Aftertaste por Pedro Cirne

Crônicas sobre a vida, o universo e o tudo mais

Da arte de admitir um erro

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Não sei que horas são neste exato momento em que você lê este texto. Mas posso apostar uma coisa: você já cometeu algum erro hoje. (A menos, claro, que você não seja um ser humano.)

Sim, você errou. Eu também errei. Nós erramos. E daí?

Há erros e erros, bem sei. Alugar um filme que já assistimos por engano, colocar açúcar no lugar do sal e acabar com o prato principal, e virar à direita mesmo com o GPS apitando que era à esquerda, por exemplo, são erros pequenos.

Mas acho que um erro coletivo dos seres humanos é fingir que não erram – ou não admitir o erro, o que dá quase na mesma.

Não estou falando aqui de erros grandes (Nosso aniversário de casamento era hoje? Putz), mas dos pequenos. Se pisamos no pé de outra pessoa, se esquecemos o aniversário de uma pessoa querida, se esquecemos de devolver o CD que ela pediu… Em vez de simplesmente pedirmos desculpas, quantas voltas damos para que não percebam que houve um erro?

“Não esqueci do teu aniversário… Meu celular estava sem crédito!” (Culpa do coitado do objeto.)

“Olha, eu ia chegar na hora, mas o trânsito, viu, nunca imaginei que ia ter trânsito assim em São Paulo!” (Culpa da cidade em que se mora há anos e que, pelo visto, ainda não se conhece.)

“Não, não fui mal-educado. É o meu jeito: sou sincero, autêntico. As pessoas é que não me entendem.” (Culpa do universo. Está todo mundo errado, menos eu.)

Tem também a tática de tentar se transformar de “sujeito que pratica a ação” em “sujeito que sofre a ação” (método eternizado pelo filósofo Homer Simpson e sua frase “a culpa é minha e eu a coloco em quem quiser!”).

“Eu ia te devolver, mas a faxineira arrumou a casa e sei lá onde ela enfiou. Semana que vem eu pergunto para ela e te entrego.” (Culpa da coitada da faxineira.)

“Olha, vou ser sincero: não perdi o seu chaveiro. Ele que desapareceu.” (Culpa de forças ocultas – teoria da conspiração?)

“Te acordei? Mas você também dorme até tarde, hein?” (Culpa sua! Quem mandou dormir até a hora que quer?)

E, claro, se o pior cego é aquele que não quer ver, o pior mentiroso é o que finge que acredita nas próprias desculpas.

“Eu ia à academia. Aí lembrei de uma coisa importante e fiquei em casa.” (É…)

“Segunda, ah! Segunda eu começo a dieta.” (É…)

“Só mais cinco minutos. Aí desligo a TV e vou trabalhar.” (É…)

Acho que deveríamos perder a vergonha de errar. Já perdemos a vergonha de tanta coisa muito pior: de ser egoístas no trânsito; de esquecer em quem votamos; de chegar meia hora atrasados para o que quer que seja. Por que não perder o medo de errar?

Isso não quer dizer, claro, desencanar completamente e chutar o pau da barraca… Apenas, talvez, tentar evitar que o primeiro erro (inevitável – afinal, somos humanos) vire um segundo (a mentira).

Este texto inteiro, claro, pode ter sido um erro. Se foi, você me desculpa?

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Pedro Cirne • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Como deve ser difícil ser muito chato

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Sei lá. Acho que todo mundo é chato de vez em quando. (Eu, inclusive, óbvio). E, quando eu digo de vez em quando, não me refiro a uma vez a cada quatro anos, tipo Copa do Mundo. Digo no decorrer do dia mesmo. Às vezes escapa. Ninguém consegue ser legal em 100% do tempo. Nem mesmo o mocinho de Hollywood – pode reparar, ele sempre dá uma mancada uns vinte minutos antes de acabar o filme, só para se reabilitar logo depois.

Acho difícil aceitar que não somos legais o tempo todo, mas, levando-se em conta que somos humanos, até que dá para compreender. O que me espanta é: já reparou que tem gente que quer ser chata o tempo inteiro? Como se fosse um hobby, um esporte, uma missão? Ou mesmo uma profissão regiamente remunerada?

Pode reparar. Uma coisa é você não sorrir ao cumprimentar o vizinho (parto do ponto que todo mundo se cumprimenta). Mas outra, diferente, é você sair da sua vida, cruzar uma linha imaginária, só para encher o saco de outra pessoa. É frequente, não é?

