Mercado

“O Brasil tem tudo para aumentar sua liderança no mercado mundial de cafés”, diz Eduardo Carvalhaes

Para o sócio do tradicional Escritório Carvalhaes, de análises, corretagem e serviços no comércio e exportação de café, o país reúne clima, história, conhecimento, pesquisa e técnica, mas corre riscos se não investir em pesquisa, visão estratégica e legislação clara

Eduardo Carvalhaes – Foto: Agência Ophelia

Por Cristiana Couto e Caio Alonso

Com mais de 40 anos no setor cafeeiro e à frente, com o irmão Nelson, do centenário Escritório Carvalhaes, em Santos, Eduardo Carvalhaes é uma das vozes mais respeitadas da cafeicultura brasileira. Na conversa com a Espresso, ele analisa as mudanças que transformaram o comércio do café, o novo papel do exportador e os impactos das novas tecnologias e novas exigências globais. Testemunha ocular da história recente do grão no país, ele acompanhou o fim do Instituto Brasileiro do Café, o surgimento do mercado livre, os anos de inflação alta e a estabilização da economia com o Plano Real.

Entre dados, memórias e visão de futuro, Carvalhaes comenta sobre o Brasil, seu papel como liderança mundial e seus desafios, e revela o sonho de ver os 300 anos da chegada do café ao Brasil sendo devidamente comemorados. Para ele, o país reúne clima, cultura, pesquisa e técnica, mas corre riscos se não investir em pesquisa, leis claras e visão estratégica para enfrentar a realidade do mercado atual. Confira a entrevista a seguir, feita ao vivo em Santos.

Espresso: O Escritório Carvalhaes tem mais de cem anos. Como começou essa história?

Eduardo Carvalhaes: Na década de 1880, meu tio-tataravô, produtor de café no sul de Minas, montou uma comissária exportadora em Santos. Meu bisavô, José Ildefonso Carvalhaes, tornou-se sócio da Vicente Carvalhaes Comissária e Exportadora em 1887. Por volta de 1914, com uma grande inundação no Porto de Santos, o negócio quebrou, e não havia seguro nem nada. Meu avô e seus irmãos, então, entraram na história. Já tinham conhecimento, um nome no mercado de café, e a economia do Brasil era o café. Eles começaram a trabalhar com prestação de serviço, em corretagem, porque não tinham capital para serem exportadores. Foi assim que nós começamos.

Quais são as linhas de negócio do Escritório Carvalhaes?

Hoje, atuamos principalmente com corretagem especializada em cafés de qualidade, com exportação, prestação de serviços para exportadores e cooperativas e com análise de café. Nosso Boletim Semanal circula desde 1933, sem interrupção. Fazemos amostragem, análise sensorial e física de café. Nosso Lab Carvalhaes possui certificação ISO 9001 desde 2003, auditado anualmente pela Fundação Vanzolini, e é credenciado pela Abic [Associação Brasileira da Indústria de Café] para seu Programa de Qualidade de Café. Orientamos, técnica e comercialmente, produtores e compradores de café que buscam um produto diferenciado.

Eduardo Carvalhaes em seu escritório, consultando antigas publicações da empresa – Foto: Agência Ophelia

Como você começou a trabalhar com café?

Sou engenheiro químico e trabalhei por oito anos em um escritório de projetos industriais em São Paulo. Vim para o café em razão da hiperinflação dos anos 1980, que prejudicou a engenharia de projetos industriais brasileira. Na época, 1983, o café estava indo bem e decidi experimentar. Acabei gostando e fiquei.

Eu e meus dois irmãos, Sergio e Nelson, que já estavam no Escritório Carvalhaes, começamos a trabalhar juntos. No final dos anos 1980, o sistema de cotas de exportação acabou, e foi possível registrarmos uma exportadora de café. A nossa foi uma das primeiras, e se chamava Porto de Santos.

Como construíram a parceria com a illycaffè?

No início de 1990, recebemos a visita de Ernesto Illy, presidente da illycaffé, que queria montar um negócio de café diferente. A illy, em termos mundiais, não era grande, mas era muito respeitada pela qualidade de seus cafés. Ernesto disse que comprava café brasileiro, um dos melhores para espresso. Ele vinha ao Brasil, experimentava o café, comprava, e o que chegava lá era diferente. Disse que pretendia fazer um concurso de qualidade para café no Brasil, para localizar e estimular a produção de cafés de qualidade para espresso, e que precisava de uma empresa que comprasse esses cafés.

Naquela época, já trabalhávamos no mercado de café gourmet. Inicialmente, fizemos um contrato para comprar os cafés do concurso e Nelson ficou à frente da nossa exportadora. Paralelamente, enviávamos amostras de cafés brasileiros finos para ele, e o negócio cresceu. A illy foi a primeira a comprar cafés descascados brasileiros, ainda nos anos 1990. Comprávamos pequenos lotes, pagando um preço acima do pago para os naturais. Embarcávamos tudo separadamente, e eles faziam os blends. Com os bons preços, a produção de CD foi aumentando, e o Ernesto, comprando, e outros compradores começaram a adquirir os nossos CDs, e produção e exportação cresceram rapidamente. Dos anos 1990 aos 2000, a illy pagava os maiores preços do mercado, estimulando a produção de cafés finos no Brasil.

Qual foi a grande transformação que aconteceu no mercado nas últimas décadas?

Foi o fim do Instituto Brasileiro do Café [IBC], em 1989, no dia da posse do Fernando Collor como presidente. Até 1960, mais de 50% da nossa receita vinha do café. O fim do IBC desmanchou uma rede de armazéns e técnicos de qualidade. A parte boa é que liberou o comércio de café no Brasil, e nossa produção e exportação cresceram exponencialmente. Muitos quebraram, gente que vendia seus estoques e produção para o governo, e muito cafeicultor saiu do negócio. Mas quem se adaptou, cresceu. Houve força para extinguir o IBC porque o Brasil já não dependia mais só do café. A industrialização avançava e a produção agrícola e a economia diversificavam. Essa decisão do Collor mudou tudo. Em 1999, o Brasil atingiu 20 milhões de sacas exportadas, depois 30 milhões em 2009, em 2019, 40 milhões e, no ano passado, mais de 50 milhões. Isso mostra como a liberdade de mercado e a qualidade do café elevaram a competitividade dos cafés do Brasil.

Foto: Agência Ophelia

Santos já foi uma grande praça de comercialização. Hoje, esses lugares estão mais próximos das plantações?

Digo que a história do comércio de café é a história da evolução da comunicação e sua velocidade. Temos uma fotografia de Santos, do início da década de 1950, na rua XV [de Novembro], lotada de gente durante o dia. Era assim porque era na rua que a gente tinha a informação. A comunicação com o interior era feita somente por telegrama, que demorava para chegar e para voltar – levava uma semana, no mínimo, para completar. Só então podíamos vender o café. Às vezes, o mercado já tinha mudado.

Nós tínhamos uma ordem para vender por X e o valor já estava em “X mais dois”; vendíamos por “X mais dois” e entregávamos o dinheiro para o produtor. Mas havia quem vendesse por X e embolsas se o “mais dois”. Muitos fizeram fortuna assim. Também, não havia cooperativas no interior, mas existia o maquinista, alguém com capital que fazia esse papel. Ele comprava o café de produtores pequenos, rebeneficiava, fazia um lote grande e mandava para o corretor dele.

Só produtores maiores negociavam diretamente com o exportador. Na praça santista, o exportador era o primeiro a ter a informação, e comprava. Levava um tempo para a notícia se espalhar. O maquinista punha um rádio nos escritórios dos corretores, ficava sabendo o que acontecia no mercado e comprava. Me lembro de acordar e dormir com meu pai ao telefone, porque as linhas eram poucas e viviam congestionadas. Depois, vieram o DDD, o aparelho de telex, o computador, o fax, o e-mail, o whatsapp, a comunicação em rede, instantânea e a custo quase zero. Agora, convivemos com a inteligência artificial. Na pandemia, descobri que só preciso estar fisicamente no escritório para provar e analisar café. Fomos pioneiros no mercado de café no uso do computador, do telex, do fax, do celular. A cada ano, a grande praça de comercialização de café é a internet, as redes sociais. Hoje, trabalhamos com produtores e compradores de café de todo o Brasil. A nova rua XV do comércio de café é a internet.

