Cafezal

Torrinha (SP) é a nova IP de cafés

O município de Torrinha, no estado de São Paulo, é a mais nova indicação geográfica brasileira para cafés. O anúncio foi publicado hoje pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), e a modalidade concedida é a de Indicação de Procedência (IP).

A IP concedida reconhece Torrinha, que tem cerca de 240 pequenos cafeicultores, como um centro tradicional de produção de café arábica, valorizando sua reputação e o saber fazer local, sem, no entanto, exigir exclusividade de características naturais.

Segundo a documentação apresentada pela Cafenato (Associação dos Produtores de Café Natural do Bairro do Paraíso do Alto de Torrinha), o município produz café desde o século XIX, produção essa intensificada com a imigração europeia e a instalação de ferrovias e crescimento urbano. O cultivo de café se dá em altitude média de 800 m, e a maioria dos produtores da cidade estão há pelo menos três gerações trabalhando com o grão. 

O café é tão importante para a cultura local que todos os anos, no último domingo de novembro, é celebrada a Missa do Cio da Terra, em agradecimento à colheita e quando os produtores oferecem uma saca do café colhido. Torrinha tem cerca de 10 mil habitantes.

A cidade ainda promove, anualmente, um concurso de qualidade, e teve cafés premiados no concurso estadual de qualidade em 2015 e 2023. 

TEXTO Redação

Cafezal

Palestras na Expocafé mostram como o cafezal pode reagir às mudanças climáticas

No segundo dia da feira de Três Pontas (MG), palestras embasadas por pesquisas científicas destacaram estratégias para aumentar a resiliência do cafeeiro, mitigar pragas e reduzir emissões de carbono, em meio aos efeitos do aquecimento global

Por Cristiana Couto

O segundo dia de palestras da Expocafé, principal feira do agronegócio brasileiro voltada à cafeicultura que acontece em Três Pontas (MG), foi de intenso aprendizado. O ponto comum das palestras, feitas durante o simpósio organizado pela Cocatrel (Cooperativa dos Cafeicultores da Zona de Três Pontas) em parceria com a Ufla (Universidade Federal de Lavras), foram as oportunidades e desafios da cafeicultura em meio às mudanças climáticas. Apresentações, baseadas na ciência, para ninguém botar defeito.

Na conversa sobre “Resiliência do café às mudanças climáticas”, conduzida pelo agrônomo e professor titular da Ufla José Donizeti Alves, um dos maiores aprendizados foi o de que, em situação pós-estresse, o cafeeiro se recupera apenas parcialmente. A partir dessa constatação, Donizeti expõe a principal estratégia para aumentar a resiliência do pé de café exposto nos últimos anos “pressões muito grandes” do meio ambiente, que é o aumento da produção de energia. “Existe um descompasso entre a produção de energia e o gasto dela na planta”, sintetiza o especialista. Segundo seus estudos relacionados à fisiologia do café, fornecer energia aos pés de café significa investir no crescimento das folhas e das raízes, que, como pontuou, não se limita mais – em vista do estresse ambiental a que o café vem se submetendo atualmente – a manejos como nutrição balanceada e sanidade da cultura. “Esqueça o calendário tradicional e olhe para o calendário fenológico da planta”, ensinou o especialista.

Em “Manejo do cafeeiro em condições climáticas adversas”, o agrônomo Geraldo Andrade Carvalho explicou como tecnologias mais sustentáveis ajudam a diminuir populações de pragas na lavoura cafeeira e mitigar as mudanças climáticas. Exemplos são a utilização de cercas vivas e de fertilizantes foliares. “Controlar pragas é trabalhar com técnicas de forma integrada, não só inseticidas”, lembrou Guimarães, referindo-se à boa adubação e ao uso de variedades mais resistentes a pragas. 

Expocafé 2025 – Foto: Isa Cunha

Rubens José Guimarães também deu uma aula magna, em sua fala sobre “Influência das mudanças climáticas no manejo das principais pragas do cafeeiro”, ao elencar soluções inovadoras – como a utilização de filme de polietileno, como alternativa às coberturas vegetais, e casca de café, que evita o nascimento de plantas daninhas – ao lado de práticas sustentáveis, como adubação de liberação lenta e gesso agrícola, entre outras. “O importante é aproveitar o que já é bom combinado com técnicas modernas”, ensina ele, citando também a utilização de biochar, quitosana (biopolímero obtido de crustáceos que induz a produção de substâncias de defesa na planta) e polímeros retentores de água.

Agricultura regenerativa e sequestro de carbono, claro, não ficaram de fora. Ademir Calegari, engenheiro agrônomo da Faem-Ufpel (Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel da Universidade Federal de Pelotas), contribuiu com um conhecimento profundo sobre cobertura de plantas e o uso de biológicos durante sua exposição sobre Avanços da agricultura regenerativa”. “O melhor jeito de recuperar solos degradados é utilizar múltiplas espécies [de cobertura]”, ensinou ele, referindo-se a estudos que combinam trigo-mourisco, braquiária, crisópide e outras plantas de cobertura com ativos biológicos e o aumento de produtividade em cafezais de diversas fazendas. 

Carlos Eduardo Cerri, professor titular do departamento de ciência do solo da Esalq/USP, também esclareceu qualquer dúvida sobre pegada de carbono que pudesse haver na plateia com sua palestra “Balanço de carbono em cultivo de café”. “O principal desafio da humanidade é o aquecimento global”, lembrou Cerri. Durante sua exposição, o especialista discriminou os diferentes gases de efeito estufa, a capacidade de cada um aquecer a terra e as diferenças do Brasil em relação ao mundo nas taxas dessas emissões a partir de diversas atividades, como a agricultura. “É importante esclarecer os benefícios que a agricultura traz, quando bem conduzida, para as emissões de carbono”. sobre o tema, mostrou, a partir de estudos, que a cafeicultura mineira, sob manejo sustentável, tem um balanço de carbono negativo de 10,5 t CO2eq/ha, ou seja, mais sequestra do que emite gases de efeito estufa (GEE). 

A Expocafé termina nesta quinta (29) com a 5ª edição da Expocafé Mulheres, espaço construído com base nas demandas das produtoras. A programação, que valoriza o papel feminino no campo, terá foco em inovação, tecnologia e equidade na cafeicultura.

A realização e promoção comercial são da Cocatrel e da Espresso&Co, com apoio da Universidade Federal de Lavras (Ufla) e da Prefeitura Municipal de Três Pontas.

TEXTO Cristiana Couto

Cafezal

Tem uma abelha no meu café

Pesquisadores comprovam que a biodiversidade é essencial para a manutenção de colmeias, produtividade e qualidade sensorial do café polinizado

Por Cristiana Couto

Mudanças climáticas, degradação de áreas florestais e o consequente declínio da população de abelhas tem motivado pesquisadores de todo o mundo a debruçar-se, nos últimos anos, sobre os efeitos da polinização no café. Depois do interesse pela influência das abelhas sobre a produtividade, a última década viu um incremento nos estudos com foco na biodiversidade da paisagem e na qualidade do café polinizado.

Para entender a importância desses estudos e sua aplicação no campo, a Espresso conversou com cientistas, startups e produtores. A resposta para os dilemas atuais enfrentados pela cafeicultura em
relação às abelhas – os insetos mais importantes na polinização do café – é uma só: integração de manejos.

“O cafeicultor precisa melhorar a paisagem, manejar abelhas e adotar boas práticas no uso de defensivos químicos para aumentar a sustentabilidade da sua produção”, ensina o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente (SP) e especialista em abelhas e polinização Cristiano Menezes. “Se ele fizer um planejamento ótimo, pode equilibrar o máximo de produção e, ainda, restaurar o habitat natural. É uma vertente importante de mudança”, acrescenta.

O café é um dos cultivos mais bem estudados no mundo em polinização. Há trabalhos acadêmicos no Brasil, na Costa Rica e no México, e no continente africano, berço de arábicas e canéforas.

Publicações recentes destacam, por exemplo, que não só as abelhas melíferas ou africanizadas (Apis mellifera) aumentam a produtividade do café, mas uma diversidade de espécies nativas – no Brasil, existem quase 2 mil espécies de abelhas, e cerca de 20 mil espalhadas pelo planeta.

Outro estudo, concluído no segundo semestre de 2024 sobre a introdução de abelhas manejadas em fazendas de café, reforça as evidências de que a polinização assistida – ou seja, a introdução de colmeias de abelhas durante a floração – aumenta a produtividade e a qualidade do café, elevando o sensorial da bebida em até 6 pontos e o valor da saca, em 13,15% (um ganho de US$ 25,40 por saca).

