Coluna Barística por Mariana Proença

Experiências com café e sobre a profissão barista

Café com afeto

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O café é casado com o açúcar há dezenas de anos. Já completaram umas quatro bodas de ouro e, sem festa, mas com grande fidelidade, mantêm essa relação duradoura. Eles são daquele tipo “casal chiclete”, que não desgruda por comodidade e tradição. Onde está o café, lá vem o açúcar. Trata-se, muitas vezes, de um casal moderno, que se adapta a qualquer realidade vigente no País. Falta água, mas não falta afeto, quer dizer, açúcar.

Além da relação íntima entre eles, esse é o perfil de um casal que tem torcida. Todos querem que eles fiquem juntos, ou a maioria deseja isso. Se o café aparece sem o açúcar, a confusão está formada. É um falatório sem igual. Cochichos para todos os lados. Imagina o café puro saindo por aí? O casal tem árduos defensores e não adianta querer separar os dois. Pior ainda é insinuar que o café, então, é melhor que o açúcar. Nossa, há revolta e até protesto:

“O quê? Esse café é especial?”. “Mas o que ele tem de tão diferente assim para o açúcar ser posto em segundo plano?”. “Nossa, que absurdo!”, bradam alguns. Daí vêm as críticas ao café: “Nossa, mas que café fraco!”, “Cadê o açúcar?”, “Que amargo”, “Cadê o açúcar?”. O café passa de chafé a muito forte em questão de segundos, tudo porque não está acompanhado do açúcar.

Conclusão: o açúcar nunca se sentirá sozinho. É daquele casal que, mesmo terminando o relacionamento, terá sempre alguém tentando criar uma situação de reencontro. Coisa boa de amor. De mãos dadas eles saem pelas ruas alegrando os apreciadores e tornando a vida cheia de energia e mais doce.

Às vezes o leite chega para fazer companhia, mas só em alguns momentos do dia ele pode entrar na conversa. Para agradar, o tal do leite às vezes faz até um desenho bonito, que deixa tudo em harmonia. Tenta também versões desnatadas, com soja, integral e direto da fazenda. Mas nada supera a presença do açúcar nessa relação.

Eis que, em tempos modernos e de grãos bem cuidados, surge um café independente, completo, que não precisa do açúcar para sobreviver. O café ganha uma liberdade nunca vista na relação e passa a circular sozinho por aí. Mas há quem sempre pergunte: “E o açúcar, como está?”. E o café: “Ah, nós terminamos”.

E assim o café repete essa frase inúmeras vezes ao dia. Tem algumas recaídas, claro, encontrando-se com o açúcar em dias mais amargos, em que precisamos de afeto. Mas isso sem que ninguém veja. Ele, o café, pensa: “Eu sei que o certo é não estar perto de você”. Talvez porque ele altere o temperamento, ou mascare o real jeito de ser do café, ou mesmo sobressaia ao grão, sempre o centro das atenções, mas nem sempre do sabor. Porém a relação deles é tão longa, estão tão acostumados um ao outro que sem o açúcar a vida vira um grande martírio para o pobre café.

Então o café continua sendo um grande companheiro, mas sem a obrigação de estar junto. E o açúcar, ah, esse é pau pra toda obra e topa qualquer convite. Está presente em todos os lugares, bares, e sempre indo ao encontro do café.

Esse relacionamento vai e vem, volta ou não volta, separa definitivo ou se vê de vez em quando é a grande graça da vida. Eles descobrem que é difícil viver totalmente separados, mas que há momentos em que é bom experimentar sair sozinho por aí e ter sua liberdade, seus outros complementos, conversas. As regras, ah, essas deixamos de lado, queremos que seja sempre com muito afeto e uma boa companhia.

*MARIANA PROENÇA é jornalista. Em 2006 assumiu a direção de conteúdo da Espresso e, meses depois, o café já tinha virado uma paixão, que dura até hoje. Nesta coluna ela aborda diversos temas e experiências sobre a profissão barista. Fale com a colunista: mariana.proenca@cafeeditora.com.br

TEXTO Mariana Proença • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

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