E aí, com essa movimentação toda…

Naquela época, os sindicatos eram fortes. Tinha sindicato para quem carregava as sacas de café, para quem costurava as sacas, para quem fazia as sacas… Os sindicatos não perceberam que as coisas mudavam com as mudanças na comunicação. Esses serviços começaram a ficar caros, e as cidades do interior queriam fazer esses serviços. Já tínhamos as ferrovias e a via Anchieta. E, um por um, os armazéns foram embora da praça de Santos.

O que mais interfere no preço do café? Clima, câmbio ou política?

Tudo. O mundo globalizou. Se Donald Trump insistir na tentativa de desglobalização, pode tirar os Estados Unidos da liderança do mundo. Acho que não vai acontecer. A globalização, com esse nível de comunicação, não anda para trás.

O clima também mudou. São tantas variáveis que não é possível enxergar a resultante delas. Como toda essa mudança na economia mundial, por exemplo, vai influenciar o consumo? No tempo do IBC, o Brasil tinha estoques enormes. Quando houve a geada de 1975, nós tínhamos mais de uma safra estocada. Mas era outro mundo, não adianta olhar para trás e querer repetir a mesma coisa.

Com o consumo crescendo, o que vai acontecer a médio e longo prazos com os preços?

A produção de café no Brasil tem concorrência e disputa por terras com outros produtos agrícolas. E ele é muito mais trabalhoso do que outras culturas. Você não pode ser produtor de café como há 40 anos, morando na cidade e indo à fazenda só no fim de semana. Tem que estar presente, senão vai perder dinheiro. Por isso, acho que se não tivermos bons preços para o café, muitos podem migrar para outras culturas. O investimento em café é alto, e a maioria dos produtores está diversificando.

Tem também o clima. Termos saído de 20 milhões para 50 milhões de sacas em 25 anos acabou com nossos estoques de café. Nesse tempo, tivemos safras boas e ruins, e sempre crescemos porque havia estoque. Agora não temos mais. E quanto temos de estoque de passagem da safra 2024? Os exportadores acham que existe mais do que eu acredito, e as cooperativas reconhecem que os armazéns nunca estiveram tão vazios.

Antes, havia café de 10 anos guardado. Hoje em dia, é raro. O produtor vende tudo na safra, ou guarda um pouco se a próxima for pequena. O problema é que não temos estoques, nem aqui nem no restante do mundo, e o clima está irregular. Todo o resto deriva disso.

Além disso, não existe mais aquele pregão tradicional, nem nas bolsas de valores, nem nas de café. Tudo é eletrônico. E o que interessa para as bolsas é gerar corretagem: para isso, facilitam o giro. Existem milhares de pequenos investidores no mundo, e não dá para prever como vão reagir. Sai uma notícia nas redes sociais de que o Trump vai fazer algo e já começa a mudança de posição para garantir os lucros. Isso é novo.

Vejo análises com gráficos e projeções de mercado em bolsa, mas acho isso perigoso. O mundo mudou. As análises atuais consideram padrões que já não servem mais, ou servem muito pouco.

Foto: Agência Ophelia

Como você vê o papel do Brasil nessas próximas décadas?

Há uma grande oportunidade para o Brasil. Nós temos terra, temos clima. Temos que continuar investindo em pesquisa. Vamos continuar crescendo. Se trabalharmos direito, vamos chegar a 50% da produção mundial. Não vejo, nos outros países, um movimento assim. Temos novas regiões, novos produtores, como em Rondônia. Existem, claro, barreiras. Há dificuldade de fazer com que os filhos voltem para o campo, e temos, também, que resolver os problemas da legislação trabalhista. Agora, se resolvermos esses problemas, vamos continuar sendo o celeiro do mundo. O mundo vai precisar de alimento. E o Brasil tem tudo para estar entre os principais produtores. No café, sabemos produzir, temos a cultura de produção, conhecimento e história.

Qual a sua opinião sobre os efeitos globais da EUDR?

Isso é uma guerra econômica. A grande maioria dos nossos cafeicultores segue a lei. O Cecafé [Conselho dos Exportadores de Café do Brasil] divulga regularmente no mercado uma lista denunciando produtores que não seguem a lei, para que exportadores não comprem deles, mostrando que está trabalhando nisso. São poucos, se considerarmos o universo de produtores. A EUDR vai ficar mais branda, mas temos que mostrar números. Sempre falamos em agregar valor ao café brasileiro. Mas até para prova de café e selo de qualidade, estamos mandando dinheiro para fora do Brasil.

Temos de reunir todos os segmentos – indústria, produção, comércio, exportação – e atualizar as provas e normas da Classificação Oficial Brasileira, para provas do tipo SCA, com notas. Outra coisa é selo de qualidade. Temos as leis trabalhistas mais rigorosas do mundo, e elas precisam ser claras. Também temos as leis ambientais mais rigorosas. Temos que criar um selo dizendo que aquele café que embarcamos é de um produtor que segue as leis brasileiras. Com a informatização, ficou muito fácil fazer rastreabilidade, já estamos fazendo. No começo, podem não aceitar os selos, mas com o tempo, trazendo compradores e imprensa para as fazendas, isso mudará. Mas precisamos de leis claras.

Então, no fundo, a EUDR é uma oportunidade para o Brasil.

Acho que é. Temos que ver quais são as intenções deles. Estamos numa situação boa em relação a nossos concorrentes, e temos que mostrar isso para o mundo.

Mas precisamos melhorar, sempre. E temos condições. Todo café embarcado passa por agências que emitem certificado de origem, comprovando que o café foi produzido no Brasil. Se montarmos um sistema de fiscalização, essas agências podem emitir o certificado de sustentabilidade, com rastreamento.

O que me entusiasma é ver as regiões produtoras começando a montar certificações de origem. Embora o prêmio ainda seja pequeno, estão construindo algo sólido para a próxima geração. É um movimento mais demorado, mas acho que o Brasil tem tudo para liderar nessa área.

A sustentabilidade no café é só um movimento de marketing ou é uma necessidade?

Alguns fazem por necessidade, mas as novas gerações acreditam nisso. Há um movimento, de uma geração para outra. As fazendas estão mantendo áreas de proteção. E o rigor da lei é bom, é um estímulo a mais. Temos exemplos belíssimos, como a Daterra. Conhecemos bem a Daterra, cuidamos, desde o início, dos serviços em Santos para suas exportações. Eles são um exemplo de sustentabilidade de verdade, de vontade. Eles exportam pacotes de 20 quilos para pequenas torrefações e cafeterias. É um modelo muito bom. E existem outros. Sustentabilidade é uma necessidade, não pode ser só discurso. É prática, no dia a dia, é fiscalização, é clareza nas regras e princípios.

Como você vê o papel do exportador no futuro?

Acho que as rápidas mudanças nas comunicações devem mudar a arquitetura comercial do café. Para grandes torrefações do mundo, o exportador sempre vai ser importante, porque é ele quem compra grandes volumes de café, monta os blends, cuida do embarque. O exportador de café, hoje, está preparando os embarques de daqui a três meses. Mas, com a facilidade de comunicação, surgem produtores que se transformam em pequenos exportadores, e isso está crescendo. Se você tem uma pequena torrefação dominando uma região ou uma pequena rede de cafeterias, você tem que ter um produto diferenciado, para os clientes irem até você e não até uma grande rede como a Starbucks. A cada dia ouve-se falar mais de pequenas indústrias de fora que estão estabelecendo contatos com produtores no Brasil. Esse movimento, de ir atrás de exclusividade, deve continuar. Nesse sentido, os concursos de qualidade de cafés foram muito importantes, e os de barista também. Levaram a imagem de qualidade do café brasileiro para fora.

Você tem algum sonho que ainda gostaria de realizar com o café?

Minha preocupação maior hoje é com a sucessão nas entidades de que faço parte, como o Museu do Café. Passar o bastão para as novas gerações. É preciso treinar as próximas gerações. Isso vale também para as fazendas. Em algumas regiões, há dificuldades para convencer os filhos a voltarem para o campo. Em outros setores, houve renovação.