Colmeias em campo

O trabalho foi feito entre 2021 e 2023 em fazendas de arábica em São Paulo e Minas Gerais. “Esse estudo reforça a integração de ações no campo, ao avaliar o impacto do manejo de abelhas na produtividade do café, crucial para milhões de famílias rurais”, diz Menezes, que liderou a pesquisa e contou com a parceria da Agrobee, empresa brasileira que conecta apicultores, meliponicultores (criadores de abelhas sem ferrão do gênero Melipona) e cafeicultores, da empresa de tecnologia agroquímica Sygenta e da Esalq-USP, entre outras.

Mesmo com dados consistentes na literatura sobre as vantagens da biopolinização, há desafios. “Por muito tempo, negligenciou-se o papel dos polinizadores na cadeia do arábica”, diz Guilherme Sousa,
CEO e sócio da Agrobee. “Nos cursos de agronomia, a polinização não é um tema tão bem trabalhado como é o combate às pragas”, reforça a bióloga Marina Wolowsky, também especialista em polinização. Isso, somado ao fato de que o arábica é uma planta autocompatível, ou seja, capaz de se autofecundar, tornou o assunto, muitas vezes, irrelevante.

Por outro lado, vantagens ambientais, sociais e econômicas da biopolinização, claras aos cientistas, vêm cativando, aos poucos, a atenção do setor. “Ser sustentável no café é rentável para o agricultor”, analisa Guilherme Castellar, jornalista da Associação Brasileira de Estudo das Abelhas, a A.B.E.L.H.A. Pesquisas de mercado pelo mundo indicam, também, que os consumidores de café demandam, cada vez mais, por cafés diferenciados, mais sustentáveis em termos socioambientais.

Uma ferramenta de sustentabilidade

Se a rentabilidade econômica não deixa de pesar na balança do cafeicultor, a vegetação nativa ou a restauração de áreas degradadas é vital para a manutenção – e incremento – sustentável dos seus ganhos. Modelos climáticos indicam que, até 2050, 90% dos municípios brasileiros sofrerão com a perda de polinizadores, comprometendo a polinização de diversas culturas agrícolas – entre elas, o café.

Para mitigar esses efeitos, pesquisas recentes buscam entender as relações entre o ambiente natural, as comunidades de abelhas e a produtividade dos cafezais. Elas geram conhecimento que auxilia projetos como o de Menezes e serviços de aluguel e treinamento de abelhas.

O que os cientistas estudam, ainda, é como são essas complexas relações entre abelhas e plantas em áreas produtoras de arábicas e canéforas do país. Nessa chave, avaliam a polinização da abelha africanizada – que, até até pouco tempo, dominou o conhecimento acadêmico sobre polinização de café – e das espécies nativas.

Produtividade e floresta em pé

Os cientistas já sabem que florestas próximas aos cafezais aumentam a produtividade do plantio. E, se uma revisão acadêmica de 2022, feita por Moureaux e colaboradores e que reuniu publicações científicas sobre vários países produtores, mostrou um incremento de 18% na produção de arábica pela biopolinização, pesquisas brasileiras têm encontrado que a produtividade de uma colheita em sistemas agroflorestais pode chegar a 30% com o apoio delas. “Quanto mais próximo os cafezais estiverem de fragmentos florestais, maior a diversidade de espécies de abelhas e maior a produtividade do café”,
resume Menezes.

Foi o resultado que Marina encontrou ao estudar os cafezais no Sul de Minas. “Descobrimos que quanto mais heterogênea for a paisagem maior será a diversidade de espécies e o número de abelhas que visitam as plantas de café”, explica ela, referindo-se ao termo técnico paisagem como o conjunto composto por área plantada, fontes de água e floresta. “A floresta diversa é importante para que as abelhas se movimentem e explorem outras categorias de paisagem”, detalha.

Mas as abelhas não visitam os cafezais somente na época da florada. Elas ficam de olho, também, nas flores que nascem nas entrelinhas e bordas dos cafezais – prática comum em agricultura regenerativa e manejos orgânicos. “Essas plantas floridas servem de recurso para as abelhas continuarem forrageando na área de cultivo”, diz Marina, referindo-se às plantas tecnicamente chamadas ruderais, que crescem espontaneamente nesses lugares e que muitos costumam tomar por ervas daninhas. “Queríamos entender melhor o manejo do cultivo de café, por isso, não fizemos o estudo apenas durante os dias de florada”, explica ela, que observou o comportamento das abelhas por trinta meses.

Ao todo, 62 espécies de abelhas visitaram 67 espécies de plantas nas entrelinhas dos pés de café. “Há, portanto, um incremento na produção quando há, também, cobertura vegetativa no entorno do cultivo”, conclui a especialista. Isso porque a cobertura das entrelinhas, aliada à manutenção de florestas e ao uso de áreas inúteis, como barrancos, ajuda a melhorar a construção de ninhos e colmeias. “Esse manejo de paisagem é o que o cafeicultor pode fazer para aumentar a riqueza de polinizadores na produção”, explica Menezes.

Outro manejo importante é o de insumos agrícolas. “Não adianta ter uma paisagem perfeita e aplicar um produto incompatível com a vida das abelhas”, pondera ele. Segundo o cientista, é preciso escolher produtos químicos compatíveis, cujas doses, métodos e cronologia de aplicação em campo sejam adequados – antes ou depois da florada, aplicações no pé e não nas folhas das plantas e no fim do dia
ou de noite são alguns desses parâmetros. “Não estamos pregando que o cafeicultor se torne orgânico, mas que ele use da forma mais racional possível os pesticidas para gerar o mínimo de impacto ambiental”, conclui.

A importância da paisagem na cafeicultura aumenta se soubermos um pouco mais da vida das abelhas. “A paisagem serve de abrigo e oferece recursos nutritivos e relacionados à reprodução delas”, ensina Marina. Além do néctar e do pólen, florestas, matas e outras coberturas vegetais são fonte de resinas e óleos que elas usam para a construção de seus ninhos. Além disso, a distância que elas têm que percorrer para buscar alimento e o tamanho do seu corpo influenciam a visita das abelhas às flores – quase diariamente, elas definem suas rotas. “Mais recursos sustentam maior número de abelhas, e populações maiores polinizam mais”, conclui a pesquisadora.

Abelhas solitárias ou sociais?

Um dos clássicos estudos científicos sobre biopolinização, feito em 2003 por Alexandra-Maria Klein, da Universidade de Friburgo, na Alemanha, já mostrava que abelhas solitárias – definição para um grupo de abelhas que vive em turmas menores e têm comportamentos específicos – são mais eficientes que as africanizadas na polinização dos cafezais. “Esse trabalho foi importante porque a gente tinha uma visão de que as abelhas africanizadas resolveriam tudo”, conta Menezes. “Na verdade, as Apis precisam de muitas visitas às flores para deixar nelas o pólen”, detalha ele.

Por outro lado, as abelhas solitárias compensam seu menor número visitando flores mais rapidamente e num fluxo maior entre uma e outra. “Elas fazem seus ninhos e os abandonam ou simplesmente morrem, sem ter contato com as próximas gerações. Daí a importância do manejo da paisagem, já que várias abelhas solitárias não conseguimos manejar”, explica Menezes (mais de 95% das espécies de abelhas polinizadoras não são criadas).

Jataí em flor de café

Um dos estudos mais recentes comprovou a relação direta entre diversidade de abelhas e de paisagem. Foram estudadas 24 áreas de cultivo de café no Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná e em Minas Gerais e encontradas 50 espécies visitantes em flores de arábica e 45 em flores de canéfora. O estudo, de Maria Cristina Gaglianone e outros pesquisadores, compõe o livro digital A Ciência das Abelhas, publicado este ano pela A.B.E.L.H.A. e que reúne pesquisas de 2019 a 2022, numa iniciativa inédita de financiamento público-privado para esse tipo de investigação.

Outro trabalho, feito em 2016 em regiões cafeicultoras do leste paulista, onde há fragmentos de mata atlântica, chegou a resultados semelhantes. Nele, a ecóloga Fernanda Teixeira Saturni destaca que áreas de café próximas a florestas e matas nativas são mais ricas em espécies de abelhas sem ferrão – cuja presença aumentou em 28% a maturação dos frutos.

