Café & Preparos

Um naco e um gole: combinações de queijos e cafés!

Queijo e café formam um par daqueles que dão muito certo e na companhia um do outro ambos ficam muito melhor! E o território nacional está cheio de queijos típicos para ser explorados e degustados ao lado da sua xícara favorita

No início do século passado, o funcionamento da primeira fase da República no Brasil ganhou o famoso nome de “política do café com leite”, quando se alternavam no poder presidentes vindos de São Paulo – o café – e de Minas Gerais – o leite. Mas, pensando gastronomicamente, também ficaria uma delícia se o nome fosse “política do café com queijo”.

A combinação entre esses dois pode não ser familiar principalmente para o brasileiro que vive nos grandes centros urbanos, mas, basta ir a uma fazenda que tenha uma cabeça de gado leiteiro (vaca, cabra, ovelha ou búfala) para que a mesa esteja sempre posta, com o café e o queijo. “Você chega a uma fazenda na Canastra e vai ter sempre uma térmica com café fresco, uma garrafa de cachaça e um queijo novo – nunca um já aberto – para te receber”, contra Bruno Cabral, especialista que toca a loja Mestre Queijeiro, em São Paulo, especializada em queijos artesanais.

Ainda falando de história, o queijo chegou aqui primeiro com as vacas trazidas pelos portugueses. A possibilidade de conservar o leite coalhado e salgado e carregá-lo como alimento durante a exploração do ouro nas Minas Gerais fez com que o gado leiteiro se adaptasse muito bem e transformasse o estado no maior polo queijeiro do País. As regiões do Serro, da Canastra e do Salitre têm seus produtos e feituras reconhecidos como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. E é bem nessa área que o café e o queijo acontecem em conjunto: afinal, tem queijo no Norte, no Nordeste e no Sul, mas por lá o café é muito mais consumido e não necessariamente plantado, já que é planta que funciona entre os trópicos.

“Sempre perto de uma fazenda de queijo aqui na Serra da Canastra tem uma de café”, explica Guilherme Ferreira, do queijo Capim Canastra. Hoje, há algumas propriedades que estão trabalhando ambos os produtos. “Primeiro se trabalha essa parte das características locais de ambos, o que é muito legal. E é curioso, pois em Minas o café da fazenda vem bem adoçado e aí tem o contraste com o salgado do queijo; é um jogo de sabores. Já em outras regiões a tradição de servir o café com um pedaço do queijo é menor mesmo”, explica Fernando Oliveira, da A Queijaria, projeto que valoriza o queijo e produtos nacionais.

Com que queijo eu bebo?

A cultura de acompanhar o café com doce em vez de queijo tem um fundamento. Nossa bebida favorita é parte da finalização das refeições, portanto, associada diretamente à sobremesa e aos sabores doces. “Além disso, o Brasil sempre teve disponibilidade de açúcar, por ser um grande produtor. Aqui, o açúcar era mais barato que em outros lugares do mundo, o que ajudou a criar as receitas doces e trabalhar o paladar para esse sabor”, explica o especialista em análise sensorial e coffee hunter Ensei Neto. Mas nada de achar que café não combina com salgado, muito pelo contrário.

“Combinamos o café com leite, com pão de queijo e isso já é metade do caminho”, comenta a consultora de cafés Eliana Relvas. “O café é neutro, permite parcerias de sabores infinitas. É uma via de mão dupla com o queijo: um parmesão tem o sal amenizado e o amargor do café também diminui por causa dos elementos do queijo”

O que não há ainda é uma definição de harmonização entre queijo e café, como já existe com vinho ou cerveja. Mas há caminhos e dicas para quem quiser fazer os próprios testes em casa.

Ensei explica que o queijo tem gorduras, proteínas e açúcares, além do ácido lático (parte da fermentação). Já o café tem basicamente ácido cítrico, açúcares e os compostos da cafeína. “As combinações dependem do que prevalece de cada lado. Queijos curados, mais picantes, ficam com gordura e sal pronunciados e combinam bem com grãos de maior acidez. Os cafés com notas achocolatadas saem-se melhor com os queijos de massa mole; vai parecer mesmo que você comeu uma barra de chocolate no final. E para quem quiser testar com queijos azuis, minha recomendação é escolher um café com a torra completa – não clara – a fim de que todos os sabores estejam ali para dar suporte à gordura maior deles”, indica.

Eliana avisa que não é preciso ter medo de mudar os métodos de extração, os grãos e os queijos; pode-se brincar até descobrir qual a combinação que mais agrada ao seu paladar. “Eu recomendo provar um pedaço do queijo do Serro com mel e um café filtrado do Sul de Minas, por exemplo.” É uma ideia de dar água na boca!

Do jeitinho deles

Pão de queijo, queijo curado, queijo fresco, cachaça e café na Serra da Canastra

É fato comprovado pela reportagem da Espresso. É só chegar a uma fazenda em São Roque de Minas que os queijeiros põem na mesa um café coado na hora, uma garrafinha com cachaça e um queijo novo. E também pão de queijo, bolo de fubá; quem sabe um docinho de leite cortado faz pouco? Além do famoso queijo, a região tem grande quantidade de produtores de café, por vezes até na mesma propriedade. Cada vez mais o lugar tem se dedicado a aprimorar não só seu produto mais famoso, como os grãos para o cafezinho. “Café da manhã aqui é café preto e queijo curado. E pão de queijo tem sempre! Estamos fazendo manteiga com o soro do queijo. Aí a gente pega o creme do soro do leite e coloca no café sem açúcar para tomar comendo um pedaço de queijo. Fica muito bom! E uma pitadinha de manteiga na xícara de café também eu recomendo provar, viu?”, conta Guilherme Ferreira, produtor do queijo Capim Canastra, que ganhou medalha de prata na categoria leite cru de vaca prensado e não cozido no Mondial du Fromage da cidade de Tours, na França em 2015, desbancando queijos de diversos outros países.

Tiborna, o café com rala de queijo do Serro

Farinha de mandioca, raspas de queijo e café. Tudo junto e misturado na caneca e ainda um pouco de rapadura ou açúcar para quem quiser. A tradição é comum nas fazendas da região mineira do Serro, em que o queijo recebe um acabamento para ficar mais arredondado, quando sobra a chamada “rala”, as rebarbas tiradas de cada forma. Quem conta é seu Bento José da Silva, de 68 anos, queijeiro desde sempre e que, junto com o filho Túlio, faz hoje o Queijo do Gi na fazenda Pedra do Queijo: “Eu tinha uns 8 anos e meus pais arrendavam outra área de pasto; a gente tinha que percorrer 15 quilômetros todo dia. Aí a gente levava farinha, rapadura e a rala do queijo. Quando achava uma bica de água limpa, que era bem comum aqui antes, a gente pegava água e misturava tudo na canequinha de ágata. Ficava uma papa e era nossa merenda; a gente comia de colher e dava energia entre o almoço e a janta. Depois a gente começou a fazer com café em casa. A rala é mais salgadinha do que o meio do queijo e aí pede o doce do café”. Por ser uma preparação do tipo “um pouco de tudo”, que vira uma maçaroca, a palavra “tiborna” é inclusive um jeito regional de dizer que uma pessoa é muito bagunçada, desorganizada. Do Serro também vem outra preparação com café, o “fubá suado”, que é feito com o fubá misturado com sal e encaroçado, depois refogado na banha de porco e que recebe leite e água aos pingos na panela para fazer um tipo de cuscuz. Depois se junta ou açúcar e manteiga ou torresmo e ovo, e sempre muita rala do queijo. Coloca-se no prato e despeja-se o café preto.

Camargo, o primo sulista dos cappuccinos

Um café bem forte feito no fogão à lenha, despejado na caneca e que vai receber leite cremoso direto da teta da vaca. Esse é o camargo, a bebida que acorda os queijeiros do Sul do Brasil. Em São José dos Ausentes, o ponto mais alto e frio do Rio Grande do Sul, seu Antônio Souza Lopes toma seu copinho esmaltado de camargo todos os dias e garante que assim ele não tem sono antes de ir para a feitura do queijo serrano. “Fica cremoso como um cappuccino. Dá pra colocar na garrafa térmica, fica outra bebida, boa também. E logo de manhã é sempre isso e um bom pedaço de queijo ou um fortalho, que é o sanduíche com ovo e queijo na frigideira.” Ele ensina que os queijos mais frescos combinam mais com café e os que já estão mais curados são bem acompanhados de salame, vinho ou cerveja mais fortes. E seu Antônio dá mais uma dica: “Coloca um pedaço do queijo serrano na frigideira e polvilha um pouco de açúcar pra derreter; forma uma casquinha e fica saboroso, sustenta, é uma delícia! Com um golinho de café então…”.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses junho, julho e agosto de 2017 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Cintia Marcucci • FOTO Daniel Ozana/Studio Oz

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