Coluna Café por Convidados Especiais

Do campo à xícara, profissionais convidados refletem sobre o setor

O fracasso da onipotência

Por Celso Vegro

O pensamento verdadeiramente liberal não pode ceder às tentações populistas que, por arbítrio, instauram desgoverno e instabilizam os mercados. Eis o posicionamento de Ronald Reagan, um liberal histórico, em discurso proferido em 1987:

“Quando alguém diz ‘vamos impor tarifas sobre importações estrangeiras’, parece que está fazendo algo patriótico, protegendo os produtos e os empregos americanos. E, às vezes, por um curto período, isso funciona — mas apenas por um tempo. O que eventualmente acontece é que as indústrias nacionais começam a depender da proteção do governo na forma de tarifas altas. Elas param de competir e deixam de fazer as mudanças inovadoras na gestão e na tecnologia de que precisam para ter sucesso nos mercados globais. Enquanto tudo isso está acontecendo, algo ainda pior ocorre: tarifas altas inevitavelmente levam à retaliação por parte de países estrangeiros e ao desencadeamento de intensas guerras comerciais. O resultado são mais e mais tarifas, barreiras comerciais cada vez mais altas e menos concorrência. Então, em pouco tempo, devido aos preços artificialmente elevados pelas tarifas — que subsidiam a ineficiência e a má gestão —, as pessoas param de comprar. E então acontece o pior: os mercados encolhem e colapsam, empresas e indústrias fecham e milhões de pessoas perdem seus empregos. A memória de tudo isso, nos anos 30, me fez determinado, quando cheguei a Washington, a poupar o povo americano da legislação protecionista que destrói a prosperidade. Agora, nem sempre tem sido fácil. Há aqueles no Congresso, assim como havia nos anos 1930, que querem buscar a vantagem política rápida, arriscando a prosperidade da América em prol de um apelo de curto prazo a algum grupo de interesse especial.”

Essa longa digressão corrobora toda a teoria econômica construída em torno do uso de tarifas para proteger a produção interna. O Brasil, no século passado, foi exímio praticante desse tipo de política, por meio do esforço de industrialização baseado na substituição de importações. Essa estratégia desenvolvimentista provocou a chamada década perdida (anos 1980 sem crescimento do PIB) e os conhecidos voos de galinha (anos 1990 e parte dos anos 2010). Ademais, tornou o país um dos mais fechados ao comércio internacional entre as nações de maior corrente de comércio.

Deve-se enaltecer a postura firme do governo brasileiro, que em nenhum momento ameaçou retaliar a escalada tarifária imposta contra o país. Nesse ponto, o mandatário brasileiro cumpriu exatamente o que Nietzsche profetizou: “O que luta com monstros deve ter cuidado para não se tornar um monstro.”

A parcimônia diplomática e o passar do tempo foram decisivos para a revogação das tarifas, parte importante da pauta exportadora brasileira aos EUA. As duas conversas entre os mandatários, seguidas pelos encontros do vice-presidente e do chanceler brasileiro com seus congêneres americanos, representam momentos cruciais na reversão do tarifaço.

Sem dúvida, o mandatário estadunidense compreendeu que comprou uma briga perdida. A pressão inflacionária no mercado doméstico corroeu sua popularidade e colocou em risco a dominância republicana sobre a política interna. 

Enquanto Marco Rubio subsidiou decisões equivocadas para Trump, Richard Grenell (enviado especial do Trump) trouxe outra análise dos fatos do Brasil para seu presidente. O comunicado oficial menciona explicitamente que a reversão do tarifaço constitui um “puxão de orelhas” do mandatário estadunidense sobre sua diplomacia (Rubio), mencionando explicitamente que a retirada do tarifaço foi conquistada pelo excelente diálogo entre as autoridades de ambos os países.

Tudo que os EUA não compraram do Brasil, outros mercados passaram a comprar – uma dança das cadeiras. Ser taxado pelos EUA permitiu ao Brasil diversificar ainda mais seus clientes internacionais e incrementar a presença brasileira no rol das nações cruciais para a estabilidade e paz mundial, algo cada vez mais decisivo na produção maior e mais sustentável de riqueza para a população.

A revogação do tarifaço para 120 itens agrega US$ 5 bilhões às exportações brasileiras. Porém, as negociações ainda durarão ao menos 90 dias para que toda a pauta comercial seja desbloqueada, e dependerá da desoneração de produtos americanos atualmente aqui taxados. 

Há uma expressão latina que diz muito sobre a forma do presidente americano governar: Ad nutum, ou seja, governar segundo a vontade, pelo arbítrio. Estado não é empresa, e a lógica da conciliação por meio da política bem praticada é o caminho para o avanço civilizatório.

TEXTO Celso Luis Rodrigues Vegro é engenheiro agrônomo, mestre e pesquisador científico do IEA (Instituto de Economia Agrícola), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

A ruína das altas cotações

Por Celso Vegro

Nas duas últimas safras de café no Brasil, observou-se cotações do café nas bolsas de mercadorias em contínua elevação, alcançando para arábica, recentemente, patamares acima de US$ 4,00 por libra-peso (em Nova York, oscilando desde então ao redor desse nível de preços. Provocada pela escassez global do produto, houve, também, ascensão dos preços do canéfora no mercado interno, que alcançaram o patamar de R$ 1.500 a saca.

Desde a safra de 2020/21, em que se contabilizou colheita ao redor das 65 milhões de sacas, a rentabilidade na atividade não se mostrava satisfatória, especialmente em decorrência dos distúrbios climáticos que intervieram no andamento da safra (granizo, altas temperaturas, veranico e geada).

Ademais, muitos cafeicultores que praticavam a gestão de risco, contratando hedge de preço –, porém, sem seguro (esse último elemento de garantia de participação do cafeicultor na alta) –, tiveram dificuldades em honrar seus contratos, seja por frustração de safra, como por interesse em se beneficiar dos altos preços que passaram a vigorar após a geada de 2021.

Nesse contexto inicia-se um agravamento da arquitetura financeira desenvolvida, visando pleno funcionamento desse mercado (compartilhamento do risco). Surge um trade-off para os exportadores comprometidos com entregas futuras aos seus clientes, que, devidamente travados tanto na cotação do café como no risco cambial, não apenas ficaram sem o produto, como também, foram ainda demandados pelas corretoras a aportar margem aos contratos não quitados.

As altas cotações também criaram outro comportamento oportunístico. Contratos de compras futuras realizadas por exportadores são quitados com produto de bebida inferior e/ou maior número de defeitos, comparativamente ao previamente estabelecido (adquiriu Fine Cups ou Good Cups e recebeu Rio Minas ou, ainda, contratou com 10% de cata e recebeu produto com o dobro disso). Tal comportamento implica a necessidade de aquisição no mercado spot (que está invertido), exigindo do exportador um desencaixe adicional de recursos para cumprir com seus embarques.

Sim, houve má gestão de poucas empresas exportadoras na condução de seus negócios (construção de pirâmides), mas a maior parte delas encontra-se sob fluxo tenso, ou seja, entre a necessidade de cumprir as entregas internacionais e a insegurança quanto ao recebimento do produto, nos preços e qualidades ajustados entre as partes. Situação agravada pelo encolhimento da oferta de crédito por parte do sistema financeiro, destinado às empresas exportadoras, devido aos riscos atualmente por elas carregados.

