A cidade baiana mais alta do estado abriga pequenos produtores que cultivam cafés premiadíssimos em meio a paisagens exuberantes e colheita selecionada.
Quando adentrei a pista do aeroporto e o avião apresentou o registro do nome da pioneira aviadora brasileira Ada Rogato, tive o sinal de que precisava: seria uma ótima viagem. Há anos a Espresso quer trazer uma nova reportagem sobre a famosa região de Piatã, na Chapada Diamantina, a terra baiana de prêmios nacionais conquistados em sequência desde 2009. Exatamente neste ano fizemos nossa primeira matéria, antes dos impressionantes resultados.
O sonho pessoal da repórter que escreve estas linhas começou nas conversas com o classificador Silvio Leite, anos antes, que tem uma relação muito próxima com os produtores da região. Ele foi um dos primeiros a acreditar no potencial dos cafés ali cultivados. Pioneirismo e muito trabalho levaram a região a ser especialista em produzir ótimos cerejas descascados – os cafés que passam por maquinários próprios para a separação dos frutos entre verdes, maduros, etc, e que vão para o terreiro de secagem sem a casca. Um esmero que resultou em muitas vitórias. A descoberta de que esse seria o melhor caminho para os cafés locais fez com que produtores investissem em qualidade.
Quem nos recebeu e nos guiou pelas andanças de quatro dias na região foi o produtor e empresário Cândido Rosa, que hoje reside com parte da família em Vitória da Conquista.
Orgulhoso do trabalho que é realizado na região, Cândido nos explica — durante a viagem de mais de quatro horas pelas estradas baianas — que a Chapada Diamantina recebe milhares de turistas o ano todo em busca das belezas naturais do Parque Nacional. E aos poucos essas paisagens vão se revelando no percurso de montanhas rochosas, cachoeiras e serras. São 24 municípios que integram o entorno de um dos maiores parques do País.
A cidade de Piatã, reduto de cafés especiais, é a localidade mais alta da Bahia, e também a mais fria. Microclima perfeito para o café: durante o dia as temperaturas são amenas e à noite chegam a impressionantes 9 graus.
A colheita ocorre principalmente nos meses de junho e julho. Neste ano a safra foi menor na região e muitos produtores já estavam finalizando a panha. A colheita seletiva precisou ser bem rigorosa para não desperdiçar os muitos verdes que ainda insistiam em não maturar.
A demora fez com que produtores como Salvador Souza, com 2 hectares, ainda tivessem muitos frutos chumbinho (verdes) nos pés plantados entre muitas árvores, as grevíleas, que servem de quebra-vento e protegem os cafezais. Salvador, da Fazenda Tanque, demonstrou paciência ao aguardar o melhor momento para a retirada dos cafés. Ali eles precisam manter o foco na qualidade para compensar a baixa produção. Em 2014, o produtor conquistou o 19º lugar no concurso Cup of Excellence.
Grandes campeões
O primeiro lugar da visita: Chácara São Judas Tadeu e Fazenda Ouro Verde. A família detém o tricampeonato do Cup of Excellence nos anos 2009, 2014 e 2015. Intento muito difícil de alcançar. A maior pontuação foi 94,05, com o impressionante valor de comercialização no leilão da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) de US$ 106.223 por dezesseis sacas de café, em 2014. Os cafés vencedores do concurso, criado em 1999 no Brasil, passam por rigorosas provas de qualidade e por isso Antonio Rigno, da São Judas, é tão orgulhoso: “São 35 anos produzindo café e precisamos ter cuidado para não estragar o que a natureza nos dá”. Com a sua voz rouca característica, Rigno é grande referência na região: “Pequenos e miniprodutores é o que mais temos aqui”, ele explica. Quando conquistou os prêmios, ele presenteou cada um dos dez funcionários que trabalham diariamente na sua fazenda com motocicletas.
O produtor Antonio Rigno, pioneiro na qualidade, é tricampeão no concurso Cup of Excellence com cafés cereja descascado
Sua esposa, Teresinha de Oliveira, é quem recebe as visitas quase que diárias de todas as partes do mundo e do Brasil dentro do seu Recanto do Café, na própria fazenda: “Japonês, dinamarquês, coreano…”. Enquanto mostra a coleção de bules, Teresinha serve uma mesa farta de bolos e outros quitutes típicos baianos que ela aquece no fogão a lenha, usando folhas de planta típica da região, o candombá. E é ela quem explica as características da bebida: “O sabor do café de Piatã é único no mundo. Quando ele se junta a um blend, torna-se perfeito”.
Neste ano, a família testou pela primeira vez a seca em terreiros suspensos. Durante a colheita, são 200 pessoas para ajudar em todas as etapas do processo. As estufas e os secadores a lenha mostram uma estrutura bem organizada. Lá, 100% do café é cereja descascado, benefício que deu ótimos resultados para a fazenda. Alguns lotes chegam a ficar doze horas em tanques. Mas, segundo Rigno, são “as mãos que fazem o café”. E sempre com o auxílio das bênçãos de São Judas Tadeu, que há três anos ganhou uma capelinha em sua homenagem na propriedade.
