Café Nice e a “bolsa do samba”

“O fazedor de sambas precisa resolver o problema da média e do pão com manteiga. E a fome inspira-o. Ele, então, faz um samba. E conta no samba que a cabrocha fugiu… e aparece-lhe para seu tormento, como uma visão nas notas de lua… É mentira do fazedor de sambas.

Cabrocha quer dinheiro, e ele não o tem. Quem não tem dinheiro, não tem cabrocha, que é objeto de luxo. A visão que o persegue não é da cabrocha e, sim, a visão de um tal são Manuel, que é o dono do cortiço onde mora o fazedor de sambas e que quer receber uns atrasados”.

Este é o trecho inicial de uma matéria assinada pelo compositor e maestro brasileiro Custódio Mesquita, em 6 de janeiro de 1940, no Dom Casmurro. Na página 8 do periódico carioca, a história que queremos contar já está expressa no título: “Fazedores e compradores de sambas”. Mesquita segue:

“E dessa miséria é que nasce a inspiração, que ele vai vender ao comprador de sambas, condenada em alguns versos banais, chulos e quebrados. A propriedade do comprador logo se faz notar. A anemia do fazedor também. E assim vão vivendo, fazedores e compradores.”

Segundo Mesquita, um “inteligente” cronista de época apelidou o Café Nice de “bolsa do samba”. O Café Nice, apesar de atualmente quase esquecido, foi um dos locais mais importantes para a música brasileira, principalmente o samba e a bossa nova. Mas, antes de penetrarmos nos meandros dessa história, vejamos mais um pouco da narrativa de Mesquita:

“Em algumas mesas do elegante café da avenida [saberemos em breve qual é], fazedores, com os dedos, tamborilam no chapéu de palha e cantarolam baixinho. Estão ‘fazendo’. Em outras mesas, os compradores, geralmente bem vestidos, tudo observam, fingindo despreocupação. De repente, o fazedor dirige-se ao comprador, segreda-lhe no ouvido e senta-se junto ao ‘capitalista’. Confabulam misteriosamente por algum tempo. O comprador mete a mão no bolso com superioridade e, abrindo a carteira, retira vinte mil réis (notas grandes!), que dá, arrogantemente enfadado, ao fazedor.”

O fazedor do samba, conta nosso autor, volta ao seu lugar, enquanto o comprador pede ao garçom um café pequeno e saboreia-o calmamente. Tinham dito a ele, continua Mesquita, que o café é um ótimo estimulante, e um homem de negócios precisa sempre de “estímulo e estimulantes”. Já o fazedor pede uma média com pão e manteiga, pois lhe disseram que quem “trabalha com a cabeça” precisa alimentar-se bem.

Aberto em 1922, o Café Nice, com suas mesinhas de mármore e cadeiras de palhinha, tornou-se icônico entre as décadas de 1930 e 1940 por ser frequentado por grandes compositores. Entre eles figuravam nomes como Ary Barroso, Noel Rosa, Silvio Caldas, Aracy de Almeida, Francisco Alves, Benedito Lacerda, Orlando Silva, Carlos Galhardo, João Petra de Barros, Paulo Apaché, Luis Barbosa, Mario Reis, Carmen Miranda – esta, só ocasionalmente)… Enfim, a lista é longa. Como também é a matéria de Mesquita, mas que já está no fim. Vejamos:

“As estações de rádio lançam aos quatro pontos cardeais o samba [do fazedor de que falávamos], que faz um grande sucesso. O comprador tem um lucro esplêndido, e o fazedor continua no miserê… Toda a vez que o speaker anuncia o nome do autor do samba de sucesso (que não é o nome do fazedor e, sim, do comprador), uma punhalada forte e segura, vibrada pelas mãos do ódio e da fome, atravessa o estômago do infeliz fazedor de sambas. E, então, ele jura que nunca mais venderá a sua produção. Mas, no dia seguinte, lá está, humildemente, na mesa do comprador, o fazedor procurando negociar a sua última produção, que se intitula ‘Quebrei a jura’…”

Mas, embora fosse um clássico carioca, o Nice não nasceu para a fama. Pelo menos, não logo de cara. Quando o Nice já não era mais o quartel general do samba, uma matéria do Correio da Manhã de 1950 contava um pouco da sua história até os tempos áureos dos anos 1930 e 1940.

Em 1922 e com o nome de Casa Nice, o café era administrado pela firma Silva Pedreira & Cia e localizado em área nobre – em plena avenida Rio Branco, 174, no Largo da Carioca, onde hoje está o edifício da Caixa Econômica Federal. Segundo o gerente do café na época, entrevistado na reportagem, a Casa Nice, no início, era “empafiada”, uma “autêntica representante da casaca e cartola.”

Era lá que as mocinhas da alta sociedade, trajando vestidos de seda japonesa confeccionados em Paris, iam acompanhadas de suas “babás” (pessoas que iam vigiá-las por questões de decência). Sentadas no Nice, tomavam seus cafés e sorriam disfarçadamente por trás de leques para os bonitões grã-finos e faziam a social.

Mas o ambiente do café começou a mudar no fim da década de 1920, numa dinâmica bastante comum aos cafés e botequins chiques da cidade. Aos poucos, esses locais iam se tornando ponto de boêmios. No caso do Nice, uma boemia artística. A partir da década seguinte (e por uns bons quinze anos), ele foi o grande ponto de encontro daqueles que buscavam emplacar um novo sucesso no rádio ou, apenas, ganhar o dinheiro da semana, vendendo uma ideia de um samba novo para algum engravatado da rádio.

