Coluna Café por Convidados Especiais

Do campo à xícara, profissionais convidados refletem sobre o setor

Rause Café na Estrada: Fazenda Portal da Serra – Ibiraci (MG)

O caminho pelas estradas de Minas Gerais continua chuvoso. Já aprimoramos bastante a nossa técnica de envelopamento da carga, assim nossa bagagem está bem mais segura.

Chegamos na cidade de Ibiraci ainda na noite do dia 11. Paramos no que parecia ser um dos poucos lugares abertos para comer uma pizza e esperar pelo nosso anfitrião, Hugo Wolff. Para a minha surpresa, estava com ele o Paulo, um dos sócios da cafeteria King of the Fork (KOF) de São Paulo. Coincidentemente, foi nesta cafeteria que apresentei o Rause Café na Estrada pela primeira vez para o pessoal da Revista Espresso.

Chegamos na casa onde ficaríamos hospedados e fomos recebidos pelos guardiões da fazenda: o Taurus, o Áthos, o Brutos e o Lobinho. Os dois primeiros da raça Canicorso, um Pit-bull e um Pastor Alemão. Certamente, não arriscaríamos descer da caminhonete se não fosse a presença do Hugo.

Na manhã seguinte conhecemos a família toda. O Umberto, pai do Hugo, a mãe Elisa e a avó Dona Madalena.

Após o café da manhã reforçado fomos passear pela lavoura de café e conhecer um pouco do trabalho da família. Há alguns anos o Hugo abandonou a carreira de oficial da Marinha para se dedicar ao cultivo do café. Paramos em um ponto onde está sendo planejado um mirante, para admirar a linda vista que se tem a 1.235 m de altitude.

Após um almoço muito saboroso preparado no fogão à lenha pela avó do Hugo, na plenitude dos seus 83 anos de idade, montamos a nossa máquina de espresso na mesa do almoço e pudemos ver nos olhos da família o orgulho que eles têm do ex-marujo.

O café servido veio de dois talhões (áreas) diferentes da Fazenda Portal da Serra. Eles são catuaís vermelhos processados naturalmente (quando o café seca ainda dentro da casca).

Ficou curioso? Venha provar esse e os outros cafés do Rause Café na Estrada na Semana Internacional do Café que acontecerá em BH entre os dias 24 e 26 de setembro. Acompanhe também nossa viagem por terras mineiras pelo Facebook ou no Instagram @rausecafenaestrada.

Um abraço e até a próxima parada!

*Juca Esmanhoto é proprietário do Rause Café + Vinho, em Curitiba (PR), ao lado de sua sócia Hida Lambros, e criador do projeto Rause Café na Estrada. Conheça mais sobre o trabalho, clicando aqui.

FOTO Rause Café na Estrada/Divulgação

Rause Café na Estrada: Daterra – Fazenda Boa Vista

A chegada em Patrocínio foi, mais uma vez, embaixo de chuva torrencial. Mais uma vez, mesmo com uma lona adicional cedida pelo pessoal da AC Café em Araxá, nossa bagagem sofreu com a água. A chuva já está começando a atrapalhar demais nossos planos.

Mais uma vez, sem expectativa de termos uma iluminação natural diferente do cinza no céu, seguimos para a Fazenda Boa Vista, sede da Daterra.

Desde o momento que entramos na fazenda deu para perceber que a qualidade é o foco desta empresa que investe pesado em pesquisa e melhorias ano a ano, safra a safra.

Quem nos recebeu foi o engenheiro agrônomo e gerente técnico da fazenda Gustavo Guimarães. Ele nos contou como surgiu a fazenda que, diferente das outras, já nasceu focada em produzir cafés de alta qualidade em larga escala e com um projeto já desenhado e estudado para fazer da Daterra uma das principais produtoras de café do país.

Com cerca de 60% da lavoura de café pontuando acima de 80 pontos, os cafés são embalados em um sistema chamado PentaSystem, que foi desenvolvido por eles mesmos. Neste novo sistema de embalagem do café verde, a saca de juta deu lugar a modernas caixas de papelão, que tem no seu interior dois pacotes de 12,1kg de café embalados a vácuo com injeção de alguns gases que promovem um aumento da vida útil do café além facilitarem muito a armazenagem e transporte do grão verde.

Ainda antes da pausa para o almoço fomos conhecer a estrutura de beneficiamento dos cafés da série chamada de Masterpieces. Nesta estrutura são selecionados cafés muito específicos, com o grau de maturação e dimensões desejadas. Isso permite um direcionamento muito acertivo para a produção de cafés exóticos e incríveis.