O desmonte da arquitetura financeira de gestão do risco da comercialização do café trará desafios econômicos para os cafeicultores. A perda de liquidez por aversão dos investidores a esse mercado torna mais instáveis as cotações (aumento da volatilidade) e os fenômenos incompreensíveis, como preço do físico acima das cotações futuras (inversão mencionada). Sem essa estrutura financeira operando, reduzem-se os horizontes econômicos para o planejamento da atividade.

Bons preços favorecem a expansão da cafeicultura do mundo todo. No Brasil, viveiristas contabilizam como principal destino das mudas os novos plantios frente a talhões em processo de renovação. Ademais, os bons resultados econômicos obtidos permitiram a expansão das tecnologias aportadas às lavouras, como irrigação, nutrição e sanidade de alta eficiência agronômica e podas de condução – que, em conjunto ou isoladamente, prepararão a cultura para incrementar a oferta de curto prazo do produto. Ou seja, o contexto atual prepara o seu oposto, representado pelo inevitável ciclo de baixa.

Tanto o governo capixaba como o rondoniense aceleram seus programas de expansão do plantio de canéfora (conilon e robusta). Em São Paulo, há imenso esforço público, que se soma ao privado, pela expansão da oferta local de robusta. Há estimativas consistentes de que, na próxima década, o Brasil passe a deter também o título de maior produtor de canéfora do mundo, ultrapassando as 30 milhões de sacas vietnamitas.

Ainda que a procura pela bebida seja incrementada por taxas superiores e possibilidades e capacidades de ampliação da oferta (considerando que os distúrbios climáticos já estejam afetando a potencialidade das lavouras), tal ritmo de expansão do cultivo empurrará as cotações para baixo – ainda mais, com a força adicional do segmento canéfora.

Uma marca consolidada dos mercados de commodities está em seu regime cíclico de preços. Sendo uma cultura perene, a lavoura cafeeira exige entre três e quatro anos para que se obtenham colheitas significativas e, considerando o prazo de produção tanto da obtenção das sementes como da formação das mudas, esse ciclo ainda pode contabilizar ondas de cinco a sete anos entre os picos de preços e seu acentuado declínio.

Tanto exportadores como cafeicultores terão que reposicionar suas estratégias e seu planejamento comercial. No primeiro caso, buscar por mecanismos de garantia de suprimento futuro por meio de contratos e por outros mecanismos de aproximação com os cafeicultores. Para o segundo grupo, somente melhorar a qualidade e a produtividade das lavouras para incrementar a competitividade do produto. Felizmente, a cafeicultura brasileira tem sido capaz de dar mostras de que, com tecnologias agronômicas e aplicação de protocolos de sustentabilidade, alcançará patamares produtivos ainda mais robustos.

Como limitação dessa análise, deve-se alertar que a construção de cenários plausíveis a partir das tendências pregressas ficou seriamente comprometida após o surgimento da pandemia de covid-19. Muitos indicadores perderam aderência ao funcionamento real das estruturas socioeconômicas, dificultando muito as possibilidades de projetar o futuro desse ou de qualquer outro mercado.

TEXTO Celso Luis Rodrigues Vegro é engenheiro agrônomo, mestre e pesquisador científico do IEA (Instituto de Economia Agrícola), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

O rei está nu

Por Celso Vegro

Em 1957, os economistas J. H. Davis e R. Goldberg, ao reconhecerem a estrita interdependência dos segmentos mobilizados para atender os sistemas de produção na agropecuária, cunharam o conceito de agribusiness, dividindo-o em quatro agregados (insumos, produção agropecuária, processamento e distribuição).

O conceito ganhou força no Brasil a partir da liderança do engenheiro agrônomo Ney Bittencourt, então diretor-presidente da Agoceres (sementes, nutrição animal e genética), ao criar a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Com a ampla adoção desse conceito, superou-se a repartição econômica clássica entre setores primário, secundário e terciário. Consolida-se, então, a percepção de que os sistemas de produção de alimentos, bebidas, fibras e energia compõem a matriz econômica brasileira enquanto um sistema produtivo integrado (contratualmente ou não), criando-se a partir dessa perspectiva novas estimativas sobre sua participação na criação de riquezas no país.

Fluxograma da cadeia produtiva do café. Fonte: SESSO, et al (2021)1.

Os quatro componentes que formam esse agronegócio comportam distintos atores econômicos com interesses que lhes são próprios, inclusive mutuamente contraditórios. Os segmentos a montante compostos por produtores de sementes/mudas, fabricantes de fertilizantes, combustíveis, defensivos, montadoras de máquinas e equipamentos e serviços financeiros possuem estrutura de mercado em que prevalece a concentração e a centralização do capital (oligopolização), ou seja, capacidade potencial de formar seus preços, ainda que possam, em períodos ocasionais, atuar competitivamente.

Adentrando a porteira, encontramos os responsáveis pela oferta física do produto: os cafeicultores. Trata-se do grupo mais numeroso de agentes econômicos dessa cadeia, contabilizando centenas de milhares de estabelecimentos rurais dedicados à lavoura. A conversão de todos os insumos mencionados em café – após o pagamento dos salários dos trabalhadores envolvidos na atividade e a amortização do crédito concedido – aporta à matriz econômica brasileira incremento líquido na renda nacional de, aproximadamente, R$ 15 bilhões (50% do total apurado pelo segmento)2.

A torrefação, a moagem e a solubilização, a exportação e a distribuição/consumo encerram o fluxo do produto dessa cadeia produtiva. Grandes agentes econômicos atuam neste capítulo, tendo destaque as cooperativas de produção de café, que oferecem equalização das margens praticadas pelo mercado e, ainda, garantem a adoção de padrões de sustentabilidade, qualidade e governança para todo o segmento.

Esse panorama demonstra a relevância do agronegócio café na composição do PIB brasileiro (aproximadamente 0,34% do PIB). Sua importância está em franca evolução diante do avanço da produção de conilon e robustas, encaminhando o Brasil, em futuro próximo, para o posto de maior produtor mundial também desta espécie.

Em agosto de 2025 foi empregada tarifa de 50% sobre as importações de café do Brasil para o mercado estadunidense, criando verdadeiro embargo às exportações para aquele país3. Em ato contínuo, a National Coffee Association (NCA)4, visando reverter a decisão governamental dos Estados Unidos em taxar o café brasileiro, divulgou estudo contabilizando que o mercado doméstico de café no país gira, anualmente, US$ 350 bilhões! Mais especificamente, para cada dólar de importação de café, ocorre efeito multiplicador na economia do país que alcança US$ 435.

Embora a metodologia de matriz insumo-produto empregada para o caso brasileiro e aquela utilizada pela NCA para a apuração do tamanho do mercado de café estadunidense não sejam comparáveis, a dimensão dos valores contabilizados em ambos os casos é chocante. A entidade norte-americana mensurou que o segmento contribui em 1,2% do PIB do país.

Por sua vez, representantes do segmento do café brasileiro, incumbidos de sensibilizar a autoridade comercial estadunidense no sentido de rever a taxa aplicada ao nosso café, sentiram-se prestigiados em seu esforço pela abertura de canais de negociação a partir da divulgação do estudo da NCA, e nele ancoraram suas expectativas de desfecho favorável ao segmento. Ainda que louvável, esse posicionamento deveria instar uma profunda indignação com essa desproporcionalidade que pauta a relação comercial entre os agentes econômicos das contrapartes do hemisfério americano6.