Da mesma maneira que o Café Papagaio, que também abrigava músicos da boemia carioca, o Nice passou a ser ponto de encontro de compositores e sambistas. Alguns diziam que isso se devia à busca por um ambiente menos intelectual, já que o Café Papagaio, seu concorrente, era também frequentado por escritores e cronistas.

O lugar rapidamente se tornou conhecido como “bolsa do samba”. Um novo sucesso podia estar sendo gestado em meio a um batuque numa caixinha de fósforos, num pires de xícara de café ou num copo d’água. Frequentador assíduo, compositor e também caricaturista e ilustrador, Antônio Nassara fez uma das representações imagéticas mais icônicas do Café Nice ao retratar figurinhas carimbadas do lugar como Lamartine Babo, Ary Barroso, Wilson Batista e Rubens Soares.

Por fim, o Nice sofreu do mesmo mal que todos os cafés brasileiros no período do pós-guerra. A maioria dos donos desses estabelecimentos começou a reclamar dos que faziam o sucesso do próprio estabelecimento. As longas palestras e o processo criativo de horas a fio nas mesinhas ao preço de um café acompanhado de um copo d’água atravancava a rotatividade do negócio que, segundo diziam, já vinha dando prejuízo por conta do tabelamento do preço do café pelo governo Vargas.

Nos anos 1940, o Nice tirou as mesas e instalou um balcão, transformando-se no que passou a se chamar, à época, de “café em pé”. Os antigos frequentadores começaram a rarear, dizendo que era impossível compor um samba tomando café apressadamente no balcão e aos encontrões com pessoas que queriam, também, pegar sua xícara. Mesmo com espaço rotativo, o local acumulou dívidas e sofreu despejo judicial em 1954. O edifício foi a leilão, depois, demolido, e um arranha-céu foi construído no local.

O apego dos frequentadores às mesinhas do Nice era tanto que ao menos dois de seus assíduos frequentadores resolveram adquiri-las para seu acervo particular. Aracy de Almeida e Henrique Foréis Domingues, também conhecido como Almirante, garantiram que um pedacinho da memória do antológico café não se perderia após o despejo. Essa última, por sorte, ainda pode ser apreciada, pois hoje faz parte do Museu da Imagem do Som do Rio de Janeiro.

Bruno Bortoloto do Carmo é doutor em História Social pela PUC-SP, com passagem pela École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris. Pesquisador do Museu do Café de Santos por 13 anos, atualmente trabalha no Museu da Imigração em São Paulo.

TEXTO Bruno Bortoloto do Carmo • FOTO Eduardo Nunes

Barista

Intertorra abre inscrições para sua 6ª edição

Evento acontece de 12 a 14 de setembro em Poços de Caldas (MG), e reúne profissionais do setor em uma programação teórica e prática sobre torra de cafés

A 6ª edição do Intertorra (Encontro de Torrefadores), evento itinerante dedicado a profissionais da torra do café, acontece de 12 a 14 de setembro, na Região Vulcânica, em Poços de Caldas, no campus da IFSul de Minas. As inscrições estão abertas e podem ser feitas aqui.

Criado pelo mestre de torra Matheus Tinoco e co-realizado pela Espresso&CO, a edição deste ano tem oapoio da Associação dos Produtores da Região Vulcânica e da Prefeitura de Poços de Caldas, o Intertorra é uma imersão técnica para mestres de torra, baristas, produtores, donos de cafeterias e traders.

A programação inclui aulas práticas sobre como operar máquinas de diferentes fabricantes, com orientação de especialistas; visitas técnicas a cafezal, estações de processamento e torrefação local; sessões de harmonização; palestras e workshops sobre torra, perfis sensoriais, tecnologia e mercado; além de oportunidade de network entre especialistas.

Os conteúdos serão ministrados por importantes nomes do setor, escolhidos como Embaixadores da edição. São eles Isabela Raposeiras (Coffee Lab – SP), Eduardo Santos (Fazenda São José – MG), Leonardo Custódio (Território do Café 33 – MG), Marcio Santos (Muy Café – DF), Igor Almeida (Roast Cafés – BH), Luis Paulo (Roast Cafés – BH), Ivan Santana (Café Goulard/Fazenda Jangada – MG), Donieverson Santos (Bourbon Specialty Coffees – MG), Hugo Rocco (Moka Clube – PR) e Alex Lima (Torra Fresca Cafés – SP).

O objetivo do Intertorra é reforçar o aprimoramento no segmento de torra brasileiro, conectando conhecimento técnico, terroir e mercado.

Intertorra 2025
Quando: 12 a 14 de setembro de 2025
Onde: Campus da IFSul de Minas – Poços de Caldas (MG), Região Vulcânica
Quanto: ingressos a R$ 1.200 (inclui alimentação nos 3 dias do evento e certificado de participação)
Atividades: Torra, visitas técnicas, palestras, workshops, harmonizações e networking
Inscrições: https://evento.intertorra.com.br/2025

TEXTO Redação • FOTO Intertorra

Mercado

Café Girondino (SP) comemora 150 anos com lançamento de microlote

Este ano, o Café Girondino, um dos pontos icônicos da cidade de São Paulo, completa 150 anos e celebra a data com o lançamento de um microlote. A novidade é composta por grãos arábica da variedade bourbon amarelo, cultivados pelo produtor Mariano Martins na Fazenda Santa Margarida, em Serra da Cuesta, Oeste Paulista. No pós-colheita, passaram por dupla fermentação com maceração carbônica.

