O rei está nu

Por Celso Vegro

Em 1957, os economistas J. H. Davis e R. Goldberg, ao reconhecerem a estrita interdependência dos segmentos mobilizados para atender os sistemas de produção na agropecuária, cunharam o conceito de agribusiness, dividindo-o em quatro agregados (insumos, produção agropecuária, processamento e distribuição).

O conceito ganhou força no Brasil a partir da liderança do engenheiro agrônomo Ney Bittencourt, então diretor-presidente da Agoceres (sementes, nutrição animal e genética), ao criar a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Com a ampla adoção desse conceito, superou-se a repartição econômica clássica entre setores primário, secundário e terciário. Consolida-se, então, a percepção de que os sistemas de produção de alimentos, bebidas, fibras e energia compõem a matriz econômica brasileira enquanto um sistema produtivo integrado (contratualmente ou não), criando-se a partir dessa perspectiva novas estimativas sobre sua participação na criação de riquezas no país.

Fluxograma da cadeia produtiva do café. Fonte: SESSO, et al (2021)1.

Os quatro componentes que formam esse agronegócio comportam distintos atores econômicos com interesses que lhes são próprios, inclusive mutuamente contraditórios. Os segmentos a montante compostos por produtores de sementes/mudas, fabricantes de fertilizantes, combustíveis, defensivos, montadoras de máquinas e equipamentos e serviços financeiros possuem estrutura de mercado em que prevalece a concentração e a centralização do capital (oligopolização), ou seja, capacidade potencial de formar seus preços, ainda que possam, em períodos ocasionais, atuar competitivamente.

Adentrando a porteira, encontramos os responsáveis pela oferta física do produto: os cafeicultores. Trata-se do grupo mais numeroso de agentes econômicos dessa cadeia, contabilizando centenas de milhares de estabelecimentos rurais dedicados à lavoura. A conversão de todos os insumos mencionados em café – após o pagamento dos salários dos trabalhadores envolvidos na atividade e a amortização do crédito concedido – aporta à matriz econômica brasileira incremento líquido na renda nacional de, aproximadamente, R$ 15 bilhões (50% do total apurado pelo segmento)2.

A torrefação, a moagem e a solubilização, a exportação e a distribuição/consumo encerram o fluxo do produto dessa cadeia produtiva. Grandes agentes econômicos atuam neste capítulo, tendo destaque as cooperativas de produção de café, que oferecem equalização das margens praticadas pelo mercado e, ainda, garantem a adoção de padrões de sustentabilidade, qualidade e governança para todo o segmento.

Esse panorama demonstra a relevância do agronegócio café na composição do PIB brasileiro (aproximadamente 0,34% do PIB). Sua importância está em franca evolução diante do avanço da produção de conilon e robustas, encaminhando o Brasil, em futuro próximo, para o posto de maior produtor mundial também desta espécie.

Em agosto de 2025 foi empregada tarifa de 50% sobre as importações de café do Brasil para o mercado estadunidense, criando verdadeiro embargo às exportações para aquele país3. Em ato contínuo, a National Coffee Association (NCA)4, visando reverter a decisão governamental dos Estados Unidos em taxar o café brasileiro, divulgou estudo contabilizando que o mercado doméstico de café no país gira, anualmente, US$ 350 bilhões! Mais especificamente, para cada dólar de importação de café, ocorre efeito multiplicador na economia do país que alcança US$ 435.

Embora a metodologia de matriz insumo-produto empregada para o caso brasileiro e aquela utilizada pela NCA para a apuração do tamanho do mercado de café estadunidense não sejam comparáveis, a dimensão dos valores contabilizados em ambos os casos é chocante. A entidade norte-americana mensurou que o segmento contribui em 1,2% do PIB do país.

Por sua vez, representantes do segmento do café brasileiro, incumbidos de sensibilizar a autoridade comercial estadunidense no sentido de rever a taxa aplicada ao nosso café, sentiram-se prestigiados em seu esforço pela abertura de canais de negociação a partir da divulgação do estudo da NCA, e nele ancoraram suas expectativas de desfecho favorável ao segmento. Ainda que louvável, esse posicionamento deveria instar uma profunda indignação com essa desproporcionalidade que pauta a relação comercial entre os agentes econômicos das contrapartes do hemisfério americano6.

O café, que recebeu valor de US$ 1 (ou R$ 5,33, ao câmbio de 3/10/2025) após todo o trâmite – logístico, de recolhimento de impostos e de retenção de margem do exportador (ou seja, posto FOB porto) –, salta para US$ 43 (ou R$ 229,20) em seus múltiplos desdobramentos no mercado estadunidense.

Essa repartição absolutamente espúria do valor adicionado nessa cadeia precisa ser restabelecida em patamares menos escorchantes aos países produtores. Nesse contexto, é legítimo perguntar: qual a possibilidade de alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) 1 e 2 (respectivamente, erradicação da pobreza e fome zero) entre os 17 estabelecidos pela Agenda 2030 das Nações Unidas?

Recentemente (24/09/2025), um evento promovido pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF), com apoio do Fórum Mundial de Produtores de Café (FMPC) e pautado pelo desenho de estratégias visando a prosperidade dos cafeicultores e o alcance das ODSs, ofereceu palestra do renomado Nobel de Economia Jeffrey Sachs,7 da Columbia University. Sua preleção centrou-se na argumentação de que, ainda que o café seja uma commodity vital para o mundo, muitas comunidades ainda padecem tanto por situação de pobreza multidimensional (econômica, de serviços sociais, discriminação de gênero etc.) quanto de ações/ferramentas para o uso sustentável da terra, uso este capaz de mitigar as mudanças climáticas/aquecimento global e promover a redução das desigualdades.