Trabalhos como estes são importantes porque mapeiam espécies de abelhas em regiões cafeicultoras e ajudam no planejamento do cultivo nessas áreas. Isso é ainda mais urgente com o impacto atual das variações de clima na cultura do café. “Preservar estas áreas de vegetação nativa tem o potencial de melhorar questões como água e temperatura e outros serviços que a biodiversidade pode agregar”,
analisa Marina. “Isso favorece não só a conservação de áreas, mas ajuda também o produtor”, diz ela, sobre a menor necessidade do uso de fertilizantes e do combate às pragas. “O café é um reduto atrativo para as abelhas”, destaca.

Para integrar manutenção de polinizações, sustentabilidade e produtividade no cultivo do café, Menezes e dois pesquisadores buscam, agora, financiamento público para o desenvolvimento de uma ferramenta que reúne os manejos de paisagem, de insumos e de polinizadores aliados à produção e comercialização de cafés.

“Estamos estruturando esses quatro eixos a partir de indicadores de performance, fáceis de monitorar e que trazem qualidade à produção, para auxiliar o cafeicultor”, explica Menezes. A ferramenta é uma reconfiguração do projeto Apoia-novoRural (Avaliação Ponderada de Impacto Ambiental de Atividades do Novo Rural), criado em 2003 pela Embrapa e que auxilia a gestão agrícola sustentável a partir de indicadores. “Vamos começar pelo café pela robustez dos resultados acadêmicos. É colocar o manejo integrado da polinização em prática”, ressalta ele, que pretende começar, no primeiro semestre de 2025, os primeiros exercícios de campo para testar esses indicadores. “O caminho integrativo é mais complexo, mas vai entregar ao agricultor múltiplos benefícios e atingir a tão sonhada sustentabilidade ambiental, econômica e social”, acredita.

Abelhas de aluguel

A polinização assistida é uma estratégia não apenas viável, mas indicada para aumentar a produtividade, a qualidade e a sustentabilidade do café, especialmente em áreas com monoculturas extensas, onde a diversidade de espécies é baixa.

“A presença desses polinizadores pode incrementar a produtividade, em média, 18%, o equivalente a 3 sacas por hectare, mas já tivemos casos em que a produtividade chegou a 30%”, diz Sousa, que desde 2018 aluga colmeias de abelhas aos cafeicultores.

Nos últimos anos, a Agrobee vem sendo procurada por empresas do setor, como Nescafé e Nespresso, para a polinização assistida. “A agenda de agricultura sustentável está muito ativa”, explica ele. “A polinização é o maior potencial produtivo sustentável a ser desbloqueado na cafeicultura”, reflete.

As vantagens são muitas. Aumentar a presença de abelhas nos cafezais ajuda a diminuir o abortamento das flores, uniformizar o amadurecimento dos frutos, reduzir grãos chochos e aumentar a peneira, gerando frutos mais doces.

Em setembro, a startup fechou um projeto, em parceria com a Expocaccer e com o Banco do Brasil, que oferece incentivo financeiro para os agricultores que queiram conhecer o serviço de polinização. “Queremos inserir as abelhas nas grandes cadeias agrícolas, e gerar mais receitas para o agricultor e para os criadores de abelhas”, diz Sousa, que já trabalhou em mais de 100 áreas de cultivo em regiões como Sul de Minas, Cerrado Mineiro e Alta Mogiana e tem mais de 60 mil colmeias cadastradas. A startup oferece, inclusive, um selo de café polinizado para que os produtores os estampem em suas embalagens.

Só para se ter uma ideia da potencialidade do serviço de polinização assistida, cada hectare de café recebe quatro colmeias de abelhas. Se a decisão (sempre baseada em polinizadores que já existem na área de manejo) for pela Apis mellifera – a mais comum na polinização assistida de cafés no Brasil –, as colmeias podem abrigar, até, 200 mil abelhinhas por hectare, que permanecem na lavoura entre 12 e 15 dias. Já seis colmeias da mandaguari (gênero Scaptotrigona), menores, liberam por hectare cerca de 180 mil indivíduos.

Sousa desenvolve seus protocolos de manejo no campo, como número e posicionamento das colmeias, baseado em estudos acadêmicos. O norteador da polinização assistida são os talhões com maior potencial para a bebida. “Precisamos adequar o serviço de polinização à realidade de cada produtor”, explica ele, que já trabalhou com mais de seis espécies, cujas colmeias são monitoradas com um aplicativo combinado à Inteligência Artificial.

Como treinar sua abelha

Abelhas podem ser ensinadas. É isso o que faz o ecólogo e neurocientista João Marcelo Robazzi, da startup brasileira pollintech, criada há três anos. O treinamento de abelhas (denominado polinização guiada) torna a polinização mais eficaz e pode ser uma ajuda e tanto para a polinização assistida.

“Criamos a empresa na esperança de que as abelhas polinizem mais e melhor”, conta Robazzi, que tem como sócias a entomóloga Marcela Barbosa, especialista em polinização, e Maria Imaculada Zucchi, pesquisadora da Apta, e que trabalha com genética de plantas. “É um processo de ganha-ganha: o produtor aumenta a produtividade sem aumentar a área plantada e as abelhas encontram mais alimento e de forma mais rápida”, emenda Marcela. “Usamos a natureza para resolver o problema da produtividade”, completa ela.

Apis mellifera em flor de café

Para conseguir alimento, as abelhas se guiam pelo perfume, formato e cor das flores, criando uma memória olfativa. Mas não é nova a ideia de treinar abelhas: pesquisadores fazem isso desde a década de 1970 e há empresas no Brasil que treinam esses insetos para polinizar culturas de clima temperado. A particularidade da pollintech é treinar abelhas para uma cultura tropical como o café. “A ideia é treinar esse estímulo de odor associado ao açúcar”, explica o neurocientista. “Depois de algum tempo, ela aprende que aquele odor representa alimento”.

Para desenvolver a “isca” para a abelha africanizada – a primeira espécie que pretendem treinar –, a equipe desenvolveu biomoléculas, com odor semelhante ao perfume da flor do cafeeiro, e treinou as abelhas em laboratório. Agora, eles investem nos testes de campo com a biomolécula em duas fazendas no Sul de Minas – Santa Amélia, em Guaxupé, e Três Meninos, em Passos.

As áreas experimentais somam cinco hectares. Ao todo, estão sendo observadas 30 colmeias de Apis, com cerca de 20 mil abelhas cada uma. Até o fechamento desta edição, a equipe aguardava a frutificação dos pés de arábica. O próximo passo é medir a eficiência das abelhas treinadas a partir do número de indivíduos que visitam as flores, da frutificação (pelo tamanho, peso e formato das sementes) e, ainda, fazer a análise química do grão de pólen e do mel.

A expectativa é a de que, nas áreas que tiverem abelhas treinadas, colham-se frutos mais densos, refletindo, consequentemente, na qualidade da bebida. “A ideia é oferecer abelhas treinadas às fazendas para que, quando as flores de café abrirem, elas já saibam o que procurar”, explica o ecólogo.

O apicultor Edson Henrique de Souza, da Fazenda Quilombo, em Altinópolis (MG), que participa do experimento com suas caixas de abelhas, notou a mudança no peso das colônias – sinal de aumento da quantidade de pólen e mel – e no comportamento das abelhas. “Depois de vinte minutos soltas no cafezal, as abelhas campeiras [operárias] já estavam buscando especificamente a flor do café, num ritmo maior de trabalho”, relata ele.

A qualidade na xícara

Até pouco tempo atrás, os efeitos da atividade das abelhas sobre a qualidade do café na xícara não eram explorados pela pesquisa acadêmica. No entanto, os cafeicultores que já utilizavam a biopolinização sabiam que ela resultava em frutos maiores e mais densos, o que dá qualidade à bebida.

Mas essa história vai além. Cafés polinizados por esses insetos têm sua composição química alterada – positivamente. Dois trabalhos brasileiros pioneiros sobre o tema foram feitos em 2022 e 2023 pelas cientistas Solange Cristina Araújo, Aline Theodoro Toci e outros pesquisadores-colaboradores. “Estes são os primeiros trabalhos desse tipo que encontrei na literatura acadêmica”, garante Aline, química especialista em aromas da Universidade Federal da Integração Latino-Americana em Foz do Iguaçu, Paraná.