Foto: Equipe Espresso

A Espresso recebeu o novo microlote. Preparamos a bebida no método chemex, que resultou em notas de melaço e frutas amarelas na xícara. “A escolha do bourbon amarelo e da produção em pequena escala refletem nosso compromisso em oferecer experiências únicas, valorizando o processo do cultivo à xícara”, conta Elena Boscato, especialista em cafés e gerente de operações do Girondino. “O lançamento deste microlote é uma forma de celebrarmos não apenas os 150 anos do Girondino, mas também a riqueza e a diversidade dos cafés brasileiros”, destaca.

Os pacotes de 250 g (R$ 60) estão disponíveis para compra apenas no Café Girondino (rua Boa Vista, 365 – Centro), enquanto durarem os estoques.

Sobre o Girondino

Inaugurado em 1875, no Centro Histórico, o Café Girondino surgiu em meio à urbanização da capital e logo se tornou um ponto de encontro da sociedade paulistana. Após décadas de operação, acompanhando as transformações da cidade, o estabelecimento quase fechou as portas em junho de 2024, devido aos impactos da pandemia.

A notícia causou comoção entre frequentadores e admiradores, e chegou até à Fábrica de Bares, hub de desenvolvimento, gestão e operação de estabelecimentos, que assumiu a gestão do Girondino e reabriu o local em novembro do mesmo ano.

Modernização do espaço e do cardápio estão entre os planos dessa nova etapa do Girondino. Já é possível, por exemplo, pedir espressos, coados, bebidas com leite (animal ou vegetal), cold brew e espresso tônica, além de matcha latte, chocolate quente ou gelado e opções de chás e infusões. “Para os próximos anos, queremos ampliar o trabalho com produtos parceiros, trazer mais edições especiais e seguir fortalecendo o Girondino como um espaço que une tradições, hospitalidade e a cultura do café no centro de São Paulo”, finaliza Elena.

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

Mercado

Mercado de café funcional movimenta US$ 4,5 bilhões e segue em alta

Crescimento é impulsionado por consumidores que buscam benefícios à saúde além da cafeína

O mercado global de café funcional já movimenta US$ 4,48 bilhões, e cresce a uma taxa média anual de 11,45%, de acordo com dados da Mordor Intelligence. O avanço no setor é motivado pela busca por bebidas que aliam a cafeína a benefícios para a saúde. “Ingredientes adaptogênicos, incluindo ashwagandha [erva usada na medicina ayurvédica, para melhorar resistência ao estresse, qualidade do sono e energia] e cogumelos reishi e juba-de-leão, estão se tornando adições comuns às formulações de café”, informou a empresa de pesquisa de mercado. 

O destaque são as bebidas prontas para beber (ready to drink ou RTD), que respondem por quase 69% das vendas, com taxa de crescimento anual de 12%. Entre as tendências, também ganham força cafés enriquecidos com vitaminas, probióticos e até proteínas, além do aproveitamento da cereja do café. 

A América do Norte lidera o consumo de café funcional (69%), mas é na Ásia-Pacífico que é registrada a alta mais acelerada (+13,5% ao ano). Apesar do custo elevado de produção, os consumidores demonstram disposição para pagar mais por produtos que entregam benefícios funcionais.

TEXTO Redação / Fonte: FoodNavigator Europe • FOTO Wade Austin Ellis

Cafezal

Gesha da La Esmeralda é vendido a R$ 163 mil o quilo, novo recorde

Um lote de gesha lavado da renomada Hacienda La Esmeralda, no Panamá, foi arrematado por US$ 604.080 (cerca de R$ 3,26 milhões) em leilão realizado na quinta (7), durante a 29ª edição do Best of Panama, principal competição de cafés especiais do país.

Com apenas 20 quilos, o lote alcançou o preço de US$ 30.204 por quilo (aproximadamente R$ 163 mil), estabelecendo um novo recorde mundial para vendas de café em leilão. O comprador foi a Julith Coffee, empresa sediada em Dubai.

Além do valor inédito, o lote recebeu 98 pontos na avaliação sensorial — a maior pontuação já registrada na história do Best of Panama. O resultado foi obtido por 22 juízes internacionais durante provas realizadas no Boquete Coffee Festival, em junho.

O evento, criado em 2004 e organizado pela Associação de Cafés Especiais do Panamá (SCAP), também consagrou outros cafés da família Peterson, proprietária da Hacienda La Esmeralda. Entre eles, um geisha natural, com 97 pontos, e um varietal que atingiu 92 pontos.

No total, foram vendidos 50 lotes de cafés no leilão (20 de gesha lavado, 20 de gesha natural e 10 de outras variedades), arrecadando US$ 2,86 milhões — o dobro do recorde anterior, em 2024. Segundo a SCAP, 30 lotes superaram a marca de US$ 1.000 por quilo, consolidando o Panamá como referência mundial na produção de cafés raros e de alto valor.

TEXTO Redação / Fontes: Coffee Magazine, Global Coffee Report e El País Costa Rica

Cafeteria & Afins

Caffè Tommaseo – Trieste (Itália)

Situada numa das áreas mais nobres de Trieste, perto da famosa praça Unità, a história do Caffè Tommaseo se confunde com a da cidade, que por muito tempo pertenceu ao Império Austro-Húngaro, apesar da maioria de sua população ser italiana. Fundado em 1830, o local se tornou ponto de encontro de intelectuais que lutavam pela liberdade italiana e de escritores, como o irlandês James Joyce e o poeta italiano Umberto Saba.

Mais antigo de Trieste, o Caffè Tommaseo tem arquitetura vienense e paredes decoradas com grandes e luxuosos espelhos belgas. É parada obrigatória para quem faz o “tour dos cafés”. Sim, Trieste é conhecida como a cidade dos cafés, com dezenas de cafeterias e dez torrefações, entre elas, a illycaffè, o que atrai centenas de turistas interessados em fazer uma imersão no universo cafeeiro.

