Aftertaste por Pedro Cirne

Crônicas sobre a vida, o universo e o tudo mais

O problema em ter problemas

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Alguns meses atrás, eu estava viajando e, após fazer o check-in on-line (adoro as vantagens do século XXI!), tinha de imprimir meu cartão de embarque. Na primeira vez, não deu certo. Na segunda, idem. Então, pedi ajuda a um funcionário do hotel.

Prestativo e levemente atrapalhado (para ser sincero, ele parecia o Jerry Lewis em O Mensageiro Trapalhão, mas a boa vontade compensava tudo), o rapaz levou cerca de meia hora para identificar e resolver o problema. Estava tudo certo, poderia ter o que desejava, bastava um detalhe: esperar a impressão de todos os outros documentos que haviam sido enviados por hóspedes anteriores. Ou seja: antes de mim, outros já haviam tido problemas com a impressora.

Aguardei pacientemente. Após cerca de sessenta páginas impressas (sim, eu contei, não tinha mais o que fazer), o rapaz teve de colocar mais algumas dezenas de folhas. Depois, fez isso uma segunda vez. E ainda uma terceira… Até que, finalmente, meu cartão de embarque saiu. Viva!

O que me impressionou: havia mais de 300 folhas de impressão paradas, com os mais diferentes temas – de mapa para chegar a um restaurante a uma reportagem sobre um craque português de futebol. Mais de três centenas… E ninguém se deu o trabalho de pedir ajuda. Eles ficaram insistindo no erro (imprimir arquivo, confirmar, notar que não saiu nada, imprimir arquivo, confirmar, notar que não saiu nada…), entupiram o buffer (a fila virtual do que deve ser impresso), desistiram e foram embora. Não só não resolveram a questão deles como atrapalharam a do hóspede seguinte. Levantar a mão e pedir socorro estava fora de questão.

Enquanto ajudava o funcionário levemente atrapalhado a levar as centenas de folhas para o lixo reciclável, fiquei me perguntando: o que leva alguém a não pedir ajuda? Orgulho? Preguiça? Procrastinação? Esperança de que tudo se resolva sozinho, por mágica ou geração espontânea?

Tenho um grande amigo com quem almoço uma vez por semana. Ele se queixa, com frequência metódica, de gastrite: passa mal todo dia, perdeu o prazer em comer, etc. Mas não marca um médico. Outro grande camarada reclama, toda vez que o encontro, que detesta o chefe: “Minha vida virou um inferno!”. Mas não procura emprego, envia currículos, conversa com colegas de profissão, nada.

Acho o comportamento deles compreensível (a maioria das pessoas sente prazer em reclamar), mas um pouco estranho. Perder o prazer em comer? Ter a vida transformada em um “inferno”? E não tentar ajuda para resolver (um médico, um site para cadastrar currículo, um amigo que trabalhe em outra empresa)? Nada?

Quando procuro resolver um problema sozinho e não consigo, não tenho vergonha de pedir ajuda. Será que isso é um problema?

*Pedro Cirne é chefe de reportagem do UOL Notícias. Fale com o colunista pelo e-mail aftertaste@cafeeditora.com.br

ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

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