O café, que recebeu valor de US$ 1 (ou R$ 5,33, ao câmbio de 3/10/2025) após todo o trâmite – logístico, de recolhimento de impostos e de retenção de margem do exportador (ou seja, posto FOB porto) –, salta para US$ 43 (ou R$ 229,20) em seus múltiplos desdobramentos no mercado estadunidense.

Essa repartição absolutamente espúria do valor adicionado nessa cadeia precisa ser restabelecida em patamares menos escorchantes aos países produtores. Nesse contexto, é legítimo perguntar: qual a possibilidade de alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) 1 e 2 (respectivamente, erradicação da pobreza e fome zero) entre os 17 estabelecidos pela Agenda 2030 das Nações Unidas?

Recentemente (24/09/2025), um evento promovido pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF), com apoio do Fórum Mundial de Produtores de Café (FMPC) e pautado pelo desenho de estratégias visando a prosperidade dos cafeicultores e o alcance das ODSs, ofereceu palestra do renomado Nobel de Economia Jeffrey Sachs,7 da Columbia University. Sua preleção centrou-se na argumentação de que, ainda que o café seja uma commodity vital para o mundo, muitas comunidades ainda padecem tanto por situação de pobreza multidimensional (econômica, de serviços sociais, discriminação de gênero etc.) quanto de ações/ferramentas para o uso sustentável da terra, uso este capaz de mitigar as mudanças climáticas/aquecimento global e promover a redução das desigualdades.

Não se trata, aqui, de divergir de tão eminente autoridade acadêmica, porém, é preciso despir-se da desfaçatez para uma correta interpretação da realidade e trilhar caminho civilizatório comum. Caso fosse obtida uma melhor partição do valor nessa cadeia – por exemplo, passando de US$ 1:US$ 43 para US$ 1,50:US$ 42,50, o impacto na redução da pobreza e a geração de prosperidade/sustentabilidade nos cinturões cafeeiros do mundo seria muitas vezes superior aos US$ 10 bilhões pleiteados pelo laureado Nobel para consolidar uma cafeicultura mais sustentável e mais próspera.

Essa concentração da riqueza na terça parte da cadeia produtiva demonstrada pela NCA não deve divergir em nada daquela capturada por outros mercados, como Canadá, Japão, Coreia do Sul e União Europeia. O desenvolvimento dos países produtores de café não será alcançado sem que as commodities produzidas (o café entre outras tantas) obtenham patamares menos injustos de remuneração. Todavia, ao não se vislumbrar esse cenário a longo prazo (pelos próximos cinco anos), resta concordar com os economistas latino-americanos, que, na década de 1950, formularam a teoria da dependência, em que o rompimento da relação desigual entre o Norte e o Sul só se daria por meio da industrialização acelerada.

Aderente a esse contexto está a fábula do rei nu. A produção do relatório da NCA trouxe um fato que nossos próceres da inteligência do agronegócio café evitavam, a todo custo, iluminar. Tomados pela vaidade por serem nascidos em berço esplêndido, são, de fato, cúmplices dessa construção de um mercado desigual, em que os perdedores são invariavelmente os cafeicultores e os países que buscam, na cafeicultura, trilhar seu caminho de desenvolvimento.


1 Sesso, P.P., Sesso Filho, U. & Pereira, L.F.P. “Dimensionamento do agronegócio do café no Brasil”. Cadernos de Ciência & Tecnologia. Embrapa, 38, 2, e26901, 2021.
2 Idem.
3 Ver a esse respeito:  https://www.cafepoint.com.br/colunas/cenas-e-fatos-do-agro/resposta-ao-embargo-239026/
4 A National Coffee Association (NCA), fundada em 1911, é a maior e mais antiga organização comercial dos Estados Unidos, representando empresas de café de todos os tipos e tamanhos, incluindo produtores, torrefadores, marcas e outras empresas responsáveis por 90% do comércio de café nos EUA. Adultos americanos bebem café diariamente mais do que qualquer outra bebida (além de água engarrafada), e o café sustenta 2,2 milhões de empregos no país – operando em todos os estados e territórios e contribuindo com quase US$ 350 bilhões para a economia americana todos os anos. Fonte: https://www.ncausa.org/Newsroom/Grounds-for-celebration-Americans-remain-committed-to-coffee  Acesso em 3/10/2025.
5 Traço marcante da construção social brasileira consiste na cultura da subserviência ou, como melhor formulou Nelson Rodrigues, a famosa “síndrome de vira-latas”. Tal mentalidade não se desvincula nem de nossos melhores quadros técnicos e empresariais no trato com os congêneres do norte desenvolvido.
6 Disponível em: https://www.usatoday.com/story/money/2025/04/10/coffee-tariffs-expensive/83029424007/  e https://www.caf.com/pt/presente/eventos/online-prosperidade-para-os-produtores-de-cafe-por-meio-de-planos-nacionais-para-a-sustentabilidade-do-cafe-com-base-nos-ods/ Acesso em 3/10/2025.
7 O economista liderou, em 2019, estudo sobre a problemática da economia cafeeira mundial em que, dentre diversas ações, propunha a criação de um Fundo Mundial do Café com US$ 10 bilhões em depósitos para implementação de um Plano Nacional de Sustentabilidade do Café. Ver: https://scholarship.law.columbia.edu/sustainable_investment_staffpubs/53. Acesso em 3/10/2025.

TEXTO Celso Luis Rodrigues Vegro é engenheiro agrônomo, mestre e pesquisador científico do IEA (Instituto de Economia Agrícola), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

Marketing pro bono

Por Celso Vegro

Para qualquer agente econômico envolvido no agronegócio café, ao ponderar sobre possíveis estratégias de marketing, a imagem que chega imediatamente à mente é a do mítico personagem Juan Valdez, o exemplo de maior êxito global em favor da excelência do café colombiano. Criado no final dos anos 1950, a imagem do cafeicultor com sua mula (ou burro) tornou-se emblemática para todos os apreciadores da bebida ao redor do mundo. Ademais, por envolver também os demais agentes da cadeia produtiva, consolidou uma identidade do segmento cafeeiro colombiano em seu conjunto.

A estratégia de divulgação da excelência do café colombiano por meio desse personagem tem sido um exemplo estudado pelas agências de marketing e pelos cursos de formação de novos publicitários. Evidentemente, esse êxito somente foi obtido por meio de grande investimento financeiro por parte da Federação Nacional de Cafeicultores de Colômbia (FNC). Desde 2002, o empreendimento é conduzido pela Promotora de Café Colômbia S.A. (Procafecol S.A.), empresa controladora da marca e das franquias e da distribuição varejista de cafés com a marca Juan Valdez.

Segundo o informe de gestão1 publicado pela controladora, existem aproximadamente 103 mil estabelecimentos que oferecem café colombiano em 38 países. Destes, 584 são cafeterias (216 delas em outros países), com equipe composta por 2.762 colaboradores. Em 2023, o faturamento bruto da empresa foi de R$ 286,08 milhões2, representando avanço de 23,5% frente ao ano anterior. Apesar desse expressivo resultado, houve prejuízo operacional de R$13,09 milhões3! De qualquer modo, sem dúvida, ele continua sendo um tremendo exemplo para o caso brasileiro que, ainda, engatinha quando o assunto é o “marketing dos Cafés do Brasil”.

