Compor é estruturar, juntar letras e palavras e escrever. Conversamos com Nando Reis sobre como é o dia a dia de produção da obra de um compositor que é referência para músicos nacionais e que deu forma, modelou e moldou muitas canções
Um quebra-cabeça em cima da mesa. Uma pequena bagunça para fazer as imagens da matéria. E Nando Reis topou todas as tentativas. “Vamos lá.” Cigarro, xícara de café e muitas ideias. “Vocês querem com cigarro?” Vários cliques, mesa arrastada, máquina de espresso funcionando e as fotos foram saindo. Diversão garantida. Muitas risadas depois, começamos com cronometrados quinze minutos que se transformaram em mais de uma hora e meia de muita conversa.
A tarde era tranquila. Nando iria ao jogo do seu time, o São Paulo, com os filhos, que aguardavam devidamente uniformizados. Na sala, alguns discos e o som logo na entrada mostram que ali vive um apaixonado por música. “Gosto de guiar e colocar um som no carro. Eu só não consigo ouvir música e ficar conversando, é estranho. Para mim música não é de fundo, me rouba a atenção e atrapalha a conversa. Não é um dogma, é só a forma como me relaciono com ela.”
O centro da conversa foi o processo de composição. Nando lançou em 2009 o disco Drês, que traz letras e músicas de sua autoria. “Eu adoro. É essencialmente prazeroso. O que mais gosto é de gravar disco para ter músicas para fazer os shows. Componho ininterruptamente. Não tenho o momento de compor para fazer o disco.” Desde 2002, ele mantém parceria com a banda Os Infernais. O processo de gravação de um disco tem uma forma, Nando leva as letras impressas e mostra as músicas no violão. E os arranjos e toda a criação final das composições são feitos em conjunto: “Tenho uma casa na Praia do Lázaro, em Ubatuba. A gente monta o equipamento no terraço e fica duas semanas todo mundo na mesma casa, dormindo e vivendo em função disso. Esta é a forma mais legal, porque fica fora de estúdio, num ritmo de vida mais coletivo. Como somos amigos, é gostosa essa convivência”.
Meu mundo ficaria completo
Compor sempre esteve presente na vida de Nando. Ele já esteve na lista dos dez maiores arrecadadores de direitos autorais no Brasil, de acordo com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), que contabiliza músicas tocadas em shows e execuções em rádio. Isto porque suas composições foram gravadas por bandas como Cidade Negra (Onde Você Mora, com Marisa Monte), Skank (Ainda Gosto Dela e Resposta) e Jota Quest (Do Seu Lado) e intérpretes como Cassia Eller (All Star, Relicário, Cegos do Castelo e O Segundo Sol) e Marisa Monte (Diariamente e Ainda Lembro).
“Desde criança escrevo poesias, dissertações, cartas. Tinha uma comunicação grande por correspondência com amigos que viajavam. Escrevia, desenhava e achava um barato ir aos correios escolher selos. Eu fiz muita poesia e as duas coisas se juntaram: tocar e escrever é a gênese do meu processo de composição.”
A trajetória começou como integrante dos Titãs, mas como compositor Nando criou uma identidade principalmente depois que começou a trabalhar com a cantora e compositora Marisa Monte. “Minha primeira música gravada fora dos Titãs foi no segundo disco da Marisa, com Diariamente. A partir desse momento comecei a trabalhar com muita gente e principalmente com Samuel Rosa, e deslanchou.”
Nando não é sistemático. Coloca como condição para compor estar concentrado e “isto é melhor quando sozinho, por isso eu componho muito no hotel quando viajo”. Em uma dessas viagens para o Rio de Janeiro, Nando conheceu Cássia Eller, na casa de Marisa Monte: “A Cássia era muito, muito tímida. Mostrei umas músicas pra ela nesse dia. Depois ela gravou uma música minha e mais duas outras e, em 1997, nos tornamos amigos e ficamos muito próximos”. Depois, ele esteve por quatro meses no Rio para gravar um disco e… “Invariavelmente eu ia pra casa dela e passávamos a noite inteira tocando, conversando e foi aí que ela me convidou pra produzir o disco Com Você Meu Mundo Ficaria Completo, em que ela gravou várias músicas minhas. Foram três anos de trabalho e a relação interrompida com a morte dela [em 2001]”.
Só cabe mesmo em mim
Nando já declarou em entrevistas que as vozes femininas que ele busca para interpretar suas letras são “uma espécie de canto de sereia do cordão umbilical”, e esta procura está diretamente ligada a sua mãe, que era professora de violão e cantava lindamente. “Ganhei o violão da minha avó e música sempre esteve presente lá em casa. Ninguém na família é profissional, eu que me tornei músico. Mas todo mundo comprava discos, ia a shows, isso desde muito pequeno, e assim continua com os meus filhos”. Em Drês, 12 músicas mostram um Nando que fala das paixões, das experiências, da família, da relação com a filha Sophia (em Só pra So), e em Mosaico Abstrato ele faz um convite para que o ouvinte entre em seus mais singelos e complexos sentimentos: E o que era longe hoje só é aqui/Tem rosto/E nome/De um jeito tão certo que só cabe mesmo em mim.
(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses março, abril e maio de 2010 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).
TEXTO Mariana Proença • FOTO Gui Gomes