Aí vão cinco exemplos aleatórios da vida real:

1 – Uma vez vi um colega recriminar outro: “Seu problema é que você ri demais!”. Oi? O problema dele é ser feliz? O sorriso incomoda? Sorrir é agredir?

2 – Na fila do banco: gente que puxa assunto para reclamar dizendo que os idosos têm prioridade. Poderia estar feliz por viver em uma sociedade em que se dá algum valor (para mim, não o suficiente) aos mais velhos, mas não. A pessoa só quer sair de onde está para espalhar o mau humor, difundir a rabugice. Uma espécie de missionário da chatice.

3 – Na internet: críticas a voluntários que defendem direitos de mulheres, índios, animais, etc. Ou seja, em vez de ajudar quem quer que seja, o sujeito critica quem está ajudando. É muito esforço para ser insuportavelmente chato!

4 – Religião/orientação sexual: quantas pessoas usam as redes sociais ou conversas coloquiais para criticar a fé ou a orientação sexual de outrem? “Você é X? Mas como, se Y é o correto?”. Ou, o que é a mesma coisa, para criticar a falta de religião de alguém: “Você é ateu? Não tem medo de arder no inferno? Vou te converter, nem que seja a última coisa que eu faça!”. Uma vez mais, é alguém rompendo a linha do respeito, de deixar a pessoa com a sua fé ou orientação sexual.

5 – Política: “Você é petista/tucano (ou petralha/coxinha)? Pois saiba que…” E aí começa uma série de platitudes, como se não vivêssemos em uma democracia. O “politizado” vai tentar converter o outro – normalmente, atacando-o, como se agressividade fosse sinônimo de argumentação civilizada.

Até poderia caber aqui gente que utiliza assentos reservados para grávidas ou idosos, o que vejo diariamente. Mas não acho que isso seja chatice, mas falta de educação, de civilidade e de altruísmo.

Eu sei, eu sei. Não há nada que possamos fazer contra eles. Mas me espanta o esforço que os chatos fazem para invadir a vida alheia. É que é muita dedicação, gente, muito esforço para sair julgando todo mundo. Estou arrependido de ter abordado esse tema. Acho que acordei meio chatinho hoje.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Pedro Cirne • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Meu elogio será tua ofensa

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Na última vez em que alguém te elogiou, você:

a) ficou sem graça, olhou para o chão, balbuciou algumas sílabas desconexas;

b) se defendeu, negando, como se tivesse ouvido a acusação de algo muito, muito grave;

c) ficou mais petrificado do que se tivesse encarado os cabelos de serpente da Medusa (aquela criatura da mitologia que transformava as pessoas em estátuas);

d) fingiu que não era contigo e mudou de assunto.

Os seres humanos normais escapam das alternativas acima listadas?

Essa é uma questão metafísica e tanto – ao menos, para mim. O desconforto que a congratulação provoca é para lá de desproporcional. Nosso incômodo independe da intensidade do elogio – tanto faz se for um prosaico “você é esperto” ou um hiperbólico “nossa, sua inteligência supera a do Stephen Hawking e a da deusa grega Palas-Atenas somadas e multiplicadas por mil!”. Nós nos contorcemos da mesma maneira em dor emocional e procuramos a saída mais próxima.

Talvez nós não levássemos tão a sério se ganhássemos uma ofensa em vez de um louvor. Por exemplo: se alguém disser a um cara que ele joga futebol muito mal, ele provavelmente vai concordar, dando risada. Se for um elogio, entretanto, a negação será imediata: “De jeito nenhum!”, “Bondade sua”, “Hoje dei sorte, normalmente sou pior que o Coalhada”.

Louvores físicos, sem segundas intenções, são um caso à parte. Experimente, por exemplo, elogiar a beleza de alguém do sexo oposto. Algo como “você está bonito”. Geralmente, elogios como esse são retribuídos com um olhar 43, à la Paulo Ricardo, ou com um olhar em fuga, olhos no chão (ou no teto), qualquer coisa para evitar o contato visual.

Eu entendo essa aversão a elogios. Se você concordar com o interlocutor, passa por arrogante – “chamei de bonito e ele concordou! Tá achando que é o Brad Pitt brasileiro? Humpf!”. Nossa sociedade valoriza a humildade daqueles ao nosso redor. Ídolos (atores, esportistas e afins), claro, estão liberados. Neles, a arrogância não é um defeito, mas uma excentricidade charmosa – seja lá o que for isso.