O resultado não poderia ser diferente. Diante dos mais de 60 anos de emprego da marca Juan Valdez na comercialização do café colombiano no mundo, o Brasil constatou que seu reconhecido papel em suprir com o produto a demanda global foi, paulatinamente, substituído em favor de um de seus principais concorrentes.

Todavia, alcançamos o segundo semestre de 2025 com anúncio que sobressaltou o agronegócio Cafés do Brasil. Unilateralmente, o governo estadunidense adicionou ao café brasileiro 40% de tarifa adicional, que se somaram aos 10% anteriormente estipulados. Sendo o Brasil o principal fornecedor de café naquele mercado, tal medida promove uma desorganização dos negócios.

De imediato, os apreciadores locais, ao recorrerem a novas aquisições de café, perceberam elevação dos preços de varejo do produto. Deve-se considerar que processos inflacionários não consistem em aprendizado dos americanos e, por essa razão, há um choque maior quando se constatam variações substantiva de preços.

Apesar do impacto imediato sobre os embarques brasileiros destinados aos EUA (queda de 17,5% em agosto)4, houve crescimento nas vendas para a Colômbia5, entre outros destinos menos usuais para o café brasileiro. Esse movimento de incremento de embarques para destinos não tradicionais deverá se intensificar, sobretudo para o México e o Canadá. Também o Uruguai é forte candidato a aumentar as importações de café brasileiro.

Diante disso, a população estadunidense percebeu que o que garante seu hábito de consumo a preço justo é o café brasileiro, que, por razões de interesses políticos e não comerciais, foi prejudicado em sua competitividade pela imposição dos 50% de taxa aduaneira.

Ocorre então uma significativa redescoberta entre os consumidores daquele país: o café vem do Brasil!!! Sem qualquer investimento da parte de nossas lideranças, com ou sem a parceria com o governo (Funcafé), o agronegócio Cafés do Brasil foi contemplado no mercado estadunidense com um marketing pro bono6.

A evidência decantada de que aquela bebida que acompanha os apreciadores todos os dias tem origem brasileira traz ganhos para o agronegócio Cafés do Brasil. Estando o país em grande evidência, os consumidores enfrentam restrições ao acesso da bebida (por escassez de suprimento) devido a razões que não decorrem de fatores econômicos. Tal cenário coloca a população americana contra seu governo e, em contrapartida, reúne mais e mais simpatizantes para com a democracia brasileira e sua pujante produção de café.

O momento é propício para que nossas lideranças intensifiquem campanhas para estímulo à procura dos Cafés do Brasil. A onda é favorável, e com um tostão em recursos seria possível conseguir firmar a origem brasileira como central na manutenção desse hábito de consumo tão caro ao povo americano. Mangas arregaçadas e trabalhemos o marketing pro bono dos Cafés do Brasil!

1 Disponível em: https://juanvaldez.com/wp-content/uploads/2024/12/Procafecol_-_Informe_Integrado_2023.pdf   (Acesso em 10/09/2025).

2 Para conversão dos valores foi empregada a paridade cambial de 1.000 pesos colombianos = 1,39 reais brasileiros.

3 Em 2022, o resultado líquido operacional foi de R$19,50 milhões.

4 Ver:  https://www.moneytimes.com.br/volume-exportado-de-cafe-despenca-em-agosto-mas-receita-sobe-com-precos-altos-eua-perdem-lideranca-fets/ (Acesso em 10/09/2025)

5 Disponível em: https://agfeed.com.br/economia/por-que-a-colombia-comprou-quase-6-vezes-mais-cafe-do-brasil/ (Acesso em 10/09/2025)

6 A expressão vem do latim pro bono publico, que significa “para o bem público”.

TEXTO Celso Luis Rodrigues Vegro é engenheiro agrônomo, mestre e pesquisador científico do IEA (Instituto de Economia Agrícola), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

Washington reedita Acordo de Taubaté

Por Celso Vegro

Em 1905, o então quinto presidente da República Federativa do Brasil, advogado e juiz de direito Francisco de Paula Rodrigues Alves (que já havia sido governador da Província de São Paulo), assinou uma emenda à lei do orçamento federal autorizando o ente federativo a entrar em acordo com os estados em que a produção cafeeira era a principal atividade econômica para regular o mercado de café (aval federal aos empréstimos concedidos aos estados) e promover o aumento do consumo da bebida.

A contrapartida dos estados consistia em oferecer depósitos em ouro suficientes para garantir o montante principal acrescido de juros incidentes aos empréstimos concedidos. Naquela altura, o Brasil exportava 16 milhões de sacas, possuindo quase o dobro em estoques. O cenário era de forte baixa nas cotações, com cafeicultores à beira da ruína financeira devido ao endividamento com as casas de corretagem.

Em fevereiro de 1906, reuniram-se em Taubaté os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro para referendar o Convênio de Taubaté: valorizar o produto por meio da administração de seu comércio. Recorrendo a empréstimos internacionais, seriam adquiridos os excedentes para restringir a oferta (£15 milhões) de café, pressionando as cotações do produto. Concomitantemente, houve a imputação de impostos mais altos aos que fossem implantar novas lavouras e, ainda, a regulação da paridade cambial, que permitisse uma conversão (desvalorização) abaixo da vigente no mercado livre e a cobrança de imposto de exportação.

Por meio dessa arquitetura politicamente costurada entre as diferentes autoridades e banqueiros, promoveu-se o primeiro esforço de valorização do café no Brasil. Inicialmente, apenas São Paulo se empenhou no esforço de valorização do café. Minas Gerais, Rio de Janeiro e o governo federal somente se associaram ao programa dois anos mais tarde, devido às incertezas sobre as reais possibilidades de sucesso do programa. Aqui evidencia-se a sinalização do que viria a ser o futuro do processo de desenvolvimento econômico brasileiro, em que o interesse privado, na defesa de suas vantagens individuais, se sobrepõe à preocupação republicana.

O esquema começou a funcionar em 1909, com real avanço dos preços para o café, que perduraram por três safras. Em 1913, o endividamento foi quitado, encerrando-se o programa de valorização. Avaliou-se que, durante sua vigência, houve um surto de crescimento econômico no país (construção de ferrovias, infraestrutura nas cidades e industrialização paulista) – portanto, a pujança econômica foi, em alguma medida, decorrente daquele convênio de 1906.

Encerrada essa longa digressão histórica, saltemos 119 anos para o momento atual. O tarifaço de agosto de 2025, incidente sobre as exportações de café para o mercado estadunidense, se traduz como um completo embargo aos embarques brasileiros destinados àquele mercado. Ao mesmo tempo em que é completamente sem sentido econômico, já que os EUA produzem apenas 1% de todo o café de que necessitam para o suprimento de seu mercado consumidor. Considerando a típica inelasticidade da demanda pelo produto, os apreciadores da bebida serão aqueles que arcarão com os custos dessa política.

Assim como no passado, o convênio na origem foi o determinante na valorização das cotações do café. Atualmente, o fechamento, embora parcial (já que o suprimento poderá advir de outras origens), do maior mercado mundial para a bebida, tende a pressionar os preços, pois consiste em outra intervenção que desestabiliza a lei da oferta e da procura no momento em que os estoques se encontram apertados, o consumo mundial cresce ao menos 2% ao ano e as safras andam de lado – inclusive a de arábica brasileira.