As pesquisas mostraram que flores polinizadas por abelhas geram frutos com maior quantidade de compostos bioativos, como ácidos clorogênicos, trigonelina e cafeína, do que as que não foram biopolinizadas. Esses compostos, além de agirem como ferramenta de defesa das plantas, funcionam como precursores de aromas. “Nossa hipótese é que os grãos de café polinizados estão geneticamente melhor preparados para a defesa da cultura contra ataques de agentes externos”, explica ela.

Os resultados obtidos pavimentam o caminho para investigações futuras – avaliar, por exemplo, o efeito da biopolinização na composição dos principais precursores de voláteis e compostos bioativos no café arábica. “O café é uma das bebidas mais aromáticas que existem”, lembra Aline. “Podemos perceber que ele está sendo preparado a 500 metros de distância só pelo aroma”.

Quer ler mais sobre o tema? Clique aqui.

Texto originalmente publicado na edição #86 (dezembro, janeiro e fevereiro de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto

Cafezal

Brasil deve colher 65 milhões de sacas de café em 2025/26, projeta USDA

Alta de 0,5% sobre a safra anterior é puxada pelo avanço do robusta no Espírito Santo e na Bahia; clima extremo reduz arábica no Brasil e chuvas afetam produção na Colômbia

A produção total de café do Brasil para o ano-safra 2025/26 está estimada em 65 milhões de sacas, segundo relatório anual do USDA. O volume representa um aumento de 0,5% em relação à safra anterior (64,7 milhões).

A produção de arábica está estimada em 40,9 milhões de sacas — uma redução de 6,4% em relação ao ciclo anterior — enquanto a de robusta/conilon deve alcançar 24,1 milhões de sacas.

A leve alta na produção total é atribuída ao crescimento do robusta na Bahia e no Espírito Santo — avanço de 15% sobre os 21 milhões de sacas registrados em 2024/25 — graças ao clima favorável e ao uso crescente da irrigação. Esse incremento deve compensar a queda no arábica, cujas principais regiões produtoras — especialmente Minas Gerais — enfrentaram seca severa e temperaturas extremamente altas até o final de 2024 e início de 2025.

A produção de arábica também foi afetada por um ano negativo do ciclo bienal, quando a planta apresenta floração mais fraca como forma de recuperação da safra anterior.

Líder nacional na produção de robusta (com cerca de 70% do total brasileiro e 20% da oferta global), o Espírito Santo deve registrar uma safra recorde, com aproximadamente 70% das lavouras irrigadas.

No Vietnã, a produção está estimada em 31 milhões de sacas, impulsionada por investimentos no manejo da cultura e no uso de insumos. As exportações devem crescer, resultado da expansão nos envios de café torrado e solúvel para os mercados asiáticos – 3,3 milhões de sacas. A previsão da produção vietnamita inclui 30 milhões de sacas de robusta e apenas 1 milhão de arábica.

Já na Colômbia, a produção de arábica deve cair 5,3% – para 12,5 milhões de sacas, devido principalmente às fortes chuvas. Essa retração ocorre após uma fase de recuperação impulsionada pelo fenômeno El Niño, que acelerou o crescimento dos cafeeiros e favoreceu a umidade do solo em sistemas jovens. Como consequência, as exportações colombianas devem recuar para 11,8 milhões de sacas.

TEXTO Redação

Cafezal

Três regiões mineiras se destacam no 34º Prêmio Ernesto Illy de Qualidade do Café

A illycaffè realizou a cerimônia de premiação do 34º Prêmio Ernesto Illy de Qualidade Sustentável do Café para Espresso na noite de ontem (09), em São Paulo (SP). Minas Gerais foi o destaque da edição, com os três vencedores vindos das regiões Matas de Minas, Chapada de Minas e Sul de Minas.

Dimas Mendes Bastos (Matas de Minas), Fazenda Sequóia (Chapada de Minas) e Leda Terezinha Castellani Pereira Lima (Sul de Minas) vão representar o Brasil no 10º Prêmio Internacional de Café Ernesto Illy, que será realizado em Roma, no segundo semestre, e que reúne 27 cafeicultores selecionados de 9 países que fornecem grãos para a illycaffè.

Durante a premiação, também foram revelados os produtores vencedores regionais (Cerrado Mineiro, Chapada de Minas, Matas de Minas, Sul de Minas, São Paulo e Região Sul) e os ganhadores do Prêmio Classificador do Ano. 

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

Cafezal

Café regenerativo pode aumentar a renda dos agricultores em 62%, aponta pesquisa

Estudo internacional aponta que práticas regenerativas podem elevar a renda dos cafeicultores brasileiros, reduzir emissões e impulsionar exportações

O Brasil participou de um estudo global, conduzido pela organização internacional TechnoServe, que destaca os benefícios da agricultura regenerativa na produção de café arábica e robusta. O relatório, intitulado “Regenerative Coffee Investment Case” e publicado em abril, analisa nove dos principais países produtores de café e revela como práticas agrícolas sustentáveis podem transformar a cadeia produtiva do setor. 

Além do Brasil, o relatório fornece uma análise detalhada do Vietnã, da Colômbia, de Honduras, Indonésia, Uganda, Etiópia, Peru e Quênia, abrangendo fazendas que produzem cerca de 70% do café mundial.

A iniciativa contou com o apoio de parceiros, como as multinacionais Nestlé e JDE Peet’s, além da Fundação Rudy & Alice Ramsey. Essas colaborações foram fundamentais para viabilizar a pesquisa e promover a adoção de práticas regenerativas em larga escala. 

O estudo aponta que, no Brasil, a implementação de práticas agrícolas regenerativas pode resultar em um aumento de até 62% na renda dos pequenos produtores de café, melhorando significativamente sua qualidade de vida e estabilidade financeira. Também registra uma redução de até 46% nas emissões de gases de efeito estufa, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas e, ainda, um incremento de 30% nas exportações de café, impulsionado pela melhora na qualidade e sustentabilidade do produto.

Além disso, o relatório destaca que a transição para práticas regenerativas no Brasil exigiria um investimento médio de US$ 560 milhões por ano durante sete anos, destinado a assistência técnica e financiamento para apoiar os pequenos produtores.

O estudo da TechnoServe no Brasil avaliou o impacto da agricultura regenerativa a partir da modelagem de diferentes perfis de pequenos produtores, com base em produtividade, área cultivada e acesso técnico. Utilizou simulações técnico-econômicas para estimar os efeitos da transição sobre produtividade, custos, renda e emissões, com apoio de dados primários, entrevistas com especialistas, fontes públicas e referências de boas práticas agrícolas.

Impacto global da agricultura regenerativa

Em termos globais, o estudo da TechnoServe revela que a adoção de práticas regenerativas – como cobertura do solo com plantas de cobertura, adubação orgânica e compostagem e manejo integrado de nutrientes – tem o potencial de beneficiar 3,2 milhões de pequenos produtores, aumentar as exportações em US$ 2,6 bilhões e reduzir as emissões em 3,5 milhões de toneladas de CO₂ por ano. Esses números evidenciam o potencial transformador da agricultura regenerativa não apenas para o Brasil, mas para toda a cadeia global de produção de café.

O relatório da TechnoServe, porém, reforça a importância de investimentos estratégicos e parcerias colaborativas para promover uma agricultura mais sustentável e resiliente. 

TEXTO Redação

Cafezal

SCA e Federação Colombiana fecham parceria para cafés especiais

Anunciado na Specialty Coffee Expo 2025, acordo prevê uso da metodologia CVA para avaliar o valor do café colombiano, com foco em rastreabilidade, diferenciação e conexão com as tendências globais do mercado

A Associação de Cafés Especiais (SCA) e a Federação Colombiana de Cafeicultores (FNC) assinaram um Memorando de Entendimento (MoU) com o objetivo de aprimorar a rastreabilidade, a diferenciação e o reconhecimento global dos cafés especiais colombianos.

A parceria, anunciada na Specialty Coffee Expo 2025, em Houston, concentra-se na implementação da metodologia de Avaliação do Valor do Café (CVA) da SCA no setor cafeeiro do país. A FNC treinará equipes técnicas e provadores na aplicação da CVA, integrará a coleta de dados na origem e explorará uma adoção mais ampla dos cafés colombianos. A SCA apoiará esse esforço com assistência técnica, treinamento, aplicação personalizada da CVA e promoção global dos resultados.

Germán Bahamón, CEO da FNC, enfatizou o impacto potencial desta colaboração, afirmando que a adoção de ferramentas inovadoras como a CVA abre caminho para um maior reconhecimento e alinhamento com as preferências do mercado, beneficiando os cafeicultores colombianos.