Não que eu esteja acostumado a receber louvores, mas, cá para mim, tenho que, quando uma pessoa te elogia, ela não está querendo te constranger, te xavecar ou te pedir, indiretamente, um elogio para ela própria. Talvez seja apenas um cumprimento por algo que você, de fato, mereça.

Parece ficção que ainda existam pessoas que não façam comentários apenas para deprimir o próximo, mas o ser humano é uma caixinha de surpresas. São raras, mas ainda há pessoas que gostam de fazer bem a um conhecido – por meio de um sorriso, um gesto educado ou até um elogio sincero. Talvez você seja uma delas. E, se for, obrigado por isso! Você é bacana! (Por favor, sem ofensas, tá? Foi só um elogio…)

*Pedro Cirne é chefe de reportagem do UOL Notícias. Fale com o colunista pelo e-mail aftertaste@cafeeditora.com.br

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Pedro Cirne • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

A história sem fim não acabou

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Recentemente, ouvi de um amigo: “Não entendo por que vocês, gordos, não emagrecem; sei lá, me parece preguiça”. E de outro: “Acho estranha essa busca de vocês por emagrecer, é meio bizarro que se sintam mal acima do peso”. Fiquei com um gosto amargo na boca, de chocolate com data de validade vencida. (Para contextualizar: meu nome é Pedro e eu sou gordo. Muito prazer).

Os dois casos não são exceção na minha vida. Uma fatia considerável dos meusamigos magros atribui à gordurinha extra a “falta de força de vontade”. E ponto. Outrafatia (com queijo extra, pizzaiolo, por favor) é recheada de gente que desdenhanossa busca por dietas suportáveis e uma rotina na academia: “Nunca precisei dissopara ser magro, só sou assim”.

Esses comentários me lembram a minha infância – e não me refiro ao pudim delicioso da minha avó. Tais amigos me remetem ao livro A História sem Fim, de Michael Ende. Ler A História sem Fim é tal qual comer brigadeiro: você sabe o gosto e adora repetir “só mais uma vez”. Mas perdoe possíveis erros de memória (meus neurônios só funcionam para coisas realmente importantes, como o gosto da sopa de capelete da minha outra avó). Salvo engano, um dos personagens do livro sai da Realidade e vai viver aventuras no reino da Fantasia. Tudo o que ele deseja acontece de uma hora para outra. Mas há um preço: ele se esquece, completamente, do que era antes.

Por exemplo: ele almeja ser rico. Não só se esquece de como era quando não tinha dinheiro, como passa a tratar mal os pobres. Ele se cansa de ser feio e se torna uma espécie de Brad Pitt melhorado – mas, até onde eu saiba, o marido da Angelina Jolie não maltrata os não tão belos.

E, claro, emagrece num piscar de olhos. E passa a tratar mal todos os demais gordinhos. Se eu estivesse no livro, degustando uma deliciosa rabanada, seria humilhado por ele apenas por ostentar uma pança considerável.

Não me lembro com detalhes do final do livro (não acredite no título: a história termina, e é maravilhosa). Mas, às vezes, me parece que algumas pessoas fazem o caminho inverso ao dele. Elas vivem num reino que para elas é Realidade, mas, para nós, gordinhos, é Fantasia: aquele em que você não engorda nem se só se alimentar de sorvete de guaraná (anote a receita: uma lata do refrigerante em questão, outra de leite condensado, bata no liquidificador e deixe no congelador por algumas horas). Tal qual o personagem, essas pessoas sofrem da falta de empatia, de se colocar no lugar do outro. E isso, infelizmente, não tem livro que ensine. Pior: para a falta de carinho, não tem banana split que compense. Gosto de pensar que a história sem fim realmente não acabou – nem para eles nem para mim. Só terminará quando aprendermos tudo. Ou seja, nunca. Até lá, vou pegar só mais um pedacinho da sobremesa.

*Pedro Cirne é chefe de reportagem do UOL Notícias. Fale com o colunista pelo e-mail aftertaste@cafeeditora.com.br
O texto deste colunista não reflete necessariamente a opinião da revista.