Após o almoço, retornamos ao laboratório e servimos cerca de cinquenta funcionários da Daterra em uma linda La Marzocco FB80 vermelha, que mostrou todo o potencial do café, um Gaurani natural. Muitos nunca haviam provado aquele café intenso e encorpado extraído sob pressão. Nos copos, adesivos levavam os nomes das pessoas que nos ajudaram a realizar o projeto através do financiamento coletivo.

Ficou curioso? Venha provar esse e os outros cafés do Rause Café Na Estrada na Semana Internacional do Café que acontecerá em BH entre os dias 24 e 26 de setembro. Acompanhe também nossa viagem por terras mineiras pelo Facebook ou no Instagram @rausecafenaestrada.

Um abraço e até a próxima parada!

*Juca Esmanhoto é proprietário do Rause Café + Vinho, em Curitiba (PR), ao lado de sua sócia Hida Lambros, e criador do projeto Rause Café na Estrada. Conheça mais sobre o trabalho, clicando aqui.

FOTO Rause Café na Estrada

Rause Café na Estrada: muita chuva e alguns espressos pelo caminho

Depois de muitas horas (muito mais do que esperávamos) de viagem, embaixo de chuva forte, chegamos em Araxá (MG) perto das 5h da manhã. No hotel que tinham nos indicado, o sistema estava fora do ar e era impossível liberar as chaves magnéticas. No segundo que paramos, a recepção estava vazia e mesmo depois de algumas ligações minhas para o telefone que estava no balcão a minha frente, ninguém apareceu. Já estávamos irritados e absurdamente cansados até que, enfim, na terceira tentativa, conseguimos fazer o check-in.

Obviamente, a ideia de chegar na fazenda pela manhã cedo tinha, literalmente, ido por água abaixo. Porém, ao chegarmos ao escritório da AC Café, encontramos o Carlos e a Andreza, uma das pessoas que apoiou muito o Rause Café na Estrada.

Após um almoço delicioso, quando conversamos um pouco a respeito da história da fazenda, fomos até o laboratório onde, depois de três dias de viagem, conseguimos colocar a nossa La Marzocco GS3 para funcionar. E ah… Como ela funciona!

Servimos lindos espressos (21g/60 ml) para os funcionários da fazenda. Como era de se esperar, apesar da tentativa de disfarçar, alguns deixaram escapar uma careta de estranhamento. O café no moinho era o campeão de 2014 do concurso de qualidade da região do Cerrado Mineiro (a única região cafeeira com denominação de origem controlada do país). Sem dúvida, o café da Fazenda Santa Lucia, pontuado com 89,12 pelos juízes do concurso, ficou fantástico!

Ficou curioso? Venha provar esse e os outros cafés do Rause Café na Estrada na Semana Internacional do Café que acontecerá em Belo Horizonte entre os dias 24 e 26 de setembro. Acompanhe também nossa viagem por terras mineiras pelo Facebook ou no Instagram @rausecafenaestrada

Um abraço e até a próxima parada!

*Juca Esmanhoto é proprietário do Rause Café + Vinho, em Curitiba (PR), ao lado de sua sócia Hida Lambros, e criador do projeto Rause Café na Estrada. Conheça mais sobre o trabalho, clicando aqui.

FOTO Rause Café na Estrada

Rause Café na Estrada: primeira parada

Juca, o produtor Paulo Almeida e Hida Lambros na Fazenda Santa Terezinha, no Sul de Minas Gerais

A primeira parada em solos mineiros foi Paraisópolis, cidade da região do Sul de Minas Gerais. Infelizmente (para nós), a chuva atrapalhou os planos e não conseguimos servir os espressos na praça da cidade. Porém, para Paulo Almeida, também conhecido como Paulinho, da Fazenda Santa Terezinha, a chuva é sempre muito bem-vinda.

Depois de dois anos seguidos de muitas perdas com as secas que castigaram o Estado, esse ano ele está esperançoso. Praticamente, todas as 20 mil mudas que ele plantou, estão dando sinal que serão muito saudáveis daqui pra frente.

O Paulinho é um dos poucos produtores no Brasil que conseguem fazer um café orgânico de altíssima qualidade. Toda a sua safra é colhida de maneira seletiva (quando os frutos são colhidos um a um). Na safra 2015, ele apostou na fermentação de seus cafés e está muito satisfeito com os resultados que vem obtendo.

O café que o Paulinho forneceu para o projeto é um café da variedade mundo novo, orgânico e sombreado, de um talhão chamado Guatambú. Foi deste mesmo talhão que, em 2001, o Paulinho participou do Cup of Excellence pela primeira vez. Naquele ano, ele não só ficou em primeiro lugar, como foi o primeiro café orgânico a ganhar o concurso. Detalhe: a pontuação do café é maior até hoje em todos os concursos Cup of Excellence do mundo (97,53 pontos).