Não se trata, aqui, de divergir de tão eminente autoridade acadêmica, porém, é preciso despir-se da desfaçatez para uma correta interpretação da realidade e trilhar caminho civilizatório comum. Caso fosse obtida uma melhor partição do valor nessa cadeia – por exemplo, passando de US$ 1:US$ 43 para US$ 1,50:US$ 42,50, o impacto na redução da pobreza e a geração de prosperidade/sustentabilidade nos cinturões cafeeiros do mundo seria muitas vezes superior aos US$ 10 bilhões pleiteados pelo laureado Nobel para consolidar uma cafeicultura mais sustentável e mais próspera.

Essa concentração da riqueza na terça parte da cadeia produtiva demonstrada pela NCA não deve divergir em nada daquela capturada por outros mercados, como Canadá, Japão, Coreia do Sul e União Europeia. O desenvolvimento dos países produtores de café não será alcançado sem que as commodities produzidas (o café entre outras tantas) obtenham patamares menos injustos de remuneração. Todavia, ao não se vislumbrar esse cenário a longo prazo (pelos próximos cinco anos), resta concordar com os economistas latino-americanos, que, na década de 1950, formularam a teoria da dependência, em que o rompimento da relação desigual entre o Norte e o Sul só se daria por meio da industrialização acelerada.

Aderente a esse contexto está a fábula do rei nu. A produção do relatório da NCA trouxe um fato que nossos próceres da inteligência do agronegócio café evitavam, a todo custo, iluminar. Tomados pela vaidade por serem nascidos em berço esplêndido, são, de fato, cúmplices dessa construção de um mercado desigual, em que os perdedores são invariavelmente os cafeicultores e os países que buscam, na cafeicultura, trilhar seu caminho de desenvolvimento.


1 Sesso, P.P., Sesso Filho, U. & Pereira, L.F.P. “Dimensionamento do agronegócio do café no Brasil”. Cadernos de Ciência & Tecnologia. Embrapa, 38, 2, e26901, 2021.
2 Idem.
3 Ver a esse respeito:  https://www.cafepoint.com.br/colunas/cenas-e-fatos-do-agro/resposta-ao-embargo-239026/
4 A National Coffee Association (NCA), fundada em 1911, é a maior e mais antiga organização comercial dos Estados Unidos, representando empresas de café de todos os tipos e tamanhos, incluindo produtores, torrefadores, marcas e outras empresas responsáveis por 90% do comércio de café nos EUA. Adultos americanos bebem café diariamente mais do que qualquer outra bebida (além de água engarrafada), e o café sustenta 2,2 milhões de empregos no país – operando em todos os estados e territórios e contribuindo com quase US$ 350 bilhões para a economia americana todos os anos. Fonte: https://www.ncausa.org/Newsroom/Grounds-for-celebration-Americans-remain-committed-to-coffee  Acesso em 3/10/2025.
5 Traço marcante da construção social brasileira consiste na cultura da subserviência ou, como melhor formulou Nelson Rodrigues, a famosa “síndrome de vira-latas”. Tal mentalidade não se desvincula nem de nossos melhores quadros técnicos e empresariais no trato com os congêneres do norte desenvolvido.
6 Disponível em: https://www.usatoday.com/story/money/2025/04/10/coffee-tariffs-expensive/83029424007/  e https://www.caf.com/pt/presente/eventos/online-prosperidade-para-os-produtores-de-cafe-por-meio-de-planos-nacionais-para-a-sustentabilidade-do-cafe-com-base-nos-ods/ Acesso em 3/10/2025.
7 O economista liderou, em 2019, estudo sobre a problemática da economia cafeeira mundial em que, dentre diversas ações, propunha a criação de um Fundo Mundial do Café com US$ 10 bilhões em depósitos para implementação de um Plano Nacional de Sustentabilidade do Café. Ver: https://scholarship.law.columbia.edu/sustainable_investment_staffpubs/53. Acesso em 3/10/2025.

TEXTO Celso Luis Rodrigues Vegro é engenheiro agrônomo, mestre e pesquisador científico do IEA (Instituto de Economia Agrícola), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

Mercado

Maringá ganha festival que celebra cafés especiais da região

Nos dias 11 e 12 de outubro, Maringá (PR) realiza seu primeiro Festival do Café Especial, para celebrar a cultura, a inovação e a qualidade dos cafés especiais da região. A programação reúne marcas, profissionais e apreciadores da bebida em dois dias de experiências, competições e aprendizado.

Idealizado pelo hub de experiências Grano e pela Rota dos Cafés Especiais de Maringá e Região, e co-realizado por Sebrae e Visite Maringá (instituto promotor do turismo local), o festival busca aproximar o público dos cafés especiais, além de mostrar o quanto Maringá e o estado do Paraná têm se destacado na cena cafeeira. 

“Nossa expectativa é que o evento seja um ponto de encontro entre marcas, profissionais e consumidores que compartilham a mesma paixão: o café de qualidade, com propósito e com história. Queremos que as pessoas provem, aprendam e se conectem com quem faz o café acontecer, do produtor ao barista”, conta Patrícia Duarte, presidente da Rota.

Entre os destaques da programação está a 2ª Copa di Grano, campeonato de cafés filtrados inspirado no Brewers Cup, e A Maior Cafeteria do Mundo, espaço que vai oferecer um cardápio de cafés e comidas servido por 28 empresas. 