Evidentemente que os mercados são muito mais interconectados que no passado e, além disso, há ao menos uma dezena de outros países significativos na produção cafeeira destinada ao suprimento global. Assim, possivelmente, o ciclo de preços altos, sob vigência do despautério estadunidense, deverá ser menos prolongado, ainda que amparado por um dólar mais fraco. Todavia, sob a vigência das mudanças climáticas, esperar que a oferta de países concorrentes do Brasil se expanda consiste em uma aposta, além de improvável, demasiadamente arriscada.

A reconfiguração do comércio internacional está em curso – uma verdadeira dança das cadeiras. Canadá, México e Uruguai possivelmente ampliarão suas aquisições de café brasileiro, que terão por destino final o mercado estadunidense (a chamada triangulação). O movimento de sacoleiros nas fronteiras dos EUA repetirá o que acontece na fronteira do Brasil com o Paraguai, tendo o café como principal item das compras para consumo próprio e revenda.  A economia subterrânea típica das repúblicas das bananas irá a todo vapor, pois o lucro está garantido.

Nenhum dos objetivos programáticos pretendidos pela autoridade estadunidense serão obtidos por meio da guerra tarifária desencadeada. O déficit comercial não será mitigado (muitos componentes de mercadorias destinadas à exportação são importados – drawback); a reindustrialização do país, na melhor das hipóteses, produzirá ineficiências maiores que as potenciais vantagens em tarifar itens importados, e diminuir o déficit fiscal até pode ocorrer no curto prazo, mas a elevação dos preços e, em consequência, o recrudescimento da inflação, pressionará a demanda e a arrecadação tributária associada à desvalorização do dólar frente às demais moedas. Conceitualmente, se trata da temida estagflação.

As perdas para a economia estadunidense, decorrentes da dificuldade em substituir o café brasileiro, irão se fazer sentir. Os importadores, industriais da torrefação e solubilização, os varejistas e os negócios que têm por base a venda da bebida (cafeterias, bares e lanchonetes, hotéis, restaurantes) já ameaçam com demissões e encerramento de atividades. Esses são os atores econômicos aliados do agronegócio dos Cafés do Brasil capazes de reverter a sinuca em que o destrambelhado governo os colocou. Por enquanto, é necessário aguardar e aproveitar a maré de bons preços que o mercado poderá oferecer.

TEXTO Celso Luis Rodrigues Vegro é engenheiro agrônomo, mestre e pesquisador científico do IEA (Instituto de Economia Agrícola), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

Resposta ao embargo

Por Celso Vegro

Ao contrário do que ocorre com o resto do mundo, os EUA têm longo histórico de obtenção de saldo comercial positivo frente às transações que faz com o Brasil, denotando ainda mais a deformidade que a imposição tarifária contra o país embute. Aparentemente, a possibilidade da instituição do “brix pay” constitui o verdadeiro foco da arbitrariedade contra o Brasil.

Diante da perspectiva de irredutibilidade quanto à revogação e/ou adiamento do pico tarifário instituído pelo mandatário estadunidense sobre uma nação soberana, o agronegócio café brasileiro como um todo deve considerar que o que se impôs foi, verdadeiramente, uma espécie de embargo às exportações brasileiras de café (verde, solúvel e torrado e moído).

Os reflexos sobre a economia cafeeira no Brasil serão relevantes na medida em que os EUA respondem por compras de, aproximadamente, 8 milhões de sacas (considerando em equivalente verde). No primeiro semestre de 2025, o país exportou para os EUA 3,32 milhões de sacas de café, representando declínio de 16,89% frente a igual período de 2024. Ainda assim, o mercado estadunidense respondeu por 17,1% do total das exportações contabilizadas na mesma época. Em contrapartida, as exportações de café brasileiro para todos os destinos somaram 19,41 milhões de sacas, representando receita cambial de US$ 7,52 bilhões (Fonte: Cecafé).

Segmentos econômicos estadunidenses ajuízam ações contra a escalada tarifária às mercadorias brasileiras destinadas ao seu mercado. Os importadores/distribuidores de suco de laranja, por exemplo, já o fizeram. No segmento de café, que responde por cerca de um terço das importações estadunidenses, eles alertam sobre o impacto da medida: aproximadamente 1,2% do PIB nacional, mais de US$ 343 bilhões em negócios ao ano, ocupando 2,2 milhões de trabalhadores. Trata-se, portanto, de dinâmica econômica ímpar que provavelmente se associará ao grupo do suco de laranja no ajuizamento de uma segunda ação contestatória. 

A afronta ao Brasil exige, primeiramente, uma ampla negociação, ao que a diplomacia brasileira, conduzida pelo vice-presidente, está firmemente liderando. Aparentemente, restando poucos dias para o início de vigência do pico tarifário, nenhum avanço foi alcançado junto às autoridades comerciais estadunidenses (revogação e/ou adiamento). Caminhamos para um real embargo das exportações de café brasileiras para esse mercado.

Diante deste cenário, quais as possíveis ações defensivas que o agronegócio café poderia adotar? A mais direta seria, paulatinamente, se desfazer dos contratos futuros em Nova York para privilegiar a B3. O cerceamento do acesso ao mercado estadunidense sinaliza que os negócios (apenas contratos e/ou físico) que o agronegócio Cafés do Brasil movimenta naquela praça são desejáveis. O momento é perfeito para que essa iniciativa ganhe musculatura, convidando, inclusive, outros países produtores (Vietnã e Colômbia) a se associarem a esse movimento.

A bolsa brasileira teve seu início há mais de trinta anos com o contrato futuro do café que, até meados dos anos 2000, vinha numa melhora de desempenho crescente. Questões tributárias (IOF) e a necessidade do contrato casado (futuro de café e cambial) levaram a uma preferência pela praça nova-iorquina. Todavia, dispondo das atuais sofisticadas ferramentas financeiras, tais obstáculos são perfeitamente contornáveis. O governo federal já anunciou a possibilidade de oferecer crédito a cafeicultores, cooperativas, traders e exportadores afetados pelo tarifaço – mas esses créditos podem ser convertidos em isenção do IOF nas operações de contrato futuro e subvenção no prêmio para os contratos de opções privadas.

O risco de as cotações despencarem diante do empoçamento dos cafés que seriam exportados para os EUA – e, ainda, devido à dificuldade momentânea de reordenamento dos destinos – poderia ser minimizado por AGF ou subvenção ao Pepro (Prêmio Equalizador Pago ao Produtor ou à Cooperativa,  mecanismo de apoio à comercialização agrícola criado pelo governo federal), desde que os preços mínimos reflitam a realidade do mercado. Café é produto não perecível e, portanto, armazenável. Numa eventual aquisição do governo federal (via AGF ou Pepro), dado o atual contexto de baixos estoques e demanda crescente pelo produto, existe inclusive a possibilidade de entesouramento público por meio dessa operação (leilão da Conab). (Como sugestão, caberia ao conselho gestor do Funcafé desenhar política para o enfrentamento das questões mencionadas).

Quando a força do poder prevalece sobre a vontade de dialogar, se estabelece o dissenso, ou seja, a imposição do medo como método de sujeição. A política comercial – longamente construída, inclusive, com empenho dos EUA – foi instrumentalizada para fins espúrios e se esfacelou. Sob suas ruínas, erode-se a confiança no mercado estadunidense, alicerce básico para a troca justa entre as nações. O afastamento do mundo desse mercado será o resultado mais concreto dessa guerra comercial estabelecida. 