Os triestinos são vidrados na bebida. Enquanto no Brasil o consumo per capita é de cinco quilos de café torrado e moído por cidadão ao ano, lá é o dobro. A paixão é tão grande que eles rebatizaram clássicos como espresso, que recebeu o nome de nero, enquanto o cappuccino é chamado de capo. Por sinal, em Trieste, o espresso reina soberano, os estabelecimentos não têm café filtrado e, quando você pergunta por ele, os italianos torcem o nariz.

Os grãos utilizados no blend do espresso da casa são provenientes de várias origens: Brasil, América Central, África e Ásia. O cardápio de café da manhã é servido das 9h ao meio-dia. Pedimos à garçonete dois combos “oferta especial”. No primeiro, veio um cappuccino, uma água e uma omelete de queijo com fatias de pão. No segundo, um espresso, uma água e um crepe de chocolate com frutas vermelhas. Detalhe: em lugar de um copinho com água com gás, como servido no Brasil, os pedidos vieram acompanhados de um copinho de chocolate 70%, servido em temperatura ambiente, que, segundo a atendente, é preparado pelo chocolatier da casa, um dos melhores da região.

O cappuccino e a omelete eram corretos, mas nada que mereça destaque. No capo, faltou a cremosidade, característica dos cappuccinos preparados com leites mais ricos em gordura. No entanto, o espresso acompanhado de crepe de chocolate com morango, mirtilo e groselha estava sensacional. No primeiro gole, o nero chamou atenção pela torra intensa, porém ainda distante da torra escura típica de Nápoles. Combinado à sobremesa, provocou uma explosão de sabores – a acidez da groselha, a doçura e o amargor do chocolate, tudo se equilibrava com o espresso.

Para fechar, pedimos duas bebidas especiais: o peratoner, feito com creme de avelã e cacau, espresso e nata batida, e o tommaseo coffee, bebida preparada com rum escuro, licor Morlacco, chocolate Peratoner, espresso, creme de leite fresco e xarope de baunilha (Peratoner é uma renomada confeitaria e chocolateria italiana, de Pordenone). A primeira está mais para uma sobremesa do que para bebida. É preciso comê-la de colher, degustando com calma, para apreciar as notas do creme de avelã e cacau, que não é nada doce e casa superbem com a nata batida e a acidez do espresso.

O tommaseo coffee é um desaforo de tão bom. O drinque desperta todas as papilas gustativas com sua combinação de bebidas alcoólicas, espresso, chocolate e xarope. É difícil pensar que tantos ingredientes juntos possam ter um resultado tão surpreendente e, de tão inusitado, é difícil descrever, mas vale (muito) a pedida.

Ao longo dos anos, o Caffè Tommaseo mudou de dono e, hoje, pertence ao mesmo grupo que comanda o Caffè degli Specchi e a confeitaria La Bomboniera, que fornece as guloseimas do local. Não por acaso, em qualquer horário de funcionamento, o visitante pode pedir um café ao lado de um doce de pasticceria, que combina bem com a temperatura amena da cidade, sempre visitada pelo Bora, um vento frio e forte característico de Trieste.

Nossa conta: € 31,50 (R$ 193,7) + taxa de serviço
Oferta especial 1 – combo de cappuccino, água e omelete de queijo = € 9,50 (R$ 58,4)
Oferta especial 2 – combo de espresso duplo, água e crepe de chocolate = € 10 (R$ 61,5)
Peratoner = € 6 (R$ 36,9)
Tommaseo coffee =w € 6 (R$ 36,9)

*O valor foi convertido levando em consideração a data da visita (€ = 6,15)

A equipe da Espresso visitou a casa anonimamente e pagou a conta.

Texto originalmente publicado na edição #87 (março, abril e maio de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

Informações sobre a Cafeteria

Endereço Piazza Nicoló Tommaseo, 4
Cidade Trieste
País Itália
TEXTO Equipe Espresso • FOTO Equipe Espresso

Cafezal

Projeto reúne turismo e cafeicultura no Espírito Santo

Com dezenas de atrativos, Cafés do Espírito Santo divulga as belezas do estado e fomenta o café como destaque turístico

Foto: Camila Luz

Por Gabriela Kaneto, do Espírito Santo

De praias a montanhas, o Espírito Santo vive um momento promissor no turismo e na cafeicultura. Em 2023, segundo o Ministério do Turismo, o estado recebeu 450 mil viagens e gerou R$ 704 milhões. O movimento foi puxado por visitantes em busca de lazer, natureza, cultura e gastronomia. No quarto trimestre de 2024, a Setur (Secretaria de Turismo) registrou alta de 8,8% em relação ao mesmo período do ano anterior. 

A cafeicultura, principal atividade agrícola capixaba, também avança. Dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) mostram que, em 2024, o Espírito Santo – o segundo maior produtor de café do país e líder em conilon – colheu 13,9 milhões de sacas, 9,8 milhões delas de conilon. Para 2025, a previsão é de alta de 18,2%, chegando a 16,4 milhões de sacas.

Pedra Azul vista da Rota do Lagarto – Foto: Camila Luz

De olho nesse cenário, o empresário Washington Pereira, fundador da De Olho na Rua, criou o projeto Cafés do Espírito Santo, que une café e turismo em roteiros com mais de 180 atrativos. A inspiração veio após uma cliente voltar da Espanha com uma revista sobre pintxos (petisco típico do País Basco) e turismo de vinho. “Tinha uma foto do pessoal pisando nas folhas das parreiras. Rabiscamos por cima: isso poderia ser café. Aí caiu a ficha”, conta.