O evento também terá oficinas e masterclasses tanto para iniciantes quanto para profissionais, além do Clube do Café, tradicional encontro mensal do setor na cidade que acontecerá em formato de roda de conversa, promovendo troca de experiências e debates sobre o futuro do café especial na região.

Festival do Café Especial
Quando: 11 e 12 de outubro
Horário: das 9h às 19h
Onde: Sebrae Maringá – avenida Bento Munhoz da Rocha Neto, 1.116 – Maringá (PR)
Mais informações: www.instagram.com/festivalcafeespecial
Evento aberto ao público, com atividades pagas e gratuitas

TEXTO Redação

Mercado

SIC 2025 destaca premiações que valorizam a qualidade e a inovação do café brasileiro

A Semana Internacional do Café (SIC) 2025, que acontece em Belo Horizonte de 5 a 7 de novembro, será palco de algumas das mais importantes premiações do setor, reunindo iniciativas que reconhecem a excelência, a inovação e a diversidade do café brasileiro. Ao longo do evento, produtores, torrefadores, baristas e marcas terão seus talentos e esforços celebrados em diferentes frentes da cadeia cafeeira.

Entre as atrações, estão os campeonatos realizados pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA): o Campeonato Brasileiro de Barista, o Campeonato Brasileiro de Coffee in Good Spirits e o Campeonato Brasileiro de Latte Art, que colocam em evidência técnica, criatividade e paixão pelo preparo da bebida.

Premiação Campeonato Brasileiro de Barista

O setor industrial também terá espaço com reconhecimentos de peso, como o Campeonato Brasileiro de Blends de Café, organizado pela Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), e o Prêmio Torrefação do Ano, realizado pela Atilla Torradores, que celebram a qualidade e a inovação no processo de torra e na criação de blends de excelência.

Já no campo da produção, um dos maiores destaques da SIC é o Coffee of the Year, que anualmente revela os melhores cafés arábica e canéfora produzidos no Brasil, colocando em evidência a qualidade da safra nacional. 

Premiação Coffee of the Year

O evento é sede também da premiação do Florada Premiada, iniciativa da 3corações, da Premiação Golden Cup, da Fairtrade Brasil, do Concurso NossoCafé, da Yara, e da 9ª edição do Concurso ATeG, do Sistema Faemg/Senar, que valorizam a origem, a sustentabilidade e a dedicação de milhares de produtores de café em todo o país.

Por fim, a criatividade e o design também marcam presença, com o Concurso Espresso Design, que reconhece embalagens e projetos visuais que se destacam pela inovação e impacto no mercado. 

Com essa diversidade de premiações, a SIC 2025 reforça seu papel como vitrine internacional do café brasileiro, valorizando a qualidade, a criatividade e a inovação que movimentam toda a cadeia produtiva.

A Semana Internacional do Café 2025 é realizada pela Espresso&CO, Sistema Faemg/Senar, Governo do Estado de Minas Gerais e Sebrae, e conta com Apoio Institucional do Sistema Ocemg, Patrocínio Oficial de Codemge e Governo do Estado de Minas Gerais, Patrocínio Diamante de 3corações Rituais, Patrocínio Ouro de Anysort e Sicoob e Patrocínio Bronze de Yara. Apoio de Abic, Abrasel, IWCA Brasil, BSCA, Cecafé, Governo Federal e Sindicafé-MG. A Espresso é mídia oficial.

Semana Internacional do Café 2025
Quando: 5 a 7 de novembro
Onde: Expominas – Belo Horizonte (MG)
Mais informações e credenciamento: www.semanainternacionaldocafe.com.br 

TEXTO Redação • FOTO NITRO/Semana Internacional do Café

Mercado

Festival Café da Semana estreia na SIC como espaço da cultura de cafeterias

Ambiente conta com a exposição de mais de 30 marcas, além de conteúdos com especialistas na Cafeteria Modelo e apresentações de profissionais no Campeonato Brasileiro de Barista

A Semana Internacional do Café (SIC), que acontece de 5 a 7 de novembro em Belo Horizonte, ganha neste ano um novo ambiente de experiência: o Festival Café da Semana. Criado para aproximar marcas e consumidores, ao reunir cafeterias e microtorrefações, o espaço promete ser um dos destaques da edição 2025.

Além de apresentar as principais tendências e soluções para o setor em diferentes estandes, inclui atrações como a Cafeteria Modelo & Barista Jam, que simula uma cafeteria real e traz uma programação de conteúdos com especialistas do setor, e o Campeonato Brasileiro de Barista, onde profissionais de diferentes partes do país se apresentam em busca do título de melhor barista do Brasil.

Entre estandes tradicionais, mesas e balcões de ativação, o Festival Café da Semana conta com mais de 30 marcas, sendo algumas delas Daterra Coffee, Honey Coffee, Cafellow, Fazenda Venturim, Café Lobo do Serrote, Orfeu Cafés Especiais, 3corações, Pamella Coffees, Café do Futuro, Jutta Coffee, Café Elizabete, Cafeteria Dr. Coffee e Torrido Cafés Especiais. A proposta é abrir espaço para pequenos e médios negócios ganharem visibilidade ao lado de grandes players do mercado.

O ambiente se consolida como uma nova plataforma estratégica da SIC, reunindo conteúdo, experiências e oportunidades de negócios, ao proporcionar ativações de marca, lançamentos de produtos e conexão entre consumidores e empresas.