O acordo inclui, ainda, o desenvolvimento de uma plataforma digital dedicada ao café colombiano, a fim de aprimorar o rastreamento de dados, a análise e a comunicação dos atributos do café. Além disso, a SCA colaborará com a FNC compartilhando dados da CVA para informar os produtores colombianos sobre as tendências e preferências do mercado em evolução.

TEXTO Redação / Fontes: Comunicaffe International, SCA, Qahwa World

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Flores de conilon podem virar chá e diversificar a renda do cafeicultor, aponta estudo

Pesquisa brasileira publicada na revista Foods revela o potencial sensorial e funcional das infusões feitas com flores desta variedade de Coffea canephora, ricas em compostos bioativos

As flores de café da variedade conilon são uma matéria-prima promissora para a produção de infusões, segundo estudo brasileiro publicado na revista científica Foods de março (a referência completa ao trabalho está no final da reportagem).

O estudo – que analisou flores secas de seis genótipos diferentes de conilon e que é um dos primeiros do gênero – chegou a resultados que apontam para o potencial sensorial e funcional da infusão das flores desta variedade de canéfora. “As infusões possuem aroma e sabor extraordinários, e, portanto, tem potencial para ser usado para um chá de ótima qualidade”, diz o engenheiro agrônomo Fábio Luiz Partelli, doutor em produção vegetal e um dos autores do estudo.

Muitos compostos que impactam o aroma e o sabor do café também trazem benefícios para a saúde, podendo ajudar na prevenção ou tratamento de doenças (os denominados compostos bioativos). São eles a cafeína, a trigonelina e os ácidos clorogênicos (AGC) – estes últimos, um subgrupo dos ácidos fenólicos – que funcionam como antioxidantes e têm ações antiinflamatórias.

Na pesquisa, os cientistas identificaram 38 compostos orgânicos voláteis  – responsáveis por aromas como amadeirado, herbal e floral — nas infusões (nas flores secas, este número salta para 85), e um menor teor de cafeína, se comparado ao teor encontrado nos grãos do café. Esses teores, porém, variaram de acordo com o genótipo da flor, mas, em geral, foram bem extraídos e em quantidade substancial.

De acordo com os autores do artigo, o estudo se insere num contexto de busca crescente por novos produtos alimentares de origem vegetal e um interesse cada vez maior por subprodutos do café. Por isso, abrem caminho não só para a diversificação da cadeia cafeeira, mas, também, para o aproveitamento de subprodutos dela, geralmente descartados.

“Estamos há anos estudando a diversidade do café conilon, considerando a parte agronômica, como produção, tolerância e rendimento”, explica Partelli, que trabalha no Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), e que compartilhou seu desejo de investigar a diversidade química da variedade com colegas da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). “Essa equipe do Rio fazia alguns trabalhos com chá, daí conversamos e vimos que seria bacana estudar esse potencial em flores de canéfora”, diz ele.

Partelli – que desconhece qualquer produção comercial de infusão de flores de canéfora – acredita que a bebida pode ser mais uma fonte de renda para o produtor, principalmente se ele estiver envolvido com turismo rural. “Quem sabe um dia podemos exportar chá de flores de café para a China ou a Inglaterra”, diz ele.

O pesquisador reforça, porém, que o trabalho é inicial, e há alguns desafios a vencer, como definir os melhores genótipos (clones), a melhor temperatura e tempo de secagem das flores, a embalagem e principalmente, os desenvolvimentos necessários para transformá-lo num produto.

Para saber mais:

Juliana de Paula, Sara C. Cunha,Fábio Luiz Partelli, José O. Fernandes and Adriana Farah. “Major bioactive compounds, volatile and sensory profiles of Coffea canephora flowers and infusions for waste management in coffee production”. Foods, 14(6), 911.

TEXTO Redação

Cafezal

Vinho é a nova aposta de cafeicultores brasileiros

Em regiões cafeeiras, produtores encontram no vinho uma nova forma de explorar o terroir e impulsionar o turismo

Por Cristiana Couto

Em regiões conhecidas pela produção de cafés de qualidade, como Cerrado Mineiro, Sul de Minas, Chapada Diamantina e Região do Pinhal, um novo cultivo vem ganhando espaço: o de uvas para vinhos finos. Graças à combinação de solo, clima e manejo inovador das uvas viníferas, cafeicultores investem na vitivinicultura e desafiam a lógica de que café e vinho não podem dividir o mesmo território.

A Espresso ouviu produtores que conciliam os dois cultivos e enólogos que acompanham essa transformação. Com a adaptação das videiras ao ciclo produtivo tropical, as fronteiras do vinho brasileiro se expandem – e, da mesma maneira, cafeicultores enxergam no cultivo de uvas uma oportunidade de diversificar seus mercados.

Terroir

Termo francês consagrado no mundo do vinho, o terroir reflete a complexa interação entre solo, clima e manejo humano, que determinam as características únicas de cada safra e influenciam diretamente a identidade da bebida.

Em sua caminhada rumo à excelência na xícara, os cafés de qualidade adotaram diversos aprendizados e incorporaram outros tantos conceitos desse universo, e o terroir não ficou de fora. É ele a chave de compreensão para a transformação que vem revolucionando, há duas décadas, o cenário do vinho brasileiro e que está, cada vez mais, entrelaçando-se à identidade sensorial e à valorização de origem do café.

Anos atrás, interessados por vinhos aprenderiam em sala de aula que eles são produzidos em zonas temperadas, enquanto cafés prosperam em climas tropicais. Manejar videiras e cafezais na mesma região – que dirá na mesma fazenda – era impensável até então. Mas paradigmas existem para ser quebrados.

A razão é a dupla poda, manejo que interfere no ciclo de vida das videiras e resulta na produção de vinhos de qualidade em regiões antes consideradas inadequadas. Também denominada poda invertida, a técnica, desenvolvida no Brasil no início dos anos 2000 sob a liderança do pesquisador Murilo de Albuquerque Regina (saiba mais ao fim da reportagem), consiste em fazer duas podas na videira ao ano, o que permite colher uvas no inverno brasileiro (entre maio e agosto) e não no verão, como acontece tradicionalmente no país. Nesta época, em áreas de altitude do sudeste e do centro-oeste, as chuvas de verão prejudicam a qualidade das uvas, ao permitir, por exemplo, o aparecimento de doenças fúngicas.

Mas o manejo dos chamados vinhos de inverno não faz milagre sozinho. “Não adianta plantar videiras na Amazônia e fazer dupla poda, porque lá não existe clima adequado”, lembra o enólogo chileno Christian Sepúlveda, referindo-se aos dias ensolarados e noites frias, comuns nas regiões de altitude no sudeste e centro-oeste do país, e aos solos secos no outono e no inverno, ou seja, à umidade relativa muito baixa.

“Onde se faz café de qualidade faz-se também vinho de qualidade, desde que os dois amadureçam na mesma época e tenham o ciclo de amadurecimento influenciado pelas mesmas condições climáticas”, ensina Murilo Regina, que foi coordenador do Núcleo Técnico Uva e Vinho na Empresa de Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) à época da criação do protocolo da dupla poda. Condições essas que influenciam de forma positiva o amadurecimento tanto da uva quanto do café, atuando na formação e acúmulo de açúcares, na degradação de ácidos e no metabolismo de elementos fenólicos e aromáticos, responsáveis pelas qualidades sensoriais das duas bebidas.

A colheita segue a mesma lógica. “É interessante colher o café quando não chove”, lembra Frederico Novelli, consultor de vitivinicultura da empresa Floeno, referindo-se à sanidade dos cafezais. Novelli lembra que a produção cafeeira na Serra do Rio de Janeiro diminuiu porque chuvas frequentes, mesmo no inverno, favoreciam a fermentação indesejada dos frutos, resultando em cafés de qualidade inferior. “Grandes regiões vitivinícolas do mundo, como Bordeaux, Borgonha e Priorato, têm características de clima muito parecidas com as das regiões dos nossos bons cafés, seja São Paulo, Rio de Janeiro ou Minas Gerais”, emenda. “O que o manejo de dupla poda fez foi transferir a colheita da uva para o inverno, e as regiões mais apropriadas para plantá-las, coincidentemente, eram as mesmas do café”, resume ele, que dá consultoria a produtores de vinhos em áreas cafeeiras mineiras como Patrocínio, Patos de Minas, Lavras e Araxá. “Quando começamos a fazer vinhos de inverno, já tínhamos um mapa pré-traçado pelos produtores de café”.

