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Café, uma fórmula de sucesso
Por trás de um hábito mundial existe uma longa história de desenvolvimento da economia cafeeira e das relações decorrentes da organização produtiva e social assentada na cafeicultura. Prestes a completar 300 anos de introdução no Brasil (1727-2027), a história desse precioso fruto é de sucesso e hegemonia de um gênero agrícola de exportação.
Desde a década de 1830 o Brasil lidera a produção mundial de café. Isto não é um mero acaso ou fruto, apenas, da natureza prodigiosa, mas resultado de muita ciência. Nas primeiras décadas de produção do grão no século XIX, a fazenda, como organização produtiva, era administrada pelo cafeicultor a partir da sede da instituição.
Ali, o cultivo seguia o ritmo ditado pelos manuais agrícolas, como o Manual do Agricultor Brasileiro. Elaborado por Carlos Augusto Taunay e publicado na década de 1830, a maior parte de seus capítulos aborda a plantação e a colheita do café.
Os manuais agrícolas ou as memórias sobre o café que surgem nessa época são realizações estruturadas dos modos de produzir o fruto e gerir uma fazenda. Afinal, era fundamental sistematizar ideias, a fim de que elas pudessem servir a todos como referência.
Outro documento da época da estruturação da economia cafeeira no país, marcada pela hegemonia produtiva do Vale do Paraíba, foi escrito pelo Barão Paty do Alferes. Trata-se da Memória sobre a Fundação de uma Fazenda na Província do Rio de Janeiro, de 1847. Tanto o manual quanto a memória citados expressam a forma de organizar a fazenda a partir da sistematização pensada pelo fazendeiro cafeicultor ou produtor de outro gênero agrícola.
Nas décadas de 1870 e 1880 houve transformações importantes na sociedade do Brasil Império. Em São Paulo, por exemplo, a expansão da cafeicultura rumo a Oeste (Campinas) e Novo Oeste (Ribeirão Preto), e, sobretudo, a modernização ferroviária fizeram com que as fazendas deixassem de ter a centralidade de outrora: os cafeicultores poderiam residir nas cidades, principalmente na capital paulista, e visitá-las utilizando o transporte ferroviário.
Esse período foi marcado, também, pela reformulação e criação de instituições científicas no Rio de Janeiro – como o Museu Nacional, a Escola Politécnica, o Laboratório de Fisiologia Experimental, o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura – e em São Paulo – como a Imperial Estação Agronômica de Campinas, fundada em 1887 e, posteriormente, denominada Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
Desse movimento institucional resultam obras importantes para a compreensão de como o café era, também, um objeto da ciência. Uma delas é Breves Considerações sobre a História e a Cultura do Cafeeiro e Consumo de seu Produto, trabalho de 1873 do médico Nicolau Moreira. Em 1883, o cientista francês Louis Couty publicaria, no Brasil, seu principal estudo, Biologia Industrial do Café – feito após visitar dezessete fazendas produtoras –, além de algumas outras investigações científicas sobre o grão na forma de artigos e relatórios.
Nesse movimento histórico dos manuais aos relatórios, o IAC representa uma instituição que direcionou pesquisas científicas para a análise da planta – ou seja, das raízes às folhas, do solo mais apropriado ao clima propício para o cultivo do café, fazendo dela um objeto de investigação científica.
No último quartel do século XIX, o objetivo geral da ciência voltada à cafeicultura era o de aprimorar a produção para conseguir um produto de melhor qualidade e, com isso, ampliar a venda dos grãos no mercado global. O que atualmente não deixa de ser a mesma coisa, mas já com os avanços da ciência e da tecnologia empregadas na cafeicultura.
De modo geral, a ciência direcionada ao café buscou criar condições para a superação da monocultura nas grandes propriedades, que já era vista como um sistema atrasado de plantio, para uma ordem em que a fronteira da expansão cafeeira não seria mais a busca por terras ricas em nutrientes, mas o laboratório e os campos experimentais locais. Neles, os cientistas desenvolveriam fórmulas de crescimento a partir do uso de insumos, da análise apropriada do solo, do controle de pragas e da condução adequada dos sabores a partir de manejos específicos para cada área e clima.
No início da década de 1900, o engenheiro agrônomo Gustavo D’Utra, diretor do Instituto Agronômico de Campinas, investigou a possibilidade de extrair o álcool do café. Fez isso a partir de estudos laboratoriais, analisando meios de utilizar o café excedente nas lavouras. Porém, concluiu que tal empreitada não seria rentável naquele momento, porque o rendimento desse álcool seria diminuto e não pagaria os custos dos procedimentos para a sua extração.
Depois disso, os estudos em torno do café feitos no IAC focaram na extração da cafeína para fins farmacêuticos. A cafeína já era utilizada, na indústria farmacêutica alemã, para a produção de medicamentos que, à época, tratavam as enxaquecas.
Segundo D’Utra, a fórmula da cafeína foi apresentada por Adolph Strecker a partir de suas análises químicas feitas na Universidade de Giessen, em 1861. Naquele tempo, a fórmula química da cafeína foi assim representada – C8H10AZ4O2 – e definida pelo diretor do IAC como “o que dá aos grãos de café o seu sabor amargo peculiar”. Afinal, estava dentro do escopo científico do Instituto Agronômico ações para ampliar as possibilidades de uso do grão. Ao mesmo tempo, a instituição almejava abrir caminhos para uma atividade industrial.
Atualmente, a fórmula química é C8H10N4O2. O AZ da primeira fórmula significa azoto, nome dado originalmente ao nitrogênio. Sobre o assunto, estudos químicos sobre gases no século XVIII identificaram e classificaram os elementos do ar, e o azoto, ao lado do oxigênio, foi um deles. Em linhas gerais, azoto é a nomenclatura criada por Antoine-Laurent de Lavoisier e outros estudiosos em 1787 para o que, três anos depois, seria chamado por Jean-Antoine Chaptal de nitrogênio.
A fórmula química da cafeína resulta, assim, do valor econômico do café, que conecta a escala de produção em áreas mundiais periféricas às de consumo no centro do sistema econômico capitalista. De fato, a ciência entrou na produção do café e criou melhores condições para cultivá-lo e consumi-lo. Atualmente, além do Instituto Agronômico, que continua a desenvolver pesquisas importantes sobre o fruto, há outras instituições, como a Embrapa Café, cuja missão é desenvolver pesquisas e vislumbrar soluções tecnológicas, bem como sustentáveis, para ele.
Desse modo, o encontro do café com a ciência é, sem dúvida, uma fórmula de sucesso.