A Semana Internacional do Café 2025 é realizada pela Espresso&CO, Sistema Faemg/Senar, Governo do Estado de Minas Gerais e Sebrae, e conta com Apoio Institucional do Sistema Ocemg, Patrocínio Oficial de Codemge e Governo do Estado de Minas Gerais, Patrocínio Diamante de 3corações Rituais, Patrocínio Ouro de Anysort e Sicoob e Patrocínio Bronze de Yara. Apoio de Abic, Abrasel, IWCA Brasil, BSCA, Cecafé, Governo Federal e Sindicafé-MG. A Espresso é mídia oficial.

Semana Internacional do Café
Quando: 5 a 7 de novembro
Onde: Expominas – Belo Horizonte (MG)
Credenciamento e mais informações: semanainternacionaldocafe.com.br 

TEXTO Redação • FOTO NITRO/Semana Internacional do Café

Mercado

Nestlé anuncia novo CEO da Nespresso

Alfonso Gonzalez Loeschen, novo CEO da Nespresso

A Nestlé nomeou Alfonso Gonzalez Loeschen como novo CEO da Nespresso. Ele sucede Philipp Navratil, que em setembro assumiu a presidência do Grupo Nestlé após a saída de Laurent Freixe.

Na empresa desde 1992, Loeschen ocupou diversos cargos de liderança, incluindo o de diretor-geral da Nestlé Porto Rico entre 2012 e 2014, e diretor de marketing da Nespresso entre 2015 e 2019, onde liderou a expansão do sistema Vertuo nos EUA, Canadá e México, crescendo em dois dígitos as vendas e o volume. Como parte de sua promoção, ele também passará a integrar o Conselho Executivo da Nestlé.

A nomeação de Loeschen é a mais recente mudança na alta liderança da Nestlé nos últimos meses. Além da saída de Freixe por um relacionamento amoroso não declarado com uma subordinada e da promoção de Navratil, a empresa também se prepara para um novo presidente do Conselho: Pablo Isla assumirá o cargo na próxima quarta (1º) , sete meses antes do previsto, após Paul Bulcke concordar em deixar a posição diante da pressão de investidores sobre sua liderança e suas decisões.

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

Mercado

Abics concede primeiro Selo de Qualidade de Excelência

A Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics) concedeu, pela primeira vez, o Selo de Qualidade de Excelência a um café solúvel produzido no Brasil. O produto reconhecido foi o Nescafé Gold, da Nestlé. 

A entidade vem aplicando os selos desde junho deste ano, com o objetivo de encontrar o melhor perfil sensorial para cada aplicação e potencializar os benefícios do consumo de café solúvel em outros produtos. A metodologia, desenvolvida em parceria com o Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), é inédita e estabelece padrões técnicos que classificam os cafés em três níveis: Clássico, Premium e Excelência. 

A avaliação sensorial é feita por especialistas certificados, os IC Graders, que analisam atributos como acidez, corpo, doçura, notas aromáticas e sabor residual. O reconhecimento posiciona o Brasil, maior produtor e exportador mundial de café solúvel, como referência internacional também na definição de critérios de qualidade para o setor.

“O selo de Excelência da Abics chancela um trabalho construído ao longo de décadas. O Nescafé Gold é fruto desse cuidado, que se inicia na lavoura e se estende por todas as fases da produção, finalizando na torra”, destaca Gabriela Monsanto, gerente de Marketing da Nescafé.

TEXTO Equipe Espresso • FOTO Felipe Gombossy

Cafeteria & Afins

Notthesamo Café – São Paulo (SP)

O Notthesamo foi a escolha de visita da equipe da Espresso nesta semana. Há três meses instalada na rua Doutor Vila Nova, no agitado bairro central da Vila Buarque, a cafeteria é braço de uma plataforma de mídia que tem como foco traduzir e fazer curadoria da cena urbana de moda, arte e lifestyle global para o público brasileiro. 

Com fachada de vidro, o ambiente atrai os olhares curiosos de quem passa na frente. Quem entra se depara com um espaço pequeno, de estética clean e com pé direito alto, animado por uma playlist de hiphop. O balcão à direita apresenta algumas das comidinhas rápidas, como croissant, pão de queijo, empanada, brigadeiro, banana bread e cookie. Os pacotes de café da casa também estão posicionados à venda.

É no mesmo balcão onde se faz e se pagam os pedidos. Entre as três opções de grãos disponíveis na casa, de sensoriais chocolate, limão siciliano e lavanda, escolhemos os dois últimos, filtrados no método gina. Cultivados pelo produtor Gabriel Lamounier, da Fazenda Guariroba, no Campo das Vertentes, e torrados pelo head barista da casa, Brenner Felipe, o de nota de limão siciliano era da variedade topázio, com dupla fermentação, enquanto que o de lavanda era um gesha natural, também fermentado. Na xícara, as bebidas eram leves e fáceis de tomar. O topázio era equilibrado e cítrico, com acidez média e corpo médio. Já o gesha era suave, aromático e nada enjoativo.

Para acompanhar, nossas escolhas foram o popular queijo quente, feito com um blend de queijos e finalizado com mel fermentado no alho, e o sanduíche na focaccia, composto por mortadela, ricota temperada e rúcula em uma focaccia feita na casa. O primeiro estava crocante e levemente salgado, mas foi balanceado pelo doce do mel. O segundo, equilibrado e refrescante, mostrou uma boa combinação entre a suavidade da ricota temperada e o sabor intenso da mortadela. A focaccia era leve e macia.

Entre os doces escolhemos o bolo de chocolate NTS e o brownie. Ideal para quem gosta de chocolate, o bolo veio cortado em uma fatia generosa, mas não enjoativa, que desmanchava na boca. O brownie estava macio e chocolatudo. Ambas as pedidas estavam doces na medida certa e foram harmonizadas com um espresso de corpo médio, acidez alta e finalização longa, com notas cítricas e de chocolate.