Se quero algo, é ver essa transição acontecer. Outro sonho de curto prazo é comemorarmos dignamente os 300 anos da chegada do café no Brasil [em 2027]. Já estamos trabalhando nisso.

Clique aqui para ler a matéria completa.

TEXTO Cristiana Couto e Caio Fontes • FOTO Agência Ophelia

Mercado

Brasil toma o centro das atenções e dos desafios do café global no primeiro dia do Coffee Dinner & Summit 2025

Produtividade brasileira, estoques apertados, geopolítica e exigências de sustentabilidade pautam discussões em Campinas

Vanusia Nogueira, da OIC, em palestra de encerramento do primeiro dia do Coffee Dinner&Summit, em Campinas

Por Cristiana Couto

O primeiro dia do 10º Coffee Dinner&Summit colocou os cafés do Brasil no centro das discussões. Elogiada de várias maneiras, a cafeicultura brasileira também foi destacada como uma produção que deve ter suas responsabilidades no cenário global. 

Foram discutidos também os desafios econômicos enfrentados por produtores de café no mundo, as estratégias ESG para garantir acesso sustentável ao mercado europeu e manter a competitividade do país no setor e a necessidade de reforçar o diálogo entre governo, setor e representantes do mercado para fortalecer ações integradas na cafeicultura.

No painel “CEO’s & Lideranças do Agronegócio Café Global”, que abriu o primeiro dia (3) de palestras do evento realizado pelo Cecafé e que termina nesta sexta (4) em Campinas (SP), foram discutidas questões como produção, níveis de estoque do grão e seu consumo. Para os painelistas, a reposição dos estoques de café pelo mundo não vai ser feita nos próximos doze meses, e o consumo, na Ásia e no Leste Europeu, vai continuar a crescer. “Entre 2020 e 2024,  houve de 20 a 25 milhões de sacas de déficit, uma pequena safra vietnamita”, dimensionou Ben Clarkson, chefe da Plataforma de Café da Louis Dreyfus Company. “E isso vai continuar pelos próximos 12 meses. É difícil estimar o nível de estoques futuro, pois este é o mais baixo dos últimos 20 anos”, analisou o empresário. 

Quanto ao Brasil, depois de elogios dos painelistas quanto à alta produtividade dos cafés e à dignidade que o Brasil conferiu aos seus cafeicultores, surgiram questões. Para David Neumann, CEO do grupo Neumann, o Brasil facilmente alcançará a marca das cem milhões de sacas de café. “Porém, a pergunta é: é inteligente o país chegar a cem milhões”, indagou ele, referindo-se à preocupação que o maior produtor do mundo já é para outros países produtores do grão.

Em “Geopolítica Global”, temas prioritários para a cadeia cafeeira emergiram diante das incertezas político-tarifárias contemporâneas, como segurança alimentar, mudanças energéticas e alterações climáticas. Para um dos palestrantes, o empresário e economista Ingo Plöger, presidente da Ceal e conselheiro de várias empresas nacionais e internacionais, a sustentabilidade é uma condição global que veio para ficar, mas “não se pode ter sustentabilidade social e ambiental sem sustentabilidade econômica”. Para ele, também, o Brasil vai ter ressonância global em temas como energia e segurança alimentar. “Há sinais de novas demandas que vamos poder atender”, disse. Outros assuntos em pauta foram a manutenção dos preços elevados no café e o crescimento do consumo. Luís Rua, Secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária, defendeu que é preciso manter os mercados tradicionais de café, mas também diversificar a pauta exportadora brasileira. “Há espaço para o café estar mais presente no mundo. É preciso acessar mais mercados”, disse ele, lembrando que a China importa apenas 3% do que a União Europeia compra do Brasil. 

No painel “Organizações Globais do Café: EUDR e Novas Regras em Tempos de ESG”, Eileen Gordon, Secretária Geral da Federação Europeia do Café, lembrou a posição estratégica dos cafés brasileiros para a União Europeia – 44% das importações são de café brasileiro – e a necessidade de simplificação das regras da EUDR. Também comentou outros desafios, como a geolocalização, problemática nos países africanos, a dificuldade na documentação e comprovação da rastreabilidade dos cafés e da devida diligência, ou seja, comprovar que a UE está em conformidade com as leis de outros países e a questão do café solúvel, que não está no escopo da EUDR. Há, ainda, o temor de os EUA comprem todo o café brasileiro. “A cada dia, tudo muda, então temos que continuar nos comunicando”, alertou ela. 

No painel de encerramento, sobre “Futuro da Cafeicultura Sustentável”, a palestrante Vanusia Nogueira, diretora-executiva da Organização Internacional do Café (OIC) lembrou a história da entidade, uma das mais antigas entidades de commodities criadas no mundo e cujo lema de sustentabilidade econômica e social sempre estive em seu escopo, implicita e explicitamente. “Temos hoje uma base de preços confortável para o Brasil, mas não está bom para todos, porque muitos produtores em muitos países produtores, continuam a receber 30% do preço FOB”, argumentou. Vanusia também citou desafios como tamanho da terra – de 0,4 hectares para muitos cafeicultores. “Uma renda digna para o produtor está ligada a preço e produtividade”, disse, lembrando a discrepância entre os países produtores. “Temos que pensar em modelos de negócio, senão a conta não fecha”. “É preciso ajudar os países menos adiantados, somos ponte para isso, para facilitar esse diálogo”.  

Para Marcos Mattos, diretor geral do Cecafé (Conselho de Exportação do Café Brasileiro), o evento reuniu os principais temas da cafeicultura mundial. “Queremos que todas as pessoas que estiverem discutindo assuntos do mercado global de café busquem por informações. Tenho sempre em mente que o Brasil, que é o país maior produtor, maior exportador e segundo maior consumidor da bebida, é também o que promove o evento mais importante da cafeicultura global”.

O evento, que acontece a cada dois anos, reuniu lideranças de diversos países, como Alemanha e EUA, entidades brasileiras, como Cooxupé, Embrapa e Sebrae, imprensa e atores do setor. 

TEXTO Cristiana Couto

Mercado

Campinas sedia a partir desta quarta (2) a 10ª edição do Coffee & Dinner Summit

O evento, que acontece a cada dois anos, foca em sustentabilidade, mercado global e protagonismo do café brasileiro

Com o tema “O futuro do fluxo do comércio: protagonismo e liderança dos Cafés do Brasil”, o 10º Coffee Dinner & Summit reunirá representantes de todos os elos da cadeia cafeeira nacional e internacional entre os dias 2 e 4 de julho de 2025, no Royal Palm Hall, em Campinas (SP). Promovido pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), o evento bienal chega à sua 10ª edição propondo reflexões sobre sustentabilidade, desafios logísticos globais, tendências de mercado e o papel estratégico do Brasil como líder confiável no comércio mundial de café.

Após a abertura nesta quarta (2) à noite, o dia 3 será marcado por debates de peso. A palestra técnica “EUDR & ICE Commodity Traceability (ICE CoT) Service” (8h30), discute a plataforma tecnológica que promove a rastreabilidade detalhada das cadeias produtivas do café, e terá a presença de Clive de Ruig (ICE), Toby Brandon (IBA, ICE Group Company), Anthony Mangnall (ICE), o acadêmico Ed Mitchard, da Universidade de Edimburgo, e a engenheira ambiental Camila Marques. 

À tarde, o painel Organizações Globais do Café: EUDR e Novas Regras em Tempos de ESG” (14h) reúne líderes como Marcos Matos (Cecafé), Bill Murray (National Coffee Association), Paul Rooke (British Coffee Association) e Hannelore Beerlandt (European Coffee Federation) para discutir os impactos do regulamento europeu antidesmatamento (EUDR) e as exigências de ESG no comércio global do café. Destaque também para o painel “Futuro da Cafeicultura Sustentável” (15h30) com representantes da Embrapa, OIC, German Coffee Association e a exportadora Guaxupé.

A sexta (dia 4) começa às 8h30 com a palestra técnica “Espírito Santo – novos investimentos para alavancar soluções logísticas”, com os palestrantes Júlio César Lourenço (Portocel), Carla Rios do Amaral (Vports – Autoridade Portuária) e Claudio Pinheiro Melim (Imetame Logística Porto). 

