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Pesquisadores brasileiros desenvolvem roda de sabores inédita para o café canéfora
Estudo identifica 103 descritores sensoriais para a espécie, com o objetivo de promover sua valorização no mercado de cafés especiais
Por Cristiana Couto
Um grupo de pesquisadores brasileiros desenvolveu a primeira roda de sabores dedicada aos cafés da espécie canéfora. O estudo, que acaba de ser publicado na revista Scientific Reports, um braço da Nature, buscou identificar e organizar os descritores sensoriais da espécie, criando uma ferramenta para avaliação de qualidade e promoção no mercado de cafés especiais. A pesquisa foi conduzida por Fabiana Carvalho (The Coffee Sensorium), e teve a participação dos cientistas Lucas Louzada (Instituto Federal do Espírito Santo e projeto Aquarela do Café) e Enrique Alves (Embrapa Rondônia), entre outros.
“Embora a avaliação sensorial de cafés canéfora seja feita por meio de protocolos padronizados, falta no mercado uma ferramenta descritiva específica para a compreensão mais ampla de suas características”, escrevem os autores.
Descrições sensoriais precisas de cafés canéfora são cada vez mais mais importantes num mercado que vem recebendo, nos últimos anos, canéforas brasileiros com qualidade sensorial cada vez maior. Isso porque manejos adequados, melhoramento genético e processos pós-colheita cuidadosos ajudaram a tornar a espécie, que já é mais resistente a pragas, doenças e altas temperaturas, uma alternativa viável ao arábica diante das mudanças climáticas.
A pesquisa sugere, portanto, que a nomenclatura de cafés de alta qualidade deve ser reconsiderada, para incluir os cafés canéforas como de “especialidade”. “A suposição de ‘baixa qualidade’ desviou a captura de C. canephora por mecanismos alternativos da cadeia de suprimentos (por exemplo, comércio justo, comércio direto) e enfraqueceu a motivação para a melhoria da qualidade, comum no mercado de café arábica especial”, dizem os autores. eles também não deixam de pontuar que, ao se tratar de qualidade, deve-se considerar que genoma, composição química, práticas de cultivo e pós-colheita da espécie foram muito menos estudados do que os cafés arábicas – principalmente no que diz respeito a procedimentos-padrão e/ou potenciais marcadores para a qualidade da bebida.
O estudo envolveu 49 avaliadores de café profissionais (produtores do Brasil e importadores da Suíça), em três sessões de degustação. Foram avaliadas 67 amostras de 13 países diferentes (Brasil, Congo, Costa Rica, Cuba, Ecuador, Ghana, Guatemala, India, Indonesia, México, Peru, Uganda e Vietnã), com diferentes processos de pós-colheita (lavados e naturais) e níveis de qualidade (especiais e não-especiais). A roda de aromas resultante, organizada em três níveis (categorias, subcategorias e descritores específicos), contém 103 descritores de aroma e sabor – a posição dos termos na roda foi determinada pela média das pontuações. Entre os descritores mais destacados estão “torrado”, “doce”, “frutado” e “cacau”, enquanto “salgado” apresentou menor frequência.
Segundo os pesquisadores, o protocolo de cupping para canéforas é bastante diferente do protocolo de arábicas, especialmente na avaliação de acidez e doçura, e a padronização é fundamental para a comunicação entre produtores e consumidores.
As amostras selecionadas buscaram representar uma ampla gama de atributos de sabor, e foram transportadas aos avaliadores como grãos de café verde em embalagens a vácuo.
Os autores do trabalho identificaram, ainda, que avaliadores de café de diferentes locais apresentaram diferenças significativas nas classificações de categorias de sabor, como frutado, doce e especiarias, devido às diferenças culturais e de mercado entre europeus e brasileiros. Essas diferenças influenciam a terminologia e a intensidade das notas de sabor. “Avaliadores brasileiros tendem a focar mais em notas doces, enquanto os europeus valorizam notas frutadas”, diz o artigo.
Por exemplo, a categoria “frutado” foi avaliada, em média, em 5,68 pelos avaliadores importadores, mas em 3,84 pelos exportadores. Já a categoria “caramelo” teve a maior média de pontuação, com 21,4. “A interação entre o avaliador e o nível de qualidade do café foi significativa, com importadores avaliando cafés de baixa qualidade mais generosamente”, relatam os autores do artigo.
O estudo destaca, ainda, a necessidade de reconhecer o potencial dos cafés canéfora, incentivando práticas que valorizem sua qualidade e contribuam para a sustentabilidade da cafeicultura global.