Em um bairro repleto de cafeterias, o Notthesamo Café se mostra um local agradável para quem busca uma pausa na rotina para tomar uma xícara de café em meio à correria de São Paulo.

Nossa conta: R$ 142
Coado limão siciliano – R$ 18
Coado lavanda – R$ 20
Queijo quente – R$ 32
Sanduíche na focaccia – R$ 30
Brownie – R$ 20
Bolo de chocolate NTS – R$ 22

Informações sobre a Cafeteria

Endereço Rua Doutor Vila Nova, 41
Bairro Vila Buarque
Cidade São Paulo
Estado São Paulo
País Brasil
Website http://www.instagram.com/notthesamocafe/
TEXTO Equipe Espresso • FOTO Equipe Espresso

Café & Preparos

Você beberia um café no balde?

Cafeterias dos Estados Unidos entram na onda da tendência que nasceu no TikTok

Por Letícia Souza

Aqui no Brasil, muitos profissionais e entusiastas do café usam a expressão “beber de balde” para elogiar a qualidade de um café. Isso significa que foi bem extraída, abraça as papilas gustativas e dá vontade de consumir mais – como em um balde, em largas quantidades. 

Nos últimos meses, pipocou no TikTok uma trend que fez jus a essa fala: café gelado servido em enormes baldes de plástico. A ideia pode parecer um tanto absurda, é claro, mas filas se formaram em cafeterias de diversas cidades dos Estados Unidos. Estabelecimentos na Califórnia, Missouri, Oklahoma e Connecticut passaram a servir cafés de tamanho XXL. 

No Brasil, no entanto, não é costume ter bebidas tão grandes assim, e isso causa até estranhamento em quem vê de maneira desavisada. Para entender mais sobre essa trend, conversamos com Alaina Roberto, proprietária da Last Drop, cafeteria na cidade de Monroe, em Connecticut (EUA), um dos primeiros lugares a se popularizar no TikTok com a trend.

“Vi um TikTok de alguém em outro estado servindo baldes de café e achei legal a ideia, então resolvi testar com os clientes”, escreve a empresária. “Postei uma foto para divulgar e, no dia seguinte, tivemos uma enxurrada de gente querendo experimentar. Tivemos clientes que dirigiram por duas horas só para vir buscar um balde”, conta à Espresso

Sobre a receita, Alaina comenta que varia para os diferentes tamanhos de balde. “No começo, divulgamos apenas como café gelado, mas logo passamos a preparar também todos os nossos lattes especiais no balde, e eles têm feito ainda mais sucesso do que o café comum”.

Ela acredita que o movimento ganhou proporções por ser “diferentão e instagramável”. “As pessoas amam uma nova tendência e, mais ainda, adoram tirar fotos. Todo mundo ama café, então poder dizer que tomou em um ‘balde’ é uma das partes favoritas da experiência”.

A receita servida na Last Drop usa de 700 a 800 ml de leite vaporizado com 120 ml de espresso, e é vendida por $ 10.

TEXTO Letícia Souza • FOTO Divulgação

Cafezal

A revolução dos robustas amazônicos

De lavouras arcaicas a grãos premiados, Rondônia vira vitrine de sustentabilidade em cafés na Amazônia

Por Cristiana Couto, de Rondônia

Quando a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30) abrir as discussões em Belém, em novembro, cientistas e cafeicultores de Rondônia estarão preparados para apresentar como o café do estado é um exemplo de cultivo sustentável e regenerativo em plena floresta amazônica.

Na AgriZone – espaço montado pela Embrapa Amazônia Oriental e parceiros para apresentar tecnologias desenvolvidas pela instituição para a agropecuária brasileira –, uma vitrine com 3 mil mudas de café, além de palestras, vídeos e degustação vão jogar luz sobre a revolução protagonizada pelos robustas amazônicos.

Definido como mudança profunda, acelerada e às vezes radical, o termo revolução, aqui, não é exagero. Em 15 anos, uma cultura extrativista e com preço definido pela contagem de defeitos tornou-se altamente produtiva, 100% rastreável e sensorialmente atrativa. “Para a COP30, levaremos resiliência climática por meio da genética e agregação de valor por meio da qualidade e da sustentabilidade”, resume o engenheiro agrônomo Enrique Alves, pesquisador da Embrapa Rondônia e pioneiro na transformação da qualidade dos robustas amazônicos.

Pesquisas e dados estatísticos da denominação de origem Matas de Rondônia – primeira DO de canéforas sustentáveis do mundo, com dez mil das 17 mil famílias cafeicultoras do estado e responsável por mais de 80% de sua produção – baseiam as afirmações.

Em maio, um dos estudos do projeto CarbCafé, criado em 2023 pela Embrapa em parceria com o Sicoob (Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil), a Caferon (atual Associação dos Cafeicultores da Amazônia Legal) e a UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), demonstrou que os cafezais da denominação sequestram 2,3 vezes mais carbono do que emitem, removendo quase 4 toneladas de CO2 da atmosfera por ano.

Foto: Maria Eloiza

A produtividade também impressiona: em 2011 eram 9 sacas por hectare; em 2025, a estimativa é de 54,8, a maior do país. Nas Matas de Rondônia, chega a 68,5 sacas, segundo o CarbCafé. O salto de mais de 500% ocorreu mesmo com a redução de mais de 80% da área cultivada desde 2001, quando atingiu 318 mil hectares.