Em 2021, Pereira passou a estudar a produção local de café e notou que ela era majoritariamente familiar e artesanal. Percebeu ainda que uma mesma lavoura poderia gerar perfis sensoriais distintos, dependendo de fatores como altitude, sombreamento e pós-colheita. “Olhando um saco de juta, li ‘Cafés do Brasil’. Mas de onde do Brasil? O Brasil é muito grande”, lembra. 

Com uma exposição itinerante de mais de 200 embalagens de café, o projeto está em feiras e eventos para mostrar a diversidade da cafeicultura capixaba. Agora, a iniciativa, em estruturação, definiu três roteiros: o Coffee Tour (direcionado às pessoas que querem consumir cafés de qualidade e conhecer sua produção), o Coffee Stay (com hospedagem e vivências em fazendas, incluindo visita às plantações, degustações e oficinas) e o Coffee Tech (voltado ao turismo de negócios).

Washington Pereira e parte de sua exposição situada no Café Hall Sicoob – Foto: Camila Luz

“O café sempre foi a principal fonte de receita da região, mas muitas pessoas passaram a diversificar suas atividades por causa do turismo”, diz Cleto Venturim, presidente da cooperativa Sicoob Sul-Serrano, que mantém o projeto. “Valorizar o pequeno produtor é um trabalho que exige organização. Estamos colocando luz nesse movimento.”

A convite do Cafés do Espírito Santo, a Espresso saiu de São Paulo com destino à Vitória para três dias de imersão na cafeicultura e no turismo capixabas. Guiado por Pereira, o tour começou na capital e subiu as montanhas do Caparaó, nosso destino final. A seguir, nove atrações dessa viagem.

Grande Buda

Grande Buda de Ibiraçu – Foto: Camila Luz

Logo pela manhã, a primeira parada foi em Ibiraçu, a cerca de 70 km de Vitória. À beira da BR-101, ergue-se a monumental escultura de 35 metros inaugurada em 2021, que une arte, espiritualidade e paisagem natural. Parte do Mosteiro Zen Morro da Vargem, o espaço abriga ainda o Portal Torii, o Jardim Zen, o Lago da Serenidade e o Bosque da Sabedoria, além de sorveteria, cafeteria e loja de souvenirs. Ao lado da estátua principal, outras 15 esculturas de 2,5 m do Buda em meditação simbolizam serenidade e perseverança. É a maior representação do Buda na América Latina.

Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) – Centro de pesquisa

No Campus Goiabeiras, em Vitória, um centro de pesquisa se dedica a estudar a química do café, explorando desde a composição do solo até as transformações na torra. Coordenado pela professora Emanuele Oliveira, que também dá aulas no Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo), o laboratório analisa os compostos que influenciam o perfil sensorial da bebida, conectando ciência e sabor.

Emanuele Oliveira, coordenadora do laboratório (à esq.), e estudante do projeto (à dir.) – Fotos: Camila Luz

Criado em 2021, o laboratório faz parte do Coffee Design — grupo de pesquisa do Ifes, em Venda Nova do Imigrante, com 11 anos de atuação e 50 bolsistas, entre alunos da Ufes, Ifes e UFV (Universidade Federal de Viçosa). Cada polo foca em uma área: a Ufes se dedica à química, a UFV à microbiologia e o Ifes ao processamento, torra e análise sensorial. O objetivo é aprimorar as etapas por qual passa o café, até a xícara. “No café, tudo interfere, mas aqui tentamos entender os fatores para poder contornar situações”, explica Emanuele. Além de trabalhar com produtores parceiros no Espírito Santo, o grupo também coleta amostras de cafés de várias regiões do Brasil para pesquisa.

Terrafé

Nossa próxima parada foi na unidade conceito da Terrafé, na capital capixaba. Recebidos por Raul Guizeline, fundador da rede, e por Francisco Siqueira, barista, instrutor e responsável pelo marketing, conhecemos o espaço inaugurado há pouco mais de um ano. A marca atua desde 2014 e soma 14 unidades no Espírito Santo — com outras três previstas para abrir neste segundo semestre.

Loja conceito da Terrafé – Foto: Camila Luz

“Entendemos que o consumidor de cafés especiais não quer repetir sempre o mesmo café”, afirma Guizeline, ao explicar a carta de microlotes, que varia de 15 a 20 opções rotativas. Torrados pela própria Terrafé, os grãos vêm de regiões como Montanhas do Espírito Santo, Sul de Minas, Matas de Minas e Caparaó. “Nossa proposta é propagar o café capixaba, trazendo os melhores grãos e criando diversidade na prateleira”, completa Siqueira.

Foto: Camila Luz

Entre os destaques recentes está a caixa do campeão do Coffee of the Year: um arábica catuaí 785, lavado, cultivado por Paulo Roberto Alves, em Divino de São Lourenço (ES). Além da cafeteria, a loja conceito abriga um coffee bar para drinques, sala de cursos e workshops, espaço para reuniões e lounge para eventos sob reserva.

Khas Café

O segundo dia começou cedo. Pela Rota do Lagarto — trajeto turístico repleto de pousadas e que contorna a icônica Pedra Azul — chegamos à Khas Café. Há oito anos, a fazenda pertence a Roberta e Júlio Aguilar, que trocaram a vida na cidade para cultivar café nas montanhas. “Sou de Vitória e o Júlio é do norte do estado. Ele estudava agronomia na UFV e passava sempre por aqui para chegar à faculdade. Foi assim que se apaixonou pelo lugar”, conta a publicitária. Depois de adquirir a propriedade, o casal se especializou em cafés especiais e turismo de experiências. “Comecei a estudar o fruto e fiz curso de barista. O Júlio ficou com a produção, enquanto eu e a Dani [Daniela Aguilar, cunhada de Roberta] cuidamos da cafeteria e do turismo”, explica.