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O problema em ter problemas

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Alguns meses atrás, eu estava viajando e, após fazer o check-in on-line (adoro as vantagens do século XXI!), tinha de imprimir meu cartão de embarque. Na primeira vez, não deu certo. Na segunda, idem. Então, pedi ajuda a um funcionário do hotel.

Prestativo e levemente atrapalhado (para ser sincero, ele parecia o Jerry Lewis em O Mensageiro Trapalhão, mas a boa vontade compensava tudo), o rapaz levou cerca de meia hora para identificar e resolver o problema. Estava tudo certo, poderia ter o que desejava, bastava um detalhe: esperar a impressão de todos os outros documentos que haviam sido enviados por hóspedes anteriores. Ou seja: antes de mim, outros já haviam tido problemas com a impressora.

Aguardei pacientemente. Após cerca de sessenta páginas impressas (sim, eu contei, não tinha mais o que fazer), o rapaz teve de colocar mais algumas dezenas de folhas. Depois, fez isso uma segunda vez. E ainda uma terceira… Até que, finalmente, meu cartão de embarque saiu. Viva!

O que me impressionou: havia mais de 300 folhas de impressão paradas, com os mais diferentes temas – de mapa para chegar a um restaurante a uma reportagem sobre um craque português de futebol. Mais de três centenas… E ninguém se deu o trabalho de pedir ajuda. Eles ficaram insistindo no erro (imprimir arquivo, confirmar, notar que não saiu nada, imprimir arquivo, confirmar, notar que não saiu nada…), entupiram o buffer (a fila virtual do que deve ser impresso), desistiram e foram embora. Não só não resolveram a questão deles como atrapalharam a do hóspede seguinte. Levantar a mão e pedir socorro estava fora de questão.

Enquanto ajudava o funcionário levemente atrapalhado a levar as centenas de folhas para o lixo reciclável, fiquei me perguntando: o que leva alguém a não pedir ajuda? Orgulho? Preguiça? Procrastinação? Esperança de que tudo se resolva sozinho, por mágica ou geração espontânea?

Tenho um grande amigo com quem almoço uma vez por semana. Ele se queixa, com frequência metódica, de gastrite: passa mal todo dia, perdeu o prazer em comer, etc. Mas não marca um médico. Outro grande camarada reclama, toda vez que o encontro, que detesta o chefe: “Minha vida virou um inferno!”. Mas não procura emprego, envia currículos, conversa com colegas de profissão, nada.

Acho o comportamento deles compreensível (a maioria das pessoas sente prazer em reclamar), mas um pouco estranho. Perder o prazer em comer? Ter a vida transformada em um “inferno”? E não tentar ajuda para resolver (um médico, um site para cadastrar currículo, um amigo que trabalhe em outra empresa)? Nada?

Quando procuro resolver um problema sozinho e não consigo, não tenho vergonha de pedir ajuda. Será que isso é um problema?

*Pedro Cirne é chefe de reportagem do UOL Notícias. Fale com o colunista pelo e-mail aftertaste@cafeeditora.com.br

ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

O Medo, esse meu amigo

Ok, Confesso. Sou um homem medroso. E sabe o que é curioso? Não conheço nenhum outro, exceto aquele que vejo no espelho.

O medo é um sentimento deveras curioso. Por que passamos tanto tempo a combatê-lo? Negando sua existência? Quantas pessoas não tentam se explicar, quando usam a palavra “medo” em uma frase? “Medo, eu? Não exagera… É cautela/bom senso/prudência.”

Imagine uma humanidade em que ninguém, mas ninguém mesmo, sentisse medo. Conseguiu? Pois é, não… Porque essa humanidade estaria extinta. Crie, na sua imaginação, um destemido e audaz homem pré-histórico encontrando um dentes-de-sabre (nem sei se foram contemporâneos, é só um exemplo). O destemido e audaz gritaria para a família: “Deixa comigo, resolvo sozinho”. Três mordidas depois o dentes-de-sabre já estaria fazendo a digestão e palitando os dentes com a clava do cidadão.

O medo é um instinto de preservação. É o que nos impede de dar um passo rumo ao desconhecido. Se humanos nascemos, é inevitável que cometeremos erros, perderemos disputas, apanharemos (metaforicamente falando). Ser homem ou mulher é conviver com a possibilidade da derrota. E o que o medo nos faz? Pode ajudar para que não apanhemos muito (metaforicamente falando II – o didatismo contra-ataca) ou, o que é melhor, pode nos ajudar a não apanhar. A pegar o caminho mais iluminado, a escolher a fruta que não vá dar congestão, a evitar tentar saltar o penhasco e caminhar um pouco mais para atravessar pela ponte.

