Cafezal

A união que faz o café

Diferentes histórias de vida juntaram-se por um projeto maior: o de retomar o café do Norte Pioneiro, no Paraná. Conheça famílias que abraçaram a ideia e têm feito uma revolução na qualidade do produto.

Uma região marcada pelo recomeço. Assim podemos definir o Norte do Paraná quando nos referimos à cafeicultura local. De uma enorme geada na década de 1970, que dizimou grande parte da produção, renasceu uma vontade enorme nos agricultores de retomarem suas vidas e permanecerem no cultivo do café. Nem todos conseguiram e muitos migraram para outros Estados brasileiros, já que a situação era de extrema dificuldade. Mas os que ficaram lembram-se da situação como um grande marco na vida: “antes ou depois da geada de 1975…”

Após mais de 35 anos, a região vive um momento único, de pessoas empenhadas em trabalhar o mercado do café de uma forma moderna, com qualidade, mas sem esquecer as raízes locais formadas por pequenos produtores.

Fomos conhecer algumas dessas histórias em cidades produtoras: Ribeirão Claro e Abatiá, pequenos munícipios que ainda guardam o ar bucólico, a calmaria e muito trabalho na lavoura. Ficam a mais de 350 quilômetros de São Paulo e, ao cruzar a Represa de Chavantes, a vista descortina uma região de montanhas não muito altas e alguns cafezais beirando a estrada. Em toda a região, 88% dos cafeicultores são pequenos produtores, que plantam entre 2 e 10 hectares de café. A produção local era vendida anteriormente para comerciantes da própria região e pouco se sabia sobre a qualidade do café.

Em um trabalho que começou há pouco mais de quatro anos, produtores se uniram em busca de um melhor preço e para se mostrarem aos mercados internacionais. Descobriram, então, em eventos e viagens ao exterior, que havia um mundo à parte para os cafés especiais. Percorremos quatro propriedades, para mostrar essa realidade e constatar o trabalho sério do café do Norte Pioneiro.

“Hoje a gente capricha mais”

Augusto Serafim e sua esposa Ornesta Rissá Serafim vivem “na cidade”, em Ribeirão Claro. Mas a vida toda moraram no Sítio Santo Antônio, terras que herdaram da família. Há mais de 50 anos a história começou por ali e, hoje, o filho Cleomilson e a nora Daiana, vivem e zelam mais de perto pelos 6 hectares da fazenda, a 650 metros de altitude. Seu Augusto e a família são parte integrante do projeto de certificação Fair Trade, que mudou o dia a dia no sítio e fez com que todas as práticas agrícolas passassem a ser controladas de muito perto. Em 2 hectares de café eles colheram, em 2011, 350 sacas de variedades como mundo novo, bourbon vermelho, catuaí amarelo, em processamento cereja descascado e natural. Com maquinários recém-adquiridos em programas de incentivo ao pequeno produtor, há desde despolpador até secador automático, tudo aguardando pela nova safra. Além dos equipamentos, novos terreiros suspensos muito organizados estão à disposição dos cafés colhidos.

Apenas pai e filho e mais dois temporários fazem todo o trabalho de colheita e benefício do café. Para seu Augusto, “a secagem é o que manda na qualidade do café”, por isso, ela merece atenção redobrada. Ele conta que mudou seu jeito de pensar e que o cuidado com o meio ambiente é prioridade. É possível ver o entusiasmo nos olhos deles, motivação decorrente do alcance do dobro do preço de venda da saca, que passou de 390 reais em tempos passados, para 640 reais, em 2011. Seu Augusto ainda conta com orgulho das duas sacas premiadas no Estado, que vendeu ao Lucca Cafés Especiais, de Curitiba (PR), pelo valor de mil reais, cada. “O café, segundo eles, estava com notas de doce de leite, caramelo e frutado”, ele lembra. Para completar a renda, mais de 2 mil orquídeas são cultivadas por dona Ornesta e vendidas durante o ano, além de bolos e tortas. Uma vida simples, de muito trabalho e muito florida.

“O que eles fizeram a vida inteira”

No Sítio Santa Clara, em Ribeirão Claro, os descendentes de italianos Ademir Baggio e Joana Denobi Baggio são casados há mais de 60 anos. Sozinhos, eles vivem na propriedade de 5 hectares, sendo metade dela destinada à plantação de café. Com um sorriso largo no rosto, o casal trabalha duro na colheita. O café ali é só do tipo natural, com a casca, que vai para o terreiro suspenso após passar por um sistema simples, porém essencial: o lavador. Em uma pequena tina de plástico, o café recém-colhido é despejado para uma pré-seleção. Os mais pesados afundam e os mais leves, boiam – daí o nome – ficam na superfície. Os boias são separados dos demais e considerados de menor qualidade.

Desde os treinamentos realizados durante a certificação, o casal aprendeu que essa ação faz uma grande diferença. Pioneiros na região, em 2011 os Baggio produziram 50 sacas. Querem dobrar nesta safra, empolgados com o retorno do preço mais alto conseguido no ano anterior. Seu Ademir acredita muito no trabalho de união dos cafeicultores da região: “em 60 anos de trabalho meus pais morreram sem nada. Em três anos vamos fazer o que eles levaram a vida inteira para conquistar”.

“Estamos vendo resultado”

José Avilar Rissá Filho é meeiro na propriedade de João Fernandes, na parte baixa da cidade de Ribeirão Claro. No Sítio Maranata há 4 hectares de café e um terreiro suspenso muito peculiar, com vários andares e cobertura para proteger da chuva durante a época da colheita.

A troca de serviço é prática comum nesta região, e seu José ainda cuida de uma grande horta orgânica que tem desde lindas alfaces com um verde raro de se ver, até berinjela e brócolis. Com sete pessoas trabalhando na época da safra, o agricultor colhe as mais de 120 sacas de café. A esposa, Maria de Lourdes da Silva Rissá, é responsável pelo cuidado dos legumes e verduras. Mas é o café que tem sido a menina dos olhos deles: “estamos vendo resultado e vendendo para o exterior”, diz seu José.

“Não consigo mais beber café ruim”

Chegar à casa de Hugo Raul da Silva é uma aventura para quem vive nos centros urbanos. Muitos pedregulhos e lindas paisagens depois, o Sítio São Francisco desponta em meio a curvas tortuosas de Abatiá. Com uma área de 26 hectares, o produtor é um exemplo da grande mudança na mentalidade dos cafeicultores locais, após o investimento em qualidade.

Com o pai, ele aprendeu a lidar com café e replicou as antigas regras ao negócio. Após mais de 20 cursos técnicos, do plantio, e até de degustação de cafés, Hugo viu “o que fazia de errado”. Determinado, passou a aplicar todas as dicas aprendidas. Hoje seu café já conquistou 82 pontos na escala de 0 a 100 da SCAA e todo o maquinário está pronto para a próxima safra. Até uma “komboza”, como diz, o produtor financiou para trazer os 14 funcionários que o ajudarão na colheita. Em 2011, 20% do seu café foi vendido para a certificadora Fair Trade. Neste ano, Hugo tem a meta de vender 80%. Ele e a esposa Rosineia Aparecida Pereira da Silva moram em um sítio que mais parece uma casa de boneca. Tudo organizado para a próxima colheita e com o desejo de que venham excelentes resultados.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses junho, julho e agosto de 2012 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Mariana Proença • FOTO Érico Hiller

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