Como o aumento do consumo nos últimos anos pode representar um novo mercado a ser explorado, tanto no Brasil como em nível global

Por Gabriela Kaneto
“Você viu o preço do café?”. Talvez esta seja a pergunta do momento. Em 2024, o custo do grão para o consumidor cresceu 37,4%, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic). Estoques baixos nos países produtores e nos consumidores, problemas climáticos – com projeções de que as condições devem persistir em 2025 – e a alta do dólar são algumas justificativas para o aumento de preços.
Com um café tradicional de 250 g superando a marca dos R$ 30 na gôndola, uma simples xícara cotidiana da bebida, tão comum aos brasileiros, pode parecer estar em jogo. Mas, em meio ao cenário incerto do torrado e moído, outros produtos registraram bons números nos últimos meses.
Patinho feio por muitos anos, o café solúvel está em ascensão. Segundo a AbicsData, plataforma da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics), em 2024 o Brasil registrou não só recordes nas exportações como, também, no consumo interno, que bateu seu maior nível da história: 1,069 milhão de sacas.
“O solúvel está sendo inserido como mais uma forma de tomar café em determinados momentos do cotidiano”, afirma Aguinaldo Lima, diretor de Relações Institucionais da Abics. “No mundo, hoje, o solúvel representa 28% do consumo total. No Brasil, este número está em 5%, mas vem crescendo”, menciona ele, que tem como referência a série histórica da Abics.

Cenário internacional
Esta série, que acompanha desde 2016 a evolução do consumo de solúvel no país, destaca uma média de crescimento de 3,6% ao ano. Ao redor do mundo, a busca pelo produto também cresceu significativamente. É o caso da Irlanda, cujo consumo de solúvel aumentou 14% em dois anos. “Na Irlanda, entre 2005 e 2021, foi registrado uma diminuição do marketing share do solúvel, de 54% para 25%. Agora, de 2021 para 2023, voltou para 39%”, explica Vanusia Nogueira, diretora-executiva da Organização Internacional do Café (OIC). “Essa é uma tendência. Em países que não têm indústria, o que eles recebem de solúvel é importado e a reexportação é pequena. Então, para uma análise geral, o que eles importam, eles consomem”, completa.
Não é coincidência que o aumento da busca pelo instantâneo se dê justamente na época em que os preços do café estão nas alturas. “À medida que o preço vai subindo, sobe também o consumo de solúvel”, analisa Vanusia. Em alguns casos, o consumo total de café apresenta queda, mas o de solúvel continua crescendo. “Em muitos países, principalmente nos emergentes, onde há um gap maior entre as classes, com a diminuição do poder aquisitivo, as classes menos privilegiadas procuram por produtos que possam ser mais acessíveis”, comenta a diretora-executiva da OIC.
Para ela, outro fator importante – e uma oportunidade de mercado a ser explorada – é a boa aceitação do solúvel em países tradicionalmente consumidores de chá. “Preparar o solúvel está muito mais ligado à cultura deles do que parar para filtrar o café ou procurar por uma máquina de espresso”, destaca Vanusia, que aposta que mercados emergentes e consumidores de chá, como os asiáticos, são a grande oportunidade do solúvel a médio e longo prazos. “E não estou falando só de China, estou falando também de Vietnã, Índia, de mercados emergentes e com uma concentração populacional enorme. São tomadores de chá, mas os jovens estão introduzindo o café no dia a dia”, detalha.

