Barista

Eystein Veflingstad: “Eu andava pela faculdade com uma prensa francesa de 1 litro”

“Sempre achei muito interessante, porque é uma ciência. É divertido, mas difícil. Tem que controlar muitos fatores”. O mestre de torra norueguês Eystein Veflingstad poderia estar falando do próprio ofício. Essa é, no entanto, a explicação para uma de suas paixões, a fotografia. “Acho que essas características foram o principal motivo para eu me interessar por café”, avalia. Ele conheceu o barismo quando estudava a oitava arte no Canadá, no final dos anos 1990.

Com o advento das imagens digitais, na época, ele desistiu de trabalhar com fotografia analógica e passou a se dedicar ao café. Há mais de cinco anos é dono da 3ª Onda Café, empresa baiana que forma e instrui produtores pelo Brasil. Com sotaque peculiar, dominando o português, ele viaja o ano inteiro pelas regiões produtoras. Apesar da grafia um pouco diferente, Eystein tem o nome do célebre cientista, e não é por acaso. Gosta da tecnologia, mas se dá melhor mesmo é na relação com as pessoas. Em 2014, foi campeão norueguês no concurso nacional de aeropress e é o organizador do campeonato nacional desse método no Brasil, que está na terceira edição.

Como é a vida de um consultor de café?

Um consultor vai dedicar 20% do dia dele para revisar cursos, desenvolver projetos novos. Ele gasta 60% do tempo prospectando clientes, tentando abrir mercado. No final, tem 20% do tempo livre para realmente fazer o que ama. Eu amo torrar café, dar cursos, mas estou há um ano e meio trabalhando mais com produtores, especialmente os pequenos.

Qual é o perfil deste agricultor com o qual você trabalha?

São produtores familiares, alguns com filhos crescidos, que estão tentando trabalhar com café de qualidade. Já trabalharam com commodity, mas o retorno é muito baixo e uma fazenda pequena tem custos muito altos. Eles geralmente moram em casas que têm goteira quando chove, um carro popular para atender a todos, tudo muito simples. É uma vida difícil.

Como é sua relação com eles?

Muitas vezes recebo convites para me hospedar com eles e ver como podemos criar um café especial. Para quem trabalha com commodity, não é tão difícil mudar. O próximo passo é o mais detalhado: depois do período da consultoria, é preciso saber torrar amostras e provar o café. Senão, esses agricultores vão ficar nas mãos das pessoas que compram o produto. No final, você ganha duas vezes, porque também prova os cafés, que é o melhor da experiência. Já comecei a trabalhar com produtores que estavam com cafés de 78 pontos e conseguimos aumentar até 6 pontos em apenas um ano de trabalho.

Como você vê o mercado de café brasileiro?

Alguns anos atrás era difícil beber uma boa xícara de café. Isso está mudando porque somos um monte de torrefadores pequenos procurando qualidade. Se um produtor tem duas sacas de um café incrível, ele tem cliente. Temos como fazer pesquisa, o produtor consegue investir tempo e conhecimento para fazer um café bom. Parece que estamos indo devagar, mas café é assim mesmo.

Por que você veio para o Brasil?

Eu e minha esposa, Marina, que é brasileira, vivemos na Noruega por quase dez anos. Ela queria voltar para cá, e eu tinha certeza de que conseguiria algo bom para fazer aqui. Tinha uma amiga mineira, de uma cidade perto de Caparaó e de Manhumirim, a Josiane Cotrim, que me dizia que eu precisava ir à Semana Internacional do Café. Fui à edição de 2014, conheci um monte de gente, fui convidado para visitar fazendas… Isso realmente foi o meu lançamento aqui, abri a 3ª Onda naquele ano mesmo.

Você se lembra da primeira em vez que provou café?

Eu fiz café pela primeira vez com uns 12 anos, quando era escoteiro. Estava na floresta, usei meio pacote de pó e 1/2 litro d’água. Foi terrível. Comecei a me interessar pelo café de qualidade quando estava na faculdade. Na cidade canadense em que morei, tinha uma cafeteria com bons cafés. Nas férias de verão, na Noruega, arrumei um emprego com fotografia durante o dia e, de noite, trabalhava na cafeteria ao lado do estúdio. Voltei para a escola com 8 quilos de café. Eu era o rapaz que andava pela faculdade com uma prensa francesa de 1 litro, só para mim.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses setembro, outubro e novembro de 2017 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Clara Campoli • FOTO Vitor Macedo

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