Não finjo que ele, o medo, não existe. Pelo contrário: ele, para mim, é um amigo cauteloso, que me dá conselhos. Uma espécie de Grilo Falante (Lembra? Do Pinóquio?), que fica sobre o ombro esquerdo tentando me ajudar a optar por caminhos menos propensos a erros. (Sobre o ombro direito fica o Cupido. E esse só me leva a caminhos onde é impossível não errar.)

Levo tão a sério o meu Grilo Falante particular que até o batizei: ele se chama… Medo. Assim, com M maiúsculo. Nada original, eu sei. Mas é que se eu desse um nome fantasia, como São Jorge Destruidor de Dragões, seria uma maneira de eu fingir que ele não existe, e não é essa a ideia.

Às vezes o Medo me diz: não vá por aí, e eu o desobedeço. Às vezes, não. Qual o critério? Uma pergunta simples: vale a pena?

Se eu adoraria viajar para aquela cidade, mas tenho medo do voo, vou enfrentar? Sim, porque quero muito ir. E se estou com preguiça de caminhar, vou pegar carona com um motorista bêbado? Não, né? Em casos como esse, obedeço ao meu amigo Medo. E conhecidos que tomam a mesma decisão dizem que não é medo, mas cautela/bom senso/ prudência. Que seja!

O Medo é meu amigo e, às vezes, eu o enfrento. Por exemplo: toda vez que devo uma crônica para a Espresso, tenho medo de que não gostem. Mas envio mesmo assim: não o obedeço. Mas o Medo não se magoa facilmente e continua aí, na luta, firme e forte sobre meu ombro. Valeu, Medo, você é um amigão. Obrigado por já ter me livrado de tantas enrascadas!

*Pedro Cirne é chefe de reportagem do UOL Notícias. Fale com o colunista pelo e-mail aftertaste@cafeeditora.com.br

ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Oi, tudo bem?

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Às vezes eu me vejo como um alienígena dos filmes de ficção científica, daqueles que caem na Terra e vão parar na mão de cientistas, que passam dias e dias examinando-o. No fim, nem os pesquisadores entendem o ET, nem o visitante entende o planeta Terra.

Falo isso de uma maneira geral, mas muito especificamente quando olho essa geração nova, que há quem chame de geração Y ou Z. Para mim, é a Geração @, já que eles estão sempre enviando ou recebendo e-mails, ou tuitando, ou citando alguém no Facebook.

Por outro lado, às vezes eu me vejo como um cientista dos filmes de ficção científica, daqueles que examinam um alienígena de tudo o que é jeito, e nunca entendem nada. Enfim, dia desses resolvi fazer uma experiência “científica”: descobrir quanto tempo demorava para ver o quanto alguém, de fato, se interessava em saber como eu estava.

Convenhamos: nem todo mundo que te encontra pessoalmente e diz “oi, tudo bem?” quer saber a resposta. Da mesma maneira, no WhatsApp, no Facebook, no Google Talk, Skype, ou em qualquer um desses ambientes em que a Geração @ habita. A pergunta, então, era: quanto tempo levaria para alguém ao menos ouvir a resposta ao “oi, tudo bem?” antes de começar a falar de si mesmo? Podia ser on-line ou off-line, tanto fazia.

Eu encontrava as pessoas e perguntava “como você está” e ouvia a resposta. Depois, ninguém me perguntava um mísero “e você?”. Idem nos ambientes da Geração @. Nunca um “e vc?” – acho que eles comem as letras “o” e “ê” da palavra “você” porque não têm tempo a perder, e não por preguiça. Eles são muito ocupados: são centenas de amigos em cada rede social, como acompanhar tudo isso? Temos de compreendê-los.

Como pesquisador, descobri que sou um fracasso. Após uma semana, desisti. Estava ficando triste. Onde estavam aqueles amigos virtuais todos? Não posso julgá-los, é claro. Devem estar ocupados demais dando “likes” em centenas de perfis, não têm tempo para se preocupar com alguém que não conhecem no mundo real.

E as pessoas do mundo real? Não posso julgá-los, é claro. Devem estar ocupados demais com o trabalho, o trânsito, o tempo, o pós-Copa, o pré-Olimpíada. É, a vida está corrida. E encontrar alguém ao vivo dá trabalho: não dá para você dar um like no queixo da pessoa e seguir em frente com a sensação de dever cumprido.