TEXTO Celso Luis Rodrigues Vegro é engenheiro agrônomo, mestre e pesquisador científico do IEA (Instituto de Economia Agrícola), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo

Energizando o mercado de café

Por Celso Vegro

A cafeína é um alcalóide presente em várias plantas, sendo o guaraná a espécie com a maior concentração conhecida dessa substância no reino vegetal. O café, particularmente o da espécie canéfora, possui uma concentração significativa de cafeína, sendo essa a principal origem comercial do alcaloide.

São largamente conhecidos os efeitos estimulantes da cafeína, por sua capacidade tanto de manter o estado de alerta como de reduzir a fadiga. Sua ação se dá a partir do bloqueio de neurotransmissores responsáveis pela sensação de sono. Recentemente, a cafeína passou a ser sistematicamente empregada também na melhora do desempenho físico humano em atividades aeróbicas.

Há décadas a cafeína compõe medicamentos destinados a mitigar cefaleia (ou enxaqueca), resfriados e alergias, e também moderadores de apetite. O pó branco de gosto muito amargo tem capacidade vasoconstritora, sendo eficaz no tratamento não curativo dessas enfermidades. A indústria farmacêutica, reconhecendo a existência de uma epidemia de enxaqueca no mundo moderno, desenvolveu várias linhas de medicamentos contendo cafeína.  

 O café insere-se no mercado de bebidas (soft drinks) e, historicamente, é a fonte primordial de consumo de cafeína. Bebidas gaseificadas passaram a incorporar o composto em suas formulações, tornando-se, em poucas décadas, recordistas em vendas no mercado de bebidas por todos os continentes.

Os conglomerados de produção e distribuição de bebidas buscam, continuamente, espaços para a acumulação capitalista. Assim, novos mercados são desenvolvidos, sendo, atualmente, o mercado de bebidas energéticas (saborizadas ou não) um dos de maior êxito. Em média, cada 100 ml desse tipo de bebida contém 30 miligramas do alcaloide.

No Brasil, acompanhamos uma verdadeira explosão no consumo de energéticos. Em 2020, estimou-se uma demanda de 151 milhões de litros. Diante da contínua expansão do espaço em gôndolas de supermercados para a exposição das bebidas energéticas, não escorrega para o exagero considerar que a demanda anual por essas bebidas já esteja em torno dos 200 milhões de litros.

As indústrias de bebidas energéticas, com raras exceções, empregam cafeína sintética em seus produtos. Essa molécula produz os mesmos efeitos no organismo humano que a obtida das plantas, mas age de forma mais imediata. Já a versão natural tem efeitos mais duradouros e carrega flavonoides com ação antioxidante.

A concentração de cafeína no café canéfora (robusta e conilon) oscila entre 2,2% e 2,7%. Para efeito da produção de estimativas, adotou-se o ponto intermediário de 2,5% como média de concentração do alcaloide. Assim, a obtenção de 1 kg de cafeína demanda, aproximadamente, 40 kg de café verde. Seguindo o mesmo raciocínio, 1 litro de energético demandará 300 mg de cafeína. Para atender a demanda por cafeína dos 200 milhões de litros referidos acima, cerca de 40 mil sacas de café teriam que ser processadas anualmente para a extração do alcaloide.

Diante do porte atual desse mercado, associado a um eventual empoçamento de café que seria embarcado para os EUA em razão do choque tarifário decretado pelo mandatário daquele país, uma regulamentação determinando que as indústrias de bebidas energéticas substituam o emprego da cafeína sintética pela derivada do café (ou do guaraná) seria uma possível alternativa paliativa até o redirecionamento do café que teria por destino os EUA.

A adoção da cafeína natural encontraria grande aceitação por parte dos consumidores norte-americanos. Um dos redutos de consumo dos energéticos são os frequentadores de academias, que têm na cultura da vida saudável e sem alimentos ultraprocessados e sintéticos um de seus pilares.

TEXTO Celso Luis Rodrigues Vegro é engenheiro agrônomo, mestre e pesquisador científico do IEA (Instituto de Economia Agrícola), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

Uma bebida resiliente

Por Celso Vegro

No Brasil, o varejo de alimentos é representado por vários perfis de estabelecimentos, sendo os mais emblemáticos os super e hipermercados. Porém, outros tipos também coexistem com essas instalações como: lojas de vizinhança e de conveniência, atacarejo, mercearias e hortifrutis, varejo digital e lojas autônomas em condomínios. Aproximadamente, 424 mil dessas lojas encontram-se distribuídas pelo território brasileiro. Em 2024, o faturamento, considerando as vendas no varejo alimentar para as famílias brasileiras, alcançou R$ 1.067 trilhão, representando evolução de 6,5% em relação ao ano anterior.1

O desempenho das vendas de varejo alimentar, contabilizado em 2024, compôs 9,12% do PIB do país, sendo que os trinta maiores estabelecimentos em faturamento responderam por 77% das vendas totais. Os cinco primeiros perfizeram 26,14% desse total, denotando que o segmento possui baixa concentração econômica, mantendo, portanto, estrutura competitiva.

Dentre os 240 mil SKU’s (Stock Keeping Unit, ou seja, o “CPF” de cada item distribuído pelos supermercados), a participação relativa do café alcançou 2,70% do total das vendas, considerando todos os tipos (torrado e moído, torrado em grãos e solúvel). Em 2024, esse percentual na composição do faturamento do segmento supermercadista brasileiro, de R$10,67 bilhões, representou crescimento de 35,50% no faturamento em relação ao ano anterior.

Há que se reconhecer que esse resultado é, em parte, caudatário de ação realizada, em 2003, quando, então, o Grupo Pão de Açúcar elaborou um protocolo de cooperação com seus fornecedores, abarcando as indústrias responsáveis pela torrefação e moagem do café2 por meio da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Como vetor norteador, o protocolo visava aprimorar a relação comercial, lastreada por princípios de qualidade e de sustentabilidade. 

Assim, foi acordado junto aos fornecedores: a) promover a qualidade e segurança dos produtos oferecidos; b) adoção de práticas sustentáveis ao longo da cadeia de produção e distribuição; c) desenvolvimento da cadeia de suprimentos através do apoio na busca por melhorias contínuas e ampliação do acesso aos mercados e tecnologias; d) promover a ética, a transparência e a responsabilidade social em todas as transações comerciais

Para o caso do café, as mudanças foram muito significativas. Em primeiro lugar, saiu a questão do preço para assumir a qualidade com cuidadosa valorização da categoria. Houve um reposicionamento do produto nas gôndolas, trazendo mais ousadia na exibição das marcas de café, associada a momentos de degustação e de palestras para os clientes apreciadores da bebida. Portanto, tratou-se de um conjunto de ações assertivas que estimularam vendas por meio da educação dos consumidores.

Desde o lançamento desse protocolo do varejo, outras inovações foram cruciais para o incremento da demanda pelo produto. A popularização das máquinas de preparação de cápsulas de café foi, talvez, a mais icônica. Esse formato elevou a um outro patamar a comodidade e praticidade da apreciação da bebida, especialmente entre famílias mononucleadas.

Após esse longo parênteses, voltemos à discussão sobre a explosiva elevação dos preços do café no varejo. Segundo dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA), para a cidade de São Paulo, entre março de 24 a março de 2025, o café torrado e moído exibiu incremento de 85,78%, saltando de R$ 18,17 (pacote de 500g) para R$ 33,75 (pacote de 500g)3. Essa alta nos preços foi a maior registrada no período para o conjunto de 101 itens pesquisados pelo IEA.