Na sequência, o painel “Desafios Logísticos no Abastecimento de Café” (11h), moderado por Eduardo Heron (Cecafé), contará com a participação de Claudio Oliveira, do Brasil Terminal Portuário (BTP), Elber Justo, da MSC – Mediterranean Shipping do Brasil, Priscila Ceolin, da JDE Peet’s Brazil e Casemiro Tércio, da 4Infra. E, na parte da tarde, vale assistir ao painel “Tendências de Consumo de Café”, com a participação de Pavel Cardoso, da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Bill Murray, da National Coffee Association dos Estados Unidos, Stefan Dierks, do Melitta Group, Ryo Satomi, da UCC Japan, e Marcel Motta, que discutirão as principais tendências e transformações no consumo de café ao redor do mundo. A programação se encerra com um jantar às 19h.

10º Coffee & Dinner Summit
Quando: 2 a 4 de julho de 2025
Onde: Royal Palm Hall – Campinas (SP)
Mais informações e inscrições neste link. 

TEXTO Redação

Mercado

Sobre cafés e cogumelos: conheça essa nova onda

Com promessa de aumentar o foco e a longevidade, a bebida funcional de cogumelos é a aposta da vez

Por Letícia Souza

Quem escuta pela primeira vez o termo “café com cogumelo” pode pensar que se trata de algo ilícito ou secreto – e que deve ser dito em voz baixa. Afinal, o fungo tem propósitos já muito conhecidos, como o de agregar o gosto umami a preparos culinários ou oferecer uma viagem mental intensa e lúdica por meio das variedades alucinógenas.

Nem uma coisa, nem outra: nos últimos anos, essa combinação – um café misturado a um extrato de cogumelo – tem chamado a atenção da indústria de café pelo viés da saúde. Com diversas marcas já disponíveis, os cafés com cogumelo, também chamados cogumelos funcionais, prometem melhorar o foco e dar mais energia aos consumidores, além de reduzir o estresse, regular a imunidade e, até, combater inflamações.

A demanda por esse tipo de produto vem na esteira de tendências saudáveis, de mudanças nas preferências de consumo e do crescimento de bebidas e comidas plant-based ou funcionais.

Para produzir o café funcional de cogumelo, as empresas vêm explorando diversos fungos, o que resulta em produtos finais com características sensoriais distintas na xícara.

As variedades reishi (Ganoderma lucidum) e juba-de-leão (Hericium erinaceus), além das do gênero cordyceps, são as mais usadas no café e são conhecidas como cogumelos adaptógenos. O termo refere-se a substâncias que aumentam a resistência física ao estresse, influenciando o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (eixo HPA), o principal sistema humano de resposta ao estresse. Desde os anos 1970, pesquisadores interessam-se pelos potenciais benefícios à saúde dessas variedades.

O juba-de-leão, por exemplo, é fácil de cultivar e é encontrado em vários países – o que ajuda a reduzir os custos de produção da bebida. Na xícara, o sabor do fungo é descrito como adocicado. Já o chaga (Inonotus obliquus), de sabor terroso, acastanhado e doce, combina bem com café.

Café com cogumelo é uma dupla bem popular nos Estados Unidos e na Coreia do Sul e vem ganhando, também, o mercado brasileiro, impulsionado pelas bebidas alternativas ao café tradicional.

O que diz a ciência

Enquanto cresce a procura por alimentos e bebidas que prometem melhorar a função cognitiva, alguns profissionais da saúde têm visto o consumo de café com cogumelo com ceticismo. “Não há evidências científicas que demonstrem que o café com cogumelos pode melhorar a clareza mental mais do que o café sem cogumelos”, diz o microbiologista Nicholas P. Money, da Universidade de Miami. “É apenas uma trend – mas uma trend lucrativa para algumas empresas’’, destaca.

Em artigo de maio sobre o tema, o Medical News Today, site de saúde reconhecido por publicar conteúdos baseados em estudos científicos revisados por especialistas, destaca que benefícios como suporte ao sistema imunológico e propriedades anti-inflamatórias são promissores, mas reconhece que são necessárias mais pesquisas para confirmar esses efeitos em humanos. Também o Healthline, outro site global de saúde de renome, ressaltou, em texto de 2024, que muitas das alegações de benefícios à saúde dos cafés com cogumelos ainda carecem de evidências científicas robustas.

Money ressalta, porém, que a ciência vem dando atenção aos efeitos dos cogumelos no organismo. “Existem estudos interessantes sobre os efeitos de compostos químicos específicos, extraídos de cogumelos, no desenvolvimento de células nervosas cultivadas em cultura”, conta o microbiologista. Mas esses estudos, alerta, não têm qualquer relação com os benefícios de beber café com cogumelos.

O que reforça ainda mais a desconfiança do microbiologista e de profissionais de saúde é o efeito de outros ingredientes que também podem ser acrescentados à bebida, como canela, gengibre, cardamomo, pimenta-preta e extrato de guaraná em pó — todos com propriedades benéficas reconhecidas, resultantes da presença de ômega-3 e das vitaminas D e B12.

Para Money, a única maneira de saber se gengibre ou cardamomo têm efeitos diferentes dos extratos de cogumelo no café é fazer experimentos nos quais um desses ingredientes esteja ausente. Ainda que taxativo, ele não acha que o uso de café com cogumelos deva ser proibido. “Se o cliente acredita que esse placebo tem efeito positivo sobre ele e se sente melhor após consumi-lo, tudo bem”.

A tendência bilionária do bem-estar

O fato de não haver comprovação científica sobre os efeitos fisiológicos do café com cogumelos parece não ter afetado as finanças dos que investem na sua comercialização. Segundo relatório da Strategic Market Research, em 2023, o segmento de café com cogumelo foi avaliado em US$ 2,3 bilhões e pode atingir US$ 4,5 bilhões até 2030 – o que representa uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 9,8% entre 2024 e 2030.

Outro levantamento, feito em 2024 pela IndustryARC, estima um cenário futuro mais modesto: US$ 4 bilhões até 2030, com crescimento anual de 4,2% no mesmo período.

Lançada em 2024, a marca brasileira Cafellow comercializa cafés com cogumelos sem aditivos. Depois de conhecer o produto nos Estados Unidos, a proprietária Paula Veloso estudou o mercado cafeeiro brasileiro e decidiu comercializá-lo por aqui. À época, conta ela, não havia nenhuma marca do gênero. “Aqui existem diversas marcas de café. Se quisesse me diferenciar delas, teria que criar um produto original – afinal de contas, os cafés da minha família são vendidos lá fora, então eu tinha que pensar em algo que fosse diferente, pra valer a pena’’, conta ela, cujos familiares têm cafezais na região do Cerrado Mineiro.

A ideia da empresária incluiu a comercialização do produto em sachê. “Ele é bem mais prático, você pode fazer dentro do avião, por exemplo. O drip você tem que rasgá-lo, ajustar na borda da xícara e passar o café. O sachê, você mergulha diretamente na água quente’’, diz ela, que processa os saquinhos, feitos à base de milho, na fábrica da família, em Carmo do Paranaíba (MG), e vende-os online em seu site.

“Pessoas que não abrem mão de um bom café ou que estão começando a tomá-lo, depois que provam o nosso, adoram e dizem que o sabor é muito suave, que quase não dá pra notar o cogumelo’’, garante Paula.

As normas regulatórias da Anvisa, porém, permitem apenas extrato da variedade Agaricus bisporus, o popular champignon, como suplemento alimentar.

Entusiasta de um estilo de vida mais saudável, a psicóloga brasileira Marina Camargo, CEO da Mushin,
acompanhou de perto o mercado norte-americano de café com cogumelos ao viver no país e decidiu explorá-lo no Brasil. “A marca surgiu com foco em comunidade, saúde mental e sustentabilidade. Isso precedeu a ideia do produto, que leva outros ingredientes funcionais na composição”, explica ela, que abriu a empresa de suplementos funcionais à base de cogumelos em 2022.