Aprendizes de sucesso
Rigno fez escola em Piatã. Ao circular pelas propriedades da região, encontramos produtores que sempre citam a importância de investir na qualidade e fazer lotes especiais. Conterrâneo de Rigno nessa busca pelas altas pontuações, Michael Alcântara, da Fazenda Divino Espírito Santo, conta que, nos seus 10 hectares plantados, produziu 420 sacas em 2016. Investiu no primeiro despolpador da região, em 2000, quando começou a enviar cafés para concursos: “Sonhava que um dia Piatã ia ser campeã, pelos atributos do café que são muito diferentes”.
Ele e a esposa, Patrícia, tocam a microtorrefação da família na própria fazenda e comercializam o Café Gourmet Piatã na capital, Salvador. Uma produção bem familiar, que é vista de perto pelas filhas, que estão estudando para dar continuidade ao negócio.
Michael, a filha Cecília e a esposa, Patrícia Ancântara. A família, que foca em café de qualidade, mora na região há mais de vinte anos
A plantação familiar e em poucos hectares é regra por ali. Seguindo um pouco mais pelas estradas de terra, encontra-se a área do Cafundó. Na Fazenda Santa Bárbara fomos recebidos por toda a família de José Joaquim Oliveira, campeão do Cup of Excellence 2016 na categoria cereja descascado e sexto lugar com o lote do Sítio Cafundó. Em seu 1,5 hectare trabalham oito pessoas na época da colheita, sendo a maioria da própria família: a esposa, Marlene, filhos e noras. A colheita seletiva passa retirando os frutos pelos cafezais até quatro vezes. Com os R$ 19 mil que eles conseguiram em cada saca fizeram melhorias na propriedade: construíram mais uma estufa e também compraram outro terreno para ampliar a área. O sorriso no rosto de todos corre solto ao comentarem sobre a conquista. Somente dois filhos viajaram até Jacarezinho, no Norte Pioneiro do Paraná, para acompanhar o resultado. Giliardi Torres de Oliveira conta que a emoção foi muito grande. Assim como o orgulho dos vizinhos, entre eles Pedrinho Santana, que, depois de viver vinte anos em São Paulo, voltou para a roça e também produz café. Nessa localidade eles dividem o despolpador e todos têm hortas para consumo próprio. O excedente de frutas e legumes é vendido na tradicional feira de Piatã.
O campeão do Cup of Excellence, José Joaquim Oliveira, faz a colheita seletiva no seu 1,5 hectare
Cooperativismo e microlotes
O potencial dos cafés da região fez com que, no ano passado, dos 24 finalistas do Cup of Excellence – Cereja Descascado, impressionantes dezenove fossem de Piatã. Tal feito incentivou ainda mais os produtores a se organizar em uma nova cooperativa: a Coopiatã, que hoje conta com 41 membros. Rodolfo Moreno, presidente da organização e proprietário da Fazenda Ponte, explica que ele e Renato Rodrigues (Chácara Vista Alegri) estiveram, em 2015, na Semana Internacional do Café e perceberam haver no mercado uma oportunidade para a produção de microlotes. Em reunião realizada durante a nossa visita, os produtores debatiam sobre a importância de participar de novos concursos e também de capacitações que serão oferecidas na cooperativa.
Integrantes da nova Coopiatã reúnem-se para focar a capacitação e a governança
Nosso roteiro foi finalizado na localidade das Gerais, onde produtores ainda menores cultivam café há mais de cem anos. São famílias que vivem em casas de pau a pique e chegam a colher trinta sacas. É o caso de Vilson Araújo Oliveira, que nasceu ali e que, aos 52 anos, não tem dúvida quando diz: “Eu gosto da roça”. Ele e a família do irmão, Wilson, produzem café natural por falta de condição de investir em um despolpador. A agricultura de subsistência encontra dificuldade no acesso à água – outro desafio local. Mas as alternativas existem e os produtores aproveitam o espaço que têm para fazer plantações consorciadas com a produção de maracujá e outras frutas.
Novos projetos por vir
Com o intuito de contar essas histórias, a Coopiatã está unindo forças com outros profissionais da região. Segundo Glayco Barbosa, o Gau, Secretário de Agricultura de Piatã e engenheiro agrônomo, “são cinquenta produtores que vivem do café de qualidade. Estamos colhendo os resultados nesses últimos cinco anos”. Como a produção da maioria é em pequena quantidade, a saída é o especial, para que consigam bons preços, apesar da pouca quantidade de café: “Essa também é a realidade do meu pai”, exemplifica.
Uma grata surpresa foi encontrar no mercado municipal da cidade o barista Lucas Campos, que, junto ao boxe da família de Euvaldo José Costa Jones (Café Taperinha), prepara quinzenalmente drinques de café em diversos métodos para a população local. O trabalho ganhou também um braço; um passeio que começará a ser feito com turistas que visitam a região, o CaféTur.
Entre as atrações do roteiro, um pôr do sol para finalizar, na localidade das Gerais, com uma vista incrível das montanhas da Chapada Diamantina, acompanhado de preparos de café sem o uso de eletricidade.
O sol começa a desaparecer entre as formas diversas que ganham contornos dourados na paisagem inesquecível. Um término e tanto para uma viagem que começou lembrando a pioneira da aviação que voou longe para conquistar seus objetivos. Então, finalizamos o roteiro com os pés no chão entre campos de sempre-vivas e cafés incríveis de uma das regiões mais premiadas do Brasil. Há sempre espaço para mais, para a pluralidade e para a qualidade.
TEXTO Mariana Proença • FOTO Ravena Maia