•
A onda bege: porque o auge do café RTD ainda pode estar por vir
Por Gustavo Paiva
O segmento de café pronto para beber (RTD, da sigla em inglês ready-to-drink) há muito é alvo de debates. Alguns dizem que já é uma realidade, apontando para a inovação do produto nos últimos anos, a quantidade de capital investido em P&D e comunicação e os hábitos de consumo atuais da Geração Z.
Mas há quem seja ainda mais otimista e considere ainda os mercados emergentes na Ásia e na África, o aumento natural do poder de compra da Geração Z e sua influência sobre a Geração Alfa. Por fim, há os pessimistas, que consideram a alta nos preços, o fato de que gerações mais velhas e países produtores podem não estar abertos a esse tipo de consumo e que os mercados emergentes não tenham aumento substancial na renda para consumir em grande escala o café pronto para beber.
É praticamente impossível pensar em uma lata de café gelado e não pensar em algumas marcas precisas. Algumas empresas promoveram uma revolução na forma como o café é consumido dentro e fora de suas lojas. Mais do que isso, seu sucesso obrigou outras empresas tradicionais a repensarem suas estratégias e desenvolverem novos produtos para o segmento. As prateleiras refrigeradas dos supermercados exibem hoje uma ampla gama de latas de café pronto para beber até mesmo de companhias que nunca tiveram uma cafeteria. Então, podemos confirmar que isso já é uma realidade?
Não para aqueles que apostam que o melhor ainda está por vir. Segundo Caleb Bryant, diretor associado de alimentos e bebidas da Mintel, a Geração Z lidera a tendência de consumo deste produto. Outra pesquisa, da Suntory Boss Coffee, valida a visão de Bryant. De acordo com o levantamento, 88% da Geração Z já consome café pronto para beber, e entre os que ainda não consomem, 61% consideram experimentá-lo no futuro.
Considerando, a partir dos dados da empresa de inteligência de mercado Technavio, que mais de três quartos dos cafés prontos para beber são consumidos em latas ou garrafas de plástico, estas embalagens permitem uma maior customização, inovação e maneiras alternativas de consumo. Estas três características são essenciais para as novas gerações e irrelevantes para as mais vividas.
Segundo dados da National Coffee Association (NCA), existem vários fatores determinantes para que as gerações mais velhas não se aproximem dos cafés prontos para consumo. E isso não necessariamente tem a ver com hábitos antigos e estabelecidos. Para a NCA, os principais fatores para o consumo dos cafés prontos para beber seriam a comodidade, a conveniência e a possibilidade de ‘levar para viagem’. Além disso, os cafés prontos para beber envolvem um marketing ligado à qualidade do grão e à sustentabilidade da produção, fatores que não são decisivos para as gerações mais velhas. Por último, o café como ritual de preparação dentro de casa ainda é decisivo para consumidores Baby Boomers – aqueles nascidos entre 1945 e 1965.
Contudo, ao analisarmos os países produtores de café, especialmente na América Latina, percebemos que o poder de compra vem crescendo pouco e o consumo de café parece mudar a passos bem mais lentos. No Brasil, maior produtor de arábica e segundo maior consumidor de café, a previsão é de que o consumo de café pronto para beber cresça apenas 2,8% entre 2024 e 2029. Ainda, as mudanças climáticas, a inflação e o aumento nos preços do café terão um impacto notável em uma região onde o poder de compra está estagnado e grande parte da população já luta para não reduzir o consumo de café.
Naturalmente, há grandes expectativas para os mercados asiáticos emergentes. Considerando apenas China, Indonésia e Índia, são nada menos que 3,1 bilhões de pessoas com renda crescente e adotando hábitos ocidentais, como o consumo de café.
Se considerarmos outros países asiáticos ou até africanos, com populações menores mas com crescimento econômico igualmente impressionante, não deveríamos ter motivos para o pessimismo. Importante lembrar que países de consumo tardio tendem a absorver as tendências contemporâneas dos mercados estabelecidos. Ou seja, até mesmo as gerações mais velhas que se dispusessem a tomar café nestes novos mercados, começariam a fazê-lo copiando hábitos de consumo das gerações mais novas de consumidores dos países tradicionais, portanto, incluindo em sua cesta de consumo os produtos prontos para beber.
A consultoria Fortune Business Insights estima que o valor do mercado de café de qualidade seja de US$ 101 bilhões, enquanto o valor do mercado de cafés prontos para beber seria de apenas US$ 3,1 bilhões, mas com perspectiva de crescer 22% até 2032. A América do Norte seria responsável pela maior parte deste crescimento.
Segundo a gigante do setor, Sucafina, a pandemia poderia ter desferido um golpe importante neste tipo de consumo. Mas o que aconteceu foi o contrário: a empresa identificou um aumento significativo neste tipo de consumo durante os anos de 2020 até 2022. A explicação poderia ser de que cafés RTD reproduzem em casa o estilo de bebida consumidos nas cafeterias, que estiveram fechadas ou com capacidade reduzida durante o lockdown.
Este aumento expressivo no consumo também é corroborado pela consultoria Nielsen, que identificou um aumento de 61% no consumo de bebidas prontas de café no Reino Unido desde 2020. Por último, a Technavio chegou a conclusões parecidas com as demais pesquisas, porém, ainda mais otimista em relação ao valor de mercado de nicho em questão. Ela estima que as bebidas prontas já movimentem US$ 15 bilhões e prevê um crescimento de quase 9% nos próximos cinco anos, vindos principalmente da América do Norte.
Todos os mercados têm a necessidade e uma certa tentação natural de querer prever o futuro e enxergar o que vem pela frente. Existe uma particularidade no mundo do café: contar ondas para evidenciar alguns marcos nos hábitos de consumo. Mas eu não cairei nessa armadilha, e não ousarei contar as ondas desse mar misterioso. Mas podemos ter a certeza de que, em alguns lugares, existe uma onda bege se aproximando. E talvez seja uma onda gigante.
Gustavo Magalhães Paiva é formado em relações internacionais pela Universidade de Genebra e é mestre em economia agroalimentar. Atualmente, é consultor das Nações Unidas para o café.