Mas, em lugar de atribuir aos cogumelos uma melhora na concentração humana, a marca prefere atribuir o benefício a outros ingredientes acrescentados à bebida, como cacau, extrato de guaraná e gengibre, além de a própria cafeína do café. “Acredito na ciência”, diz ela, ao concordar que, quanto à maioria das variedades, não há nada que comprove melhora em foco ou concentração. “De acordo
com as pesquisas que estão começando fora, o único cogumelo capaz disso, pois contém uma molécula relacionada a esses dois atributos, é o juba-de-leão. Mas no Brasil, essa variedade não é permitida’’, comenta a CEO. “Os estudos sobre cogumelos estão avançando muito, é só uma questão de tempo para que a gente  tenha mais opções disponíveis no mercado’’, aposta.

O café da Mushin vem de um pequeno produtor no interior de Minas Gerais, e o extrato de cogumelo, de uma empresa da Filadélfia. O processo de refinamento torna seu sabor e aroma praticamente imperceptíveis. Isso ajuda na fabricação de café funcional que, segundo Marina, lembra um cappuccino.

Texto originalmente publicado na edição #88 (junho, julho e agosto de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Letícia Souza

Mercado

Na corrida pela EUDR

Enquanto Brasil investe em tecnologia para adequar-se às exigências europeias, países africanos pedem apoio na geração de dados para cumprir a nova lei

Por Mariana Grilli

A nova regulamentação da União Europeia para produtos livres de desmatamento (EUDR) está dando novas diretrizes ao comércio global de café. Com a exigência de rastreabilidade e conformidade ambiental, países exportadores como Brasil e Etiópia, e importadores como Itália e Alemanha, estão se mobilizando para garantir a comercialização dentro das novas exigências. 

Vanúsia Nogueira, diretora-executiva da Organização Internacional do Café (OIC), esteve viajando por países da América Central e relata com satisfação as evoluções já conseguidas pelos países da região.  “Cabe salientar que a Costa Rica já trabalha há algum tempo com sistemas de mapeamento e rastreabilidade e tem compartilhado suas experiências com os demais países”, conta Vanúsia à Espresso.   

Ao olhar para a América do Sul, a Colômbia já está bastante bem preparada para cumprir os requisitos da EUDR, por também se tratar de um país onde o mapeamento de áreas de café já existia. O mesmo acontece com o Brasil, maior exportador mundial de café, que tem investido fortemente em tecnologia para garantir conformidade com a EUDR. 

Marcos Matos, diretor-geral do Cecafé, apresentou os marcos técnicos à Comissão Europeia, em um evento em Bruxelas, na Bélgica, incluindo a Plataforma de Monitoramento Socioambiental Cafés do Brasil, uma iniciativa colaborativa com a Serasa Experian. Essa ferramenta digital aproveita a análise avançada de dados para mapear mais de 300 mil fazendas de café, rastreando riscos de desmatamento, práticas trabalhistas e transparência da cadeia de suprimentos.

“Dessa maneira, o Cecafé terá condições de apresentar mais elementos relacionados à cafeicultura brasileira e contribuir com dados técnicos nas discussões. Os trabalhos estão acelerados e, até junho, deve ser definida a questão do nível de risco por país. A partir daí, o foco será na implementação do EUDR, no final de dezembro deste ano”, diz Matos.

A Europa consome mais café do que qualquer outro país ou bloco no mundo, e especialistas afirmam que a nova regra é uma ferramenta potencialmente poderosa para promover a agricultura sustentável. Ao mesmo tempo, ela representa o que alguns estão chamando de uma “pressão verde” que impõe grandes encargos a milhões de pequenos agricultores em países em desenvolvimento. 

É o caso de países africanos. Os meios de subsistência de quase 12 milhões de pequenos cafeicultores em toda a África estão ameaçados à medida que o continente corre contra o tempo para cumprir o novo regulamento europeu.

Em maio, líderes da indústria cafeeira de toda a África e Europa reuniram-se em Kampala, Uganda, para a Conferência Regional sobre “Prontidão EUDR no setor cafeeiro africano – onde estamos agora e o que resta a fazer?”. O evento, organizado pela GIZ Uganda no âmbito da Iniciativa Equipe Europa (TEI), visa avaliar o progresso da África e preparar as partes interessadas para o pleno cumprimento do EUDR. 

Com cerca de 60% de sua produção destinada ao mercado europeu, Uganda enfrenta desafios para se adequar à nova regulamentação. O país tem trabalhado na criação de mapas detalhados de uso da terra e na implementação de sistemas de rastreabilidade via GPS para garantir que sua produção seja livre de desmatamento. Exportadores devem fornecer coordenadas precisas das fazendas e comprovar que não houve desmatamento após 2020, sob risco de multas e destruição de cargas não conformes.

“Todos os países africanos, em geral, estão buscando se preparar para apoiar os clientes europeus nos cumprimentos da regulação EUDR. Uganda não é um membro da OIC, mas tenho recebido informações de que estão bem organizados para atender aos requerimentos também”, comenta Vanúsia Nogueira, diretora-executiva da OIC.

Embora Angola não esteja entre os maiores exportadores de café, o país vê na EUDR uma oportunidade para reposicionar sua produção no mercado europeu. Pequenos produtores estão sendo incentivados a adotar práticas sustentáveis e a investir em certificações ambientais. O governo angolano tem buscado parcerias internacionais para viabilizar a adaptação às novas exigências, promovendo treinamentos e infraestrutura para rastreabilidade.

Já a Etiópia é o maior produtor de café da África, e o cultivo representa cerca de 35% da receita do país. A variedade arábica é originária de lá, e, não por acaso, mais de um terço do café da Etiópia é exportado para a Europa. O país, portanto, também tem se dedicado a pensar soluções para gerar dados sobre as áreas cafeeiras e atender aos requisitos de transparência aos europeus. No entanto, para isso, os produtores estão alegando necessidade de apoio tecnológico para cumprirem o prazo de dezembro de 2025 para grandes produtores e junho de 2026 para pequenos agricultores. 

“Claro que os dados são muito importantes para nós, mas o que estamos dizendo é que precisamos de apoio. É muito desafiador e caro, e não temos nenhuma ajuda”, afirmou Dejene Dadi, chefe da União das Cooperativas de Produtores de Café de Oromia – a maior cooperativa de café da da Etiópia, localizada na região oeste do país. Apesar desta relevância, a realidade é que provavelmente não será possível preparar todas as propriedades dentro do prazo sem apoio.

Ainda segundo o jornal The New York Times, até março, tinham sido mapeadas 24 mil propriedades, sendo que o custo de mapear uma propriedade é de cerca de US$ 4,50. Autoridades europeias irão verificar as remessas cruzando os dados atuais de geolocalização com imagens de satélite de referência e mapas de cobertura florestal.

Jodie Keane, economista da ODI Global — uma organização de pesquisa com sede em Londres — afirmou que a União Europeia e as grandes redes de café deveriam fazer mais para apoiar os pequenos agricultores. “Todos queremos evitar o desmatamento, mas se você vai aplicar esse padrão a produtores rurais, terá que fazer um grande trabalho de campo, de conscientização. Terá que investir em ensinar a fazer diferente, para que eles não sejam simplesmente excluídos da cadeia de suprimentos”, disse ao jornal americano. 

A perspectiva dos importadores

A União Europeia diz estar comprometida em fornecer todo o apoio necessário aos pequenos produtores, e pediu que cooperativas, empresas e governos também os apoiem. Em um comunicado divulgado em 15 de abril, o bloco informou que, com base no retorno dos países parceiros, alocou 86 milhões de euros para apoiar os esforços de adequação à nova regra.

A Alemanha está aumentando as importações de café após o estabelecimento da lei de produtos livres de desmatamento. Isso porque o próprio país reconhece que pode haver uma defasagem no abastecimento se os países fornecedores de grãos não conseguirem se adequar às exigências da União Europeia a tempo de a EUDR ser implementada. Isto é, a Alemanha precisa garantir os estoques do país, para não correr o risco de ficar impedida de comprar de fornecedores que estejam fora dos novos padrões impostos. 

A Itália desempenha um papel crucial como um dos maiores importadores e torrefadores do mundo. Empresas italianas estão pressionando fornecedores a garantirem conformidade com a EUDR, exigindo certificações e auditorias rigorosas. Grandes marcas de café têm investido em cadeias de suprimento mais transparentes e sustentáveis, garantindo que os grãos utilizados em suas misturas atendam aos novos padrões ambientais.