Para Marcos Matos, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), o solúvel, além de ser uma referência e um hábito de diversas culturas ao redor do mundo, é também aquele que permite o consumo do café seguir resiliente. “Estamos vendo, inclusive em mercados tradicionais, que o consumo de café solúvel se destaca em tempos de alta de preços, o que impacta, com certeza, o bolso do consumidor”, afirma. “Por ter uma característica de antecipação de contratos, ou seja, de vendas muito antecipadas, suaviza essas grandes volatilidades do mercado, e também permite que o consumo se fortaleça mesmo diante de volatilidades e cotações em termos de bolsas internacionais da commodity do café”, diz ele.
Solúvel não é tudo igual
No mercado interno, as projeções são otimistas para os próximos anos. “O Brasil, como segundo maior consumidor de café, tem muito espaço para crescer no consumo de solúvel, e isto está ligado à nossa capacidade de transmitir para os consumidores que café solúvel não é tudo igual”, avalia Lima. Hoje em dia, é possível encontrar uma diversidade maior de blends, processos (aglomerado, spray dried e freeze dried ou liofilizado) e embalagens nas prateleiras.
Para a gigante Nescafé, é visível que a versatilidade do produto está diretamente ligada ao seu crescente consumo. “Acreditamos que a categoria continuará evoluindo, impulsionada por tendências como café gelado, personalização do consumo, interesse por cafés premium e a busca por preparos práticos, sem abrir mão do sabor”, comenta Gabriela Monsanto, gerente de marketing da Nescafé. De olho neste mercado em expansão e nos novos consumidores, a tradicional marca de solúvel lançou, em novembro de 2024, o Nescafé ICE, desenvolvido com tecnologia que permite a dissolução instantânea em água ou leite gelados. “Essa inovação representa um avanço significativo na categoria e chega ao mercado para atender a uma demanda crescente por cafés gelados, que já são uma tendência consolidada em diversos países e vêm ganhando força no Brasil”, explica.

Empresas que originalmente trabalham com cafés especiais em grãos também enxergam no produto uma oportunidade de mercado, como é o caso da Tocaya. A torrefação mineira pretende lançar, ainda no primeiro semestre de 2025, seu primeiro café solúvel liofilizado, feito com grãos 100% arábica do próprio portfólio. A ideia surgiu depois que a fundadora e mestre de torras, Juliana Ganan, viajou para o exterior e provou solúveis feitos com diferentes cafés de qualidade.
E por que não aplicar a ideia aqui? O desenvolvimento foi minucioso para chegar ao padrão de qualidade desejado. “O processo do nosso liofilizado envolve encontrar uma receita ideal para cada batelada de café, extraindo somente os atributos desejáveis daquele lote. Em seguida, passa para o congelamento e só depois para o liofilizador, que opera também em temperaturas extremamente baixas”, explica. De acordo com ela, este processo preserva os aromas e sabores originais da bebida, resultando em um perfil mais complexo.
“Acreditamos que o produto vá servir para os consumidores de cafés especiais quando eles não tiverem acesso a uma cafeteria com bons cafés, ou estiverem viajando e sem acesso ao seu aparato particular para fazer um café do zero”, comenta Juliana. “Como somos pequenos, a produção vai ser em pequena escala e bastante cuidadosa, para que o resultado se reflita em cada pacote”, projeta.
As inovações no mercado são fruto de uma melhor percepção do consumidor e vice-versa. “O que a gente tem visto é o aumento do consumo justamente quando se tem cafés que traduzem melhor qualidade”, aponta Eliana Relvas, cafeóloga e consultora da Abics. “Ele acaba não substituindo [o filtrado e o espresso], mas sendo uma alternativa, por sua praticidade e validade. Até porque um café solúvel pode durar até dois anos se embalado corretamente, enquanto que o torrado e moído tem uma validade menor, pois oxida mais rápido”, menciona. “Lembrando que café solúvel é só café e água, não tem nenhum tipo de aditivo e nem conservante”, completa a especialista.
Apesar dos avanços, há um longo caminho a percorrer. “O nosso maior desafio ainda é ter uma comunicação com os consumidores para que se quebre esse preconceito, esse paradigma de dizer que solúvel não é um café de qualidade, que só pode ser misturado com leite”, destaca Lima. Neste sentido, uma das ações mais recentes da Abics foi o lançamento do site descubracafesoluvel.com. No ar desde 20 de fevereiro, a página traz informações sobre os processos de fabricação do solúvel, as diferenças entre os selos das categorias de qualidade, suas variações de preparo, entre outros conteúdos.
Para Vanusia, tanto para o mercado interno quanto externo, é preciso continuar mostrando que pode existir qualidade no solúvel. “Estamos quebrando barreiras, mas elas ainda existem”.
Texto originalmente publicado na edição #87 (março, abril e maio de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.
TEXTO Gabriela Kaneto • FOTO Felipe Gombossy