Em contrapartida, segundo a mesma fonte, o café solúvel teve uma elevação menos expressiva, contabilizando 44,06%. Frente aos preços do torrado e moído, a alternativa mais factível de substituição do produto tem sido o solúvel. Com menos perdas e muito adequado quando misturado ao leite, o solúvel tem exibido demanda alavancada, conforme noticiou a Associação da Indústria Brasileira de Café Solúvel4 (Abics).

O café é uma bebida, reconhecidamente, de demanda inelástica, ou seja, variações de preços não são acompanhadas na mesma proporção por variações na procura. Segundo os dados apresentados pela Abras, a comercialização do café no primeiro trimestre de 2025, apesar do expressivo aumento nos preços do produto, cresceu 5,1% em volume e 3,6% em quilos. Até 13 de abril, o faturamento do café nos supermercados já alcançava R$ 4,73 bilhões.

Pelo registro das vendas nos check outs dos supermercadistas, os cinco maiores torrefadores em termos de vendas de café em pó foram Melitta, seguida por Pilão/JDE, Três Corações, Santa Clara e Maratá. Juntos, esses torrefadores compuseram 55,6% das vendas totais.

A expansão das vendas de café nos supermercados relaciona-se mais diretamente  ao consumo que ocorre no lar. Já o consumo de café fora do lar (cafeterias, quiosques, lanchonetes, bares, restaurantes, hotéis, consultórios etc.) pode ter caído em decorrência da menor oferta por parte desses estabelecimentos, devido ao incremento dos preços do produto. 

Como perspectivas para a evolução do consumo de café, duas medidas em análise no Congresso Nacional poderão impulsionar a demanda pela bebida. A primeira refere-se à configuração da cesta básica nacional que, com isenção de tributos, poderá promover baixa de preços do produto. Na maior parte dos casos, o café é tributado em 7%, mas, em alguns estados, o ICMS alcança percentuais bem maiores, como 20,5% na Bahia ou 20,0% nos estados do Amazonas, de Roraima e da Paraíba. 

Uma das ações do governo federal, apoiada pela Abras, consiste na revisão para baixo das taxas administrativas das empresas de voucher de alimentação e a possibilidade de concessão do benefício por meio de pix no holerite dos beneficiários, entre outras ações que indicam o incremento de até R$ 10 bilhões ao ano nas contas dos trabalhadores. 

Diante de todo o contexto estatístico exposto, surpreende a capacidade do café em exibir tenaz inelasticidade. Preços nos atuais patamares, associados ao vigoroso crescimento da demanda, constituem parâmetro que vale para o Brasil, assim como para todos os demais países produtores e importadores da bebida.

1 Os dados contidos nesta coluna foram apresentados por João Galassi & Márcio Milan, presidente e vice-presidente de Relações Institucionais e Administrativo da Abas. Encafé 2025 – Campinas/SP. 24 a 26/04/2025.

2 Informação recolhida por meio de consulta de Inteligência Artificial após busca com a seguinte expressão: “protocolo de cooperação GPA 2003”.

3 Os preços médios no varejo da cidade de São Paulo são levantados todos os dias (segunda a sexta-feira), presencialmente, em 370 equipamentos varejistas divididos em: 169 supermercados; 69 feiras-livres; 40 açougues; 79 quitandas, sacolões, hortifrutis e 13 padarias.
Ver: https://iea.agricultura.sp.gov.br/out/varejo.php. Acesso em 06/04/2025.

4 Segundo a associação, no primeiro trimestre de 2025 frente ao mesmo período do ano anterior, houve elevação de 6,2% na demanda por solúvel. Disponível em: https://abics.com.br/continua-escalada-no-consumo-de-cafe-soluvel/

TEXTO Celso Luis Rodrigues Vegro - Eng. Agr., MS, Pesquisador Científico VI do IEA - celvegro@sp.gov.br • FOTO Agência Ophelia

A fatura do caos

“A inflação é o caos em sua forma mais eficiente e arrasadora”
Monica de Bolle

A Torre de Babel, na narrativa bíblica, trata do mito sobre a construção de uma torre que deveria alcançar o céu. Diante dessa arrogância humana, Deus, indignado, criou os diversos idiomas, impedindo-os de continuar a obra proposta, pois se tornaram incapazes de mutuamente se entender. O mito narra o surgimento do caos no seio da civilização, ou melhor, uma imagem de sua barbárie.

Parte dos cidadãos estadunidenses celebram os primeiros dez dias de novo presidente, e a outra parte começa a se posicionar contrariamente aos seus atos iniciais. Entretanto, dois tópicos despertam a atenção de toda a humanidade: a elevação dos impostos para os produtos importados pelos EUA e a radicalização da política imigratória com repatriações em massa.

Ambas as políticas terão impactos significativos no bem-estar dos estadunidenses. Sem a força de trabalho representada pelos imigrantes (documentados ou não), muitos ramos econômicos serão estressados. A agropecuária, os serviços em hotéis, bares e restaurantes, as obras de infraestrutura, a construção civil, entre outros, estão afetados pelo temor dos imigrantes trabalhadores de serem caçados, algemados e repatriados, em algumas situações, com requintes de crueldade e sevícia.

Paralelamente, a imposição de taxas para as mercadorias importadas pode desencadear uma guerra comercial planetária, com enorme potencial de reduzir a expansão econômica das nações, uma vez que o crescimento econômico e o avanço do comércio internacional possuem covariância positiva, ou seja, quando um cresce, o outro também e vice-versa.

A liderança econômica/militar global dos EUA vem, progressivamente, sendo corroída, gerando um sentimento de declínio enquanto potência mundial. Tal sentimento concede ensejo para o surgimento de políticos populistas, oferecendo soluções fáceis, porém erradas, para problemas complexos.

Conjugadas, ambas as políticas tendem a resultar em elevação dos preços, ou seja, mais inflação. O desdobramento de processos inflacionários corroem as capacidades de governabilidade das nações, ou seja, preparando um contexto para a produção do caos.

Quando surgem processos inflacionários generalizados, abrangendo todos os continentes (desdobramento da mútua imposição de tarifas alfandegárias), a riqueza representada pelas moedas é dilapidada, redirecionando o interesse em buscar proteção patrimonial nas mercadorias, especialmente, aquelas negociadas em Bolsa de Valores, como, por exemplo, o café.

Atualmente, o mercado mundial de café atravessa severa restrição de oferta. Decorrentes de problemas originados pelas mudanças climáticas, os principais países produtores exibiram substancial redução de oferta, o que levou a um paulatino consumo dos estoques remanescentes. Porém, para fazer frente a um incessante aumento da demanda, sendo o caso recente mais emblemático a procura por café pelos chineses, os estoques se exauriram e todo o mercado passou a atuar, no jargão comercial, da “mão para a boca”. 

Tal situação foi antecipada pelo mercado de cacau, outro produto tropical que, em menos de vinte e quatro meses, registrou elevação de cinco vezes em sua cotação média histórica. No mercado de café, esse mesmo cenário se repetiu com o registro de cotações em máximas históricas (similares às alcançadas quando da geada negra de 1975). Assim, se soma ao contexto de suprimento limitado e a demanda aquecida o fator econômico da pressão inflacionária.