Andrea Illy, presidente da illycaffè, esteve no Brasil em maio e falou com a imprensa sobre as movimentações de importação, a partir da nova lei. “Houve um momento maior de importação da Europa em antecipação à EUDR”, afirmou ele.

Quando questionado se os estoques da companhia sofreram algum tipo de alteração devido à nova legislação, Andrea disse que não há muita visibilidade de onde estão os estoques de grãos pelo mundo, por isso a estratégia de compra da empresa italiana é diferenciada. “Estoques são fenômenos contingentes, historicamente não se tem muita visibilidade, pois é difícil interpretar os volumes globais, eles não são quantificados, não se sabe onde estão. Alguns estoques são deixados no país produtor, outros no importador”, disse. 

Exatamente para driblar esta adversidade e garantir a origem do café adquirido, a illycaffè compra diretamente dos agricultores, sem intermediários. “Por isso, nossa estratégia é completamente diferente e não houve mudança ou ampliação de fornecedores devido à EUDR”, esclareceu Andrea Illy. 

Com a implementação da EUDR prevista para dezembro de 2025, os países exportadores de café estão em uma corrida para garantir que suas cadeias produtivas sejam sustentáveis e rastreáveis. A adaptação à nova regulamentação não é apenas uma exigência legal, mas também uma oportunidade para fortalecer a imagem do café como um produto ambientalmente responsável no mercado global.

Texto originalmente publicado na edição #88 (junho, julho e agosto de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Mariana Grilli • FOTO Rica Ramos

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Baianí e criador da Bruta lançam barra inédita de café de origem no São Paulo Coffee Festival

Barra sólida derrete na boca como chocolate; primeiro lote, que será apreciado no evento, terá entre 100 e 150 unidades

Por Cristiana Couto

Imagine uma barra que derrete na boca como chocolate, mas tem sabor de café. Essa é a proposta da Bruta by Baianí, criada a partir da parceria entre a  chocolateria tree to bar Baianí e Eduardo Rodrigues, criador da máquina de espresso manual Bruta. Composta por café, manteiga de cacau e açúcar, a barra inaugura um novo jeito de saborear o café — em pedaços, no formato sólido e com textura aveludada. O lançamento acontece entre 27 e 29 de junho, durante o São Paulo Coffee Festival, em edição limitada de 150 unidades (a R$ 30 cada).

A barra busca unir a intensidade sensorial do café ao refino do processo de fabricação do chocolate. “Com essa qualidade e esse cuidado, acreditamos ser a primeira barra do mundo com café de origem e manteiga de cacau de origem”, afirma Rodrigues, idealizador do projeto.

O primeiro lote da Bruta by Baianí leva café da fazenda Surubi, na  Mantiqueira de Minas – um blend de arara e mundo novo, variedades cultivadas a 1.050 m, e de processamento natural –, fornecido e torrado pela torrefação paulistana Garagem do Café, e manteiga de cacau da fazenda Santa Rita, no Vale Potumuju, sul da Bahia, do casal Tuta e Juliana Aquino, fundadores da Baianí. “Acho que reunir dois produtores com conceitos alinhados em inovação, sustentabilidade e, principalmente, em alto valor sensorial faz toda a diferença — unimos nosso cacau de origem com os cafés especiais escolhidos pelo Edu”, resume Tuta Aquino.

A inspiração surgiu em 2019, quando Rodrigues viu na internet um barista japonês criando uma barra para levar seu espresso ao público sem o uso de máquina de extração. A ideia de Rodrigues amadureceu e, cerca de um ano atrás, o projeto tomou forma em parceria com Baianí, referência na produção de chocolates de origem.

O processo de produção da barra de café (que pesa 40 g) é similar aos chocolates da Baianí: os três ingredientes são refinados por 36 a 48 horas em uma mélanger –   moinho de pedra usado na produção do chocolate bean to bar que tritura e mistura os ingredientes até que eles atinjam textura ultrafina, com granulometria entre 18 e 24 micras. A massa passa, então, por temperagem, processo que confere a ela brilho e estabilidade. “A barra foi pensada para ter um derretimento gostoso, com aquela sensação de algo que você pode deixar no paladar por mais tempo”, explica Aquino.

Cada lote da Bruta by Baianí trará cafés de diferentes origens. A estrutura da barra, segmentada em pequenos pedaços, foi pensada para fácil fracionamento, já que o sabor é mais intenso do que o do chocolate tradicional.

A venda inicial será exclusiva no e-commerce e na loja física da Baianí (rua Américo Brasiliense, 953, Chácara Santo Antônio), com novo valor a ser definido. Após o festival, há planos de estender a distribuição para parceiros selecionados. 

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Confira as reportagens e notícias da última edição da revista Espresso

O chá, que vem ganhando espaço no universo das cafeterias do país, é o tema escolhido para a capa desta edição da Espresso. Estabelecimentos em diferentes regiões vêm ampliando seus cardápios, que exploram a diversidade sensorial da bebida e sua versatilidade em drinques. Em sintonia com a busca por bem-estar e com a produção nacional atenta ao movimento, o chá desponta como uma alternativa elegante nos estabelecimentos nacionais.

Também nesta edição, exploramos a emergência no mercado de cafés raros, cujos sabores distintos atraem consumidores e despertam a atenção de especialistas. A reportagem mostra o trabalho de produtores brasileiros e de cientistas de vários países na busca e exploração de perfis sensoriais únicos de variedades outrora esquecidas e de espécies até hoje pouco exploradas, revelando, também, uma aposta em manutenção da biodiversidade do gênero e na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas na cafeicultura.

Conversamos ainda com Eduardo Carvalhaes, do Escritório Carvalhaes, tradicional empresa de corretagem de cafés especiais em Santos, que analisa o papel histórico do Brasil no comércio de café e os desafios do setor diante das novas exigências do mercado global. Rastreabilidade, certificações e tecnologia são, para nosso entrevistado, temas centrais para garantir o protagonismo brasileiro nos próximos anos.

A edição traz também uma análise sobre o cultivo de café fora do cinturão tradicional, como na Austrália e na Califórnia. A reportagem, produzida pela parceira 5th Wave, mostra como as mudanças climáticas e a busca por qualidade têm levado produtores a explorar regiões antes consideradas inadequadas, com destaque para o agroturismo.

Por fim, pesquisadores brasileiros acabam de desenvolver a primeira roda de sabores para o café canéfora, identificando mais de cem descritores sensoriais e abrindo novas possibilidades para a valorização dessa espécie no mercado de cafés especiais.

Boa leitura!

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Turismo e lucro crescem em regiões cacaueiras com Indicação Geográfica

Frutos no cacaueiro

Por Lívia Andrade

O azul do mar em contraste com o verde da vegetação é a paisagem que salta aos olhos de quem chega de avião em Ilhéus, no Sul da Bahia. A exuberante floresta deve-se à cabruca, cacau plantado sob a sombra da Mata Atlântica, sistema de cultivo responsável por manter a mata em pé.

Esse patrimônio agroflorestal é um dos requisitos que caracteriza a qualidade das amêndoas do Sul da Bahia – região que, depois de obter sua indicação de procedência (IP), tenta, agora, conquistar uma denominação de origem (DO). A valorização do cacau movimenta Linhares, no Espírito Santo, que também faz seu pedido de DO, e Tomé Açu (PA), que tem visto o turismo crescer desde a obtenção de sua IP há cinco anos. 

Ao todo, o Brasil tem quatro origens do cacau chanceladas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), todas elas na modalidade indicação de procedência (IP). Além do Cacau do Sul da Bahia, que se tornou IP em 2018, do Cacau de Linhares, que conquistou o selo em 2012, e de Rondônia (desde 2023), são também amêndoas de procedência as de Tomé Açu, no Pará (desde 2019). 