Com tanto noticiário online, jornais, seriados na TV, webseriados, é preciso ter um dia de 36 horas para acompanhar tudo e ter assunto para o caso de encontrar, por acaso, alguém ao vivo. E se, pior, essa pessoa dispor de cinco minutos para conversar contigo, como você vai preencher esse tempo imenso se não estiver por dentro de absolutamente tudo que se passa na internet, na TV, nos seriados?

Deixo a resposta contigo, é claro. Eu, particularmente, prefiro ocupar esses infinitos cinco minutos ouvindo o que a pessoa tem a dizer quando eu pergunto “oi, tudo bem?”. Mas raramente a resposta demora mais que quatro segundos. Deve ser o equivalente da vida off-line para o “like” da Geração @.

*Pedro Cirne é chefe de reportagem do UOL Notícias. Fale com o colunista pelo e-mail aftertaste@revistaespresso.com.br

FOTO Divulgação • ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

Grandes mistérios: onde está o meu (preencha aqui)

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Acho que a frase que eu mais ouvi na infância foi algo como “estava aqui, bem debaixo do seu nariz!”. Ou talvez tenha sido “se eu for aí e encontrar, vou esfregar na tua cara!”. O contexto era o mesmo: derrotado pela minha incapacidade de achar qualquer coisa, especialmente nos momentos em que eu mais precisava delas (por exemplo, a lição de casa, quando já atrasado para o colégio), eu apelava para as instâncias superiores: minha mãe.

(Pausa para um parêntese: creio que os pais são a instância superior de todas as crianças, um misto de STF, Presidência da República e Congresso Nacional, tudo somado – com a diferença que eles trabalham sete dias por semana, 24 horas por dia. Eles resolvem dúvidas importantes como “posso comer isso aqui ou está estragado?” e “qual melhor caminho até a casa de …” para crianças de todas as idades.)

Quando criança, eu inventei um utensílio invisível a que só eu tinha acesso chamado Sacola do Cheiro. Ela ficava sempre no mesmo canto do meu quarto – se eu perdia objetos visíveis, imagine os invisíveis. Quando precisava (perdi meu boletim!), ia lá, “pegava” a Sacola do Cheiro (que era mágica, lógico) e a abria. De dentro dela, saía um odor verde – crianças adoram sinestesias, mesmo que só aprendam que existe uma palavra para “misturar sensações” dali a muitos anos- que eu deveria seguir. O cheiro mágico me guiaria, infalivelmente, até o objeto perdido, mesmo que isso significasse passar o dia desarrumando e arrumando meu quarto. Se porventura a “infalível” Sacola do Cheiro falhasse, o STF chamado “mãe” resolveria a questão em menos de dois minutos.

Hoje, adulto, ainda acredito em coisas invisíveis (o bóson de Higgs pode ser considerado invisível, certo?) e, infelizmente, ainda perco ao menos uma coisa por semana. Dizem que se você não pode vencê-los, junte-se a eles, então minha vontade é de montar um ranking, tipo o da Fifa, e ver no final do ano quem é o campeão. Imagino a emocionante parcial de outubro, por exemplo, com o bilhete único e a chave de casa empatados com 13 pontos, mas a carteira -com todos os documentos dentro- se aproximando, como quem não quer nada, e já amealhando 11 pontos.

Pois virei adulto, deixei a casa de meus pais para trás e o problema, é claro, veio comigo no caminhão de mudança, provavelmente espremido entre um controle remoto que sumiu na comemoração de algum gol da Copa de 1994 e a única lição de casa da sétima série que eu não deixei para fazer de última hora (procrastinação, essa praga da humanidade). Pior: agora não tenho STF familiar por perto para apelar, nem irmão mais novo para culpar (transferência de culpa, essa outra praga da humanidade).

A única coisa que lamento realmente ter perdido é a minha Sacola do Cheiro (“minha”, porque desconfio que cada um tenha a sua, ainda que com outro nome). Nunca mais a encontrei. Caso você a encontre por aí, por favor, escreva para mim. Ela é invisível, mas tem o inconfundível cheiro de infância.

*Pedro Cirne é chefe de reportagem do UOL Notícias. Fale com o colunista pelo e-mail aftertaste@revistaespresso.com.br

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