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Morre empresário do café Américo Sato

Américo Sato, fundador do Café do Ponto e ex-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), faleceu na manhã do último domingo (03), aos 88 anos, após um infarto. O empresário, que lutou pela qualidade e aumento do consumo de café no Brasil, era uma das lideranças mais importantes do setor. Confira abaixo uma entrevista exclusiva dada por Américo à equipe da Revista Espresso, em março de 2007.

Quando Américo Sato assumiu a diretoria comercial da pequena torrefadora Café do Ponto, em 1957, o café vivia uma época de supersafras, armazéns lotados e concorrência baseada apenas nos preços, sem diferenciação. Apesar do cenário pouco favorável e da falta de experiência como industrial, Américo conhecia os mecanismos da lavoura e soube apostar na qualidade para construir um negócio de sucesso. Ao lado do irmão mais velho, deu início a uma das primeiras redes de cafeterias do Brasil, que chegou a ter 200 lojas licenciadas e a vender, na loja paulistana do Shopping Ibirapuera, quase 2 mil xícaras de café em um dia.

Mas o empresário foi além do sucesso pessoal. Ajudou a divulgar pelo País a importância da qualidade, transformando a visão de toda a cadeia cafeeira, de produtores a consumidores. “Existe um desafio muito grande para todos aqueles que trabalham com café. É uma bebida que exige atenção constante”. Nos anos 90, assumiu a presidência da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) e foi um dos idealizadores do Selo de Pureza Abic, criado em 1989 para auto regulamentar o setor. A partir do programa, foi possível identificar marcas fraudadoras – que adicionavam ao café produtos como milho, palha e cevada –, na época, um total de 30%.

A ligação com o café começou cedo na vida de Américo – nome que adotou para facilitar os negócios, já que a pronúncia de Takamitsu, como foi registrado, dificultava o entendimento dos clientes. Vinda do Japão, a família Sato desembarcou no Brasil em 1926, em busca de “terras dadivosas, que dariam muito dinheiro”. Ao contrário disso, encontrou trabalho demais e salário de menos, em fazendas na cidade de Cafelândia, interior de São Paulo. De lá, seguiu para o norte do Paraná, que despontava no cultivo de café, mas acabou se fixando em Suzano, município paulista onde se dedicou ao plantio de hortaliças.

O ouro verde, porém, despertou o verdadeiro interesse de Américo. Durante os 41 anos em que esteve à frente do Café do Ponto, inovou com produtos diversos, como a embalagem tipo almofada e os cafés descafeinado e aromático. Em 1998, vendeu a empresa para a norte-americana Sara Lee e, depois de seis anos fora do mercado, voltou como sócio do Café Floresta. A marca santista lançou há pouco o Café Gourmet de Origem Controlada (das regiões de Mogiana, Sul de Minas e Cerrado Mineiro), inaugurando nova fase no ciclo da qualidade. Américo Sato recebeu a Espresso no seu escritório, em São Paulo, onde contou sobre sua trajetória pessoal e traçou um panorama do mercado nacional de café.

Como surgiu a ideia de montar uma rede de cafeterias com a marca Café do Ponto?
Meu irmão mais velho, Kiyoshi Sato, deu início a uma indústria de torrefação na cidade de Cafelândia, e quando decidiu transferi-la para São Paulo, me chamou para ajudar. Nós desenvolvemos a marca e vimos que era necessário fazer um café de melhor qualidade e vendê-lo em um lugar exclusivo. Na época [década de 70], os cafés eram consumidos basicamente em restaurantes e lanchonetes como um produto secundário, que perdia para os sanduíches e refrigerantes. Decidimos então montar uma cafeteria, um lugar especial para se beber café. No começo, as lojas serviam o espresso e também o tradicional, de coador. Mas o espresso pegou mais.

A primeira loja foi inaugurada dentro de um shopping center?
Nós implantamos a primeira cafeteria no Shopping Ibirapuera, em 1976, época em que estava começando a surgir shopping centers em São Paulo. Todos me chamaram de louco. Perguntavam como eu ia vender café dentro de um shopping, lugar onde só se vendia coisa cara, com valor agregado alto. Mas eu estava decidido a apostar nesse novo empreendimento e, no final, foi um sucesso. Essa loja do Shopping Ibirapuera chegou a vender quase 2 mil xícaras num único dia, enquanto uma boa cafeteria vende, em média, 500 xícaras. Hoje, os pontos de café são os mais disputados nos shoppings e nós ajudamos a criar esse conceito.

E a partir daí a rede se expandiu rapidamente…
O Café do Ponto teve tanto sucesso que chegou a ter cerca de 200 lojas licenciadas. Decidimos pelo licenciamento em vez do sistema de franquias, já que a empresa não teria condições de fornecer a infraestrutura necessária ao franqueado. Nós dávamos o layout da loja e deixávamos a pessoa fazer por conta própria. Passamos a ter procura até de outros estados, principalmente para lojas dentro de shoppings, pois as regiões seguiam o modelo dos empreendimentos de São Paulo.

Você também foi um dos primeiros a apostar na venda de cafés em supermercados.
No início, ninguém queria vender para o autosserviço, com medo de fazer negócio a prazo. O comércio só funcionava à vista, inclusive o de café. Mas eu sentia que os supermercados tinham futuro. Mesmo que fosse a prazo e no começo acontecessem alguns desfalques, eu sabia que precisava entrar nesse ramo para crescer. Comecei a vender para o Pão de Açúcar e para o Peg&Pag, duas das primeiras redes inauguradas na cidade de São Paulo.