Um modelo de produção como a cabruca, que acumula 250 anos de saberes de comunidades locais e que predomina em 78% das fazendas cacaueiras (segundo estudo do Instituto Floresta), reflete a valorização do território – algo intrínseco a qualquer pedido de origem. Mas a importância do território é um de uma série de requisitos de qualidade que caracterizam a conquista de uma IG. E o caminho para obter um selo destes envolve um processo longo, que engloba a elaboração de um dossiê com uma extensa documentação e informações sobre o produto, seu local de produção (solo, altitude, clima) e sua qualidade. Primeira origem de cacau reconhecida no Brasil, o Cacau de Linhares entrou com requerimento em 2009, para obter o reconhecimento como IP somente três anos depois. 

“A IP é um selo de origem e de qualidade”, explica Adriana Reis, gerente de Qualidade do Centro de Inovação do Cacau (CIC) e autora do projeto da IG do Cacau do Sul da Bahia. Além de aumentar a reputação do produto e valorizar a cultura local e seu saber fazer, Adriana explica que o selo da IP abre mercado, principalmente para o segmento de cacau especial, e, consequentemente, atrai o turismo.

O selo também reconhece o terroir único do Vale do Rio Doce, em Linhares, uma terra de aluvião alagadiça, que sofre enchentes em determinados períodos do ano, acumulando matérias orgânicas e sedimentos carregados pelo rio. “Isso confere características à nossa amêndoa”, explica Kellen Kiepper de Jesus Scampini, presidente da Associação dos Cacauicultores do Espírito Santo (ACAU), responsável pelo pedido. “Ela é mais rica em manteiga de cacau e resulta num chocolate com um sensorial mais suave”, diz ela. 

É por esta ligação estreita que relaciona território e sabor que Kellen, por meio da ACAU, está começando a reunir documentos para pleitear a denominação de origem. “A IP foi solicitada com o conhecimento que se tinha na época”, lembra. Agora, ela reconhece que, mais do que a tradição na produção de cacau – característica que ajuda a definir uma indicação de procedência –, as amêndoas provenientes dessa terra de aluvião têm características únicas, que não são encontradas em nenhum outro lugar. 

Já no Sul da Bahia, o desafio é pleitear a DO do catongo, uma variedade de cacau com amêndoas brancas originária de uma mutação genética ocorrida na Bahia. “Esta mutação causa albinismo, e estas amêndoas, depois de fermentadas, se tornam caramelo claro, com características sensoriais específicas e um sabor mais suave”, diz Cristiano Sant’Ana, diretor executivo da IG Sul da Bahia, que está pensando em tornar o catongo o tema de seu doutorado, para embasar a solicitação da DO.

“A DO será muito importante para a Bahia”, explica Sant’Ana. “Até onde eu sei, vai ser a primeira DO de cacau do mundo”, declara. Além disso, vai destacar a catongo, variedade única no planeta. “Isso vai gerar uma agregação de valor ainda maior aos lotes desta variedade e, por tabela, melhorar a inserção no mercado de todas as amêndoas do estado”, completa.

Fruto de cacau aberto

Um divisor de águas 

Independentemente da modalidade da IG, o fato é que ela identifica para o mundo o produto e sua região. Champagne, por exemplo, designa o vinho espumante produzido na região homônima na França, assim como o queijo Canastra leva o nome da Serra em que é produzido em Minas Gerais. No caso do Cacau de Linhares, além da notoriedade, a IP tem ajudado os produtores a agregar valor às amêndoas. “Em épocas de preços normais, já registramos mais de 100% de ágio em relação ao cacau commodity”, explica Kellen. 

Para o Sul da Bahia, a conquista de uma IG foi um divisor de águas. “Ela trouxe um grande avanço ao chancelar o que é e o que não é um cacau de qualidade”, frisa Sant’Ana. “Antes do Caderno Técnico da IG do Sul da Bahia, isso não existia”, completa. Outra contribuição, explica Sant’Ana, é a governança do território, que está sob o guarda-chuva de uma federação, que reúne 16 cooperativas e quatro associações, congregando mais de 3,4 mil produtores espalhados por 83 municípios. Graças a uma série de parcerias com universidades e instituições (Sebrae, Ceplac, Instituto Cabruca, Instituto Arapyaú, Centro de Inovação do Cacau, entre outras), a IG lançou um sistema de rastreabilidade do cacau em blockchain, que gerou melhores negócios aos produtores. 

Mais do que agregar valor à amêndoa, a IG certifica e protege o valor cultural de um produto. No caso do cacau, basta pisar no Sul da Bahia para ver referências do fruto em todos os lugares: o cacau enfeita os jardins da prefeitura, dá nome às lojas da cidade, está presente nas decorações, foi enredo de novela e é um ícone vivo da literatura, reconhecido mundialmente nas obras de Jorge Amado.

A mais recente IG do cacau no Brasil foi conquistada por Rondônia em 2023 e envolve todos os 52 municípios do estado. “Além de sua importância econômica, o cacau faz parte do desenvolvimento histórico e cultural do estado, inspirando nomes de municípios como Cacoal, Cacaulândia e Theobroma, este último derivado do nome científico do cacau, uma planta nativa da Amazônia”, explica Marcileide Zirondi, gestora do projeto da IG do Cacau de Rondônia. 

No passado, Rondônia chegou a produzir entre 20 mil e 40 mil toneladas de amêndoas, mas devido à vassoura-de-bruxa (doença endêmica na região amazônica), a produção caiu para 6 mil toneladas, número atual. “Mas o estado tem a meta de ultrapassar 15 mil toneladas por ano”, explica Marcileide, referindo-se ao aumento da produtividade dos atuais 350 kg/ha para 1.000 kg/ha. Segundo ela, esse crescimento será possível através de inovações tecnológicas e capacitação dos 9,6 mil cacauicultores que atualmente cultivam 17.250 hectares”.

O cacau é estratégico para Rondônia. “É uma planta nativa, que contribui para a preservação ambiental, se adaptando aos sistemas agroflorestais e promovendo a conservação de áreas de preservação permanente e reservas legais”, diz a gestora, destacando que as amêndoas do estado possuem características únicas de sabor e consistência, com qualidades físico-químicas diferenciadas, como o teor de manteiga e o ponto de fusão, essenciais para a produção de chocolates com diversos perfis de sabor e textura.

“A IG trouxe visibilidade ao cacau do estado, o que incentivou alguns produtores e chocolateiros a aprimorar a qualidade e a diferenciação de seus produtos”, explica Mercileide. “Embora seja um processo gradual, alguns agricultores de ponta já colhem os frutos, como Deoclides Pires da Silva, que conquistou prêmios nacionais de melhor cacau em 2022 e 2023”, completa. Agora, a Associação dos Cacauicultores e Chocolateiros de Rondônia (Cacauron), com o apoio do Sebrae e outras 12 instituições, está trabalhando no planejamento estratégico da cadeia para os próximos dez anos.

Cacau no sistema cabruca

Alavanca para o turismo 

A IG também é um catalisador do desenvolvimento regional, fomentando o turismo e os novos negócios. No Espírito Santo, a IG de Linhares fez multiplicar o número de fábricas de chocolate artesanal e uma série de outros produtos vinculados ao fruto, como nibs temperado, mel de cacau e aguardente de cacau. Por falar nesta última, ela tem o nome de Cacauhuatl e é produzida pela Velho Carvalho, empresa do marido de Kellen, que fechou uma parceria com a suíça Billy&Bugga para fabricação de chocolate feito com amêndoas de Linhares e Cacauhuatl, que será vendido na Suíça e no Brasil. Todo este movimento fomentou o turismo de experiência em Linhares. “Estamos com quatro fazendas abertas à visitação com hospedagem e refeição, e a ACAU está mobilizando a governança para avançar mais nesta área”, diz a presidente da associação.

No caso de Tomé Açu (PA), cidade colonizada por imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil em 1929, o incentivo para pleitear a IG do cacau foi dado por Masaaki Yamada, professor da Universidade Agrícola de Tokyo, que, em seu doutorado, estudou o sistema agroflorestal de Tomé Açu (Safta), caracterizado pelo consórcio de cacau com outras árvores, como andiroba, e palmeiras, como açaí e dendê. “Em conversa com a diretoria da Camta (Cooperativa Agrícola Mista de Tomé Açu), o pesquisador sugeriu que tentássemos um diferencial, para resguardar e proteger o nosso cacau num mercado tão exigente e competitivo”, diz Silvio Shibata, ex-presidente da Associação Cultural e Fomento Agrícola de Tomé Açu (ACTA), que esteve na coordenação da IG.