Mas o estudo mais contundente – especialmente diante da exigência do EUDR – é o que comprova que não há relação entre a cafeicultura e a degradação recente da floresta em Rondônia. Publicado em 2024, ele mapeou 100% das fazendas das Matas de Rondônia com imagens de satélite (entre 2020 e 2023) e mostrou desmatamento zero em sete dos 15 municípios da DO. No total, o café ocupa apenas 0,8% do território (34,4 mil ha), contra 46% de pastagens e 52% de florestas preservadas, mais da metade em terras indígenas. “Quando as pessoas olham para lavouras em Minas e Espírito Santo, não pensam que já foram florestas. Na Amazônia, essa é sempre a primeira impressão”, observa o pesquisador.

“Não dá para produzir café na Amazônia sem comprovação científica, senão viramos alvo fácil de narrativas”, alerta Juan Travain, presidente da Caferon, que após exportar para a Coreia do Sul enfrentou questionamentos na internet sobre desmatamento.

Juan Travain, presidente da Caferon – Foto: Divulgação

A revolução do café em Rondônia combina ciência, tecnologia e sustentabilidade. Introduzida nos anos 1970 por migrantes do Espírito Santo, Paraná e Minas, em movimento incentivado pelo governo militar, a cultura ultrapassou 300 mil hectares, mas perdeu espaço para pastagens nos anos 2000 com a queda de preços e produtividade. A retomada ocorreu entre 2010 e 2020, com melhoramento genético, propagação clonal, irrigação e manejo preciso, e se fortaleceu recentemente com semimecanização da colheita e processamentos fermentativos.

Com produtividade e qualidade consolidadas, cresce o investimento dos cafeicultores em sustentabilidade. Uso racional da água, sistemas agroflorestais, bioinsumos, drones e recuperação de áreas degradadas já são práticas comuns em Cacoal, município referência em qualidade e conhecido como capital do café em Rondônia. “Quando, por meio da inovação, conseguimos gerir melhor os recursos naturais, isso é sustentável”, resume Travain, parceiro de pesquisas.

Fertirrigação e biofábrica

Na aterrissagem em Cacoal já se avistam os cafezais da Selva Café. A fazenda, que abriga parque aquático, hotel e indústria de laticínios, reserva 220 hectares ao café. Nas Matas de Rondônia, a irrigação deixou de ser auxiliar e virou base da produção: 97,2% das propriedades da região são irrigadas, segundo Alves.

Café em área regenerada, no Selva Café – Foto: Divulgação

Para preservar a água, Travain adotou a nutrirrigação, que injeta adubo de forma automatizada e em doses programadas conforme a necessidade da planta. O sistema tem sensores de umidade do solo, qualidade da água e equilíbrio nutricional da planta, com monitoramento em tempo real. “Com ele, fazemos 120 adubações anuais”, explica o cafeicultor, sócio de três irmãos e um amigo e hoje referência em tecnologia na região. Entre as vantagens estão uso eficiente de água e fertilizantes, melhor aproveitamento das raízes superficiais, corte de custos e ganho em produtividade: economia de 30% em adubo, até 50% em água e previsão de uma média de 140 sacas por hectare em 2025, contra 104 no ano anterior, quando uma das lavouras ainda não estava 100% sob o sistema.

As práticas se somam à instalação de tanques para captação de chuva, uma biofábrica e uma usina de compostagem. Na biofábrica, são produzidos os fungos trichoderma – aplicado por irrigação ou drone contra fusariose – e beauveria, alternativa biológica a defensivos químicos. Produzidos na própria fazenda, chegam ao campo no auge da reprodução, o que garante mais eficiência. Já na usina, resíduos como rúmen, pó de serra, cama de frango e palha de café se transformam em compostos para recuperar solos degradados: hoje, 100% da área da Selva Café está restaurada.

A cafeicultura é considerada estratégica para recuperar áreas degradadas por pastagens nas Matas de Rondônia, que somam 1,88 milhão de hectares. Segundo Alves, considerando a média de sacas produzida por hectare no estado, se apenas 25% dessa área fosse convertida em lavouras, a produção passaria de 25 milhões de sacas – volume próximo ao do Vietnã, líder mundial na produção de canéforas.

Recomposição agroflorestal

Quando os pais cogitaram vender a propriedade em Novo Horizonte D’Oeste, Geanderson Gambarte, então com 23 anos, largou o emprego em Goiás e voltou para casa. Em poucos anos, a área de café saltou de 3 para 9 hectares e a produtividade mais que dobrou, de 50 para 125 sacas por hectare. A virada veio com manejo sustentável e tecnologia. “Em 2021, Poliana Perrut nos apresentou os cafés especiais. Nem sabíamos o que era isso, mas a produção estava doente”, lembra. A consultora, que também é cafeicultora, viveirista e uma das lideranças em café da região, ajudou a equilibrar a lavoura. “O uso consciente dos produtos e equipamentos é fundamental”, ensina Poliana. Hoje, a família produz microlotes premiados que já alcançaram 92 pontos.

Geanderson Gambarte

O drone substituiu o atomizador costal e reduziu tempo, mão de obra e aplicação de químicos. “Antes gastava sete dias para pulverizar, hoje em quatro horas o drone faz o mesmo serviço”, diz Gambarte. Com tensiômetro, o consumo de água e energia caiu pela metade: na seca, cada talhão passou de duas horas para uma hora de irrigação semanal. Toda a água da fertirrigação vem de um reservatório próprio.