A Bolsa de Nova York, no ano civil, movimenta em papeis dez safras mundiais de café. A busca por proteção patrimonial por meio da aquisição de contratos representados pelas mercadorias transacionadas será pressionada em detrimento da corroída moeda. A consequência imediata consiste na manutenção das cotações com possíveis novas altas, pressionada pelo crescente número de contratos de compra em aberto.

O ambiente de negócios sempre navegou em cenários de incerteza e de risco. A cafeicultura enfrentou o lockdown imposto pela pandemia; em seguida, houve as três ondas de massa polar com geadas generalizadas pelos cinturões cafeeiros; as altas temperaturas prejudicando o pegamento (ramos banguelas) e diminuindo o tamanho dos grãos e, na atual safra, a longa estiagem de 2024 que, em muitos casos, trouxe perdas de 30% a 40% na produção antes esperada.

Às incertezas e riscos intrínsecos de uma indústria a céu aberto se soma, neste momento, a incerteza de natureza política (uma verdadeira marcha da insensatez) e o medo (repatriação dos imigrantes). Formou-se o caos. A resposta imediata do FED estadunidense será subir juros para conter a inflação. Frente ao caos há somente uma solução, a fatura dos malfadados juros altos. Nisso, as autoridades monetárias brasileiras são useiras e vezeiras. Pois que venham os estadunidenses tomar cá algumas lições.

TEXTO Celso Luis Rodrigues Vegro - Eng. Agr., MS, Pesquisador Científico do IEA - celvegro@sp.gov.br 

Produção de vinho em áreas cafeeiras do Brasil

Inspirado pelo que está acontecendo em Espírito Santo do Pinhal, minha cidade natal, e também pelo livro “Coffee and Wine”, escrito pelo meu amigo Morten Scholer, propus uma reunião híbrida – presencial e online – com o tema Café e Vinho na Sociedade Rural Brasileira (SRB). Abri a reunião do Departamento do Café da SRB, que coordeno junto com o Marcelo Vieira, ex-presidente do conselho da SRB e fundador da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), citando o Morten e dizendo que apesar do café e do vinho serem produzidos na mesma região em alguns países, por exemplo, Brasil, Etiópia, Índia e China, como ele escreveu, e acrescentei o Quênia, o Brasil é o único país onde os dois são produzidos na mesma fazenda, próximos um do outro, e, acrescentei novamente, Pinhal tem sido uma das regiões pioneiras nisto.

O primeiro palestrante foi o enólogo chileno Cristian Sepúlveda, que trabalhou no nordeste do Brasil primeiro e depois com a pioneira vinícola Guaspari, em Pinhal, onde hoje é sócio da vinícola Terra Nossa. Ele explicou como o sistema inovador de dupla poda possibilita a colheita da uva nos meses secos do inverno ao invés dos meses chuvosos do verão, como se faz tradicionalmente no sul do Brasil. O resultado foi a produção de vinhos de alta qualidade, premiados no exterior, numa região que, destaca Cristian, vai da Serra da Mantiqueira, onde Pinhal está localizada e onde se produz café nas regiões Mogiana e Sul de Minas, até áreas tão diversas quanto o Espírito Santo e a Bahia, onde também se produz café.

O segundo palestrante foi Eduardo Sampaio, conhecido agrônomo de café que agora planta uvas para produzir vinho e lidera a Associação dos Vitivinicultores da Serra dos Encontros (AVVINE). Esta associação de produtores de vinho almeja criar uma Indicação Geográfica (IG) que cubra os municípios de Espírito Santo do Pinhal e Santo Antônio do Jardim, no estado de São Paulo, e Jacutinga e Albertina, no estado de Minas Gerais. Como Eduardo explicou, os “terroirs” em Pinhal e região favorecem a produção de cafés e vinhos de alta qualidade, o que qualifica a área para uma IG de vinho. A Região de Pinhal já é uma IG de café e está agora a caminho da Denominação de Origem (DO).

Fabiano Borré, o terceiro palestrante, nos levou à Chapada Diamantina na Bahia, onde é sócio na Fazenda Progresso, grande produtora de café e vizinha do Parque Nacional. Ele explicou como a experiência com cinco áreas de café especiais em altitudes e “terroirs” diferentes ajudou a selecionar o melhor local para plantar uvas e construir a vinícola UVVA, já concebida pensando no turismo que o vinho está atraindo e beneficia também o café. Fabiano salientou a importância de ter um parque de variedades numa região nova de vinhos pois eles constataram que a Syrah, a uva mais comum em projetos de dupla poda, não foi a melhor opção para eles.  

Antonio Sergio Nogueira, o quarto palestrante, é agrônomo com cursos de vinho na Associação Brasileira de Sommeliers (ABS) e presidente do conselho da empresa Amana, que reuniu um grupo de investidores não conectados com o agro para comprar uma fazenda de café e usá-la para a produção de vinho e enoturismo. Ele explicou como áreas de café em altitudes diferentes em Pinhal estão agora produzindo vários tipos de vinho com sua marca. Antonio acrescentou que a diversidade dos sócios, de empresas de áreas diferentes tanto em Pinhal como em outras cidades, contribuiu para conceber um projeto para produzir vinhos de alta qualidade e receber turistas de alto poder aquisitivo, inclusive aproveitando a proximidade com São Paulo e Campinas.

Tiago Pimentel, diretor da vinícola Rio Manso, fechou o programa explicando como se criou um esquema de governança para promover os vinhos de mais de 30 projetos, os cafés que são tradicionalmente produzidos, e também o turismo na cidade histórica de Espírito Santo do Pinhal e região. Como resultado, foram promovidos dois eventos do Turisagro – palestras e paineis – e um Festival de Inverno. De acordo com Tiago, o Festival reuniu mais de 72 vinícolas, ofereceu aulas com especialistas nacionais e internacionais, teve sessões de degustação de vinho, atraiu milhares de pessoas e deve se tornar um marco para a promoção do vinho, café e gastronomia na região de Pinhal. 

O que tenho aprendido em Pinhal e outras regiões que estão produzindo vinho em terras cafeeiras confirma o que meu amigo e autor Morten Scholer geralmente diz em suas apresentações sobre café e vinho, como citado abaixo.

O café tem uma extensa cadeia de valor com muitas pessoas envolvidas em vários países. O produto passa de mão em mão muitas vezes até chegar na xícara. O vinho é plantado, colhido, processado, estocado/envelhecido, embalado e vendido em um único lugar e geralmente consumido nas redondezas. Muito raro para qualquer produto hoje em dia. 

O café pode estragar de várias formas em sua longa jornada, mas a qualidade não pode ser melhorada (com algumas exceções). A qualidade do vinho pode ser melhorada com vários métodos, alguns deles impressionantes.

As duas maiores empresas do setor cafeeiro são grandes e responsáveis por mais de 20% do abastecimento. No vinho, a maior empresa controla menos de 3% do mercado.

O café tem conseguido estabelecer padrões de sustentabilidade e certificações que são iguais no mundo todo. Organic, Fairtrade, 4C, Rainforest Alliance são as mesmas para todos os países: impressionante! No vinho, cada país tem seus próprios padrões e condições para rótulos, às vezes até vários. Confuso. É neste ponto que o vinho poderia aprender com o café…

Café e vinho podem aprender um com o outro, mas parece que o primeiro tem mais a aprender com o segundo!

TEXTO Carlos Henrique Jorge Brando