De lá para cá, a cidade exportou amêndoas finas com o selo para a Meiji, segunda maior chocolateria do Japão, e passou a receber turistas interessados em conhecer os Saftas, modelo de produção, que ajuda a preservar a floresta na Amazônia. “Hoje, na Rota da Imigração Japonesa – Experiências e Vivências, os visitantes têm a oportunidade de conhecer a história da cooperativa Camta e algumas propriedades com Saftas”, explica Shibata, referindo-se às propriedades como Fazenda Konagano, Casa Suzuki, Agroforestal Sakaguchi, Fazenda Oppata e Fazenda Inada.

O fruto também é um chamariz de visitantes para o Sul da Bahia. “Existe uma influência direta, o cacau atrai os turistas interessados em conhecer mais sobre a história, andar por uma lavoura de cacau e degustar um chocolate”, diz Sant’Ana. Hoje em dia, a região tem várias propriedades abertas ao turismo: Fazenda Irerê, Fazenda Capela Velha, Fazenda Provisão e Chocolate Hotel, entre outras. 

Uma das mais badaladas é a Dengo Origem, fazenda da marca de chocolate Dengo que é sinônimo de qualidade no Brasil. A propriedade fica no caminho de Ilhéus no sentido Itabuna e oferece ao visitante uma imersão no universo cacaueiro – uma experiência do cacau ao chocolate. Num tour guiado, o turista conhece o viveiro de mudas, caminha pela cabruca (onde o cacau é sombreado, também, por árvores frutíferas como jaca e banana, que servem de insumo para as barras de chocolate), “quebra um cacau” e experimenta a polpa que envolve a semente.

Além disso, tem a oportunidade de provar o mel do cacau, conhecer o processo de fermentação e secagem das amêndoas e experimentar chocolates de várias intensidades de sabor. Apesar de bons exemplos, o setor de turismo no Sul da Bahia tem um caminho a trilhar. “Ainda não é como o Vale dos Vinhedos, que tem toda aquela organização entre o setor de turismo e serviços”, finaliza Sant’Ana.

O que é Indicação Geográfica (IG)? 

É uma ferramenta de valorização e um meio de proteger uma região reconhecida por ter tradição na produção de um certo produto, que se destaca por sua qualidade diferenciada e tipicidade.

As modalidades de IGs

1) Indicação de Procedência (IP) valoriza o “saber fazer” e a notoriedade pública de uma região na produção de um determinado produto. Este selo protege a relação entre o produto e sua reputação, em razão da sua origem geográfica.

2) Denominação de Origem (DO) reconhece uma região pela tradição e qualidade na elaboração de um determinado produto e chancela que o produto oriundo daquela localidade tem características singulares, não encontradas em outros lugares.

Por dentro das IGs do cacau

Sul da Bahia
Região: 83 municípios (como Ilhéus, Camamú, Canavieiras e Itabuna)
Variedades: todas
Sistema de produção: no mínimo 50% de cacau cabruca
Padrão: mínimo de 65% de amêndoas totalmente fermentadas, livre de impurezas

Cacau de Linhares
Região: uma determinada área no interior do município de Linhares
Variedades: todas
Sistema de produção: Cabruca, Sistema Agroflorestal (SAF), Pleno Sol
Padrão: amêndoas premium, amêndoas especiais

Cacau de Tomé Açu
Região: município de Tomé Açu
Variedades: todas
Sistema de Produção: Sistema Agroflorestal de Tomé Açu (SAFTA)
Padrão: Amêndoas tipo 1, 2 e 3

Cacau de Rondônia
Região: todos os 52 municípios do estado
Variedades: todas
Sistema de Produção:  SAFs
Qualidade: mínimo de 65% de amêndoas totalmente fermentadas, livre de impurezas

Texto originalmente publicado na edição #86 (dezembro, janeiro e fevereiro de 2025) da revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Lívia Andrade

Mercado

Cafés solúveis passam a receber Selos de Qualidade Abics

A Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics) divulgou hoje (2) que, a partir do dia 11 de junho, os cafés solúveis brasileiros passarão a contar com os Selos de Qualidade da entidade. O primeiro produto a receber o selo será o Café Orgânico Instantâneo Native.

Com o objetivo de encontrar o melhor perfil sensorial para cada aplicação e potencializar os benefícios do consumo de café solúvel em outros produtos, os selos são divididos em três categorias: 

  • Excelência, concedido aos cafés com atributos intensos de acidez, doçura, frutado e aroma mais floral e mel; 
  • Premium, ao produto com notas sensoriais marcantes e intensas, como chocolate, amêndoas e amadeirado e com potência média no paladar;
  • Clássico, que estampa os solúveis com notas amadeiradas, mais potência e baixa acidez.

A criação dos Selos de Qualidade Abics, que integra as ações da entidade para fomentar o consumo de café solúvel, se deu com base no protocolo de análise sensorial desenvolvido pela Associação em parceria com o Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), cuja metodologia avalia a intensidade dos atributos de cada produto.

Atualmente, 21 marcas de café solúvel já foram certificadas no Brasil, através de avaliações realizadas por profissionais treinados e capacitados pela Abics como Instant Coffee Graders (IC Graders), que se tornaram aptos a avaliar e emitir laudos de análise sensorial com base no protocolo desenvolvido pela entidade em cooperação técnica com o ITAL.

TEXTO Redação / Fonte: Abics • FOTO Felipe Gombossy

Mercado

Programação do São Paulo Coffee Festival traz novidades nesta 4ª edição

Entre os dias 27, 28 e 29 de junho, o São Paulo Coffee Festival realiza sua 4ª edição na capital paulista. Com uma programação repleta de conteúdos sobre café e gastronomia, o evento, cujos ingressos estão à venda, promete reunir 16 mil visitantes e mais de 150 marcas expositoras na Bienal do Ibirapuera.

Patrocinado pela Café Store, o espaço Sensory Experience chega com uma nova proposta. A dinâmica foi totalmente renovada e, agora, conta com duas experiências sensoriais exclusivas, que convidam o público a explorar os aromas do café em uma imersão olfativa e as diferenças sensoriais da bebida em diferentes situações de consumo, para mostrar como o contexto pode transformar sua percepção. Essas atividades acontecem durante os três dias, em horários selecionados.

Em parceria com a Orfeu Cafés Especiais e a Carmomaq, A Torrefação também traz novidades. Além da tradicional torra ao vivo, o espaço conta agora com uma sala para quem quiser mergulhar de cabeça no universo da torra. Entre as palestras e workshops conduzidos por profissionais do setor na área há temas como “Dicas de como torrar cafés fermentados”, “Como escolher e torrar café para o seu espresso” e “As diferenças entre as torras de arábica x canéfora”, entre outros. 

Como o próprio nome diz, o espaço Latte Art Ao Vivo traz uma grade focada na combinação entre café e leite. Patrocinado pela Nude, o ambiente conta com baristas experientes que vão compartilhar, de forma didática e acessível, as principais técnicas de vaporização do leite e de elaboração do latte art. A ideia é não só assistir mas, também, colocar a mão na massa em oficinas práticas, como as experiências “Aprenda na prática a fazer um coração” e “Faça o seu próprio cappuccino”.

Ampliando os horizontes, o espaço A Cozinha, patrocinado pela 3corações e pela Oster, aborda assuntos para além do café. Panificação, confeitaria, coquetelaria e cozinhas multiculturais permeiam a programação. Neste ano, entre os chefs convidados estão Larissa Takeda, do Pato Rei, que discorre sobre caramelo salgado no painel “Tem sal no meu caramelo”, Fred Caffarena, do Make Hommus. Not War, que faz receitas durante a palestra “Café da manhã na Turquia”, e Rodrigo Freire, do Preto Cozinha, que confere um tempero baiano ao conteúdo “Lelê de milho: uma delícia da Bahia”.

As atrações são gratuitas para os visitantes e não precisam de inscrição prévia. Apenas as programações dos espaços Sensory Experience e A Torrefação têm vagas limitadas, que serão preenchidas por ordem de chegada.

TEXTO Redação • FOTO Agência Ophelia/SPCF