Como funcionou o programa Selo de Pureza Abic?
Em 1988, a Abic [Associação Brasileira da Indústria de Café] realizou uma pesquisa sobre o consumo no Brasil, para descobrir por que estava caindo. O estudo revelou que 67% dos brasileiros acreditavam que o café puro era exportado e que o consumido internamente era sempre fraudado. Decidiu-se, então, criar o Selo de Pureza Abic, um programa de autofiscalização das indústrias, que controlasse a pureza dos grãos. A indústria que escolhesse participar era monitorada. Os cafés eram recolhidos nos pontos-de-venda e enviados para análise – aqueles que tinham o café puro recebiam o selo. No começo, houve certa resistência, a maioria dos associados achava que não ia funcionar e que teria que gastar muito dinheiro para o consumidor brasileiro saber da existência do selo. Mas um dos segredos do bom marketing é comunicar uma verdade que favoreça o próprio usuário, e foi isso que fizemos. Produzimos alguns comerciais com o Tarcísio Meira, astro da época, em que ele aconselhava o consumidor a exigir o selo da Abic. Foi uma das campanhas com maior índice de aprovação e contribuiu bastante para o sucesso do programa.

Que outros aspectos foram trabalhados para resgatar a confiança do consumidor?
Decidimos acabar com o mito de que café faz mal à saúde. Primeiro, investimos em pesquisas e divulgação no Brasil, depois levamos a ideia à OIC [Organização Internacional do Café] e passamos a fazer estudos em universidades de diversos países. Hoje, muitos médicos e consumidores em geral reconhecem os efeitos benéficos do café. Tivemos ainda dois outros aspectos. O primeiro foi lembrar que o café traz prazer, isto é, cria um ambiente favorável à união das pessoas e melhora a qualidade de vida. O outro consistiu em reaproximar o café do jovem, que se identificava mais com o achocolatado e o refrigerante, enquanto o café era tido como coisa de velho. Em países como Japão e Inglaterra, onde o chá é bebida tradicional, acontece o contrário: o café é a bebida dos jovens, enquanto o chá é relacionado aos mais velhos. Quando eu estava no Café do Ponto, lançamos os aromatizados exatamente para sair da mesmice e atrair o público jovem.

Em relação ao café gourmet, pode-se dizer que a pureza e a qualidade já foram alcançadas. Qual seria o próximo passo?
Eu acho que ainda há espaço para os cafés finos. Apesar do surgimento de muitas cafeterias e do “oba-oba” em cima dos gourmets, o consumo ainda é pequeno. É preciso estimular o consumidor a apreciar o sabor do café, caso contrário, parece tudo igual. E não basta os grãos serem de qualidade. Tem que saber preparar a bebida e ter o equipamento adequado.

O papel da indústria é ajudar na elucidação e educação do consumidor, oferecendo produtos adequados e informações fidedignas. Não se pode dizer que é gourmet quando não é. Deve-se informar sobre as diferenças de paladar, que variam de acordo com a região produtora, da forma como foi cultivado, da variedade, da terra etc. – comunicação que pode ser melhorada pela embalagem. Por último, e não menos importante, tornar o preço mais acessível.

Como foi retornar ao mercado e assumir o Café Floresta?
Depois da venda do Café do Ponto, fiquei parado durante seis anos por causa do contrato de não-concorrência. Nesse tempo, recebi vários convites para ser produtor de café em fazendas do Cerrado e Sul de Minas Gerais. Mas busquei uma empresa onde pudesse realizar as coisas que deixei de fazer no Café do Ponto e acabei acertando com o Café Floresta. Agora, estamos lançando cafés de três regiões: Mogiana, Sul de Minas e Cerrado Mineiro. Colocamos no rótulo informações sobre o lugar onde é produzido e as suas características. Isto é, estamos tentando levar o máximo de informação ao consumidor.

Como a chegada da Starbucks irá afetar o mercado brasileiro?
Eu acho que será muito positivo, pois as cafeterias serão obrigadas a se mexer. Foi o que aconteceu nos anos 80 com a entrada do McDonald’s. O nível de algumas lanchonetes subiu, o de outras caiu, mas graças a isso hoje temos sanduicherias de primeira linha. A Starbucks vai mudar o mercado de cafés, não tenho dúvida. A empresa tem um marketing muito apurado. Daqui a pouco, vocês verão na novela jovens tomando café em uma Starbucks, e todos vão querer experimentar. Mas acho que o sucesso não será tão grande como nos Estados Unidos, onde tem uma loja em cada esquina. O preço vai elitizar o consumo e limitar as vendas.

Cada vez mais produtores têm lançado sua marca própria de café. No seu ponto de vista, essa verticalização é benéfica?
A minha filosofia é “cada macaco no seu galho”. Eu acho que essa questão de produtor montar indústria de café só serve para pequenos nichos. Tem que pensar na bianualidade e em todos os fatores climáticos a que a lavoura está sujeita. A falta de constância é o grande problema. No meu caso, como industrial, posso comprar de várias regiões, não fico preso a uma única propriedade. Verifico se a qualidade está adequada ao nosso padrão e se não estiver compro do vizinho. Não sou contra a verticalização, mas acho que dá mais resultado especializando e investindo em qualidade e produtividade na fazenda.

Fazendo uma projeção, como estará o mercado de café no Brasil daqui a dez anos?
Acho que o consumo de café gourmet vai crescer e espero que o nível de qualidade continue melhorando. Mas o poder aquisitivo da população brasileira é um atravancador para esse crescimento e irá limitá-lo futuramente. Por essa razão, não vejo o consumo de cafés finos atingindo 20% dentro de dez anos. Sem dúvida que o Brasil está caminhando, mas é preciso diminuir essa diferença social. Afinal de contas, o café gourmet é um luxo barato, que faz as pessoas se sentirem bem e cria um momento especial – todos deveriam ter acesso a ele.

TEXTO Bianca Pinto Lima e Mariana Proença • FOTO Carol Fontes

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