, mas fazemos muitos testes. Depois da torra perfil – a primeira que fazemos sem mexer nos parâmetros do torrador –, decidimos o que queremos ressaltar naquele café: acidez, doçura, sabor achocolatado… Quando o café é novo em nosso portfólio, posso perder até 15 kg para ajustar a torra e tirar o melhor dele” – Fernando Santana (Q-Grader, mestre de torras, consultor de cafés especiais, empreendedor (Baristando Cafés Personalizados – Valinhos/SP)
Cafeteria
Quanto você estaria disposto a pagar por uma xícara de café especial em uma cafeteria? Nos depoimentos que ouvimos, os valores variaram de R$ 7 e R$ 25. Uma cafeteria que se propõe a servir cafés especiais tem vários custos, alguns mais visíveis, outros nem tanto. Quanto ao custos das bebidas (e não nos das comidinhas que podem ser servidas também), somam-se:
– o aluguel do espaço
– a estrutura física (balcão, mesas, cadeiras etc.)
– equipamentos duráveis: torrador (se for torrado na casa), máquinas de espresso, moedores, chaleiras, balanças, métodos de extração. Muitos destes equipamentos podem ser alugados (como moedores e máquinas de espresso)
– utensílios: xícaras, pitchers, jarras, copos, colheres, leiteiras, açucareiros, pires, porta-guardanapos, cardápios (físicos ou digitais)
– contas de água, energia, telefone, internet
– manutenção de um site ou redes sociais
– salário do barista
– salário do mestre de torra, se houver
– salário de outros funcionários
– manutenção de equipamentos e reposição de utensílios
– insumos: filtros de papel, guardanapos, açúcar, leite, água e outros ingredientes
– café especial
“O barista é uma ponte entre áreas do café. Sua missão é passar para o cliente o que ele aprende, de forma que ajude a compreender cada processo antes de o café chegar até a xícara. Ele precisa saber dos padrões de cada bebida adotados pela cafeteria, afinal, por mais que uma bebida leve o mesmo nome, é possível ter liberdade na escolha de quantos centímetros vai ter a crema, da quantidade de shots e da apresentação que a bebida terá, por exemplo. O tempo que leva para se tornar um bom barista depende de muitos fatores e do lugar em que a pessoa trabalha. Em cafeterias grandes, creio que um ano é um tempo bom” – Keiko Sato (barista, mestre de torra e gerente comercial)
O custo do café especial em casa
O café filtrado tem uma receita-base de 10 g de café (moído ou em grãos) para 100 ml de água. Isso rende café para 2 xícaras pequenas, de cerca de 40 ml de líquido pronto cada uma (estamos sendo generosos com o que fica na borra e no filtro).
Isso significa que um pacote de 250 g rende em torno de 50 cafés. No momento em que editamos esta reportagem, é possível encontrar, no site da Café Store, opções de grãos especiais em pacotes com esse peso cujos valores variam de R$ 23,50 a R$ 70. Sendo assim, cada café preparado em casa, com o uso de filtro de papel, pode sair entre R$ 0,47 e R$ 1,40 (sem considerar alguns centavos para o custo de filtro descartável, água e gás ou eletricidade). Agora é fazer as contas para escolher o prazer de um bom café, especial e que caiba no seu orçamento.
*Esse cálculo foi feito pela redação da Espresso para dar uma ideia do tempo transcorrido na produção do café, e que pode variar bastante segundo etapas e processos.
TEXTO Cíntia Marcucci e Gabriela Kaneto