Assim, os dois cultivos, até então dissociados, começaram a se estabelecer lado a lado. “Ninguém arranca café para plantar uvas”, afirma Sepúlveda. “Vinho e café não concorrem por terras agrícolas”, esclarece Murilo Regina. Segundo ele, o café ocupa as áreas mais altas dos morros, onde a incidência de geadas (às quais ele é sensível) é menor, enquanto as videiras se adaptam melhor às áreas de baixadas. Portanto, as duas culturas não concorrem por espaço e conseguem expressar seu potencial qualitativo no mesmo território.

Novos territórios

Recortada por vales e montanhas, a Serra da Mantiqueira, que se estende por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, é um dos territórios mais propícios à produção de cafés. Próximo a essa região montanhosa e na divisa com terras mineiras está o município paulista Espírito Santo do Pinhal, um dos oito a integrar a indicação de procedência (IP) de cafés Região de Pinhal, obtida em 2016.

A interseção dos fatores naturais – altitudes entre 850 e 1.300 metros e dias quentes e noites frescas – aliada à técnica da dupla poda colocou o município, há vinte anos, no mapa dos novos territórios brasileiros do vinho.

“Produzir vinhos aqui virou uma oportunidade para os que gostam da bebida e uma diversificação para os cafeicultores”, acredita Mariana Del Guerra. Q-Grader e torrefadora, Mariana e o marido, o engenheiro agrônomo especialista em café e sustentabilidade e consultor da Plataforma Global do Café Eduardo Sampaio, conduzem há quatro anos, ao lado de dois sócios, a vinícola Les Amis de Pinhal, um dos mais de cinquenta projetos de vinho da Serra dos Encontros, que abrange quatro municípios entre São Paulo e Minas Gerais.

São 2,9 hectares de vinhas distribuídas entre o sítio San José, no município, e o sítio Aponte, em Albertina (MG), há 15 km dali, onde o casal também planta cafés. “Em Albertina, o terroir é até melhor”, conta Mariana, que vai elaborar suas primeiras garrafas em solo mineiro em 2026.

Em 2024, a vinícola produziu 900 garrafas de sauvignon blanc e mil de syrah, uvas com qualidade já reconhecida na região. “Vamos diversificar para outras uvas que também estão se dando bem por aqui”, explica ela, que pretende expandir os vinhedos para 12 hectares e incluir as castas cabernet franc e chenin blanc.

Vinho e café também se cruzam por outros caminhos na região. O casal Fernando Mororó e Raquel Pacagnela, recém-chegados da África do Sul, decidiram fazer vinhos em Espírito Santo do Pinhal e adquiriram um pedaço de terra. “Ficamos encantados com o enoturismo”, diz Mororó. Mas os pés de mundo novo falaram mais alto. “A cidade respira café”, emenda Raquel, sobre a história local, entrelaçada à cultura cafeeira desde a década de 1850, quando os primeiros pés foram plantados na região. A inauguração do ramal ferroviário da Mogiana contribuiu para a prosperidade da cidade. Palacetes, igrejas e instituições culturais construídas no auge do café, entre os séculos XIX e XX, ainda resistem.

Hoje, 40 mil pés de sete variedades de arábica cobrem parte dos oito hectares da fazenda Terra de Kurí, onde Mororó e Raquel produzem cafés especiais e dedicam-se ao turismo de experiência. A fazenda, cujos grãos classificaram-se entre os primeiros lugares em concursos como o Coffee of the Year, tem uma área reservada aos visitantes para a degustação dos cafés, uma pousada e um restaurante. “O vinho veio ocupando esse espaço, trouxe gente para a região e acabou valorizando o café. Café e vinhos são complementares, pode-se aproveitar os dois”, acredita Raquel.

Hospedagem na Terra de Kurí

Sobre vinhos e cafés

Vinhos de inverno e cafés de qualidade compartilham território e clima, mas têm suas particularidades. Enquanto o café exige menos manejo contínuo ao longo do ano, a viticultura demanda cuidados quase diários durante o desenvolvimento das videiras.

“A uva é desafiadora no verão, enquanto o café aguenta mais desaforos”, analisa Mariana, sobre o crescimento vigoroso das videiras na estação quente, o que exige acompanhamento intensivo, como desfolhas para arejar o vinhedo e controlar o microclima dos cachos. “Enquanto no café você pode adiar um trato para a semana seguinte porque choveu, na uva ele tem que ser feito no timing. Se a pulverização dos vinhedos é para ser feita tal dia, é para fazer tal dia”, detalha.

O trabalho intensivo no campo, porém, inverte-se na época da colheita. Se a colheita do café pode alcançar três meses, a da uva é feita em um só dia (os cachos são enviados diretamente para a área de vinificação, onde o vinho é fermentado e engarrafado).

Aliás, uma das vantagens em cultivar uvas e grãos na mesma fazenda é que, com a dupla poda, ambas as culturas são colhidas na mesma época. “Aproveitamos a mesma mão de obra, o mesmo maquinário, o mesmo pulverizador, otimizando o custo”, lembra Flávio Bambini, engenheiro agrônomo e consultor de café do Sebrae Educampo.

Em 2015 e por hobby, Flávio Bambini começou a produzir vinhos na Região do Cerrado Mineiro, na fazenda Cruzeiro da Fortaleza, entre Serra do Salitre e Patrocínio. Em 2017, produziu as primeiras 200 unidades de vinho feito da casta syrah, plantada em um hectare – um dos primeiros rótulos do Cerrado Mineiro.

O projeto-piloto – que atualmente atinge 3 mil garrafas, vendidas localmente ou via Instagram – estimulou-o a fomentar a ideia entre os cafeicultores da região e, no mesmo ano, lançou o projeto Vinhos do Cerrado com a Federação dos Cafeicultores do Cerrado. “Várias pessoas ficaram curiosas”, lembra Bambini. As terras dedicadas aos vinhedos expandem-se ano após ano. Para 2026, a expectativa é a de que, dos atuais 25 hectares de vinhas na região, surjam cerca de 137 mil garrafas, fruto do trabalho de onze produtores – oito deles, também cafeicultores.

As altas altitudes (entre 850 e 1.250 metros), um clima bem definido (inverno seco com baixas temperaturas e verão chuvoso) e boa amplitude térmica, com o auxílio da dupla poda e de irrigação, entregam vinhos de inverno de qualidade.

Assim como em Pinhal, as uvas mais plantadas no Cerrado Mineiro são syrah e sauvignon blanc, mas há experimentos com malbec, marselan, tempranillo e chenin blanc sob a consultoria do Grupo Vitácea Brasil, do qual Murilo Regina é sócio-fundador e diretor. Maior viveiro vitícola do Brasil, a Vitácea surgiu em 2001 e hoje em dia tem um portfólio amplo, com serviços de consultoria e vinificação. “Vendemos para todos os grandes produtores do sul, e 99% das mudas de dupla poda dos produtores do sudeste e centro-oeste são da nossa produção”, explica Matheus Cassimiro, gerente de comunicação e agronegócio do grupo.

Além das variedades de uvas, os produtores do Cerrado e de Espírito Santo do Pinhal compartilham uma visão comum: a necessidade de fazer parcerias e o impulso que o vinho dá ao turismo rural.

Ganha-ganha

No Cerrado, a ideia é fazer uso da governança e da estrutura na produção do grão para impulsionar a viticultura por meio da criação da Associação de Vinicultores do Cerrado Mineiro (Vincer). “Um dos objetivos é ter um espaço dedicado à vinificação, com capacidade para compartilhar enólogo e otimizar equipamentos”, explica Bambini que, assim como outros produtores, vinifica seus vinhos no Núcleo Técnico Uva e Vinho da Epamig, entre outros locais.

As uvas da Les Amis de Pinhal e de produtores próximos também são vinificadas fora das propriedades de origem, em parceria com a vinícola Terra Nossa.

Além de viabilizar a elaboração dos vinhos de pequenos produtores como Mariana, a Terra Nossa fornece consultoria enológica. Criada por ex-funcionários da prestigiada vinícola Guaspari – pioneira no cultivo de vinhas em Espírito Santo do Pinhal, no início dos anos 2000 (a Guaspari também produz cafés e azeites) –, a Terra Nossa nasceu em 2014 para fazer vinho para consumo próprio. Hoje em dia, além de comercializar seus rótulos, a empresa atende 38 produtores da região de Pinhal e tem capacidade para gerar, anualmente, até 300 mil litros da bebida.