A transformação inclui recomposição florestal, plantio de ipês entre os pés de café – criando microclima para o cafezal –, recuperação de nascentes, pastagens e criação de abelhas para polinização. “As árvores ocupam o espaçamento de apenas uma planta de café. Os cafés ficam mais à vontade, o solo perde menos umidade, e ainda há ganho paisagístico”, avalia o cafeicultor. O sítio agora se chama Recanto dos Ipês. Ao lado das placas solares que abastecem a propriedade, Geanderson ergue um armazém para processar a próxima safra e planeja reformar a casa dos pais, onde tudo começou.

Qualidade, natureza e família

Embora a área de café em Rondônia seja pequena, sua relevância econômica e social é enorme. Terceira maior economia do estado, a cultura deve gerar neste ano um VBP de R$ 5 bilhões. “O café garante renda e qualidade de vida em pequenas áreas. E, quando há qualidade de vida, o jovem permanece no campo”, afirma o pesquisador Enrique Alves.

Um estudo socioeconômico do CarbCafé mostra que a idade média do cafeicultor caiu de 53 para 47 anos em 15 anos, em um cenário em que 95,5% das propriedades são classificadas como familiares.

A história da família Da Luz, em Cacoal, é um retrato dessa renovação. Desde 1986, quando deixou o Espírito Santo, João da Luz investiu no conilon no sítio Coração de Mãe. Nos anos 2000, adotou plantas mais produtivas e, em 2019, passou a apostar nos robustas amazônicos e em cafés diferenciados, como os fermentados.

Família Da Luz – Foto: Maria Eloiza

A fermentação, adotada recentemente, ampliou a complexidade e a diversidade sensorial dos robustas – hoje, mais da metade dos lotes enviados a concursos passam pelo processo. “Em 2016 começamos os testes e vimos que a fermentação podia variar de 10 a 20 dias, mais do que no conilon e no arábica”, explica Alves. Em 2019, já havia 10% de cafés fermentados em Rondônia. “O robusta amazônico fermentado é uma identidade do nosso café”, afirma.

Os concursos impulsionaram a virada. Em 2022, Da Luz venceu o Concafé (Concurso de Qualidade e Sustentabilidade do Café de Rondônia) e ficou em 2º lugar no Coffee of the Year, durante a Semana Internacional do Café. Em 2024, alcançou o 1o lugar nacional em torra no concurso da CNA. Os prêmios, que incluíram um trator e um torrador, e a chegada de equipamentos como secador de fogo indireto (via Caferon), tensiômetro e energia solar, elevaram a produção: hoje, 30% dos cafés da família são especiais e seguem para capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Velho e Brasília. “O café especial levou a gente a um lugar que nunca imaginamos”, reflete o cafeicultor.

Muito antes de a palavra sustentabilidade ganhar força, Da Luz já reflorestava nascentes. “Quando chegamos, não tinha água”, lembra ele, que a fornece aos vizinhos. A propriedade também abriga um meliponário, hoje cuidado pela filha e pelo genro, que voltaram à fazenda após o sucesso do negócio. “Cada passo é para unir qualidade, natureza e família”, diz ele, que mira 120 sacas por hectare, contra a média atual de 90 a 100. “Produtividade é fazer as coisas certas desde o começo. Meu pai sempre dizia: ‘cuide da terra mais do que de você, porque tudo depende dela’.”

Café na floresta

Para os Paiter Suruí, plantar café é também preservar a floresta – nas reservas indígenas de Matas de Rondônia, as áreas de floresta nativa primária alcançam 1,2 milhão de hectares.

Em 2024, na 6ª edição do concurso Tribos – projeto da 3corações em parceria com Embrapa e instituições como a Funai –, um microlote de Rafael Mopimop Suruí recebeu a inédita nota média de 95 pontos. Cultivado na aldeia Linha 9, na Terra Indígena Sete de Setembro, em Cacoal, o café do cacique já havia figurado entre os melhores em edições anteriores. “Acho que é porque a gente não trabalha com químico”, diz ele, que faz colheita e seleção manual, além de fermentar os frutos, técnica introduzida pela 3corações.

Rafael Suruí – Foto: Enrique Alves

Hoje, todas as 28 famílias da aldeia cultivam café. Há cinco anos, a aldeia de Rafael criou uma cooperativa. Os Paiter Suruí têm três delas, que vendem 100% do café para a 3corações. Desde o lançamento em 2019, o Projeto Tribos comprou 520 mil quilos de café – uma média de 1,5 mil sacas por ano. “O café mudou nossa vida. Tem jovem que queria emprego na cidade e agora quer trabalhar com café especial na aldeia, para ser autônomo”, comemora Rafael, cujo sonho, agora, é poder conduzir todo o processo dos seus cafés.

Com o bloco na rua

Ganhar concursos é vitrine para qualquer produtor. No caso dos robustas amazônicos, eles integram a estratégia da Caferon para projetar a denominação de origem. “Quando o problema era ambiental, comprovamos que não havia desmatamento. Quando foi qualidade, mostramos com provadores que nossos cafés têm qualidade. Cada dificuldade a gente transformou em ativo”, resume Travain.

Em 2016, o governo do estado, em parceria com diversas instituições, criou o Concafé, primeiro concurso estadual de qualidade e sustentabilidade. No mesmo ano, a Caferon levou Rondônia à Semana Internacional do Café (SIC). “Levamos um café amazônico numa feira praticamente de arábicas, e as pessoas iam ao nosso estande com a expectativa de beber um café ruim”, lembra Alves. Desde então, o concurso já atraiu degustadores de diversos países e gerou negócios internacionais.

Outra frente de promoção foi levar cafés a embaixadas brasileiras, como a de Londres, em 2024. “Foi um evento disruptivo. Mostramos que o café da Amazônia é sustentável e de qualidade, e isso abriu caminho para novos negócios”, afirma o presidente da Caferon. Logo depois, uma rede de cafeterias em Londres destacou aqueles cafés em sua linha de produtos.