Roberta explicando sobre os processamentos de pós-colheita (à esq.) e degustação de cafés com quitutes regionais (à dir.) – Fotos: Camila Luz

Além da plantação de arábica, a Khás Café tem uma lavoura experimental com 25 clones (distribuídos em 500 pés) de conilon de altitude (1.100 m) – a variedade é, tradicionalmente, cultivada em baixa altitude – ideia do amigo e engenheiro agrônomo Fábio Partelli, da Ufes. “A partir desses clones será lançada uma nova cultivar, para ajudar os produtores a produzir um café bom tanto em produtividade quanto em bebida”, comemora Roberta. “Muitos já produzem conilon de altitude, mas o fazem empiricamente”, ressalta. “Quando lançamos uma cultivar, garantimos que o café vai ter qualidade. É bom para a ciência”.

Experimentos com conilon de altitude – Foto: Camila Luz

Na parte mais alta da fazenda, a cafeteria chama atenção pelo visual excêntrico e pela estrutura construída com materiais reaproveitados (upcycling). É o ponto final do roteiro Alquimia do Café, que atrai visitantes de todo o país para conhecer lavouras, etapas do pós-colheita e participar de harmonizações entre os dois tipos de café e comidas locais, de forma lúdica e pedagógica. “O objetivo é ensinar as pessoas a tomarem um bom café e mostrar as diferenças entre a produção de um especial e de um tradicional”, diz Roberta. “Queremos transformar o estado em um polo de experiência, pois produzimos de norte a sul”, afirma.

Fazenda Camocim

Reconhecida mundialmente pelos cafés especiais, a Fazenda Camocim, com mais de 150 hectares em Pedra Azul, distrito de Domingos Martins (ES), está ativa desde meados dos anos 1990, quando o empresário Olivar Araújo, superintendente do Grupo Sloper, iniciou o cultivo de cafés orgânicos na região. Hoje, a propriedade é administrada por seu neto, Henrique Sloper. “Vimos que o orgânico era o futuro da agricultura — e do café também”, diz.

Henrique Sloper, à frente da Fazenda Camocim – Foto: Camila Luz

A busca pela preservação ambiental fez da propriedade um refúgio para mais de 40 espécies de pássaros, entre elas o jacu, que prefere matas preservadas para se alimentar, fazer ninho e repousar. “Sem querer, viramos uma área de reprodução do jacu”, brinca o empresário. Inspirada no café kopi luwak da Indonésia, a Camocim adotou o jacu como parceiro e lançou o Jacu Bird Coffee, que ganhou fama no Brasil e no mundo.

Foto: Camila Luz

Desde 2023, a fazenda oferece turismo de experiência com visitas guiadas que acompanham todo o ciclo do café — do plantio ao envase —, culminando em degustação na Casa do Café, cafeteria moderna da propriedade. “Além de clima, altitude, conhecimento, tecnologia e pesquisa, aqui tem uma infinidade de ingredientes. Tem muita agricultura”, destaca Sloper sobre a região. “O Espírito Santo ainda está aprendendo a se vender. Juntando tudo isso, há uma solução para o turismo”, acrescenta.

Fazenda Carnielli

“O Espírito Santo ainda é relativamente pouco conhecido”, avalia Lorenzo Carnielli, quinta geração à frente da Fazenda Carnielli. Com mais de 100 anos no cultivo do café, a propriedade aprimorou sua produção a partir dos anos 1990. “Foi quando chegou a tecnologia, principalmente para o cereja descascado. Em 2001, ganhamos o primeiro concurso de cafés especiais do estado”, relembra.

Fachada da Fazenda Carnielli e Lorenzo Carnielli – Fotos: Camila Luz

Hoje, a fazenda cultiva seis variedades, entre elas catucaí, catuaí, mundo novo, arara e 785SL. “Fomos os primeiros malucos a colocar cafés especiais na prateleira do supermercado”, brinca ele. Desde 1987 recebe turistas, mas só em 2021 passou a agendar experiências. “Aqui o visitante conhece todo o processo: do pé de café ao descascamento, secagem, estoque, torra, degustação e produtos da fazenda — queijos, doce de leite, fubá e embutidos, como o socol, famoso na região”, conta. “O café está no centro da experiência. Tem coisa melhor que um queijinho com café?”.

Pousada Vovô Nininho

Após pegar a estrada rumo ao Caparaó, chegamos ao destino e passamos a noite em um dos charmosos chalés da Pousada Vovô Nininho. Situados no meio do cafezal, os dormitórios, inaugurados em 2021, combinam aconchego e design moderno, com café especial disponível para preparo no quarto e uma linda vista da plantação.

Chalés em meio ao cafezal na Pousada Vovô Nininho – Foto: Camila Luz

“Meu pai sempre foi apaixonado por café. Produzia um bom produto, mas vendia como commodity”, conta Roberta Medeiros. Após a morte do pai, ela e o marido, Nilton Martins, deixaram a vida de escritório para continuar a produção, criando a marca Vovô Nininho em homenagem ao patriarca.

Com estudos e aprimoramentos, passaram a cultivar café especial em 2017. “Decidimos que seria o melhor caminho. Fizemos cursos e unimos teoria e prática”, diz a produtora. Hoje são 10 mil plantas das variedades catucaí 2SL amarelo e catuaí 44 amarelo e vermelho, em uma lavoura a 1.350 metros de altitude. Todo o café produzido é comercializado na própria cafeteria da pousada e vendido para o Brasil pelo Instagram.