“É uma forma democrática de ajudar as pessoas a desenvolverem seus projetos vitivinícolas”, diz Sepúlveda, um dos sócios. Segundo ele, pelo menos 50% dos clientes que atende são, também, cafeicultores. “Mas cem por cento das uvas que cultivamos aqui foram plantadas em regiões em que já se plantou café”, lembra o enólogo.

Montar uma vinícola não é tarefa fácil. “Não é viável investir em uma estrutura de vinificação própria antes de a produção atingir dez hectares”, acredita Mariana, referindo-se ao custo com prensas, bombas hidráulicas e tanques de fermentação.

Plantio de uvas e cafés

Vinho, café e vulcão

No sul de Minas, Andradas se destaca como um polo da cafeicultura de qualidade. Sua geografia particular, marcada por altitudes entre 700 e 1.300 metros e solos de origem vulcânica, ricos em minerais, cria condições ideais para a produção de cafés especiais.

Se o café é hoje a principal atividade econômica de Andradas, a viticultura também faz parte de sua identidade. Essa tradição começou há mais de um século, quando imigrantes portugueses trouxeram uvas da Ilha da Madeira e iniciaram a produção de vinhos simples, para consumo interno. Depois, chegaram os italianos e continuaram o processo. “Nos anos 1960, a cidade chegou a ter setenta vinícolas”, conta o empresário paulistano Luis Augusto Opice. Atualmente, são seis propriedades dedicadas aos vinhos.

Em 2014, Opice comprou o Rancho da Bela Vista, onde produz catuaí, arara e bourbonzinho com foco no mercado de alta qualidade. Em 2023, resolveu substituir cafezais antigos por vinhedos. “Tenho dois talhões de uvas colados aos de café”, diz ele.

O plantio de syrah e viognier foi um sucesso. “Parece que a terra pediu por uma mudança de cultura. São uvas viçosas, sadias, com boa acidez, taninos e teor de açúcar”, comemora. Vinte e três meses depois, colheu a primeira safra, que, no fechamento desta edição, vinificavam na Terra Nossa. A expectativa é engarrafar 5.100 vinhos, e o empresário já investe num segundo talhão e na sua marca, a RBV, de vinhos e cafés.

Sustentabilidade em dobro

Reconhecida pelas suas paisagens exuberantes, a Chapada Diamantina guarda uma tradição cafeicultora pouco conhecida. A cultura do café existe lá há décadas, mas ganhou projeção com o Cup of Excellence (COE) e a denominação de origem (DO) obtida no final de 2024.

Foi na década de 1980 que os Borré migraram do sul para a Bahia. “Em 1984, houve um movimento de produtores sulistas que buscavam áreas de expansão”, conta Fabiano Borré, CEO da vinícola Uvva.

Situada a 1.150 metros de altitude, a vinícola nasceu em 2022, depois de dez anos de investimentos em pesquisas com uvas viníferas – época em que o governo da Bahia, em parceria com a Embrapa Uva e Vinho, fizeram plantios experimentais na região. “Já tínhamos boa estrada com café”, lembra Borré. Isso porque em 2005 a família, que também produz outras culturas, investiu na produção de cafés especiais. Atualmente, a Fazenda Progresso, em Mucugê – um dos 24 municípios da DO –, tem a maior produção de cafés da região. São 550 hectares de catuaí 144 vermelho e topázio amarelo vendidos para nove países, além do mercado interno, sob a marca Latitude 13º.

Na Progresso, a sustentabilidade é um dos pilares da produção de cafés e vinhos – são cerca de 52 hectares de vinhedos que geram tintos, brancos e espumantes. Entre as práticas, o uso de gramíneas como cobertura vegetal, para preservar umidade e reduzir a temperatura do solo, o uso consciente da água e a aposta no controle biológico. “Temos uma biofábrica onde multiplicamos bactérias e fungos. Na uva, mais de 50% do controle é feito dessa forma”, destaca Borré.

O CEO também faz parcerias com cerca de 25 pequenos cafeicultores da região, que utilizam a plataforma de exportação da Progresso. “Quando um cliente nos visita, nós o levamos até a fazenda do pequeno produtor, que vai contar um pouco de sua história e comercializar seu café, que leva o nome da sua fazenda. Isso atrai um pouco a nova geração”, analisa.

No final do ano passado, a Chapada Diamantina ganhou a Rota do Vinho da Bahia. “Além dos outros atrativos, a Chapada é hoje um destino enoturístico também”, diz Maurício Bacelar, secretário do Turismo do Estado da Bahia. A rota percorre as cinco vinícolas da região – a Uvva, em Mucugê, e mais quatro no Morro do Chapéu, município que já abriga outros quatro novos projetos. “Vejo um potencial grande para o vinho na Chapada, que é começar a atrair visitas”, acredita Borré. “Temos que usar um pouco dessa massa turística e apresentar café e outros produtos, que vão ter a mesma origem”, arremata ele. “Onde mais no mundo você pode produzir cafés e uvas lado a lado? Isso coloca o Brasil numa posição diferenciada também”, conclui.

Vinhedos da Uvva

Enoturismo

De fato, a vitivinicultura tem potencial para abrir caminhos para o turismo, impulsionando não só a venda de vinhos mas, também, a valorização dos cafés e de outros produtos locais. Além disso, o turismo em torno dos vinhedos fortalece a rede de comércio regional.

Lançada em 2024, a Rota da Serra dos Encontros – uma das cinco que perfazem o projeto Vinhos de São Paulo, organizado pelo governo do estado para divulgar a produção paulista – ajudou a alavancar os rótulos do Espírito Santo do Pinhal e, de quebra, valorizar os cafés pinhalenses. “O único lugar no mundo que tem uva e café juntos é aqui no sudeste do Brasil”, reforça Sepúlveda. “Os turistas que vêm de fora do país ficam loucos ao ver pés de café ao lado das videiras”.

Segundo Mariana, a logística fácil, como estradas duplicadas e a proximidade do Aeroporto de Viracopos, também ajudou. “Dependemos 90% do turismo”, diz ela, que faz suas vendas de vinhos para restaurantes, empórios e lojas locais e que vê no enoturismo a chance de mostrar seus exemplares aos que chegam ali em busca de experiências.

A ascensão do vinho na região favoreceu comerciantes. Mariana diz que aqueles que vendiam equipamentos e insumos destinados ao café, por exemplo, começaram a vender para o vinho também, e que a viticultura “deu novo gás” à faculdade local, a Unipinhal, que oferece uma pós-graduação em enologia e viticultura e onde Bambini acaba de se formar.

“Sonhando grande, espero que o nosso vinho possa ajudar o café futuramente”, diz Bambini. “As pessoas não saem de São Paulo para vir ao Cerrado tomar um café, mas vêm para visitar vinícolas. Nosso objetivo é fazer tudo junto”, projeta.

Desafios

Produzir vinhos, porém, não é simples para os produtores de café. O intervalo entre a implantação dos vinhedos e o retorno financeiro é longo, e os custos são elevados. “O café é colhido, seco, armazenado e é uma commodity vendida em bolsa; chegou no preço que o produtor quer, ele é vendido”, compara Mariana. No vinho, além dos processos no campo, o mosto (oriundo da maceração das uvas) fica em tanques de inox por até um ano. Assim, o tempo entre a colheita e o engarrafamento e comercialização alcança, no mínimo, doze meses. “O vinho só ganha com o descanso, seja em barril ou em garrafa. Para nós, cafeicultores, é tudo muito novo”, analisa.

Segundo ela, o maior desafio na cidade é a mão de obra que, tradicionalmente acostumada aos processos da cafeicultura, tem que se adaptar. Com o aumento de turistas na região, a demanda por trabalho é maior do que a oferta de braços. “Temos que formar essas pessoas, porque o vinho é um negócio completamente diferente”. O outro é a segurança, que costuma ser ameaçada com o crescimento urbano. “É preciso criar pertencimento”, diz Mariana.

Para Sepúlveda, a tarefa mais difícil é levar vinho e café brasileiros para o mundo. “Se você não falar que tem o melhor café do mundo, ninguém vai falar”, raciocina. “A uva tem que aproveitar a tradição do café, e o café tem que aproveitar a fama da uva, trazer o turista para entender o café”, acredita ele. “O produtor de café também ganha quando turistas buscam os vinhos da região”, emenda Ulisses Ferreira, diretor-executivo da Associação dos Produtores de Café da Região Vulcânica.