Foto: Maria Eloiza

A estratégia inclui ainda resolver gargalos logísticos. “Somos os primeiros a exportar café pela Amazônia Legal. Agora, estamos inaugurando a rota do porto em Lima”, destaca, referindo-se à Rodovia Interoceânica, corredor terrestre que leva o café de Rondônia ao Peru, e ao porto de Chancay, que encurta o transporte marítimo até a Ásia.

Hoje, os café das Matas de Rondônia são exportados para países como China, EUA, Rússia e Coreia do Sul. Nos últimos três anos, a exportação pulou de mil para mais de 500 mil sacas – mais de 20% de todo o café produzido no estado.

Na semana de apuração desta reportagem, onze torrefadores russos visitaram a região. A organizadora do grupo, Valentina Moksunova, da Hummingbird Coffee, decidiu apostar nos canéforas para fugir do clichê do café brasileiro associado apenas ao arábica. Em 2024, importou a primeira leva de robustas amazônicos. “Todo mundo compra do Sul de Minas, mas quis oferecer algo realmente único e novo. E, na Rússia, onde os consumidores comuns preferem cafés com menos acidez, os robustas amazônicos são a resposta: tem um sabor puro, que pode ser aceito por um público maior”, explica.

Turismo sustentável

Desde que venceu o Concafé em 2017, Ronaldo Bento, do Sítio Rio Limão, em Cacoal, passou a frequentar feiras e eventos em busca de mais qualidade e sustentabilidade para seus cafés e para Rondônia. “O estado era conhecido por ter o pior café. Eu disse: não, temos que mudar isso”, conta. No ano seguinte, levou os filhos: “São eles que vão seguir esse caminho novo”.

Em 12 hectares, cinco famílias do clã Bento dividem as tarefas da produção. Referência em qualidade e turismo rural sustentável, a propriedade recebe até 2,5 mil visitantes por mês, produz 800 sacas por safra e mantém torrefação própria, vendendo direto ao consumidor em cidades como Belém, Manaus, São Paulo e Rio de Janeiro. “Nossa produção ainda é pouca para atender a esse mercado, que é muito grande”, avalia.

Cafezal do Sítio Rio Limão, da Fazenda Bento, em Cacoal – Foto: Heitor Delpupo

Parceiro da Embrapa em pesquisas, Ronaldo Bento adota o pacote tecnológico completo: fertirrigação guiada por análise de solo e folha, secadores de fogo indireto, fermentações controladas, energia solar e bioinsumos. O resultado é colheita com até 90% de frutos maduros. Áreas de pastagem e nascentes também foram recuperadas com o plantio de quase 300 árvores nativas, como castanheiras, ipês e açaí. “Hoje o tanque de água está reflorestado e as árvores já estão formadas”, diz.

Com a demanda crescente, a família passou a beneficiar e torrar café de outros produtores e prepara a expansão do negócio. “Das 50 sacas torradas da primeira safra, chegamos a mais de mil. A indústria ficou pequena, precisamos crescer para atender mais parceiros também”, comemora.

Proteção da fronteira e da floresta

Outros estados da Amazônia já olham para Rondônia como modelo. O Acre, com mil cafeicultores e mais de 80% da floresta preservada, vem investindo na transformação de sua cafeicultura, seguido por Roraima e Amazonas.

Para Enrique Alves, a história que esses cafés levam à COP30 traduz o princípio básico da sustentabilidade: “a necessidade das gerações atuais não pode se sobrepor à das gerações que virão”. Ele lembra que, se no passado a colonização tinha como foco proteger a fronteira, hoje o desafio é outro: proteger a floresta. Com a sustentabilidade no DNA da DO Matas de Rondônia e 10% de cafeicultores do estado trabalhando a qualidade dos cafés, Alves garante: “Não há produtor de robustas finos que não esteja comprometido a transformar o discurso da produção sustentável em boas práticas”.

Alves e Travain também torcem para apresentar novos resultados no evento, como o estudo do CarbCafé que compara o estoque de carbono no solo de florestas, pastagens e cafezais. “Hoje temos um arcabouço científico que ajuda a cafeicultura a evoluir”, diz Alves. A próxima etapa do projeto testa 64 clones, em parceria com os agricultores, para obter cultivares mais produtivas, adaptadas e com melhor perfil sensorial. “Estamos enviando grãos torrados para a Nigéria como exemplo do que pode ser feito com o robusta no lugar mais próximo de seu centro de origem”, acrescenta.

Texto originalmente publicado na edição #89 (setembro, outubro e novembro de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto

Café & Preparos

Atlas de James Hoffmann ganha nova edição

A terceira edição do aclamado The World Atlas of Coffee, do barista inglês e campeão mundial James Hoffmann, está prestes a ser lançada. Ampliada, a obra, programada para ser publicada em novembro, é referência no setor ao reunir informações detalhadas sobre variedades, principais regiões produtoras e história do cultivo em mais de 30 países produtores de café, destacando as características que fazem com que cada origem tenha sua qualidade particular.

Além de explorar a produção de café pelo mundo, o livro traz informações básicas sobre cultivo, importância da torra e da água na extração da bebida, métodos de preparo e desenvolvimento das máquinas de espresso. Entre as novidades, capítulos sobre descafeinação e a inclusão de novas origens, como Austrália, Japão e Porto Rico.

A nova edição do livro já está disponível no site da Amazon, em caráter de pré-venda, por US$ 39,99.

TEXTO Redação • FOTO Divulgação