Foto: Camila Luz

Associação de Produtores de Cafés Especiais do Caparaó (Apec)

O Caparaó tem ganhado destaque nos últimos anos. Berço de produtores premiados em concursos de qualidade — como Afonso Lacerda, Deneval Miranda Vieira e o mais recente campeão do Coffee of the Year, Paulo Roberto Alves —, a região, com produção majoritariamente familiar, é denominação de origem para cafés especiais desde 2021.

Foto: Camila Luz

Localizada entre Espírito Santo e Minas Gerais, abrange 16 municípios — dez capixabas e seis mineiros — e produz cerca de 2,4 milhões de sacas de café, das quais apenas 10% são especiais. Criada em 2016, a Apec tem entre seus objetivos a gestão dessa Indicação Geográfica (IG).  “A função da associação é a proteção da marca não só no Brasil, mas no exterior também”, diz a cafeicultora Cecília Nakao, presidente da Apec. “Viramos referência em indicações geográficas. Muita gente quer vir conhecer nossa experiência. Somos muito criteriosos. Claro que ainda existem coisas amadoras, mas levamos a sério o que fazemos”.

Cecília Nakao, presidente da Apec – Foto: Camila Luz

Com cerca de 160 associados, há expectativa de crescimento. “Estamos fortalecendo a associação, entregando valor aos produtores para que eles estejam mais perto de nós, até para termos mais controle da qualidade do que estamos produzindo”, destaca a cafeicultora Ana Carolina Malta, da equipe administrativa da Apec. “A grande importância da IG é conscientizar e capacitar o produtor quanto ao produto, o mercado e mostrar a evolução dele a quem comercializa seu café”, salienta Gustavo Vilas Boas, também produtor e integrante da equipe. 

Ana Carolina Malta e Gustavo Vilas Boas na sede da Apec – Foto: Camila Luz

Parque Nacional do Caparaó

A última parada da jornada foi o Parque Nacional do Caparaó, uma das principais unidades de conservação do país. Criado em 1961, o parque abriga o Pico da Bandeira, com 2.891 metros, o terceiro ponto mais alto do Brasil.

Além das cachoeiras, mirantes e trilhas, o local oferece estrutura para camping e um centro de visitantes. A biodiversidade e a vista da cordilheira, com destaque para a famosa Pedra Menina, completam o cenário.

Entrada do Parque Nacional do Caparaó e vista para Pedra Menina – Fotos: Camila Luz

Entre a metrópole e as montanhas, o Espírito Santo se destaca como produtor de café de qualidade e destino turístico em ascensão. “Aqui está a maior variedade sensorial em um só território. Nosso objetivo é promover o café como atrativo turístico”, diz Pereira. Afinal, em cada xícara e paisagem capixaba, uma história é contada.

TEXTO Gabriela Kaneto • FOTO Camila Luz

Mercado

Concurso de embalagens Espresso Design abre inscrições

Estão abertas as inscrições para a 7ª edição da Espresso Design, concurso que premia as melhores embalagens de café disponíveis no mercado. As marcas interessadas em participar podem enviar seus pacotes até 3 de outubro. Acesse aqui o link de inscrição e o regulamento.

O concurso tem o objetivo de fortalecer o setor e destacar a importância do design e da embalagem para promoção de marcas e produtos. A comissão julgadora avalia cada embalagem/coleção considerando os seguintes quesitos: visual/identidade, eficiência, conceito, originalidade e criatividade.

As vinte embalagens mais bem pontuadas ficam expostas nos dois primeiros dias da Semana Internacional do Café (5 e 6 de novembro), para que o público da feira possa votar em sua favorita. As três com mais votos ganham troféus no último dia do evento (7 de novembro), em cerimônia de premiação no Grande Auditório.

TEXTO Redação

O poder transformador do cooperativismo

Em tempos de rápidas mudanças globais, em que desafios complexos exigem retornos inovadores e colaborativos, o cooperativismo é uma resposta poderosa e necessária. A declaração da ONU de 2025 como o Ano Internacional das Cooperativas, sob o tema inspirador “Cooperativas constroem um mundo melhor”, nos convida a redescobrir um modelo há muito defendido como um bastião de desenvolvimento sustentável e de crescimento socioeconômico. No Brasil, essa declaração ressoa de maneira especial, pois o café está profundamente enraizado na tradição do cooperativismo nacional.

A dimensão global do cooperativismo é impressionante. Mais de 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo estão associadas a cooperativas, uma rede que gera milhões de empregos e sustenta economias em todos os continentes. No Brasil, o impacto é marcante, com mais de 23,4 milhões de associados em 2023, criando um efeito cascata positivo no agronegócio. No café existem em torno de 104 cooperativas que, juntas, respondem por cerca de 55% da produção total de café no país, evidenciando o impacto colossal deste modelo de negócios no setor.

O café tem uma cadeia de produção e comércio dinâmica e multifacetada, e o cooperativismo no setor tem papel fundamental. É por meio delas que pequenos produtores têm acesso a recursos indispensáveis, desde assistência técnica especializada até crédito com juros competitivos, todos elementos críticos para sustentar a qualidade e a robustez do café brasileiro.

Enquanto o cooperativismo continua a promover um desenvolvimento econômico e social harmonioso, torna-se cada vez mais premente que olhemos para o futuro com criatividade e determinação. Conferências globais, como a Aliança Cooperativa Internacional, realizada em Nova Delhi em novembro de 2024, e a COP30, prevista para novembro deste ano em Belém, são plataformas essenciais para discutir e explorar como as cooperativas podem utilizar tecnologias emergentes e práticas sustentáveis para enfrentar os desafios do século XXI. Este é um compromisso compartilhado que demanda nossa atenção contínua.