20150907_125859

Florada na Fazenda Santa Terezinha

Ficou curioso? Venha provar esse e os outros cafés do Rause Café Na Estrada na Semana Internacional do Café que acontecerá em BH entre os dias 24 e 26 de setembro. Acompanhe também nossa viagem por terras mineiras pelo Facebook, ou no Instagram @rausecafenaestrada.

Um abraço, e até a próxima parada!

*Juca Esmanhoto é proprietário do Rause Café + Vinho, em Curitiba (PR), ao lado de sua sócia Hida Lambros, e criador do projeto Rause Café na Estrada. Conheça mais sobre o trabalho, clicando aqui.

FOTO Rause Café na Estrada/Divulgação

A tendência da fermentação natural

Coluna Café_e47

Trabalhando com cafés de qualidade há 15 anos, cada vez mais acredito e me surpreendo com o potencial dos grãos do Brasil. Com isso, uma tendência se tornou real: voltar a usar a fermentação nos processos dos cafés por via úmida, os cafés “lavados”, como conhecemos. Um processo antigo, mas que vem sendo trabalhado e aprimorado atualmente, por profissionais envolvidos no setor. Consiste em retirar a mucilagem do café que foi descascado, deixando-o submerso na água por determinado período. É um processo muito difundido nos países da América Central, além de Colômbia, Quênia, entre outros.

Aqui nas fazendas Dona Nenem e São João Grande, localizadas na região do Cerrado Mineiro, o trabalho é cada vez mais intenso. A fermentação em tanques iniciou-se nas propriedades em 2010 e, durante esses anos, tive o privilégio de me surpreender inúmeras vezes com os resultados obtidos.

Seleção, essa seria a palavra chave para o sucesso nos processos. De acordo com suas características, os frutos são selecionados e direcionados para cada processo. Por exemplo, cafés com características marcantes em acidez não são colocados em tanques, pois isso poderia causar um desequilíbrio nessa característica de sabor. A retirada das amostras na lavoura, a fim de mapear a qualidade antes da colheita, faz com que nós possamos acertar o processo indicado para cada lote. É como a previsão do tempo, se amanhã vai chover, prepare o guarda chuva.

A meta é traçar o perfil sensorial desejável para cada setor das propriedades. O café vai nos dizer, na xícara, se ele aceita ser natural, descascado, desmucilado mecanicamente ou fermentado em tanque. Parece engraçado? Pois é a pura verdade… É como se ele falasse mesmo.

É necessário estar atento a todas as variáveis que influenciam as alterações físicas e sensoriais nestes cafés fermentados. As alterações físicas inconfundíveis são a uniformidade dos grãos, bem como a cor mais azulada, a torra, e a bebida na xícara, onde brotam as características sensoriais, a isenção de amargor, a doçura acentuada, o sabor de caramelo e ervas e, claro, a acidez, que sofre tantas alterações que em alguns lotes causa até uma sensação de borbulhas na boca, como nos espumantes.

Porém, não devemos pensar apenas em cafés fermentados, mas sim em cafés fermentados diferenciados e adicionados com uma qualidade jamais vista. Para isso, não basta apenas colocar “de molho” e pronto.

O mercado não aceita bem os cafés que possuem uma acidez acética, desagradável (como vinagre). Este processo, se bem acompanhado, trará uma acidez agradável e cítrica, prazerosa, exótica e que chame a atenção dos grandes apreciadores de cafés especiais do Brasil e de fora.

O processo de fermentação natural depende muito do monitoramento do ph da água, que deve ser feito constantemente. Gerenciar as mudanças no decorrer deste processo é uma necessidade, bem como monitorar a temperatura da água de hora em hora, levando em consideração os horários, a umidade relativa, entre tantos outros fatores. Nesse processo, as maiores mudanças acontecem após as primeiras 24 horas de imersão. A partir deste momento, o aroma e o sabor da água começam a ter suas maiores alterações. O gerenciamento, juntamente com o pHmetro, são as ferramentas de definição para retirada de cada lote, que podem variar de 28 a 40 horas, dependendo de cada lote, pois cada café é único e tem sua história. Outro fator relevante e que pode ser um influenciador é o horário em que o café é colocado no tanque, se na noite fria ou na tarde durante um sol forte, por exemplo. Um trabalho que deu certo aqui e que nos rendeu bons negócios foi a infusão de ervas. Em um destes testes, usamos o capim-cidreira, acompanhando o tempo de contato do café com a erva e a quantidade desta.