Em busca da origem

A busca por origem das duas bebidas também caminha em paralelo. Criada em 2022, a associação Avvine tem como objetivo elevar a Região de Pinhal a uma denominação de vinhos.

Em busca de proteção da origem dos grãos especiais e atenta ao crescimento do cultivo de uvas (entre outros produtos, como azeites e queijos), a Associação dos Produtores de Café da Região Vulcânica está expandindo a marca coletiva – adquirida em 2021 e usada para os cafés – também para os rótulos. “Esperamos este ano já ter os primeiros vinhos comercializados com a marca Região Vulcânica”, diz Oliveira.

De acordo com seus cálculos, dos cerca de 25 projetos dedicados ao vinho, 30% são tocados por cafeicultores – a região, que engloba doze municípios, contabiliza 12 mil produtores de café. A expansão, acredita ele, está só no começo. “Essa nossa retomada da produção de vinhos acontece pela recente qualidade da bebida e para agregar valor ao turismo”, completa.

Para saber mais: A técnica que transformou a viticultura brasileira

Nas décadas de 1940 e 1950, Minas Gerais e São Paulo produziam vinhos, mas a qualidade era baixa graças ao verão, cuja umidade excessiva favorecia a proliferação de fungos, e os solos encharcados diluíam os compostos das uvas. Como resultado, os vinhos tinham baixo teor de açúcar e, consequentemente, pouco álcool. Com as rodovias, que facilitaram o acesso ao Rio Grande do Sul, a produção no sudeste praticamente desapareceu.

A reviravolta veio nos anos 2000, quando Murilo Regina, então pesquisador da Epamig, trouxe para a viticultura brasileira uma técnica já utilizada em frutíferas: a dupla poda. Durante seu pós-doutorado na França, ele percebeu que o verão europeu tinha condições climáticas semelhantes ao outono-inverno brasileiro: amplitude térmica, dias quentes, noites frias e solo seco. Então, desenvolveu um protocolo para aplicar a dupla poda nos vinhedos.

O primeiro experimento foi em 2001, na Fazenda Santa Fé, em Três Corações (MG), onde o pesquisador encontrou condições ideais para testar a técnica. A primeira safra experimental veio em 2003, e a uva escolhida foi a syrah que, com excelente sanidade e produtividade, tornou-se a principal variedade no manejo de dupla poda – ao lado da sauvignon blanc, cabernet franc e chenin blanc, que têm se destacado nos últimos anos. Graças ao protocolo de Murilo Regina, regiões no sudeste e centro-oeste do país produzem vinhos de alta qualidade.

Texto originalmente publicado na edição #87 (março, abril e maio de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto • FOTO Divulgação

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Brejo paraibano revitaliza sua cafeicultura e faz primeiro evento de café

A iniciativa, liderada pela UFPB, ganha força e será apresentada nos dias 9 e 10 de abril, durante o 1º Encontro de Cafeicultura da região, em Areia (PB), reunindo produtores, pesquisadores e especialistas de todo o país

Colheita de café no campo experimental da UFPB

Por Cristiana Couto

Há um século, a região conhecida como Brejo Paraibano foi um pólo nordestino importante na produção de café. O grão, que praticamente desapareceu na década de 1920, volta agora a ser o centro das atenções do engenheiro agrônomo Guilherme Silva de Podestá: o pesquisador e sua equipe da UFPB (Universidade Federal da Paraíba) estão, desde 2017, revitalizando a cafeicultura da região. E, nos dias 9 e 10 de abril, um evento reunirá produtores, pesquisadores e estudantes para apresentar os primeiros resultados desse esforço e discutir os rumos da cafeicultura local.

Bem servida de chuvas (1.200-1.300 mm por ano) e a 560 m de altitude, o Brejo Paraibano, que abrange cidades como Areias, Alagoa Nova, Bananeiras e Serraria, chegou a ter seis milhões de pés de café. “Algumas fontes dizem que esse volume foi só na cidade de Areia”, pontua Podestá. De qualquer modo, relatos garantem que um produtor desta cidade – sede da antiga Escola de Agronomia da Paraíba (fundada em 1934) – chegou a ter entre 420 e 500 mil pés da planta. 

O vilão da história, dizem os escritos antigos (que são poucos), foi a cochonilha vermelha do café (Cerococcus parahybensis), que ocorre na região (também em Pernambuco e no Ceará). “Acreditamos que não foi somente a praga”, diz Podestá, professor do Departamento de Fitotecnia e Ciências Ambientais da UFPB, que atribui a decadência da cafeicultura local, também, à falta de investimento e assistência técnica para corrigir o solo e devolver a ele os nutrientes necessários. “Também há o nosso veranico, que é muito forte em alguns anos”, acrescenta ele. 

Tentativas de revitalizar Areia e arredores foram feitas depois, sem sucesso. Em 2016, Podestá foi contratado pela UFPB e, com o tempo, soube da história e resolveu investir no potencial da região para retomar a produção – desta vez, com qualidade. 

Guilherme Podestá (o quarto da esq. para a dir., sentado) e equipe

Com o projeto “Resgate da cafeicultura no Brejo Paraibano”, Podestá – que também é orientador do Necaf (Núcleo de Estudos em Cafeicultura), do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da universidade – firmou parceria com a Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), que forneceu sementes de 21 genótipos de Coffea arabica. “O intuito da pesquisa era saber se a espécie se adaptaria à região e quais genótipos se adaptariam melhor”, explica o pesquisador (o projeto, que permite a prática no campo dos estudantes da UFPB, também inclui oficinas, palestras e acompanhamento técnico a agricultores de municípios como Areia, Bananeiras e Alagoa Nova).

Em 2020, foram plantadas seis variedades de arábica, das quais se destacaram arara, catucaí 24137, catuaí vermelho e catuaí amarelo. A produtividade boa e o potencial de qualidade dos primeiros plantios gerou mais parcerias e investimento em cultivo e processamento do grão. “Dá pra fazermos café especial por aqui”, afirma Podestá, que vem recebendo laudos que pontuam os cafés das fazendas experimentais da universidade acima de 82 pontos. “Ontem, recebi um áudio de um Q-Grader que avaliou um arara nosso, com fermentação de 24 horas, em 85,7 pontos”, comemora.

Não é à toa que, em setembro de 2024, a universidade lançou a marca Grãos da Parahyba, que está em fase final de registro no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). A marca vem incentivando ainda mais o cultivo entre os produtores locais. Hoje, são cerca de 40 pequenos cafeicultores que já apostam nos cafés selecionados pela equipe do pesquisador, totalizando 4,5 hectares plantados. “Estamos tendo muita procura do pessoal, que vem adquirir mudas com a gente”, conta ele, que tem parceria com outros departamentos da universidade em aspectos como gestão de resíduos do café e estudos de fermentação. Segundo o pesquisador, os recursos da venda dos Grãos da Parahyba vão servir para investimento em mais pesquisas e experimentos.

Atualmente, a equipe trabalha com 53 materiais genéticos de arábica oriundos de parcerias, e o próximo passo é cultivar robustas amazônicos. “São seis clones que serão plantados daqui a alguns dias”, anuncia Podestá. 

O primeiro encontro

Nos dias 9 e 10 de abril, o 1º Encontro de Cafeicultura do Brejo Paraibano, em Areia, pretende compartilhar essas iniciativas e trocar experiências sobre temas relevantes para a cafeicultura. O evento vai reunir em torno de 20 especialistas do Nordeste e de outras regiões do Brasil. 

A programação inclui palestras, painéis e visitas técnicas a propriedades, abordando temas como qualidade e produtividade, fermentação, torra e degustação de cafés, agregação de valor e o papel das mulheres na cafeicultura.

A UFPB será sede do evento, realizado pelo (Necaf/UFPB) e pela Associação de Turismo Rural e Cultural de Areia (Atura), além de ter como parceiros diversas entidades, como Embrapa Alimentos e Territórios, Governo da Paraíba e Sebrae Paraíba. 

Café e turismo

A cafeicultura local tem sido vista não só como uma oportunidade para a geração de renda, mas também como um atrativo para o turismo rural e gastronômico. “Está-se criando a Rota do Café por Areia, que é um ponto turístico importante”, diz Podestá, referindo-se aos casarões históricos da cidade que é, também, a capital paraibana da cachaça, com 11 engenhos registrados. “O café vai ser mais uma opção”, promete o pesquisador.

TEXTO Cristiana Couto