O Ano Internacional das Cooperativas serve como um convite à celebração e, ainda, como um impulso renovado para ações concretas. Para o setor cafeeiro, essa designação oferece uma oportunidade única de reafirmar compromissos com a inovação e as práticas sustentáveis, e de assegurar a resiliência diante de um cenário global dinâmico e, muitas vezes, volátil. Fortalecer redes de parcerias e ampliar a coesão cooperativa serão essenciais para gerenciar esses desafios.

Que 2025 seja um marco de renovação e crescimento, e que inspire novas iniciativas e solidifique as bases para o futuro. O cooperativismo, com sua capacidade inata de unir e transformar, nos oferece a oportunidade de redefinir o papel do café brasileiro na economia global, transformando sua história em um legado duradouro de progresso e solidariedade. Enquanto nos juntamos em cooperação, temos não só a chance de impactar a nossa geração como, também, as futuras.

Que cada xícara de café seja uma prova do poder do cooperativismo em promover mudanças positivas, ecoando histórias de cuidado, dedicação e visão compartilhada para um mundo melhor. É essa combinação de esforços coletivos que garantirá um futuro forte e sustentável para o café, o Brasil e o mundo.

Caio Alonso Fontes é formado em administração de empresas e é cofundador da Espresso&CO. Coluna publicada na Espresso #87 (março, abril e maio de 2025).

TEXTO Caio Alonso Fontes • FOTO Eduardo Nunes

A próxima crise na produção de café

Por Gustavo Paiva

As mudanças recentes na Etiópia, país de grande relevância no mercado do café, tanto no consumo como na produção, trazem muitas dúvidas para a sua política externa, já que o país vem demonstrando querer influenciar seus vizinhos e, até mesmo, buscar novos territórios.

O primeiro-ministro Ahmed Abiy não nega as ambições expansionistas, como tampouco esconde sua insatisfação com o fato do país não ter acesso ao mar e aos poucos recursos hídricos. A consequência disso é um aumento de tensões com os vizinhos do leste, por conta da saída para o Golfo de Aden, mas também com países ao norte, como Sudão e Egito, pelo controle dos recursos hídricos do Nilo.

Enquanto a Etiópia entende que a construção da Grande Barragem do Renascimento é vital para o seu desenvolvimento econômico, egípcios e sudaneses ficaram extremamente preocupados com a possibilidade de perder uma parte da água proveniente das montanhas etíopes.

Além disso, logo após a vitória do conflito na região do Tigray, novos conflitos internos emergiram nas regiões de Oromia e Amhara – nada menos do que duas das maiores regiões do país. Nestes casos, diferenças étnicas, baixa presença do governo e problemas econômicos são as principais causas de confrontos.

Em um primeiro momento, a desorganização e a instabilidade causadas por esses conflitos terão impacto direto na produção de café local, já que a região de Oromia é uma das principais produtoras do país e conta com uma das maiores cooperativas do mundo em número de associados.

Segundo, há uma grande questão quanto à exportação do café. Com uma logística que já é complicada em tempos relativamente estáveis, levando por volta de três semanas para exportar o café através do país vizinho, o Djibuti, a Etiópia segue dependente de um porto estrangeiro para escoar sua produção.

Terceiro, tanta instabilidade tem como consequência a dificuldade de planejar e investir na produção. A renovação dos cafeeiros do país se mostra urgente. E por último, a inflação, que é uma consequência direta de todos estes problemas. No país, a renda per capita, ajustada pelo poder de compra, é de US$ 3 mil anuais – pouco mais de dez por cento da renda brasileira, que atualmente está em US$ 20.500, segundo dados do Banco Mundial.

Portanto, mais um outro conflito ligado à uma saída etíope para o mar, envolveria Somália, Eritréia, Djibuti e se somaria a outras crises regionais, como as do Iêmen, do Irã e do Sudão, com a totalidade dos Estados da região em algum tipo de instabilidade.

Por ser um conflito aberto contra paramilitares internos em Oromia e Amhara, e um conflito não declarado com os vizinhos, a questão parece não levantar muito interesse internacional, talvez porque ainda não tenha afetado as rotas de navegação pelo mar Vermelho.

Mesmo que algo maior na Etiópia aconteça, o envolvimento de países externos tende a ser menor. Apesar de a Otan possuir três bases militares em Djibuti, o conflito ucraniano é a prioridade no momento. E os Estados Unidos têm se mantido indiferentes à situação na região desde a eleição de Donald Trump.

O presidente norte-americano tem sido enfático ao demonstrar sua falta de interesse em países do continente, com exceção daqueles que possam providenciar recursos naturais como petróleo, gás e terras raras, o que não é o caso da Etiópia.

Até agora, todas estas instabilidades parecem não alterar a cadeia do café etíope, já que, segundo estatísticas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e da Organização Internacional do Café, a produção tem se mostrado resiliente, chegando até mesmo a aumentar nos últimos anos.

Se por um lado parece inevitável que o conflito escale, por outro a cadeia do café local parece se mostrar não só estável como próspera. Pode-se perguntar, portanto, se os agricultores locais possuem uma resistência heróica, se os envolvidos na cadeia local já aprenderam a trabalhar sob a pressão das crises ou se as estatísticas que demonstram um crescimento estão equivocadas. Nada impede que mais de uma alternativa seja correta.

Gustavo Magalhães Paiva é formado em relações internacionais pela Universidade de Genebra e é mestre em economia agroalimentar. Atualmente, é consultor das Nações Unidas para o café.

TEXTO Gustavo Magalhães Paiva
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