Para os cafés lavados, não posso ter medo do diferente. A busca pelo sabor completo é que me encoraja a fazer novos testes, começando em pequenas escalas e aumentando conforme a resposta que o café me dá. Outros testes serão feitos ainda nesta safra.

*Renato Souza é degustador de café Q-Grader licenciado e coordenador administrativo e de qualidade nas fazendas São João Grande e Dona Nenem, em Presidente Olegário (MG), Cerrado Mineiro. Fale com o colunista pelo e-mail colunacafe@cafeeditora.com.br

O texto deste colunista não reflete necessariamente a opinião da revista

ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Café levado a sério

coluna_cafe-46

Como profissional de café, me parece estranho que, na maioria dos melhores restaurantes do mundo, se sirva uma xícara de café medíocre. Acho difícil aceitar que um dos melhores restaurantes de São Paulo, que se orgulha de servir ingredientes de origem local, serve um café de baixa qualidade que se pode achar no supermercado. Mesmo quando em pequenas fazendas, a apenas algumas horas de distância, se produzam os melhores cafés do Brasil. Cafés que muitas pessoas – eu me incluo entre elas – viajam por todo o mundo para encontrar.

Então, por que o café ainda não é levado a sério nesses restaurantes? Eu suspeito que isso tenha a ver com dinheiro. As grandes empresas de café dão máquinas e, em alguns casos, dinheiro aos restaurantes, a fim de que sirvam o seu produto. É uma forma barata de comercialização como algo superior apenas por ser associado a um grande chef. Há também a tradição de usar o café como uma maneira de os restaurantes fazerem um bom dinheiro. Eles compram o café mais barato e o vendem caro.

Felizmente, existem chefs que estão começando a mudar essa visão. Tenho a sorte de poder ajudar um deles, o chef René Redzepi, a desenvolver um novo programa de café em seu restaurante, o Noma, em Copenhague, que é considerado o melhor restaurante do mundo. Há dois anos, fui contatado por René e seu sommelier para ajudá-los a melhorar o serviço de café no lugar. Eles perceberam que não estavam dando tanta atenção ao grão do jeito que se importavam com os outros ingredientes e queriam que ele atingisse o mesmo padrão de todos os outros ítens oferecidos no restaurante. Um ano mais tarde, depois de horas de treinamento e degustação, foi lançado o novo serviço de café do Restaurante Noma.

Decidimos concentrar nossas energias a fim de buscar o melhor café que pudesse chegar a nossas mãos e prepará-lo com um simples filtro de papel manual, o Hario V60. Muito similar ao preparo da maioria dos cafés escandinavos. Nós recebemos muitas críticas dos profissionais do setor. Para eles, o método era muito simples e poderíamos ter escolhido um caminho mais espetacular de fazer café, por exemplo, usando o sifão ou pelo menos preparando o grão ao lado das mesas para que os convidados pudessem ter uma apresentação adequada.

A meu ver, esse é um dos motivos pelos quais não há mais restaurantes que servem um café de excelente qualidade. Nós, profissionais do café, dificultamos muito a compreensão tanto dos chefs como dos clientes. O serviço simplista no Noma foi muito bem pensado. Queríamos que os clientes experimentassem o café em si, e não todo o burburinho em torno dele.

No entanto, ainda temos desafios, e um dos maiores é mudar a percepção dos clientes. Mesmo em minha própria cafeteria, ainda precisamos educar as pessoas sobre o sabor da bebida, que a maioria, normalmente, acredita ser amargo e forte. Mas um ótimo café não necessariamente é assim. Para mim, um café delicioso pode ter gosto de chá, tangerina, jasmim, etc. Com certeza não é muito amargo e é naturalmente doce. Mas nem todos os clientes serão capazes de entender que o café não é apenas café. A formação de sommeliers para apresentar a bebida é, portanto, fundamental.

Logicamente, a preparação exige um pouco de atenção, mas com treino e bons sistemas no local, fazer um café saboroso não será um problema. Encontrar os ingredientes certos pode ser um tanto desafiador. Por isso, é indispensável para um restaurante trabalhar junto com um bom torrador, que selecione os melhores grãos de pequenos produtores e que possa ajudar com treinamentos e sistemas de preparação.

Acredito que os restaurantes brasileiros deveriam liderar o mundo servindo o melhor café. Afinal, eles têm as fazendas em seu quintal e a bebida faz parte da cultura e da história do Brasil. Isso é algo que deve deixar os chefs e sommeliers brasileiros orgulhosos. É também um jeito fácil de fazer com que os visitantes saiam com um sorriso no rosto em vez de partir com um gosto amargo na boca.

* Tim Wendelboe é torrador e consultor de cafés especiais, proprietário do Tim Wendelboe Espresso Bar, em Oslo, na Noruega.

ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes